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OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO proposta de trabalho — formar grupos de pais e maes interessados em Tefletir sobre a sua relagdo com seus filhos adolescentes. Abrimos inscrigées para os interessados em participar das Offcinas. A adesao dos pais foi inteiramente livre, sem qualquer controle da escola, cuja direloria apoiava o nosso trabalho. Os encontros foram realizados na escola. (© Grupo Cinco foi realizado segundo a mesma estratégia, mas ‘em uma escola publica de Nova Lima, regido da Grande Belo Horizonte, ‘eteve um funcionamento diferente, pois se constituiu em “grupo aber- to’, também com 0 apoio da escola. (© Grupo que trata de questdes étnicas, com adolescentes ne- gras, foi realizado na mesma escola publica de Belo Horizonte, mas em um periodo diverso daquele em que trabalhamos com os grupos de pais. O Grupo de Alfabetizacdo foi realizado em um abrigo da pre- feitura de Belo Horizonte, com 0 apoio da equine técnica responsével. Embora em cada grupo possam ser observadios todos os ele- mentos do processo grupal, optamos por enfatizar, em cada artigo, ‘uma dimenstio desse proceso em arliculagao com a nossa aborda- gem teérica, Assim, nossa intenc&o é apresentar 0s relatos de grupo ‘como um conjunte articulado com a nossa parte tedrica. Como nosso objetivo é o de construir uma metodologia, procuramos comentar pon- tos positives @ negatives, riquezas ¢ limites. Ao final, inserimos um em ordem alfabética, das técnicas utlizadas nas Oficinas. Ao final do livro, apresentamnos as autores. Aproveitamos a ocasido para agradecer a todos que colaboraram ‘com 0 nosso trabalho: participantes dos grupos, instituigoes que nos apoiaram, diretores de escolas, técnicos de programas sociais, colegas, alunos de graduacao e pés-graduacao, secretarias e, tam- bém, os nossos monitores valuntarios do LabGrupo, onde desenvol- vermos os nossos estudos. ‘Maria Lucia M. Afonso ‘Outubro de 2005, OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO: UM METODO DE INTERVENCAO PSICOSSOCIAL Maria Lucia M. AFONSO O ivinas tem sido um termo aplicado as situagoes mais diversas, designando, geraimente, cada encontro em um trabalho de grupo, Neste texto, é sugerido um uso mais definido do termo: a “Oficina” & um trabalho estruturado com grupos, independentemente do nuime-)> rode encontros, sendo fecalizado am tomo de uma questo central que 0 grupo se prope a elaborar, em um contexto social. A elabora- || 40 que se busca na Oficina nao se restringe a uma relfexao racio- nal mas envolve os sujetes de maneira integra, formas do pensar, sentir agi 4 ‘Como exempios, podemos pensar em Ofcinas com "pais de ado- lescentes com 0 objetivo de rfletr sobre a sua experiéncia, valores e praticas envolvidos na paternagem/matemagem de seus filhos ado- lescentes"; “adolescentes com 0 objetivo de educagao sexu ulhetes com objetivo de elaboragto de questdes de satide ¢ sexualidade"; ‘portadores de deficiéncia, com o objetivo de elaborar questées relacionadas & estigmatizagao social, & auto-imagem e insergdo sociat’ “estudantes com 0 objetivo de desenvolvimento de criatividade", entre outras. Tais Oficinas podem ser interessantes, por exemplo, em escolas, centros de satide, associagdes e entidades varias. A Oficina terd um planejamento basico, flexivel, e se desenvol vyord 20 longo de um niimero combinado de encontros, como veremos. ‘A “Oficina” pode ser ttt nas areas de sade, educagio @ agdes comunitatias. Ela usa informagao ¢ reflexao, mas se distingue de um Projeto apenas pedagdgico, porque trabalha também com os significados afetivos @ as vivéncias relacionadas com o tema a ser cutido. E, embora deslanche um proceso de elaborac&o da expe- riéncia que envolve emogdes e revivéncias, a Oficina também se dife- rencia de um grupo de terapia, uma vez que se limita a um foco e nao. pretende a andlise psiquica profunda de seus participantes. é OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO Utilizando teorias e técnicas sobre grupo, a Oficina é racterizada como uma pratica de interveneao psicossoci contexto pedagégico, c! aqui, ca seja em Origens tedricas de uma forma de intervencao psicossocial com pequenos grupos ‘Se a Oficina pode apresentar pontos inovadores no trabalho ‘com grupos, ela expressa também uma tradigao que vem desde a pesquisa-agao de Kurt Lewin, Longe de se opor a outras formas de trabalho com grupos, como 0 sociodrama, e 0 grupo operativo, tem com elas uma atinidade assumida e nd pretende superé-las nem substitu-las. Tampouco é possivel abdicar de uma analise de con texto institucional quando se desenvolve uma Oficina dentro de uma instituigdo. Essas ressalvas so para mostrar que o profissio- nal que deseja desenvolver “Oficinas” nao pode prescindir de ou- tros estudos em teoria de grupo, Contudo, a aplicagao do trabalho de grupo a uma problematica ao mesmo tempo individual e social com um estilo de intervengao ativa caracterizam uma das interven {G6es possiveis, em psicologia social, e cabe ao protissional decidir ina’, comegaremos por rever alguns pontos bésicos da teoria dos pequenos grupos. Sem a pretenséo de apresentar um texto completo sobre a dinamica de grupo, pro- curamos selecionar 0s pontos principais que fundamentam o tra- balho, Nesse percurso, fazemos uma interrelacao entre as contri- buigdes da teoria de campo de Lewin (1988); da teoria psicodinamica do grupo, como em Freud (1984), Bion (1975), Foulkes (1967) e Pichon-Riviére (1998); da pedagogia da autonomia de Freire (1976, 1980); e da analise das instituigées, como em Enriquez (1997). Mais adiante, no texto, serdo articuladas também as idéias de Braier (1986) e Winnicot (1975). Kurt Lewin e a Pesquisa-Agéo com pequenos grupos Kurt Lewin & reconhecido como 0 fundador da teoria dos pequenos grupos e pesquisa-acao em psicologia social. Lewin nas- ceu na Prussia em 1890. Judeu em uma Europa onde o ant 10 Maria Liteia Me Sno (0g) semitismo crescia, imigrou em 1933 para os Estados Unidos, onde morreu em 1947. Em 1945, fundou o Research Center on Group mudanga social, as forgas que impulsionam ou que resi mudanga, nos pequenos grupos (Maihilot, 1991) Buscando entender como as formas de discriminagao preconceito se reproduziam na sociedade, Lewin estudou as minorias sociais sempre dentro de um contexto psicossocial Entendia que toda pesquisa em Psicologia Social deveria fazer referéncia ao contexto e ter uma abordagem interdisciplinar. A realidade social ¢ multidimensional e, na mudanga social, 0 pesquisador deve partir da compreensao, consentimento ¢ parlicipagao dos grupos envolvidos. Dessa maneira, a mudanga social envolve um compromisso tanto desses grupos quanto do proprio pesquisador. Dai nasce 0 conceito de pesquisa-acdo, cuja base é opequeno grupo (Lewin, 1988; Mailhiot, 1891). Lewin considerava 0 grupo como um campo de forgas, cuja dinaimica resulta da interacao dos componentes em um campo (ou espago) psicossocial. O grupo néio é uma somatéria de individuos €,portanto, nao é o resultado apenas das psicologias individuals e, sim, um conjunto de relagées, em constante movimento. Dessa ‘maneira, 0 estudo dos pequenos grupos deve incluir duas grandes uestdes: (1) por que 0 grupo age da maneira como age? e (2) Por que @ ago do grupo é estruturada da maneira como é estruturada? (Lewin, 1988; Mailhiot, 1991), Como “campo de forgas", os pequenos grupos tém uma es- trutura e uma dindmica. A estrutura diz respeito & sua forma de corganizagao, a partir daidentificagdo de seus membros. A dinami ca diz respeito as forgas de coesdo e disperstio no grupo, e que fazem com que ele se transforme. A dindmica do grupo inclui, assim, os processos de formagao de normas, comunicagao, cooperagao e competicao, divisao de tarefas e distribuigdo de po- der e lideranga (Lewin, 1988; Mailhiot, 1991) ‘A mudanga cultural s6 ¢ possivel se partir da base da sociedade, dai a importancia dos pequenos grupos sociais. A ‘ago dos individuos s6 pode ser compreendida, de um lado, dentro da dinamica de seu campo social e, de outro, pela percepgao social que esses individuos desenvolvem no interior mesmo desse campo social. A mudanga cultural depende da " 2 OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO ragdo entre fatores subjetivos e objetivos (Lewin, 1988; Maithiot, 1991) Além disso, a mudanga cultural provoca atitudes de confor- mismo ou de néo-conformismo e precisa de uma estratégia de comunicagao © ago no campo social. Isso exige mudar: (a) as estruturas da situago social, (b) as estruturas das consciéncias que vivem nessa situacao social e (c) 0s acontecimentos que surgem nessa situagao social. Em outras palavras, é necesséirio criar novas formas de organizagao da comunicacao, da lideranga e do poder em sociedade (Lewin, 1988; Mailhiot, 1991). Lewin usa o termo “adaptacao social” no sentido nao de‘um conformismo social mas sim no de que, ao se comprometer com ‘as mudangas sociais, 0s individuos devem oriar formas ativas de buscar seus objetivos sem romper 0s lagos com a realidade coletiva ou campo social (Mailhiot, 1991) De fato, para Lewin, a postura de uma aprendizagem social ativa e participative se articulava a trés idéias essenciais: (1) a importancia do papel ativo do individuo na descoberta do conhecimento, (2) importancia de uma abordagem compreensiva na intervencaio, que inclufa aspectos cognitivos e afetivos, (3) a importancia do campo social para constiuir e transformar a per- 1.0 proceso mesmo de construgo de conhecimento. Assim, a agao humana nao é o resultado apenas de uma causa extema ou da consciéncia individual ~ mas é fruto de uma realidade indmica onde existe reciprocidade entre consciéncia e campo social uma totalidade dinamica. Os grupos so "campos socieis” ‘onde as pessoas interagem. © grupo ajuda a constituir para o individuo 0 seu"espago vital", sendo, ao mesmo tempo, influéncia, instrumento e contexto para a mudanga social (Maithiot, 1991). (© "pequeno grupo”, ou “grupo de interagao face a face”, & constituido por um numero restrito de pessoas unidas em tomo de objetivos em comum, que se reconhecem como tal, isto &, que partitham entre si a existéncia de pelo menos um trago de identida- dee, em alguma extensao, estao vinculadas pela interdependéncia de sua condigAo, projeto e/ou trajetéria social. E classica a distin- ‘¢40 entre 0 "agrupamento”, que é um mero conglomerado de Individuos sem trago de unigo ou identidade entre si, @ 0 “grupo” que se constitui como uma “rede de relacdes” Na interagaio face a face, os sujeitos se apreendem mutua- ‘mente em um vivido partihado, envolvidos em um processo de co- Maria Lists Me Spase (0p) municagao intersubjetivo, com linguagem verbal e néo verbal, e esto inseridos em um esquema de acao em dado contexto sécio. hist6rico, 0 que implica que, em alguma medida, sem excluir os confltos, partihham de valores, linguagem e praticas socials. O parlicipante do grupo é pensado desde sempre como um sujeito social em que formas de compreender o mundo e de se compreender no mundo séo construfdas em interagdo e comunicagao social (Lewin, 1988; Mailhiot, 1991), Como 0 grupo existe em um contexto social, sua andlise deve contemplar sua dindmica extema e interna, em inter-relagao. ‘A dinamica externa do grupo 6 o resultado (a) das forgas externas (institucionais, econémicas, etc) que sobre ele atuam e (b) da for- ma como 0 grupo reage a tais foreas externas no sentido de receptividade, resisténcia ou passividade. A dinamica interna dos grupos diz respeito & sua organizagao ~ regras, papéis, lideranca e ‘comunicagao~ bem como seu processo de mudanga e resistencia a mudanga (Lewin, 1988; Maithiot, 1991). O trabalho com pequenos grupos visa a pelo menos um dos seguintes objetivos: (a) andlise e compreensao pelos participantes do grupo da sua dinamica interna e externa, referida ao contexto sécio-histérico, (b) experiéncia andlise de seus vinculos sociais @ afetivos, das relagdes interpessoais, consiruldas e vividas atra- vés da comunicacao e da linguagem, (c) compreensao e facilta- {G40 dos processos decisérios do grupo como um todo e de cada participante na dinamica grupal (Lewin, 1988; Mailhiot, 1991) ‘Ao morrer, em 1947, Lewin nao péde conoluir a experién- cia com grupos que havia iniciado no centro educacional de Bethel, € que envolvia o funcionamento integrado de duas dimens6es de um grupo de trabalho: a discussao de seu funcionamento interno e 0 treinamento de suas habilidades. Seus seguidores, nos Estados Unidos, desmembraram essa abordagem, abandonaram o grupo de discussao e repensaram 0 de treinamento, dissociando a iniciagao as técnicas de grupo da experiéncia de sensibilizacao para relagdes no grupo. O grupo de treinamento se desmembrou em Grupo de Habilidades (aprender a técnica de condugéo dos grupos) e T-Grupo (experiéncia do grupo), que recebeu maior atengao como instru- mento de formagao de coordenadores. Mas 0 T-Grupo j4 nao reconhecia uma tarefa a realizar senéo a propria experiéncia das relagdes humanas no grupo (Mailhict, 1991). 13 OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO A contribuigéo de Lewin e sua concepeao de integragao das dimensdes do grupo seriam retomadas em outros contextos, por outros autores, em especial por Foulkes (Foulkes, 1967) e Pichon- Rivibre (Pichon-Riviére, 1998). Uma vez que se propée a interligar as dimensées do grupo, nossa proposta de Oficina segue a pro- posta original da pesquisa-acao, na direcao do grupo de trabalho (ion, 1975) ¢ do grupo operative de Pichon-Riviere (1988), como vveremos a seguir A abordagem psicodinamica do grupo e a Oficina ‘Seo trabalho comas relagées de lideranga e poder é impor- tante, também é importante perceber que, no grupo, essas relagdes esto vinculadas tanto 2 regras conscientemente estabelecidas quanto a motivagdes inconscientes. O processo de reflexdio sera cu no expandido para um processo de elaboraeao, dependendo de: (a) da produgo pelo grupo de insights sobre a propria experiéncia a partir de sua refiexao, e (b) da articulagao de sua reflexdo aos contltos e realizagdes vividos na rede grupal. essa forma, a reflexéio consciente, racional, desenvolvida no grupo, se articula com a emogdo e os vinculos, com a experiéncia, e pode surtir efeitos de mudanca, Mas, para que esta elaboracao possa ocorrer precisa que 0 grupo seja constituide como uma rede de vinculos onde fenémenos de transferéncia psiquica esto presentes entre os membros, entre estes e a coordenagao, entre o grupo e a coordenagao. Para compreendet a vida emocional e inconsciente do grupo vamos recorrer& teoria psicodinamica do grupo, por intermécio de Freud (1984), Bion (1975), Foulkes (1967) e Pichon-Rivigre (1998). AA identificagao e a identidade do grupo Ointeresse de Freud pelos fenémenos sociais pode ser cons- tatado nao apenas em varias de suas obras mas, principaimente, pela grande importancia que ele atribuiu ao “outro” na constituigéo do psiquismo do sujeito. Dois de seus livros foram especialmente marcantes para as bases de uma teoria do grupo: Psicologia das massas e andlise do eue Totem e tabu (Martins, 1986). Freud atribui o desenvolvimento de um sentimento de grupo as primeiras experiéncias em familia e sustenta que existem dois “ Maria Sten de ote (87p) mecanismos psicologioos basicos & unido de um grupo: a ide! ago e a sublimagao (Martins, 1986). A identificagao 6 0 nicleo dos mecanismos psicolégicos que formam a identidade grupal. Os membros do grupo se identi cam com um lider ou com um ideal, assumindo-o como ideal de ego. Essa_vinculagéo com 0 lider ou ideal é que permite que os ‘membros do grupo passem a perceber ou adotar uma identidade entre si, uma identidade grupal. Assim, o amor de siencontra seus imites no amor do outro. O outro (lider, grupo, ideal) 6 ‘como um ideal ~ no lugar de ideal do eu - e portanto existe ai um processo de sublimagao (Freud, 1984; Martins, 1986) Mas, sendo a identiicagio um processo ambivalente, 0 elo que une o grupo também carrega uma ambivaléncia. Deseja-se a0 mesmo tempo estar com 0 auto e estar no lugar do outro, ser o outro, Essa ambivaléncia pode, entéo, ser fonte de tensao e cis- erséo no grupo, especialmente em situagées onde a lideranga fica enfraquecida ou ausente (Freud, 1984; Martins, 1986). As formulagées de Freud serdo retomadas por Bion, Foulkes € Pichon-Rivigre, cada qual com sua contribuigéo, preservando a importancia dos conceitos de identificagao, sublimagao, ideal do eu, @ da introjegao de normas e valores do grupo. Bion e as hipéteses de base nos grupos restritos Piquiatra e psicanalista inglés, Bion trabalhou com grupos 10 periodo da II Guerra Mundial. Sua teorla sobre grupo é desenvol- vida a partir das idias de Freud, mas também reflete a influéncia de Melanie Klein (Silva, 1986; Roudinesco, 1998), Bion parte do principio de que o homer é um sujeito social € que a relagao com 0 outto esta sempre presente, ainda que de forma imaginéria ou simbdlica. O grupo funciona como uma unidade mesmo quando os seus membros nao tém consciéncia disso, Em {odo grupo existe uma “cultura grupal” que é 0 resultado da inter- relagao entre os desejos de cada participante e os valores e normas do grupo a mentalidade grupal (Bion, 1975; Silva, 1986) Para Bion, todos os grupos funcionam em dois niveis: (1) 0 nivel da tarefa, que implica objetivos e regras conscientes, ¢ (2) 0 nivel da valéncia, que compreende a esfera afetiva e inconsciente do grupo. O nivel da tarefa é também designado como “grupo de 18 18 OFICENAS EM DINAMICA DE GRUPO trabalho" e o nivel da valéncia como “grupo de suposigao basic ou de “hipsteses basicas”. Essas suposigdes basicas sao esruturas especiticas de forma de funcionamento que 0 grupo adota para se defender de sua angistia e assim se preservar. Ou se ‘sem olaborar a sua angUstia, o grupo tudo faz para se afastar de sua tarefa, Eis porque a analise deve desvendar a dinamica das suposigdes basicas no grupo (Bion, 1975; Silva, 1986) ‘Assim, a esfera afetiva tanto pode bloquear quanto facilitar a realizagao da tarefa e se organiza em torno de trés "suposigdes basicas': (1) dependéncia: quando o grupo busca protegao no lider, defesa contra sua propria anglstia através da altitude de dependéncia e atitude regressiva, (2) ataque & fuga: quando o grupo alterna movimentos de fuga e agressao, ‘em relagao ao coordenador ou aos seus préprios problemas, ¢ (3) acasalamento (pairing): quando 0 grupo néo consegue realizar suas agdes mas se sente culpado e, assim, posterga sua atividade através da esperanga em “algo” ou “alguém” que vird resolver a dificuldade do grupo. Nesse caso, 0 grupo nega 08 seus conflitos e dificuldades internas, racionalizando sobre eles (Bion, 1975; Silva, 1986). ‘A mudanga de uma suposicao bésica para outra acontece de forma variada ao longo do processo do grupo. As suposi¢oes basicas s40 estados emocionais que evitam a frustragéo relacionada com 0 trabalho, sofrimento e contato com a realidade. Nenhum grupo se apresenta, portanto, apenas como grupo de suposigao basica ou como grupo de trabalho e todo grupo precisa constantemente estar envolvido em seus processos intemos de elaboragao, negociagao e produtividade (Bion, 1975; Neri, 1999). E por meio desse proceso continuo que o grupo pode apre- sentar um “orescimento em 0’, isto é, a possibilidade de elaborar cconfitos @ fantasias est vinculada & realizagao do grupo como grupo de trabalho. Enquanto o grupo esta dominado por uma das suposigdes basicas, paralisado em sua angistia, também a sua possiblidade de percepcao e elaboracao fica comprometida. A ilu- s80 de coesao vem dar-Ihe uma sensagao de protegao contra a angustia. Mas tamibém promove a despersonalizagao dos membi atados que esto a uma estereotipia da regra do grupo, estereotipla que se manifesta também na fala do grupo (Neri, 1999). 'Na medida em que é capaz de elaborar sua angistia @ ca- mminhar na realizagao de seus objetivos, o grupo pode incorporar Mavi ein Me Sao (0ry) essa experiéncia & compreensdo que tem de sie de suas retagoes. Mas, como um grupo nunca deixa de existir nas suas duas dimen- G25 (Suposigao basica e trabalho) 0 seu crescimento 6 um ‘crescimento que também envolve essas duas dimensdes (Bion, 1975; Silva, 1986; Neri, 1999). Assi ingue entre a “transformagaio em K"~ 0 K \vem da palavra inglesa knowledge que significa conhecimento-e a “evolugao em 0" - a letra “O" vem de ought to be, que indica tomar-se, Enquanto 0 conhecimento acrescenta algo a esfera do pensamento, o tomar-se diz de uma transformagéo no modo de set. Oconhecimento é necessério & reflexdio mas é a transforra- {¢d0 do modo de ser que opera um crescimento na vida do grupo (Neri, 1999). ‘A “evolugao em 0” exige, além do conhecimento (K), que o ‘grupo trabalhe suas suposigdes basicas, angiistas, fantasias defesas, incorporando e atualizando 0 conhecimento em seu pro- ‘cesso grupal, a fim de transformar-se de maneira profunda. E des- sa maneira que se torna possivel ao grupo “aprender com a experiéncia’. Ou seja, a aprendizagem nao é uma consequéncia imediata e direta da experiéncia e sim uma construgao, a partir da elaboragdo da experiéncia, tal como percebida no campo do grupo. Nao 6 dificil enxergar, ai, a articulacdo necesséria com o estudo da linguagem e da comunicagao no proceso do grupo (Neri, 1999). Foulkes e a matriz de comunicagdo grupal Foulkes foi um psiquiatra e psicanalista aleméo, radicado ra Inglaterra, onde desenvolveu trabalhos em “grupo andlise". Pro- curouatticulara teoria de campo, de Kurt Lewin, com a abordagem psicanalitica do grupo, especialmente o trabalho de Bion. Vernos, assim, que nossa argumentagao prossegue revelando a existéncia de uma linha de trabalho na articulagao da psicologia social e da psicanalise (Ribeiro, 1995; Foulkes, 1967) Ele considerava que, no grupo, existia uma rede de elemen- tos transferenciais dirigidos (1) de cada participante para o analis- ta, (2) de cada participante para o grupo, (3) de cada participante para cada partcipante e (4) do grupo como um todo para o analista (Foulkes, 1967). © processo grupal se dé no aqui e agora do grupo, ‘entendendo-se com isso que tudo 0 que é trazido para o grupo, WeDBl 18 OFECINAS EM DINAMICA DE GRUPO sejam experiéncias passadas dos participantes ou fatos relacionados ao mundo exterior, é apropriado de forma a se articular a0 processo grupal e receber re-signiticacao. Assim, 0 tampo presente do grupo congrega tantos acontecimentos passados quanto projetos que, atualizados na situagao grupal, podem ser objeto de elaboragao (Ribeiro, 1995; Foulkes, 1967) 0 trabalho com o grupo visa tornar conscientes elementos que foram recalcados na rede e no processo grupal. Para tal, é preciso a andlise das defesas inconscientes tanto do grupo quanto dos individuos no grupo. A “grupoandlise” de Foulkes centra-se no processo grupal, nas interagdes e em cada individuo tomiado nao de maneira isolada mas no contexto do grupo. Assim, a anélise da rede de transferéncias, tal como descrita acima, 6 fundamental (Ribeiro, 1995). No grupo, busca-se promover a interagtio, a comunicagao, a palavra livre, a elaboragao do sistema de valores, aitudes e relagses que nele vigoram. © coordenador deve estar atento 20 campo total da interagdo, ou seja & mairiz na qual as reagdes inconscientes se operam e nao apenas as colocacées individuals. Sao observados ‘8 temas grupais, as formas de tesisténcia, de comunicagao, ete. © grupo deve assumirresponsabilidade pelo seu proceso (Ribeiro, 1995). Entretanto, tal processo ndo se dé sem contitos e anguistas. No grupo, o confto ¢ inerente e pode ser entendido com base na tensfo entre o interesse de cada um e 0 interesse do grupo. O grupo também vive processos contitivos em relagao a figura de autoridade, na medida em que precisa resolver seus problemas de poder ¢ lideranga. Nele, emergem, portanto, confitos de depen- déncia em relagdo ao coordenador, ansiedade e medo diante de ‘seu funcionamento, sua mudanga e tomnadas de decisdes (Foulkes, 1967). Para Foulkes (1967), existem 3 fases comuns a todos os grupos: 4. Fase de tomada de posigao e conscientizagao do seu proces: ‘50: quando ha grande transferéncia para coma figura do terapeuta como 0 salvador do grupo e, em seguida, a decepeao nessa renga. E a fase dos primeiros movimentos de identificagao e projecdio, na qual tende a predominar a “conversa sociavel”, os Maria vie Me Sfoase (Ory. sentimentos de divisdo, a conversa sobre problemas “praticos” 2. Fase intermedia ou de integragao: maior caracterizacao do sentimento de grupo, maior comunicacdo, interpretagdes mix tuas, sentimentos de confianga. maior centralidade no grupo do. que no terapeuta, 3. Fase final ou do encontro com a realidade: fim do grupoxansiedade, sentiment de perda/luto ou sua elaboragao, grupo 6 dinamizado pelas fantasias individuais inconscientes e coletivas, as ansiedades © defesas, que estéo permanentemente presentes, modificando 0s propositos légicos € racionais da aprendizagem humana. Esses fendmenos surgem, organizam-se e funclonam mediante sucessivas identificagdes projetivas @ introjetivas entre os participantes do grupo e 0 psicoterapeuta, emanando da histéria de cada um e entrelagando- Se no grupo (Ribeiro, 1995; Foulkes, 1967). ( grupo é 0 contexto onde se pode reconstruire criar sign cados bem como revivenciat situagdes e relagdes traumaticas sob a luz das relagdes grupals. No grupo, 6 possivel elaborar essas expe- riéncias, através da troca de informagdes, da produgao de insight, da identiicagao, das reagées em espetho e da rede transferencial ‘Quando elas acontecem, as interpretagGes, feitas sobretudo em momento de transferéncia positiva ou de vivénoia grupal profunda, visam esciarecer resisténcias, projegdes e defesas mostrando sua importancia no aqui e agora do grupo @ de seus partcipantes (Ribeiro, 1995; Foulkes, 1967), Levando adiante as pesquisas sobre a psicodinémica do pro- ccesso grupal, Foulkes (1967) introduziu o conceito de Matriz Grupal. Para ele, 0 grupo é uma matriz de experiéncias @ processos interpessoais. A matriz do grupo ¢ uma mentalidade grupal, englo- bando consciente e inconsciente. E constantemente realimentada pela rede de comunicagao no grupo. Os processos vividos expressam os mados como 0s participantes percebem e tradu- zem a matriz grupal, E interessante assinalar que, apesar de expressar grande relagdio com o contexto cultural do qual o grupo faz parte, a matriz do pequeno grupo busca ser dinémica e aberta para incentivar processos de mudanga. 19 20 OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO No grupo, existem fendmenos de “condensacao", através da emergéncia subita de um material profundo, provocado pela acu- ‘mulagao emocional de idéias associadas ao grupo e nem sempre ‘com razdes conscientemente percebidas. E, também, fendmenos de “associagao em cadeia’, quando 0 grupo sustenta um: associagdo em seu dialog, produzindo material relevante. Os membros podem tanto ter reagGes conjuntas quanto subdivisdes ciante de uma mesma situagdo ou tema de conversa (Foulkes, 1967). Para Foulkes (1967), 0 grupo analitico vive em triplice nivel de comunicagao: consciente, onde ha conexao entre consciéncia e representagao através da linguagem; pré consciente, quando hd contetidos subentendidos mas que “alg impede de aflorar & consciéncia; e inconsciente, quando a comunicacao conduz o grupo mas atuando fora da representacao consciente. As dificuldades de comunicagao no grupo podem resultar das variagdes na matriz de comunicagao grupal e das questées emocionais e inconscientes. Assim, as principais dreas de interpretagdo sao: 0s contetidos da comunicagao, 0 comportamento dos individuos e do grupo, as relacées interpessoais, e @ rede de transteréncias (Ribeiro, 1985). Pichon-Riviére e o Grupo Operativo Peiquiatra e psicanalista argentino Pichon-Riviere, comegou a elaborara teoria do “grupo operativo" na década de 1940, buscan- do articular as proposigdes teéricas da psicanélise freudiana e a teoria de campo de Kurt Lewin. Sua compreensao dos “medos bésicos” no grupo e da forma de aprendizagem grupal relacionada a elaboragaio da experincia, em uma rede transferencial, oaproxi- ma também de Bion. Pichon-Rivigre (1998) define o grupo como um conjunto de pessoas, igadas no tempo e no espago, articuladas por sua maitua representagao interma, que se propdem explicta ou implictamente a uma tarefa, interatuando para isto em uma rede de papéis, com 0 estabelacimento de vinculos entre si. Coerente com esta definigao, sua teoria sobre o grupo dé grande importéncia aos vinculos sociais, que so a base para os processos de comunicagao e aprendiza- gem, uma vez que 0 sujeito — como sujeito social ~ se constitui na relagdo como outro. Aria Livia Me ite (Op) O grupo se poe como uma rede de relagées com base em {a} vinculos entre cada componente e 0 grupo como um todo e (b) vinculos interpessoais entre os participantes. O grupo se une em forno de uma “tarefa’ consciente mas também pela dimensao do feto". Em todo grupo, existem dois niveis de atividade mental Um € racional, légico e conectado com a tarefa e outro é intensamente carregado de emogao e conectado com a dindmica luica dos participantes ~ suas fantasias, medos e demandas (Pichon-Riviere, 1998; Berstein, 1986), Assim, 0 grupo tem uma tarefa externa, delimitada pelos objetivos conscientes que assumiv, e uma farefa interna, que significa a tarefa de trabalhar com todos os processos vividos pel grupo, em nivel consciente e inconsciente, racional e emocional, para que consiga se manter como grupo de trabalho e venha a realizar a tarefa extema (Portarrieu, 1986; Berstein, 1986; Pichon- Riviere, 1998). Conforme nos explicam Portarriau e Tubert-Oaklander (1986, .138), 0 grupo operative constitui uma modalidade de processo grupal que, em principio, deve ser: dinamico — permitindo-se o da interago e da comunicacéo para fomentar 0 pensamento e a criatividade; reflexivo ~ uma parte da tarefa 6 a reflexo sobre 0 proprio processo grupal, particularmente quando se trata de compreender os fatores que obstruem a tarefa; e democratico quanto a tarefa~o grupo origina suas préprias agbes e pensamen- tos, em um principio de autonomia, Todo grupo, ao formula os seus objetivos, se propoe a uma mudanga ou realizagao, Mas também apresenta um grau menor ou maior de resisténoia a essa mudanga. Diante dela, evidencia os medos basicos de perda e de ataque, isto é, de um lado, o medo de perder 0 que jd se tem — inclusive a propria identidade - e que se Felaciona a uma ansiedade depressiva e, de outro, 0 medo do des- conhecido, que se liga a uma ansiedade parancica ou persecutoria, Tal resisténcia a mudanga provoca entraves psiquicos e afetivos & ‘aprencizagem e & comunicagao no grupo. Inspirado no flésofo Gaston Bachelard, Pichon-Riviere dé a estes entraves o nome de “obstacu: los epistemoflicos” Berstein, 1986; Pichon-Riviére, 1998). icagao e a sublimagao sao, também para Pichon- Riviére, processos basicos do grupo, onde a identificagdo se apre- senta “miitipla” ou "em rede”. Os processos vividos no grupo geram uma ressonancia nessa rede. Ou seja, 0 processo individual entra 2 OFICENAS EM DINAMICA DE GRUPO no campo grupal provocando identilicagbes e reagdes em cadeia, confore a distancia psiquica entre os membros. Assim ummembro serve de suporte para processos psiquicos de outros membros © do grupo (Berstein, 1986; Pichon-Riviere, 1998), CConsequentemente, 0 trabalho com o grupo visa a integragao ‘de duas dimensdes: (1) a verticalidade, que se refere ahi cada paricipante, e que o leva a uma reatualizacao emocional no grupo e a um processo transferencial, ¢ (2) a horizontalidade, que se refere ao “campo grupal’, consciente e inconsciente, que vai sendo moditicado pela ago e interagaio dos membros (Pichon- Riviere, 1998). No grupo operativo, instrumentaliza-se um processo que passa fundamentalmente pela diminuigéio dos medos basic 0 fortalecimento do Eu e uma adaptacao:ativa a realidade. Hierarquiza-se, como tarefa grupal, a construgéio de um ECRO — Esquema conceitual, referencial e operativo - comum, condigo necessaria & comunicagao e realizagao da tarefa. A tarefa depen- de, portanto, do campo operativo do grupo: sua percepgao, interagao, linguagem (Portarrieu, 1986; Berstein, 1986; Pichon- Riviere, 1998) Mas, se a tealizacao da tarefa acrescenta experiéncia ao grupo, ela também o forga a rever os seus conflitos e formas de ‘organizaco, de forma que o proceso grupal envolve uma constante desestruturagao e reestruturagao desse campo e dos suieitos nele envolvidos (Pichon-Riviére, 1988). No processo do grupo, hé os momentos da pré-tarefa, tarefa @ projeto. A pré-tarefa 6 0 momento em que predominam mecanismos de dissociagao, com finalidade de defesa dos rentos de culpa ¢ ambivaléncia, da situacao depressiva basi- ca, dificuldades de tolerancia, frustragao e postergacao. A tarefa 6 0 momento em que se rompe a estereotipia e se elabora a pré- tarefa, avangando na elaboragao de seu objetivo. Nesse momento, alcanga-se maior operatividade ¢ criatividade, podendo-se sistematizar objetivos e realizar tarefas propostas e/ou novas. No momento do projeto, uma vez alcangado um nivel de operatividade, ‘grupo pode se pianejar (Portarrieu, 1986; Berstein, 1986; Pichon- Rivire, 1998). Em seu ‘projeto", o grupo vai se tornando mais cons ciente e flexivel quanto aos seus papéis, centrando-se no rompi- mento de esteredtipos e mocificagaio de vinculos intemnos e exter- ‘nos. Centra-se no campo grupal. Cada individuo ao se expressaré 22 Karia Livia M. Shpnse (Oy) porta-voz de uma dimensao ou especiticidade feet peciicidade do campo grupal Esses momentos do grupo nao seguem uma légica linear © cumulativa, Pelo contratio, todo grupo apresenta ambivaléncias, 0 gressao, dispersdo diante da constante demanda de sustentar seu roc2s80 e reflelr sobre ele. Isso implica que tenha de estar cor ‘nuamente se reorganizando ese reeriando. Ou seja, que proceda revisdo — em um sentido imagindro, & destruigao de seus ideais ara que possa reconstrul-los dentro do contexto, procurando a tealizago da tarefa, Pichon Rivire aponta eniéo para uma “recriagao isto 6, a recuperagéo de uma imagem do grupo 2s seus objetivos, mas sempre de forma renovada (Berstein, 1986, Pichon-Aliviere, 1998). oa Pichon-Rivigre apresenta a concepgao de uma espiral dialética tos do grupo, ou seja, diante da situacao grupal interpretagao” é gerada e provoca uma des-estruturagao e, a seguir, o grupo responde tentando se trans- formar para dar conta de seu processo, passando a uma reestruturagao, em uma nova situacdo (“emergente"). Cada ciclo abrange @ supera o anterior (Bersiein, 1986; Gayotto, 1998; Pichon. Riviére, 1998) A “espiral dialética” abrange o todo do processo grupal, como um movimento constante entre processos irternos ao grupo, quails Sejam: afillagao/pertenga, comunicagao, cooperagao, tele, apren- dizageme periinéncia. foc llago e partenca dizem respeito ao grau de identiica- 90 dos membros da grupo entre si e com a tarefa. Enquanto a afillagao indica gpenas @ aquiescéncia em pertencer ao grupo, a Pertenga ervolve o sentiment de identificagao, um “nés", com o 9TUPC. A pertenga possioilita a identidade mas também contém a “iferenciagao. A afliagao e pertenga sao basicos para o desenvol- vimento dos outros processos no grupo. A cooperacao pressupde ajuda matua e se dé através do desempenho de diferentes papéis e fungées. Na tentativa de articular demandas do grupo e dos individuos, muitas vezes, surge a com- Peligao. A flexibilizagdio dos papéis é uma forma de se trabalhar esse problema, buscando a co-operatividade. Co-operar nao significa no discordar ou confrontar mas sim atuar quando se é cdimplice {ou nao ser ctimplice daquilo de que se discorda). Cooperagiio e Comunicagao interigam-se e favorecem a aprendizagem. aa 2a OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO ‘A comunicagao ¢ um proceso que eva em conta as redes de comunicagao no grupo, contendo possibilidades e entraves. En Volve também o conflto @ a necessidade de se trabalhar sobre ele. & preciso elaborar 0 que se chama de *malentendido’, e que esta Associado a conflitos diversos, tanto aqueles relacionados & “rganizagao do gripe quanto os concerentes a contltos psiquices. ‘A aprendizagem vai além da mera incorporagao de infor- mages e pressupde o desenvolvimento da capacidade de criar iernativas — por meio dela percebe-se o grau de plasticidade {grupal frente aos obstaculos e a criatividade para superar as Contradigdes e mesmo integré-las. Coma atenuacao da ansiedade asica, 0 grupo pode operar melhor seus afetos @ a tarefa. A aprendizagem esta interrelacionada & comunicagao @ 0 grupo precisa compreender seus obstéculos @ comunicagao para analisar os obstéculos aprendizagem. Ao mesmo tempo, & apenas na dimensao da tele, que 0 grupo consegue deslanchar todos os seus outros processos. ‘Atele caractetiza a disposigdo positiva ounegativa dos mem- bros do grupo entre si. Refere-se as relagbes no grupo, tais como sao percebidas e vividas. E uma disposigao para aluar em conjunto e, assim, pode ser positiva ou negativa. As percepgbes entre os membros do grupo estao vinculadas aos processos transferencial ‘Assim, a tele nos aparece como uma rede de transferéncias. iE importante assinalar que, para Pichon-Riviere (1998), 0 ‘que se encontra no grupo nao é uma ‘neurose transferencial”(p pria da situago analitica individual) mas sim processos trans fetenciais ern urna rede de relacdes. A transferéncia é um processo de atribuigao de papéis ao outro, baseado expectativas insoritas ma vida psiquica do sujeito. Comporta a reprodugao de sentimentos inconscientes que indica a reprodugao estereotipada de situagoes, caracteristica de uma forma de adaptagao passiva, onde o sujelto se vé atado a contitos psiquicos nao trabalhados. Essa reprodugao tem eleito de proteger contra o medo da mudanga e portanto de fortalecer a resisténcia & mesma (Berstein, 1986; Pichon-Riviere, 1998). Apertinéncia refere-se & produtividade do grupo, & sua ca- pacidade de centrar-se em seus objetivos, de forma coerente com Seus outros processes. A realizagao de objetivos dentro de um contexto requer uma pertinéncia do agir que se afasta tanto do Cconformismo quanto da ruptura total do contexto. Esses processos do grupo nao sao esianques e nem linea- res. Ha um constante ir e vir entre 0s momentos. Para Pichon- Riviére (1998), so aspectos do proceso grupal que interatuam, No grupo operativo, a principal fungao do coordenador, apos estabelecer um enfoque adequado para a operacao do grupo, éa de ajudar, por meio de intervengdes interpretativas, 0 grupo a realizar sua tarefa intema reflexiva, a fim de colocar-se em condigdes de desenvolver sua tarefa externa. A explictagao e interpretacao dos fatores implicitos no acontecer grupal permitem aos membros to- mar consciéncia e enfrentar obstaculos que, a0 permanecerem inconscientes, teriam continuado a interlerir com a realizagao da tarefa externa (Portarrieu e Tubert-Oaklander, 1986: 137), Paulo Freire e os Circulos de Cultura © que um educador teria a acrescentar a um proceso de grupo? Uma concepgao de aprendizagem dindmicaem que a motivagao do educando ea relacao da aprencizagem com a vida sejam fundamentais e em que essa dinémica seja empreendida pela ago de um sujeito social, na jé famosa citagdo: “ninguém educa ninguém, as pessoas se educam umas as outras, mediatizadas pelo mundo.” Podemos entender, ainda, dentro da concepeao de Pichon-Riviére, acima exposta, a unidade entre aprender e ensinar, dentro do campo operativo do grupo e a partir da sua rede de transteréncias (Pichon-Riviate, 1998; Instituto Pichon-Riviére, 1891; Freire, 1976 e 1980), Iniciando seu trabalho de educagao de adultos na década de 1950, no Brasil, Paulo Freire procurou formilar um método de leitura que levasse nao apenas ao aprendizado de uma habilidade formal (letura) mas a uma compreensao critica do sujeito sobre seu con- texto (leitura do mundo) e de si préprio nesse contexto. Propds entéio um método dialdgico, baseado na linguagem ena cultura dos sujeltos que estavam aprendendo aller e a escrevere que eram desde sempre possuidores de um saber por serem sujeitos de uma cultura. Assim, ‘aassimetria de pader no aprendizado seria questionada pelo fato de ‘que o saber nao é algo que alguém dé a alguém, mas é produzido em interagao dentro de um contexto (Freire, 1976 @ 1980) __ Oenfoque dialdgico e rellexivo sobre as condigbes de exis: tancia ¢ a auto-organizagao do sujeto dentro dessas condigbes ‘supde uma dialética da autonomia e heteronomia do sujeito no 25 26 OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO contexto. Ou seja, a aprendizagem era uma realizagao de um sujeito da linguagem, em interagao social. Conforme escreveu Freire, assim como néo é possivel inguagem som pensamento e lingua ‘gem-pensamento sem o mundo a que se referem, a palavra humana mais que um mero vocdbulo ~ & palavragao, Enquanto ato de Conhecimento, a alfabetizagso que leva a sério 0 problema da tin ‘quagem deve ter como objeto também a ser desvelado as relapbes os seres humanos com seu mundo (Freie, 1976, p. 49) Feunidos em grupo, no chamado “clrculo de culty altabetizandos empreendiam uma tarefa de se educarem. Para tal, precisavam vencer uma série de obstaculos nao apenas cognitives mas tamioém ideol6gicos, isto 6, precisavam vencer a visa ingénua de seu estar no mundo, para problematizar esse mundo e poder expressé-lo em uma nova linguagem-compreensdo (Freire, 1980). (© trabalho de alfabetizagao se dava, |& em seu in indamentado no levantamento de formas linguisticas e de questoes relevantes vinculadas & cultura e & vida dos educandos, em seus contextos, Era com base neste inventario que se construfa toda uma sequéncia de apresentagao da lingua escrita e se confeccionava 0 material didatico. Cada “aula” era também um tencontro de reflexao sobre temas vinculados & vida dos educandos (Freire, 1980) . ‘Cada encontro era organizado sobre um tema ou uma ‘palavra geradora’, assim chamada porque codiicava varios aspectos da cultura do educando, estimulando a sua leituracritica. A seqdéncia do método era: apresentagao da palavra geradora, decodificago jago-problema, retomo a palavra-geradora, trabalho com as iagao de novas palavras com ouso labas, exercicios de escri ‘Assim, enquanto uma "nat se abria para a leltura, em um proceso triticizador’. Simples no que dizia respeito aos recursos técnicos, fo come do método centrava-se na possibiidade de sensibilizar & relletir em tomo de situagGes existenciais do grupo: situagbes- problemas, culo debate desatia o grupo a reflexdo e aprendizagem (Freire, 1980) - E interessante notar que, para Freire, a aprendizagem s6 se realizava como processo de problematizagtio do mundo e, assim, Marin iota M Sate (8p) a arte de assoclar idéias era tao importante quanto a “arte de dissociar idéias", essencial para uma critica das ideologias. Dissociar e associar sao processos importantes para apercepao da ldgica do nosso pensamento, e para que possamos nos repensar a partir dessa percepgao ativa e critica (Freire, 1976 e 1980). Existem, entre 0 grupo operativo de Pichon-Rividre e o circu- lo de cultura de Paulo Freie, afinidades ligadas especialmente a uma compreensao da aprendizagem como um processo dial6gico, ‘onde os processos de comunicagao e seus entraves precisam ser objeto de andlise.No caso de Freire, esta andlise revela as cconcepeses ideolégicas que reproduzem o assujeitamento do edu- cando. No caso de Pichon-Rivire, a andlise inclui todos os ele- mentos conscientes e inconscientes que perturbam, no grupo, a realizacdo de seu projeto. Para ambos, o coordenador nao pode se colocar como 0 detentor da verdade, mas sim como alguém que trabaiha com o desejo do grupo e com os entraves & aprendizagem @ a elaboragao (Pichon-Riviére, 1998; Instituto Pichon-Riviére, 1991; Freire, 1976 ¢ 1980). Grupo e Contexto: a Vertente institucional Trabalhando com pequenos grupos, em seu contexto sécio- institucional, 6 preciso nao perder de vista 0 impacto que as presses @ 08 atravessamentos institucionais trazem para a dindmica interna do grupo. Definindo a organizagéo como um sistema cultural simboico @ imaginario, Enriquez (1997) aponta sete niveis (ou instancias) que deveriam ser integrados em sua andlise: a instancia mitica, @ icional, a organizacional, a grup individual e a pulsional. Nao podemos nos deter aqui na explicacao detalhada desses niveis, mas podemos apontar a necessidade neles expressa de uma anélise que articule processos sociais intersubjetivos bem como o simbolismo eo imaginérrio social com ago, interagao e comunicagao dos sujeitos social O cardter ambicioso dessa tarefa é visivel e, assim, é pre~ ciso assumir recortes no campo social estudado, estabelecendo focos e, com base neles, reconstituindo o escopo da andlise. Em ‘outras palavras, a instancia do grupo pode, em um trabalho de analise, se constituir no foco onde as outras instancias se articulem. Nesse caso, as relagdes no giupo serdo mais detalha- a7 28 OFECINAS EM DINAMICA DE GRUPO das e aprofundadas e suas relagdes com as outras instancias abordadas. Nessa perspectiva, conforme afirma Enriquez (1997), 0 pe ‘queno grupo pode ser um lugar privlegiado para a compreensaio de fendmenos coletivos. Combinando relagdes de produgao.e de aleto, ‘opequeno grupo oferece manifestagbes de organizacao, expresso, solidariedade, criatividade dos membros que remetem tanto ao con- texto do grupo quanto ao contexto social. Para Enriquez (1997), na medida em que 6 portador de um projeto, 0 pequeno grupo é ao mesmo tempo analista e atorde sua aco e, portanto, da produeao de sua consciéncia no contexto de sua acao. Entendemos que a andlise do proceso grupal precisa articular a dindmica das relagdes e dos elementos subjetivos ao ontexto de onde emergem e as instituigges que as conformam para se organizarem de uma forma particular. As idéias que um ‘memibro tem sobre o projeto do grupo esto correlacionadas a ideo- logias © discursos sociais e expressam os conflitos dessas jaologias e discursos tanto quanto da subjetividade do membro fem questéo. Aeste atravessamento das ideologias e praticas socials rno grupo podemos chamar de transversalidade. Entretanto, reconhecer que a elaborac&o no grupo pode atingir co nivel da ideologia € das instituiges & apenas um pressuposto {e6rico geral que néo nos ajuda a definir o &mbito das intervenes particulares. Em que medida uma Oficina com hipertensos visando ‘sua melhoria diante de um quadto de satide deve estar respaldada em uma critica ao sistema de satide? Ou s concepgbes ideolégi- cas sobre satide © doenga? Certamente, esta medida néo pode ser dada de anteméo pelo coordenador, pois € 0 grupo que a pro- duz em seu processo. Mas, podemos dizer que diferentes focos de intervengao podem levar a diferentes produg6es, e isso é um produto do préprio grupo. 'A rede de relagées institucionais onde 0 grupo esta inserido estabelece limites e possiblidades, faz pressées, tenta negociar, {rata de desconhecer, boicota ou apoia. A coordenagao do grupo deve estar atenta para esses movimentos. Mas, para 0 grupo, a critica a essas transversalidades deve ser possibilidade e nao obr- ‘gacdo. O carater obrigatério de uma tarefa reflexiva assume um ontorno autoritério, contrério ao objetivo de autonomia. Ou seja, 0 (grupo é quem escolhe a sua tarefa, produz 0 seu proceso e elabo- Fas seus confitos, produzindo também a sua consciéncia. | | | Maria Leia Me SHfonse (6p.) Uma vez que se reconhece a interligagdo dos niveis grupo, organizagao.e instituigao, a producao do grupo podera transitar por esses niveis, sem a obrigatoriedade de produzir uma critica to totalizante, poderiamos insinuar ~ ou de chegar a uma verdade absoluta, isenta de toda e qualquer dimensao imagindria. Pelo contrario, a elaboragao do grupo pode aleangar o nivel da instituigao e da sociedade, procedendo a uma cri ca, mas sempre sustenta um ponto de vista particular e jamais deixa de reconhecer 0 seu carater local e imaginario, Assim, 0 quo © grupo produz nao é uma verdade absoluta mas uma forma de representar e recriar a sua identidade e suas relagbes com o seu contexto. E neste enfogue que trabalnamos com Oficinas. AAté aqui apresentamos uma sintese dos autores principals, cujas teorias nos serviram para a construgao da metodologia de Oficinas em dindmica de grupo. O Quadro 1 apresenta a relacdo desses autores ¢ suas principais contribuigdes, Nos capitulos seguintes, vamos abordar o planejamento ¢ a coordenagao de Orl- cinas, com a incorporagao de outras contribuigdes tedricas. De fato, a articulagéo teoria-pratica na construgdo e condugao da OfI- Cina é ingispensdvel para que esta nao se veja esvaziada de sentido. 29 OFICINAS EM DINAMICA DE GRUPO QUADRO 1 ~ Referéncias tec Grupo icina em Dinamica de ‘Autores bisleos para a metodologie de Otiinas de Dini principals contibuigses ea de Grupo @ suas ‘Lewin DA Pesquss-atdo come fos do mudanys Ide mudare também aces aeso0sc0s Pronseeoe gpa. pater aga, cooperacacveompe Ppl do contdenador:namizarao da co Imoseagtori gupo cos process greis avocados, 1 como base peninénc, Papal ccorenador: Ana na ransea prosassos grupals 2a ‘ealaopao ca taela exes sista reorecerts). Recimensdesconsciante eincons ocean no presse gat o de calura: aprender em grupo no rocesros ieresoonede. Iredeagomesina-soerratapen “pas ctr logs, conmbuigses para a construcéo sigh da Oteina om Dindmica Ge tert: rem romemoro, marlcoordenar, seaports oesnaci ‘fupo predea har com ave angie © Seba Suse relagoes para do conte Sous obits, pel do condenador: anal as delesas E2Rfuse,dnstaras rossaos decom 1 fae caro forma dea com a angi ta de ge, 30 Maria Stein Me Spente (61) Construindo a Oficina; Demanda, Foco, Enquadre e A Oficina deve ser um trabalho aceite pelo grupo, nunca imposto. Isto pode significar que 0 grupo, como um todo, encomende a intervengao ou que, ciante da proposigao da Oficina por um terceiro ~ como no caso de uma escola publica que propée a Ofic- na aos pais ~0 grupo venha a acelté-a ¢ dela se apropriar. Muitos trabalhos realizados em instituigdes de satide, educagao ou em projetos sociais tém esse cardter. Nesse caso, a aceitagdo ¢ apro- priagao da Oficina pelo grupo 6 fundamental. E @ coordenagao da Oficina tem um papel importante, ja no primeiro contato com 0 ‘grupo, de escuta e adequacao da proposta ao grupo. Podemos apontar 4 momentos de preparagdo da Oficina: demanda, pré- andlise, foco.e enquadre, e planejament Demanda A anélise da demanda é um ponto complexo na psicologia social pois é conhecido o processo pelo qual os grupos e individuos fazem uma primeira “encomenda’ ao profissional para, em seguida, ir definindo, com maior ou menor dificuldade, outras demandas implictas ou inconscientes (Enriquez, 1997). ‘Ainda que a demanda do grupo se diferencie da proposta 220 longo do processo, é preciso revera sua vinculagao com proposta original e tentar definir 0 que continua justificando 0 trabalho, Isso significa que a Oficina vai se articular em tono de um contrato nda que este venha a ser reforrnulado, Esse “ontrato inal que define um foco de trabalho, 08 Grupos-cientes, “entig outras coisas, servira de fio Condutor para o processo. ~~ Coma instrumento de intervenedo psicossocial, a Oficina pre- cisa estar ligada a uma demarida de im grupo. Todavia, nao se trata, aqui, da mesma concepgao encontrada na atividade clinica privada, onde o profssional oferece um servo e espera pela chegada dos clientes ~ embora ele também possa ser um caminho. Mas, falamos mais propriamente da existéncia de uma situac&o que envolve elementos socials, culturals ¢ subjetivos e que precisa ser trabalhada em um dado grupo social. Pensemos, por exemplo, nos servigos de satide - 0s grupos de pacientes com necessidades 3

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