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LUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Aeitor: Ronaldo Tadéu Pena Vie Reitor: Heloise Maria Murgel Stating EDITORA UFMG Diretor: Wander Melo Miranda Vice-Diretora Silvana Céser CCONSELHO EDITORIAL Wander Melo [presidente Catios Antoni Leite Brando are Racha Guimaraes Marcio Gomes Soares, das Gragas Santa Barbara Maria Helena Damasceno e Siva Megale Paulo Sérgio Lacerda Beiréo Silvana Céser Antoine Compagnon LITERATURA PARA Qué? Tradugao Laura Taddei Brandini Belo Horizonte Editora URMG 2009 ee Frace com do La Liat pow a ae? le sepa por ui ei sem atria eta de Er | Bani adel ava Ti. Se con:aat cov:sz02 jel Uaestira a FHS rte nema ASSISTENCTA EDITORAL Guedes eprromngio oe renos: REVISHOE NORA evISHODE PRA! ravETO GRAFICD: FORMATAGROE CAPA: Re 20005 F0 GRAFICA Waa EoroRA Uru. Sumario Nota da tradutora Literatura para qué? Nota da tradutora No dia 30 de novemibro de 2006, as 18 horas, 0 anfteatro do Collége de France, replto, fazia sil@ncio pera ow a conferéncia que ineugurava os cursos da nova cétecra de literatura da instituigéo. Numa sale ao lado, reservade agueles que néo tinham convites, as pessoas se sentavam até mesmo no chao para assist letura de "Literatura para qué?",transmitida por um teldo. Terminada a conferéncia, todos aplaudiram com ‘entusiasmo, alguns ainde at6nitos pela justeza e pela beleza do texto que acabava de se apresentar. Em tempos em que se \é cada vez menos, senhores e senhoras distintos, professores e estudantes esperavam ansiosos pela resposta @ questo-titulo, capaz de justificar 0 tempo gasto com um livro, uma escolha profissional ou até mesmo uma paixdo. Ainiciativa da tradugdo da Auta Inaugural de Antoine Compagnon nasceu do entusiasmo por ela suscitado e revivido nos anos que se seguiram, sempre &s tergas-feiras, pontualmente as 16 horas e 30 minutos, no mesmo anfite- atro, diante de um piiblico igualmente interessado e fiel. Os cursos ministrados por Compagnon foram e ainda so os mais disputados do Collage de France, um lugar no anfiteatro custando uma hora e meia de espera. Procurei reconstituir em portugués os atributos do texto francés, destacando sua clareza de construgéo € expressdo, Pensando no leitor, lancei méo das tradugdes brasileiras das obras citadas pelo autor, a fim de proporcionar- ie, em notas de rodapé, uma pequene bibliografia de apoio em lingua portuguesa, Ja as citagdes de obras que ainda esperam por uma verso em portugués foram por mim tradu- zidas. Também redigi notas de cunho explicativo, buscando elucidar ao leitor brasileiro algumas referéncias familiares 0 pailico francés. Laura Taddei Bandini B ace anpagen Literatura para qué? istrador, Senhoras e Senhores professores, Tomando a palavra neste lugar, uma agitacdo se apodere de mim, pois vejo-me novamente na primeira vez em que atrevessei as portas desta casa~para, aqui, deparar- -Me com gigantes. Acabara de ser admitido em uma escola viainha; ere por vota de 1970; eu tinha 20 anos: Paris era uma festa das ideias. A mae de um amigo havie ma aconselhado a visitar 0 Collage de France. Eu havia vindo, consultado a lista de cursos - tao espantado quanto o narrador de Em busca do tempo percido dante de coluna Monts anunciando @ Berma em Fedra — e, numa manh, nao sem apreensao, Penetrei em uma sala de aula, l6 no alto, néo sei mais onde Porque desde ento tudo se transfigurou. Encathido na titime flea, cuvi um homenzinho que parecia um passaro fri. le analisava — minuciosa e suntuosamente — ‘um soneto de Du Bellay como eu nunca havia visto e nem imaginado que se pudesse fazer. Logo soube seu nome: convidado por Claude Lévi-Strauss, era Roman Jakobson que eu acabara de ouvir, 0 imenso lingusta e especiaista de postica que atravessou todo 0 século XX, de Moscou a Praga, depois Nova lorque e Harvard, Diferentemente do narrador depois de Fedra, essa primeira vez no havia me decepcionado. Pude refazer-me dessa visita? Torna-se professor aquele que néo soube deixar @ escola? Tendo encontrado 0 caminho do Callége, ele me ‘trouxe até aqui. Enquanto me preparava para ser engenhei assistia @ outros cursos entre essas paredes: 0 de Michel Foucault no ano em que ele deu Vigiar e punir, ow a aula inau- Gural de Roland Barthes, cujo curso, na Hautes Etudes,’ eu havia frequentado nesse meia tempo, Um colega me lembrou, hd pouco, que, no curso de Claude Lévi-Strauss, haviamos ouvido juntos Julia Kristeva que, mais tarde, orientaria minha tese. Foi assim que o ensino do Collége de France pide acelerar minha converséo tardia das ciéncias para as letras. Guez de Balzac alertava para @ conversao inversa’ var a eloquéncia pela matemstica, dia em 1628, é repuciar uma amante de dezoito anos e se apaixonar por uma velha."? Velha, a matemética? O “grande” Balzac estava errado, mas a literatura continuou para mim uma “amante de ' Geole de Houtes Etudes en Sciences Sociales, renamadainstiuigéo de ensina superior de Pas. (N. 67) *BBLZAC, Jean-Louis Ger do. Carta 2 M. do Tissandy, 29 de margo de 1628. I Girres compres, 165, |p 362 10 sine ongaton dezoito anos”, ¢ un dos meus professores também nao tinha razao quando me avisava, no momento em que eu tomava 2 decisdo: "Nao seria melhor permanecer um engenheiro humanista?” Perdoem-me por evocar essas lembrangas antigas: icam a divida que sinto diante dos senhores, que no imaginam tudo 0 que falta & minha formagéo de letrado, tudo 0 que nao |i, tudo 0 que nao sei, pois, na matéria para @ qual os senhores me elegeram, sou quase um autodidata. Entretanto, ensino literatura hé mais de 30 anos e fiz dessa pratica meu trabalho. Mas - como continuarei a fazer aqui — sempre ensinei 0 que néo sabia e tive como pretexto as aulas que eu dava para ler 0 que ainda ndo havia lido: e para aprender, enfim, o que eu ignorava Nao certo de que os senhores aceitariam meu projeto de cétedra e, depois, minha candidature, perguntava-me: “Eles nao verao as incongruéncias?” Depois, refazia-me pensando que o impostor seria o professor seguro de si, aquele que saberia antes de pesquisar. Entretanto, vinham- -me 8 mente os grandes nomes que ilustraram a literatura francesa moderna no Collage de France desde um pouco mais de meio século, de Paul Valéry a Roland Barthes, de Jean Pommier a Georges Blin, depois, dentre os professores eminentes, estes que pensaram em me chamar para perto de si, Marc Fumaroli e Yves Bonnefoy, bem como os membros © Instituto de Estudos Literdrios que me apresentaram a sua assembleia, Carlo Ossola e Michel Zink, @ quém dirijo minha gratidéo. Pata me acalmay, lembrava-me de Emile Deschanel, condiscipulo de Baudelaire em Louis-le-Grand e pai de Paul, efémero presidente da Repdblica. Em 1901 - ele tinha 82 no final indo gravemente uma ‘amiga que ela reprovava por té-a deixado pelo professor, “essa besta de Deschanel! professor para mogas! ~ escre- via Baudelaire de maneira premonitéria ern 1866 ~ perfeito representante da literatura menor, divulgadorzinho de coises vulgares".* Mas mesmo assim foi autor, na Revue des Deux ‘Mondes, em 1847, de um estudo sobre Safo e as lésbicas ‘No mesmo momento em que Baudelaire dava as Flores do ‘mal este titulo bombéstico, “As lésbicas” Senhor Administrador, caros colags, sinto-me equeno diante da tarefa que seré a minha aqui, depois de mestres admirdveis, e € com humildade que Ines agradeco pela honra e pela confianga que me concadem acolhendo-me entre os senhores. eee Cog Louis te-Grand, de Paris, onde estudaram grandes nomes da cutura francesa, (N do T) “BAUDELAIRE, Chats, Carta Natiss Ancol, 18 de fevoceio de 1866. in Correspondence. Pais: Gama, 1973. Ip 610. (Bade) 12 Arto Coneaen Senhoras, Senhores, Por que @ como falar da literatura francesa moderna @ contemporanea no século XXI? Séo as duas questdes sobre com os senhores neste momento, Ore, de tratar. Por isso, tentarei responder © porqué é mais inicialmente ao como. Duas tradigdes de estudos literdrios se alternaram desde o século XIX na Franga, assim como nesta casa. Sainte- -Beuve ja distinguia “diferentes maneiras, diferentes épocas: do século XVIII, exemplos de gosto e esclarecimentos tendo-se em vista teorias classicas @ contestar as teorias até entao reinantes” e a associar as obras-primas, suas belezas, bem como seus defeitos, “3s circunstancias da época, ao contexto social”. Ele observava a mudanga com perspicécia: "A critica, mantenda seu objetivo de teoria sua idefa, tomne-se[...]histbrica; ela se inquire e leva em conta as circunsténcias nas quais as obras nasceram.’® Teoria ¢ histria, os senhotes ouviram, eram os termos de Sainte-Beuve para designar as duas "mansiras” da critica, a antiga ea nova, e so ainda dois dos subtitulos que eu quis dara esta cétedra: “Literatura francesa modema e contemporanea: histéria, critica, teoria £SAINTESEUVE, Chries-Augustn, Panes de Pascal [n Ponvats ‘contemporans Paris: M. Léry, 1871, p 197 aeeanaanagat 13 A tradig&o teérica considera a literatura como una e préprie, presenca imediata, valor eterno e univers tradigdo histérica encara @ obra como outro, na distancia de ‘seu tempo e de seu lugar. Em termos de hoje ou de ontem, falar-se-é de sincronia (ver as obras do passado como se elas nos fossem contemporéneas) e de diacronia (ver ou tentar ver as obras como o paiblico ao qual elas foram destinadas). Uma oposigdo vizinha ¢ a da retérica ou da poética por um lado, e da historia literdria ou da filologia por outro: poética se interessam pela fim de deduzirregras ou mesmo leis (a imitagdo, os géneros, as figuras); his ‘erdria € filologia se apegam as obras no que elas tém de Gnico e de singular, de irredutivel e de circunstancial (um texto, um autor), ou na que elas t8m de (um movimento, uma escola), € explicam-nas por seu contexto. Neda resume melhor as peripécias dos estudos 1s neste pais do que a sucessao de cétedras de lite- ratura francesa no Colltge de France, As primeiras, no fim do século XVIll € inicio do século XIX, foram ocupadas por ‘cléssicos”, antigos endo modemos, segundo os termos da famosa Querela:® 0 abade Jean-Louis Aubert (1773-1784), 0 abade Antoine de Courmand (1784-1814), Frangois Andrieux {1814-1833). Todos os trés eram poetas, Aubert, fabul © O.utorse rele & Queroa cos Amigos dos Modemos qs, no nao séeulb Deeps os parties da cig itera compreenida como reramitogéo hos autores da Antguidde Clssca as defenseres da concerta da obra teria como una emul das obras esses autores. (N dT) 14 sine arpaton siveis ao pré-romantismo contemporaneo, bem como da relatividade hist Durante o primeira tergo do século XIX, @ flologia, nova cisciplina ~ historia de lingua e ortica de textos -, comecava, entretanto, a ser aplicada a do Renascimento ¢ a da época cléssica. Sucederam-se entéo aos cléssicos os historiadores da (1833-1864), fiho do grande fisico onense,” sigisbéu de Madame Récamier, amigo de Chateaubriand e de Tocqueville. A cétedra de francés modemo — a0 lado da qual hava sido criada uma cétedra de “Lingua e literatura francesas na ldade Média", om 1853, por Paulin Pars — foi em seguida ocupada por Louis de Loménie 864-1878), autor de uma Galeria dos contempordneos ilustres, por um homem de nade (1840-1847), e editor de Beaumarchais, depois por Paul Albert (1878-1881) ¢ Emile Jf citado, autor de Romantismo dos cléssicos (1883-1886). Todos os quatro historiadores da literatura ndo traba- no mesmo sentido: os dois primeiros, Ampére @ Loménie, tinham ainda um qué de amador e de antiquério erudito, ao passo que seus sucessores, Albert e 7 niéMasie Armire (1775-1836), ator de imgertantesestuds sobre seto- ‘indica, N. de) Deschanel, dois normalistas portanto os primeiros profis- sionas, foram, em contrapartida, conferencistas virtuoses. Depois dos poetas necctéssicos do fim do Antigo Regime até a Restauragéo, dos sdbios homens de socie- dade sob a Monrquia de Julho e o Segundo Im universitérios mundanos da somente com Abel Lefranc, chartista,® secret do Collége de France, ¢ geégrafo da guerra um conferencista ilustre, mas antidreyfusard" e convertido, Ferdinand Brunetiére, 0 diretor da Revue des Deux Mondes, 8 ocupou a cétedra por mais tempo que todos os outros, até 1936. ‘Sob 0 nome de “Poética” com Valéry — poeta como 0 primeiras titulares —, 0 ensino da literatura no Collage de France reatou, entretanto, com a resisténcia & historia a partir de 1937. Valéry ndo pensava nada de bom dos historiadores da literatura: "Esses senhores nao servem para nada, ndo * Bcaluns da ool Normale Supérieure, cere int frencesa,N, de) * Ealunadaco2 Nationale des Chae, renomads instiuiglo de ensino superar pasion especilizeda no estudo de documentos antiga e do patimério Fistio.N. de T) "© Tiet-se de queen oreiPeracole oGrandgosioy pide Gaga, segundo Dreyis na * Ceractrizaaquelas que se posconarem conta 0 capo Al famosa poléica que diva Fang no fia do século XO xo do XX. As ves cores a Dreyfus reresentaver ideas antissemitas enaconastas. (Wet) 0 de onsno supor 16 Ano Canpaion dizem nada, Séo prolixos mudos. Nao tém nem mesmo divides sobre 0 que esté em questéo. O proprio problema Ihes é estranho. E calculam indefinidamente a idade do capitéo."" Mas, por um movimento pendulr, seu sucessor em 1946, Jean Pomme, foi de novo um historiador mesmo se, em homenagem a Valéry, ele quis combinar poética de sua cétedra: "Historia das criagies da obra @ ao gbnio da criagao: as moralidades, as influéncias [..] so 0s meios de dissimulagéo dados a crftica para mascarar sua ignordncia do objetivo e do tema’, censurava Valéry, Acusava-se o formalismo de imitaro texto 10 abstrato e andnimo, a “uma solugao andnima ou aqui mesmo Georges Blin, pois coube a este coneiliar 0 melhor das duas tradigées. Com ele, 0 estudo lterétio teve @ ambigéo de reencontrar 0 "conhecimento disciplinar das obras na comunidade de uma épaca e sob o priviégio de um destino”, segundo a definigao ecuménica que ole deu na aula inaugural da cétedra de “Literatura francesa moderna", em 1966. Paul Cars Pat: Galimard, 1974, tI p. 1187. Pad) Georges. a Cribuse de bie itv ais; José Cot, 1968 9.29. comesaru ae cue» 17 No inal do século XX, a velha disputa da histéria e da teoria, ou d fologia e da retorica, variant tardia da Querela dos Antigos e dos Modernos, enfim néo mais teve razdo de ser. Roland Barthes, que por muito tempo desconfiara da emogao e do valor, voltou @ eles em suas aules no Collage de France ¢ em seus ditimos livros. Depois Marc Fumaral pelo viés da histéria de retérca, concliou soberbamente as das grandes tradigBes consubstanciais do estudo lterria ‘Sem desconhecer a tensdo secular entre criagdo e histéria, entre texto € contexto ou entre autor e leitor, por minha vez, proporei aqui sua conjungéo, indispensavel 20 bem-estar do estudo literdrio. Talvez porque eu tenha vindo a este inocentemente e por vias in sentido, a inimizade facticia da poética e das humanidades. Teoria e histia seréo, portanto, minhas "maneiras", ‘mas nao mais no sentido no qual Sainte-Beuve as concebia, idacao dos preconceitos de toda pesquisa ou, ainda, perplexidade metodolagice; e histéria significaré u quad literério que preocupagao com © contexto, atencao para com 0 outro e, consequentemente, prudéncia deontalégica 16 Arte Conpagion Quanto as palavras “literatura moderna e contem- Pordnea” no titulo de minha cétedra, elas certamente pres- crevem bal & periddicas — do Renascimento a0 século XX, ou de Montaigne a Proust -, mas sobretudo assinalam o desafio que hd muito tempo estimula meus trabalhos: penetrar a contradigéia que afasta e aproxima etemamente a literetura @ a modemidade, tal qual o abrego dos amantes malditos no soneto “Duellum”, de Baudelaire, Pols gostaria que meu ensino estivesse em contato diteto com a situagéo da literatura hoje e amanh8. A teoria e a histéria serao as maneiras, mas a critica - quero dizer, 0 julgamento ou a a 340 — serd sua razdo de ser. Albert Thibaudet evoca em algum lugar a maravilhosa escada de dupla revolug’o do castelo de Chambord para mostrar a ‘cumplicidade da histéria e da critica literdrias:"* a historia que Temete 0 texto a suas origans, ea crftice que o traz para nbs, Aqui seré necessério imaginar uma hélice trinla, pois os tras fios da te © da critica tomam-se essenciais Para amarrar 0 estud literdrio, ou para reatar com ele na plenitude de seu sertido, Para mim, depois dos tempos da ‘teoria e da hist6ria, veio o momento da critica, como quando Sainte-Beuve, se ouso a aproximag&o, anunciava ao final dos Retratos literérios: “Em critica, jé fiz suficientemente 0 papel de advogado, fagamos agora o de juiz,”"® "*Tatase de “Lesoaier de Chembord” (A escada de Chemterd, argo do t* de argo de 1835, publica na Nowrele Revue Frangaiae recentemente ne

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