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Cai | i COLEGAO DOS PRAMIOS NORE. DE LIDERATURA | MAURICE PATROCINADA VELA AGADEMIA SURCA ‘ MAETERLINCK - O PASSARO mcs wn AZUL MATERLINCK Tradugio de OHELGICA) CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Estudo intrédiativo de i FRANCOIS ALBERT-BUISSON Texto / Poca Ueivang Op, O FRANGOIS ALBER'T-BUL Auton MUwud, ™Melirks nek | Hlustragdes de Professori— ' TOUCHAGUES No de Paginas ag5~JOl EDITORA DELTA Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1962 EDITORA DELTA | | | PRIMEIRO: QUADRO. NA CHOUPANA DO LENHADOR Mitil? Tiltil? Ao levantar-se 0 pano, Tiltil e Mitil esto dormindo profundamente em suas caminhas. Mamae Til ajeita as cobertas uma altima vez, debruga-se sobre os meninos, contempla-lhes por um instante ¢ sono ¢, com a mio, chama Papai Tit, caja cabega aparece no vao da porta enireaberta. Mama Til leva o dedo aos libios, para reco- mendar-lhe siléncio, e sai pela direita, na ponta dos pés, depois de apagar a luz. © palco fica momentaneamente escuro; depois, filtra-se por entre as follas do postigo uma claridade cujo brilho aumenta pouco a pouco. O lam pido sébre a mesa acende-se espont meamente. As duas criangas parecem acordaz, ¢ seniam-se nas camas. mT Mati nT. Vocé esti dormindo? E vocé? MITIL 59 vv Bn nfo. Se estou falando com voc’, & porque estou acor- dado, svn Ja @ Natal? urn, Ainda nao; amanha. Mas Papai Noel nde vai teazer nada éste ano, arn. Por qué? nur, Ouvi mamae dizer que no podia ir & cidade para avisar a Je. Vira no ano que vern. Mri, Demora muito, ano que vem ? ven. Um bocado. Mas ricos. sta noite @e vai a casa dos meninos MT. F vnern. Olhe, mame esqueceu o Jampiio! Tenho uma idéia, Miri 60 rien, Vamos nos levantar? urn proibido. Mas se nao ha ninguém ai... Esti vendo 0 postigo? winin Chi, que claridade | vier Sao as luzes da festa Mri Que festa ? vie. Ta em frente, na casa dos meninos ricos. 1 a arvore de Natal. Vamos abrie 0 postigo. morn. Sera que pode? wen, Claro, a gente esta sdzinha. Ouviu a misica? Vamos nos Jevantar. Os dois se levantam, correm para uma das janelas, sobem mo banquinho © enpurram os postigos. Intensa daridade per metea no quarto, Os meninos otham swvidamente para fora, 61 vir . A gente vé tudo! mitt, (mal conseguindy um lugar apertinto no banquinho) iw no vejo. ivy. Esta nevando, Ole ali dois carros com seis cavalos! mr Esto saindo déle doze garotinhos. vieen. Baba! Sko garotinhas. Merit, Esto de calga. nern, Vocé.entende li dissol?... No me empurre! nevi. Nem toquei em voce. 1 (ocupando © banquinho inteiro) m1 ‘Vocé tomou o lugar todo! mari, Mas se cu fiquei sem lugar nenhum! vue. Cale a boca. Esté-se vendo a arvore. 62 eva, Que a vore? mer A. rvore de Natal, ora essa! Voce esta olhando para parede! mirn, Estou olhando para a parede porque nao ha lugar ‘turn, (cede-the uma ponta insignificante no banquinho) Ali! Agora chega? Nao @ 0 melhor lugar? Quantas luzes! Que porgio! mre Que barulho é ésse que esto fazendo? nie, B misica. Meri 0 zangados? Nao, mas cansa muito Miri. Mais outro carro puxado por trés cavalos beancos! Cale a béca, Olhe, 63 mire, Que & aquile ali, de our, pendurade nos ramos? vue. fio brinquedos, ora bolas! Hspadas, fusis, soldades, eae nhdes. itn, TE bonecas, ser’ que éles hotaratn? veri Bonecas? Que bobagem. Nie acham graga nisso, mares EE aquilo tudo ali, enchendo a mesa? vier, Doces, frutas, tortas de creme, Mire, Eu comi w quando era pequena vn, Eu também. & mais gostoso do que pio, mas servem um pedaco tao pequenininho! erie, La tem até demais. A mesa esta cheia, tudo? Seri que vio comer : mur Claro. Que & que iriam fazer com isso? 64 Merit Por que nao comem logo? ut, Porque nao estio com fome, anit (estupefata) Nio estdo com fome?! Por qué? Porque comem & hora gue querem: mimi (inceédula) ‘Todos os dias? Dizem que sim, Minit Sera que vao comer tudo? Vio dar um pedago? vet, A quem? inn A nbs. vurit Elles nao nos conhecem, Mimi E se a gente pedisse? 65 vita, faz. . Isso ni manu Por qué? ‘wen, 1 proibido, min, (Bate patuas) Que lindest ‘mar. (entusiasmado) Estio sindo tanto! mem Othe 08 meninos dangando! aan. Pois entio, vamos dangar tambéml Palam de alegria, sobre 0 banquinko. eri Ah, que bom! nen. Estio ganhande doces! Pode neni! coment! comem! mar. Os pequeninos também! Ganharam dois, trés, quatro doces! 66 ‘rit (louco de alegria) ! Que bom! Que bon! Ah, que bo meri (contando deces. imaginicios) Bu ganhei doze!. . ree. E eu quatro vézes doze! Mas vou dar uns para voce. Batem a porta da cabana. itn, (perdendo de repente a excitagio, e assustade) Quem sera? mim. (apavorada) Papail Como demoram a absir, a tranqueta se move sézinha, ran- gendo; entrcabre-se a porta, ¢ di passagem a uma velhinha verde, capt vermelhioh cabega Tcorcundn copengnn aie © nariz encosta-se no qt bordio, Sem a menor diwvida, & uma fad capenga e zarolha: <0; vem curvada, apoiando-se num FAD, Vocés tém aia Relva Cantante, ou o Passaro Azul? rn. Relva temos, mas nfo canta... Miri ‘Yiltil tem un passaro. vuern, Mas ésse eu no posso dar. 67 FADA Por qué? ~ mmo. Porque & men. FApA I uma razio, sem divida. Onde esta o passaro? ) -rncrit. (mostra a gaiol Na gaiola, ravn (bola os dealos para exaninac o passarino) Risse ew niio quero: nfo é bem azul, Voce vai procurar aquéle que eu quero, mut Mas cu nao sei onde éle esta. FADA Nem eu. Por isso mesmo é preciso procurar. A rigor, posso dispensar a Reiva Cantante, mas tenho absoluta necessidade do Passaro Azul, % para minha filha, que esté muito doente, vr. Que & que ela teu? ba Ninguém sabe ao certo. Ela gostaria de ser feliz, “4 rr Hein? 68 PADA Vocés sabem quem eu sou? ern, A senhora se parece um pouco com a nossa viinha, Dona Berlingot. FADA (stibitamente ictitada) Absolutamentel Nao ha a menor relagao. Que horror! Sou a Fada Beriluna. nn Ah, muito bem. PADA 1 preciso ir fmediatamente, vier. J senhora nos acompanhat PADA E de todo impossivel, porque hoje de manh botel um corido no fogo, ¢ éle comega a entornar quando eu me afasto mais de uma hora. (Indica sucessivamente 0 teto, a lareira e a janela.) Vocés preferem sair por aqui, por ali ow por ali? (Gmidamente, mosteando a porta) Eu gostaria mais de sair por ali. . FapA (de névo se aborrece repentinamente) B absolutamente iipossivel. Mas que costume idiota! (In- dica a janela.) Vamos sair € por ali. Muito bem. Que € que estéio esperando? Vistam-se depressal (Os meninos obedecem, vestindo-se répidamente.) Vou ajudar Mitil, 09 ninen, Nas nie temo spate rapa Niio tem importineia. Vou dar a ve magico. Onde estio seus pais? és um chapéuzinho VIN, (mostrimee a porta diveita) listo 1a, dormindo, FAD, E; vows e vows? rien. Morreram. papa inhas? Vocgs nao tem? E iemaozinhos © fat és irmiozinhos. Temos, sim. ment. E quatro irmazinhas. PADA Onde estio? um. ‘Também morreram, PADN ‘Vocés querem vé-los de nov 70 nine Queremos, sim! Agoral Mostre para ads FApa Bles ndo estéo na minha algibeira... Mas a ocasiio é étima. Vocés irvio vé-los ao passarem pelo Pais da Saudade. Ena direcdo do Passaro Azul. Logo a esquerda, depois do terceiro cruzamento. Que estavam [azendo quando eu bati? vucrn. Brincando de comer doce. PADA Voces tém doces? Onde esto? 1m No palacio dos meninos ricos. Venha ver, é tio bonitol Conduz a Fada a janela, Fnpa (4 jancla} Biles € que estéo comendo! vir. B, mas como a gente vé wido... FADA Voce nio fica zangado? ven. Por que? nm FADA Porque estin comenda tude. Ache que fazed silo mal em nao dar an ponce a vook ' ricrn, Na 10, porque éles so ricos. ‘1 10 bonita n casa déles, nao é? ENDA Niio € mais bonita do que a casa de voet, nen, Oh! Aqui em casa é mais eseuro, menor, no tem doce. ., YADA exatamente igual. Voce € que nao ve. mtu, Eu vejo, sim, vejo muito bem, tenho uma vista espléndida, Vejo até a hora no religio dla igreja, que papai nao ensergae : FADA (zangando-se stibitamente) Pois ew digo que vocé nao vé coisissima nenhumal Como € que voce ae ve? Como & que eu sow leita? (Silencio cone. trangido de Tiltil.) Entéo, nio responde? (Silencio coda eos mais embaragado.) Nao quer responder? Sou moga ou vel nha? Cor-de-rosa ou amatcla? ‘enho corcunda? ‘mtn, (benévolo) Bom, néo € 14 muity grande. ADA Pais pelo jeito que vocé fé2, parece que é enorme. Meu nariz € adunco, meu élho esquerdo & vasalo? 72 rier Nao, no estou dizendo isso. Quem foi que vasou? FADA (cada vez mais ietitada) Nio é vasadol Atrevido! Oxdindtio! até mais bonito do que o outro; maior, mais claro, azul que nem 0 ¢éu, E meus cabelos, esta vendo? Sao louros feito trigo. Até parece oro puro. E tenho tanto cabelo, tanto, que chega a me pesar na cabega. Espalha-se por todos os lados. Esta vendo em minhas nidios? Ostenta duas mechas ralas, de cabelos geisalhos. mm 1, estou vendo alguns. rapa (indignada) Alguns? Feixes! Bragadas! Tufos! Ondas de ouro! Sei perfeitamente que certas pessoas fingem nao ver; mas voce nao € désses cegos de mau earater, ao que suponho. TILL. Nao, nj escondidos. . estou vendo perfeitamente os que nao esto FADA Mas € preciso ver os outros com a mesma coragem! Os homens so engragados: depois que as fadas comesaram,a morrer, éles nao véem mais nada, nao desconfiam de nada. Felizmente, carrego sempre comigo 0 que € necessario para reanimar os olhos morticos, Que é que cu estou tirando do saco? mm Ah, que lindo chapéuzinho verdel Que é isso brilhante 73 assim, nat rosetr? Fava Ho Diamante Grande, que faz a gente ver, vn, Al! YADA Vocé bot 0 chapéu na cabega e mexe um pouco com o Diamante; da direita para a esqucrda, por exemplo olbe, assim, esta vendo? Bntdo ele calea uma saligncia do evsinio, conhece, ¢ que faz abrir os olhos. Nao tem perigot ADA Pelo contrario, éle tamb mesmo instante o «| nas cois pio, ado vinho, a da pimenta... m € uma fada. A gente vé no 3. Por exemplo: a alma do un. Seed que vé também a alma do agiicae? Eaba (sitbitamente zangacta) Que dividal Nao gosto de perguatas initeis, A alma do agdcar nao é mais interessante do que 9 alma da pimenta, Aqui (em vocés 0 que cu trouxe para ajuda-los na busca de Passaro Azul, Sci perleitamente que o Anel-que-lorna-a-qentecinvisivel ou o Tapéte-magico seriam mais steis. Mas perdi a chave do armério onde estio guardados. Ah, ia-me esquecendo. (Mos. fra 0 Diamante.) Se voct pegar néle assim, est vendo? e dee outza voltinha, tornara a ver o Passado, Mais ontra voltinlia, € verd o Futura, 5 curioso, pratico, e nio faz baculho “4 sath. Papai ndo me deixa ficar com ée ADA Seu pai nio vera. Ninguém pode vé-lo cnquanto estiver na cabega de voce. Quer experinientar? (P3eo chapéuzinho verde na cabega de Tiltil.) Agora, vire o Diamante. Lima volta, c depois... Apenas faz gicar 0 Diamante, sibita e prodigiosa mudanga opera-se em t6das as coisas. A velha fada transforma-se de repente em bela, maravillosa princesa; iluminamese a3 pedras que formam as paredes da choupana: aztlecem como sapiras fornam-se transparentes, cintilam ¢ deslumbeam como as pe. dras mais preciosas. Os trastes humildes se animam e resplan- decem. A mesa de pinho se apresenta com a nobreza ea gra: vidade das mesas de mirmore: 0 mostrador do relégio prsca 9 dlho e'sorri jovialmente, enquanto o tampo de video por tras do qual oscila o péndulo, se entreabre e deixa escapar as Horas: dando-se as mios, as gargathadas, clas se poem a bailar ao som de deliciosa melodia. Espanto justificado de Tilt, que exelama, apontando para as Horas: rier.” Quem sio essas mégas lindas? FADA Nao tenha médo. So as horas de sua vida, felizes poe estarem séltas ¢ visiveis durante um momento, viern E por que € que as paredes sio tio claras? Sao de agiicar? De pedras preciosas? vAbA ‘Todas as pedras so iguais, t6das as pedras so precio- sas: nas © homem $6 vé alguinas, 75 pianis ascii comers, prossegue ¢ eompleta-se teeatasiin, As alas dos Pacs-de-metranile, om Jorma de Jamenzinhos vestidos de malha car ile pin eee eenfa- Linkados. se desprendem al areas © pukum eon ni dla mesa, sre tal fer com éles » Fogo gue, saints dis late vestida de tual cir de enxcfve e vermethito, os perseyuc Ag pategalhadas, mM. Quem sio ésses homenzinhos feion? ssuste, Aproveitaram o vei s-

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