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Bioética, eutanasia e cuidados paliativos: dos desafios cotidianos aos grandes dilemas Introdugao ‘Culdados patiativos? © que isso significa? A maioria dos pro- ‘iosionals de satide em nosso pals, sem falar do publica em geral, Draticamente desconhece © significado, ndo sabe da exsténcin do Grogrames e servicos de cuidados paliatives em insttuigoes de Enéde no pais e, quando ouve algo sobre uma aco ou medida palistve, © entendimento vai no sentido de que se tata de uma rego ow medida que na verdade nao resolve um determinado prov Freee a desaffos mas apenas “coloca panos quentes”,e «realida~ Re permanece inaterada, Felzmente esse horizonte de visto © Compreensio esté mudando com o surgimento em portugues de Dubllcagdes pionelras sobre o assunto. "0 escopo deste trabalho & tecer algumas reflexbes bioéticas itrodutérias em relagio 8 tematic dos cuidados palitivos, En teens aqul biodtica como 0 resgate da dignidade humana ¢ Gargualdade de vida, sum momento critco da cxisténcia humana gh gue as pescoas estio enfrentando a morte iminente © inevite Yel (Pessn, Banciaronrate, 2002). Nosso roteiro de reflexéo iniclase com uma breve apresen- tagdo da teria de base da medicina modema, segue na busca do {jue entender por cuidados paliativos. avanca apresentando sua losofia, aprotindendo o paradigma da cura e do cuidado. Sto presentados cinco refeeencial cos fundamentals na implemen taydo da medicina palatva: a verdade, a proporcionalidade tere- pita, o referencal do dupio efeto, a prevengéo e 0 ndo-aban sean O alivio da dor e 0 cuidado do sofrimento, bem como & nutrigso © a hidestaplo, que se situam no coragio dos euidados palistivos, $40 vstos em sequida. A relayio profissionais-pacien- fe, que pretende ser humanizadora, bem. como 0 deal buscado da morte digna, em pez sem abrevia¢ao, de um lado, ou prolonga- ‘mentos fitels e initeis, de outro, concluem nossa trajet6ris, 6.1. A teorla de base da medicina moderna Segundo obiottiitanort-amercano Jes Drene, que om refcigo sobre caladoe palatvos, ri mécion& epre txpresso de una orld medic, Anes Ga medi cone: borane, com sus supose de base preaes, una tora © Sm pc di oan ro Osram os ‘A medina greco-romang weave uma teri poeta cuttin dads nu raglo ene oe asete a oar ogo, ‘ar, ‘igua, terra) ou entre os humores do corpo humano Gangue, fla be amare ble nage), A sade te eenada heat {tora como harmona ov equi dow humors, A dota era vista como deseqlrio on excess de um dos component. A praca mtn eave vlad pre restbecer 0 oqo fa porn ded, de an acy oo ca a. As Des icons contumavan or hats, a meltnagreco-romana ange no er ace (.prssuponoe béeos que btm sara hurl > smegaram sui no fal da Reascocs com 0 cme drt. Inu. dr flog da paotkclaga eae, da merobiologa inode, Pero do fal de abo XD a donc moderna ie ts torr goes torre tora operon! base farcoretepringpa durin acetal A dono feo 3x tomarse medina canes. Os poets eam eaminas pels lentes du cnc ats come pares do corpo Mi Jo aue Sh psa neg Acne ra ee jes rd A edna moderna em orgem na medica em Fund: spon discs jth errr pee Seu Toco so as partes Go erp Tea ro, tcde, Cala) docte. Os pencantes ue ssum caso ora 0 ‘esnecializam em alguma parte doente expecifa (por exemple, Bhrologisas, urologists, cardiologistas, dermatologisias, orto- ecistag, ginecolopstas, podologistas, paeumatnlogistss). Os e3- Pecalistas dentiicam a doenca e entao usar fortes drogas © Tecrologias para elini-la, A pessoa do paciente & reducida & fie patologa fisica e tratada agressivamente, A meta da medic a madera ¢ aliminas @ patologia em partes especificas, e ess iheta & persecuida até o préprio final da vida. Esté intograds 3 fan teoris médica contemporanea estrlta uma metéfora militar, que expliea a prétice da medicina moderna. Guerra nesta re- afore tar significa uma guerra total em ver de uma teoria de (guerra justa. (0 presidente Nixon declarou guerra ao cincer) A fhorte de am pacente significa que se perdeu a guerra. A downga Treomaiderada o inimigo © 05 médicos travarm uns betalha contra fle, Os médicos pedem baterias de testes e buscam projéteis ‘higcos, Consideram-se na linha de fogo ou nas inncheias. As Uelelas podem fornarse invasivas e atacaro sistema de defesa do Corpo, O psincipal médica € um ciungiso “genera” (ger). catia eu eae extio miltar estreito de medicina as muitas ovat intervengdes efetivas que 05 doentes Duscam em todo © Phun. Nos Estados Unidos, a televisdo ¢ inundada com andn- ts de remédios em que algum pacente diz “A medicina moder Heaslvou minha vide" E certo que a medicina centfica moderna Salvow vidas e prolongou muitas outres. Mas hé um lado proble= wMitico nessa potente teoria médica modema e em seu estilo com respondente de prética. ‘Quando a medicina moderna, agressiva c estreita, continua 8 ser eplicada 0 final da vida, seu resultado pode ser horrivel Com efeito, as vezes a consegiénca 6 Wo horrorosa que quem 2 We se afasta dizead; “Nao quero morrer desve jeito” ou “Nunca Mier passer por nada disso”. A coicentragio na cura de partes Gentes ocuta as necessidades da pessoa coma umn todo — espe ‘Galmente as de culdados, companys e alivio da dor e do sofr- ‘hento no final, O foco nt cura debea de lado a atengdo que mésicos C enfermeiras poderiam dar se a visser como objetivo mésica dlido, Os movimentos sociopaliicos da Europe ¢ dos Estados Unidos volados para legalizar o suicidio e a eutandsia ato uma {eagt ac fracasso da medicina dominanta em tratar a tnevitab Hidade da morte e do morrer. Tudo indice quo o movimento vat continuar a ganhar (mpeto enquanto a dor € 0 sofrimento no final dds vida ndo merwcerom atencao da corrente médica dominante Inoje em nossa sociedade. ‘A insatisagdo com a8 prticas da corrente dominante da me- dicing moderna, espectalmente no final da vida, explica 8 eriacao {do hospice, bem como o desenvolvimento da nova especialidade Imédiea chamada culdsdos paiativos. Em ambos, retira-se 0 foo fo alague agressivo a partes do corpo e da derrots da inimige porte. O foco € a pessoa intoira oa qualidade de vida do paciente na fase final A tooria ou concepeo médica de base mals holstica (Dave, 2003, p. 415-417, McCovsmian, 2004) 6.2, A medicina paliativa/culdados paliativos: ‘uma visio alternativa © termo “paliativa” deriva do voegbulo latino pallium, que significa manta ou coberta. Assim, quando a causa niio pode ser ‘umada, ov sintomes sto “tapador” ou “cobertos" com tratamen- tos espeuificos, por exemplo analgésicos. Em inglés Palliare pode fer tredurido por aliviar, mitigar, suavizar, Referese 2 care (cul dar} em vex de a cure (cura) segundo os pioneiros ingleses. Vela mos 0 significado cm portugues: Pliar (do lat. tard, Paliare “alstagee, “aos 8) eo Cobre com flea aparéncia, dlsfarcar,dssimulsr, encobrit b) {omar sparentemente manos duro, menos desegradveb ate- hnuay ne epartnca, enteter, ©) remediar provisoriamente, ‘atwar Paleo, Adi. 1 que serve pars palin 2) Terap. Que Serve pare acalmar, stent ou alivlar momentaneamente un mal. Sm 3 Quakqur tretamento que apenas fomece aii, (de duragdo varvel, a um doente (Nova Auto: o cicions fio da lingua portuguesa ~ Séeule XXD. ‘Multos bioeticistas vio sugerir a utlizagdo de wma termino~ toaia alternativa no lugar da expresso medina palitva al como ‘medicina de acompantamento ou de cuidadas continvades. Mas fe expressdea “modicina palatlva’, cuidados paliatvas” ji esti ‘raticamento consagradas na literatura médica e 0 termo palit to se consolidou em seu sentido nobre e avo e no no sentido pejorative. 0 termo implica 0 enfoque holistico, que considera niio so- mente a dimenséo fisiea, mas também as preocupacdes psicolo- ‘rows, socials e espirtuals do existir hnmano. A medicina palit Jaafirma a vida e econhece que o morrer é um processo normal, Nao busea acelerar a morte, muito menos adiar 0 inevitével des- fecho final, obceceds pela tirania da cura "0 tratamento paliativo € somente uma parte dos culdados paliaivos, 0 euidado paliativo é definido pela Organizacio Mun. dial da Sade como co cuidado ativo total das pacientes cua doenga nfo respon (ds mais a0 tratamento curavo, O controle da dor e de outros ‘Gintama, © culdado dos problemas de ordem psicol6aica, Sociale espinal so 0 mais importante, O objetivo do cut- ‘clo pallavo ¢ consoguir 2 melhor qualidade de vida pas Sivol para os peclontes © suas familias (Wor.o Heat Oncavczanon, 1980. p. 19). Essa definiglo da OMS é louvdvel porque enfoca 0 paciente © reconhece que eada paciente ser& parte de uma rede social mafor Su femfia, Define o-conceito de “Tamia” pode ser dic, Talves Saja aconselnivel incair aquelas pessoas que tém significado para paciente, determinadas pelo paciente. Essa definicfo pode ineluir oe ado relagdes aangliness, Além disso, a definicZo da OMS pro- ura abordar a natreza multifecetsda da condicio humana (helistica) © consectéentemente reconhece o importante papel ave Gesempenhario os profissionais a famfia. Também identifea © ‘bjtivo das cuidados palativos como a melhor “qualidade de vide possvel pare o pacientee a fain". "A molor entica dessa definicho da OMS é ao enfoque no termo “tratamento curativo", Esse elemento da defiigto no & taro e deika espaco para falsas interpretacbea, O enfoque na (cura néo ajuda, pois desenvolvimentos médicos com trequéncia Fesultargo ha situagio de pacientes viverem com daengas pro- (pressivas por periodos considerSveis de tempo (O'BNEN, 2008) Mais recentemente 3 OMS redefiniu cuidados paliativos: ‘Cuidado pelstivo é » abordagem que melhor a qusidad de Sia doe pacientes © sure falas que enftentam problemas Tasoclados com doengas ameaadoras de vida através dt pre- ‘Tenet edo ava da sofrimenta, com meios de identifies precoce,avalogd0 correia tatamento de dat. € ours pro~ ‘lemar de orden Misca,pscossoctal e esp! (SeruaDa et st, 2002) 0 tratamento palliative fundamentalmente visa wo controle da dor e outros sintomas, ideslmente num conten de cuidado que hhonra as necessidades psioldgicas, socials eespirituals do pacien- te, Entre os pacientes com cincer avangsdo os sintomas fisicos ‘mais comuns so: a) dot; b) fraqueza, normelmente associada ‘com anorexia e dexnutrigie;c) problemas de pele e boca: d) pro bblemas respiratérios; ») desordem mental ongénica importante que comecemos com uma reflexdo répida sobre a natureza da dor. A experiéocia de dor carsctersticamente on- ‘contra expressio num "comportamento de dor” que é reforgaco pelo senso angustiante de dano no préprio corpo, O fata de que fatores nfo-fsicos esto envolvidos na experiéncia da dor néo somente é amplamente reconhecido na pritica dos cuidados pa- Nativos, mas até certo ponto a reforga: Vitios esos avatiaram as ftorespslcoligieos que inftuen- clam a severidade da dor em paciontes com cincer. Bsses fatores sho 0 maior detarminanto da severdade da dor erm pacientes com doenga avangada. Um sentimento de deses= peranca eo modo de marte prime, mats o sofamento tote tos pacientes ea exacerbaglo de sua dor. identiicacso de ‘components fsioos o nlo-fkicos 6 essencal para a provisio. ‘de tratamentos apropriados. O Canceito de “dor total” para ‘barcar todos os aspectos relovanes 6d Ble inci estima los Msicos nowiais © também fatores psicolégices, sociais © ‘pitas (Gomsx, 2000, p. 259) Por causa da gama complexe de fatores envolvides na experién- cia de sintomas fisics, tals como a dor, os culdados palativos tém ‘como modelo de cuidade uma equipe de abordagem cujo corsco Incl uma eafermeira, am médico, uma assistene social, um. con- selheiro € um capelio, Nessa equipe as médions so responsiveis ‘Pela avaliagdo e pelo tratamento da dor e outros sintomss, ‘Sea razio de ser do tratamento palivo como parte da pritica da medicina 6:0 controle dos sintomas de desordem orga hea para reduair a extensio daquilo quo impodo nossa partlha {de bens bésicos, ent2o temos um critério que nos eapacita 3 dis tingulr usos apropriados de usos inaprapriados de tratamentos paliatvcs, Em geral, 08 teatamentos palalvos contribuem apro- priadamente para o objetiva geral de cuidado paliativo — capa- Citar a pessoa que est morrendo a viver to plenamente quanto posthicla prépria morte —, enquanto contvelam os sintomas fi Ecos que interferriam com outras allvidades que valham j pena, ‘como oragao, didloge com a familia e amigos, buscando a recon~ ‘dliagio com 08 outros, entre outras atividades ‘O rratamento palitivo, especialmente na forma de sedagio, «6 inapropriade se € usado como uma “solugao" para a angistia terminal, A angistia terminal 6 un estado de mente atormentado (que diz respeito a problemas emocionais nao resaividos e/ou ‘onfites interpessoals, ou a meméris inflizes escondidas ¢ que freaientemente apreseatam un canteido de culpa. *e angista terminal nfo causada por mat funcionamento orginico ou dano, mas pela pespria percepgao © compreensio da tisuagdo, Por excmpio, existem pacientes que podem pensar que ‘sua conci¢ao é inaceitavel ou indigna por causa da dependtacta t falta de controle isco, ou som esperance por causa da meméria oloresa de experitncias conflivas de relacfonamento com 08 foutros, memérias que agora incomexlam. O éesafio & lidar com tessa angistia mental, no pelo caminho da supressto da conscian- Ga através de sedagio, mas por aconselhamento © assstencia spiritual (Waco, 1988) 6.3. A Mllosofia dos culdados paliativos {A filowofia dos culdados paliatvos: a) arma a vida e encara fo morrer como um processo normal; b) ido apressa nem ada a norte ¢) procure aliviar a dor e outros sintomas angustiantes: d) Integra os aspectos psivolégicas e esprituais nos cuidados do paclente;¢) oferece um sistema de apoio para ajudar os pacientes 2 viver ativamente tanto quanto possival até a mort; f) oferece tim sistema de apoto para ajudar a familia @ Vidar com a doenga Go paciente © oom seu préprio ito (Pessiwy Bertacrnt, 2008) ‘Uma pensamento de Cicely Saunders, a grande pionelra do revimento moderno do hospice, taduz com muita Felicidade a tsséncta da filosofia dos euldados paliativos: “Eu me importo pelo ato de voct ser vooe, me importe até 0 dthno momento de sus vida e faremsos tdo 0 que estd ao nosso alcance, no somente para ajudar voot a morrer em paz, mas também para voct viver fté-o dia da morte” (Saunens, 1906), "A medicina pabistiva se desenvolveu em grande parte como resultado da visto e ingpiragio inicial do Dame Cicely Saunders, fandadora do St. Christopher Hospice em Lndres, mm 1967. Du trante secuos, “hospiclo” significava um Tugar de repouso pera ‘lajantes ou peregrinos. A palavra sobreviven em conexao com os hhespitis conventiais 08 aslos, Para a Dra. Saunders, essa expres- ‘a0 fo! importante pois queria dispensar um fpo de culdado que ‘ombinaria 3p habildades de um hospital com as da hospitaidade feo calor de una pousada, No hospice, 0 centro de interease se ‘desloea de doen para o pacionte © sua familia, do processo pa- toldgice, para a pesson. "A todicina paliatva se desenvolveu como uma reagto & me- dicina modema alamente tsenicista quo prioriza a cura em detri~ ‘mento do euldado. O paradigma da cura inci as vitudes “mnita- ‘ra de comiater e perseverar na uta contra a doenga. O paradigma fo culdado, peo contro, tem came valor contral a dignidade furnana, enfatizando a soidariedade entre 0 paciente © 0s profis~ Slonals Ga saide, uma aitude que resulta numa compalxéo efetiva No ethos da cura “0 médica 6 0 general’, enquanto no paradigma Go culdado “0 paciente & 0 soberano". Nao obstante a medicina paliativa ter sido descita coma “de baina tecnologia ede alto contato fhumano”, ela ndo se opie & tecnologia médica, mas busca assequ- far que seja 0 amor, para além da cléncia, 2 forga motriz que determine 0 culdar do pacieate {Twecxoss, 200. TAS agaes de culdados de saide hole so sempre mals marcs- as pelo "paradigma da curs’, earacterizado basicamente por ‘culdados erficos e medicina de alta teonologis. A existencia ser- ‘pre mais numerosa de UTIs em nossos hospltns exerpliica essa Praldade. A medida que as prestagbes de servigo do sistema de fuuide tomnenrse sempre mais dependontes da tecnologia, slo ‘eixadas de ledo praticas humanistas ais como munifestagao de sapreto, preocupagi0 e presenca solidéria com os doentes. 0 “cul dar” surge no mundo tecnol6gico da medicina moderna shmples fnente como prémio de consolagzo quando o conhecimento e as Tbilidades técnlcas nfo conseguem vencer a morte, | | © paradigma de curarfacimente toma-se prisionelro do do nfnio teenol6nico, Se algo pode ser feta, logo deve ser feito. Tem- ‘im idolatra a vida fisica ¢ alimenta @ tendéncia de usar o poder ‘da medicina para prolongar a vida em condigées inactive. Tal idolatria da vida ganha forma na convicgdo de que a insbilidade para curar e a impossibilidade ée evitar a morte séo falhas da fnodicina moderna, facia dessa logica & que 9 responsable de curat termina quando o8 tratamentos estéo esqotados. ‘Um outro eino de feitura e compreensio comeca & ganhar forga. £ 0 paradigms do caidado. Vejamos algumas de suas oa raclovsticas. Na perapectiva desse modelo, aceitamse o dedinio fea morte como parte da condigao de existéncia do ser humano, {ima ver que todos nés softemas de uma condiga que nao pode fer “curada, pots somos criaturas mortais ¢ finitas, A medicina ‘nko pode afastar a morte indefinidamente. Em algura momento dda vida, a morte inevitavelmente acaba chegando. Quando @ te- ‘rapla médica nfo conseque mals atingir os abjetivos de preservar ‘2 sade ou aliviar 0 sofrimento,tratar mats se torn uma futida fe ow um peso. Surge entéo a obrigagao moral de parar o que & tmedicamente iat e intensficar os esforgos para amenizar 0 des~ conforio de morrer ‘0 paraidigma do culdar nes permite realsticamente enfrentar ‘os limites de nossa mortalidade e do poder médica com uma faitude de serenidade, A medicina orientada para 0 alivio do fotrimento estaré mais preocupada com a pessoa doente do que ‘Com a doenge de pessoa. Nessa perspective, cua nao € o pré- fio de consclacao pela cra nio obtida, mas parte integral do tatilo © projeto de tatemento di pessoa a partir de uma visio Integral que segundo Callahan dove sempre ser considerads prioritria (Canara, 1990, p. 19). ’A prioridade €¢0 coldado sobre a cura, A dor 8 sofrimento| ‘dos pessoas devern sempre roceber a mais alta prioridade no ‘sistema de satide. Ambos 80 essenciaimente experiéncias pes Soais, embora passamos freqleatemente observar seus efeitos. A Julnerabilidade provocede pela doenga exige uma resposta que é fo cuidado. ‘Para alguns termo cudado ransinite sentinentalsmo ¢ sua ‘vidade, uma vaga ambivaldocia de sentimentos, antes que um es- oreo sistemlico que faa ums diferenga efetiva, Iso € sintomstico de uma tendéncia da medicina agua e de alta teenologia, que em sua confortavel presungio se julga como restmente ferendo algo para as pessoas, em contraste com 9 mero “segurar as mos”. Callahan contesta essa compreetisio preconceituosa do cul- ‘dado, 0 culdado pode ser entendido como uma respasta emocio- nal de apoio a condicao e @ situagdo de outra pessoa, resposte ‘cujo objetivo & afirmar nosso compromisso com seu bem-estar. nossa doterminago para estar com elas om sua dor e sofrimento fe nosso desejo de fazer o que podemos pare aiviar sua situsgo. ‘Cuidar de alguém é dar a ele nosso tempo, atencao. simpatia fe qualquer ajuda social que possamos prover para tomar a situa- (fo suportivel », s0 ne suportivel, pelo menos que nunca leve {40 abandon, O culdado deve sempre ter prforidade sobre a cura, pbelas razdes mals Sbvias: Nunca existe uma certeza de que nossas ‘oengas possam ser curadas ou de que nossa morte possa ser tevitada, Eventualmente elas podem e devem triunfar, Nossas vi- X6rias sobre a doenga © 2 morte sio sempre temporéries, mas ‘orsas necessidades de apolo, culdado dante delas sao sempre peemanentes (Casasun, 1993). ‘Nilo eaistiria algo de anacrOnico, e até mosmo arcaico, em priorlzar 0 cuidada sobre a cura? Isso nfo desculdaria da esséo- ‘ia da medicina clentifica em sua empreltada de encontrar cura ppara as doengas antes que estabelecer 0 cuidado? De forma ne- hihuma, erescimento firme das doengas crénicas, a emercéncia ce liaites econdmicos em muitas possiblidades de cura, « insa- tistaggo om relagdy @ uma medicina impessoal empurram nove Imente & questéo para o primeiro plano. ‘A certeza primeira que todos exigimos & de que seremos uldados em nossa doenga independentemente do tipo de cura. CCertamente 6 importante para o sistema da satide como uin todo saber como prevenlir 2 doenga e 0 que deve fazer para curécla, quando as pessoas estio doentes. Mas sobretudo ele deve estar preparado para cudar das pessoas em sua vulnerabilidade diante a doenca e da morte, que pode somente ser reduaida, munca ‘totahmeate vencida, ‘A maior falha do sistema de saude contempordneo & que ele desculdou dessa verdad, pelo glamour da cura e da guerra con- tra a doenga © a morte, No centro do euldado deve existir um ccompromisso de nunca desviar og olhos ou lavar as mids ent rolagdo a quem esti com dor ou solrundo,seja defciente ou i ‘Competente, seja retardado ou demente. Precisamos olhar para o cuidado raais de perto para contem- plar as trée necessidades humanas bésicas: as necessidades de Exist de pensar e sentir, e de agir no mundo. A morte é a mais Shivia e extrema instincia que ameaga nossa necessidade de ex tir Para muilas pessoas, essa ameaga evoca medo, A passagem da vida para a inofte situase no centro do drama do desting shumano, Os que estao nessa pastagers necessitam de comparinia ‘ccuidado dos outros, para asseguré-los de que nao serio esque: ‘aos, de que a morte de feu corpo ndo seré precedida pela morte ido seu ot social. O grande valor do movimento, hospice em sua ‘Contribuiglo para o culdado dos pacientes tora de possibiidades ferapéuticas 6 ¢ possibiidade de assumir afirmativamente a vul- perublidede humana e o adeus fnal da vida (Brasreart, 200%) ’A doenca & host] para aintegridade do eu. E 0 sofrimento da ‘doenga, nao simplesmente a dor que ela causa, que mais nos ‘prime —os.nossos medos em relagao ao futuro, o sentimento de Gerla, a ansiedade em relasio a controle e autonomia versus ‘Sepenidénci. Cider os ouros é ser minstro de seus meds, pertlar amo, ‘idle wo paciente ante a ansiedade da separecfo dos ou tnos. F essegurar que ele cantinua send importrte pars 05 futeos, que sua doen’ ao 9 isolou ds comimidade.B aliviar dor quando postive, © educa viver com sua Freie, ‘Se cor corporal. mental ox Pancinal. Fazer isso com efiin- ‘Sh exge compeidoca einlgho (Cauawas 1990, p. 147 0 culdado & « pedra fundamental do respeito & do valor da dignidade humane, sobre o qual tudo 0 mais deve ser construigo. Eno caidar que mais expressarnos nossa solidariedads aos ou tres, € € nisso que toda relagio terapéutica como tal deveria se ‘caracteraar mas de forma especial nesse contexte erftico de final e vida (Pes, Baracist, 2008), 64, Alguns referenciais éticos em cuidados paliativos Ressatamos, entre outros, cinco referenciais étiona fund sentais a ser implementados na pratica dos cuidadas paliativos, «a saber: verncidade, proporcionalidade terspeuties, duplo efelto, prevengao € nfic-abandono (TawoADs, 2000) 64.1. © referenclal da veracidade A veracldade @ 0 fundamento da confianga nas relagbes| Interpessoais, Portento, paderiamos dlaer que comunicar a ver- ‘dade ao paciente e a seus familiares constits! um benelicio para ‘les (principio da benefickacia), pois possibilta sua particinacko fativa n0 processo de tomada de decisdes (autonomia). Na prtica texstem situagbes em que isso no é fécil, especialmente quando se trata de comunicar noticias ruins, como o diagnéstico de en formidades progressivas e incurdvels ou o prognéstico de una ‘morte préxiina inevitivel. Nessascireunstancias, nfo € caro, prin~ ‘Cipalmente em paises latinos, ceir-se na atitude falsamente ‘paternalista que leva a ocultar a verdade ao paciente. Com fre- ‘qiéneia entre-se no circulo vicloso da chamada “conspiragio do siloncio”, que, alge de impor novas formas de sofrimento para 0 ‘pacionte, pode se causa de uma grave injustiea. A comunieagio fe verdades dolorosas nio deve ser o equivalente a destruir a fesperanca da pessoa. Para que a comunicagio da verdade seja moralmente boa, doves prestar atengio ao que, camo, quando, quanto, quem e a {quem se deve informa, o que exige, claro, mits prudiéncis. Com, ‘reqiencia sao a mentira ea evasio que mais isolam os pacientes ‘tras de um muro de palavras ou de siléncio e os impedem de {ceitar 0 banefilo terapéutien de parlhar os medos, angistias @ ‘tres preacupacses. No & possivel praticar a medicina paliativa ‘em um compromisso prévio de abertura © honostidade para cara a verdade dos fatos. Deve-se dar uma resposta honesta aos pacien- tes que desejam suber de sua condigao de vida, bem como fasseguri-los de que aqueles que fcam, seus fuillares, estar bem, nfo obstante & dor da perda (lot). 642, O referencial da proporcionalidade terapéutica (0 principia da proporcionalidade terapeutica defence e obri ‘gsed0 moral de implementar todas as medidas terapeutices que Teriham uma relagéo de proporcbo entre 0§ meios empregados & 10 resultado previsivel. As intervengGes em que essi regio de ao ndo se cumpre slo considerades desproporeionals ¢ rreperS goraimenteobrgatiras,Alguns elementos que sempre Jevonem ser tevadoy em conta na hora de se julgar da eeseciionalidade de uma lntervengdo médica: a utlidade ou rstrdade de medida as alternatas de ado, com seus respec arasos e bene: o prognéstic com e sem a implement [ao da media os eustos selam de ordem fis, psicoldgic. mo- fal ou econdmiea ‘0 jlgumento de proporcionatiade neu também a avai dos Crjtesenvolvdes,entendendo-se por custo no somente 0 $eSece econémieos, mis tao todas ts cargasfisicas,picokgt aes fou eapiriats que a plementaeo de uma deter (aamedie impoe zo pactent, 8 famine & equipo de sade. ‘Os médicos tim uma dupa responsabiidade- preserva a vida fe alvar'e sofmento, Sem aivien, no final da vida o avo do sottinonto sdguire ume importa male na modida em que 8 Strong ds vida iia se tora progresivemente impossivel Pree davate da medicine @ decile quando © supore de vida € Cssendalmente nil portant, quando se devs permiir que morte Seeman modi nfo etd obrigad a manter avid “a todo cus. As priondades de atenego muda quando um pacinte est CGnramente morrendo e néo existe ¢ obrigagso de wtiar tat carrae mie simpesmente prolongem, nio a vida, mas a morte 6.4.3. 0 referencial do duplo ofeito {8 muito freqUente em doentes terminals a presenga de dor Intensa,elfculdade para respirar ou sintomas de ansiedade, aal- taco. confusio mental. Para se manejar esses sintonas lenga-se mio de drogas enmo a moriina, que pode produzir uma baixa na pressio arterial ou una depressdo respiratéri, ou outros férmacos fue reduzem o grau de vigilincla ou até privam o paciente de sua Conseidncia, Teme-se que os efeitos negativos dessas intervengbes médicas possam implicar uma forma de eutandsla. Ante essa in- fiuietude @ importante lembrar que existe um principio ética — dJuplo efeito — que assinala as condigSes que deveriam dar-se (para que um ato que tem dois efeitos — um kom e outro mau — feja lcto, Essus condigOes 680 as seguintes 2) Que 8 aco sea em si mesma boa. ou pelo menos ini rente (nem bos nem md). admlnistrago de um analgé- soo em si é una agdo indiferente, mas se visa ao controle dda dor (unsa intengio boa) ela tem um efelto direte bom, Ffeltos diretos so os efeitos buscados como um fim ou come um meio para um fi _b) Que o eflto mau provisivel no saa ciretamente buscado, ‘mas somente toleraca (como efelto Indireto). Nao se visi & morte do paciente como un meio para se chegar & um feito desejado, o efeito mau € um efeto indireto, isto & ‘io Duseado como umn fim, nem como meio para ura fins. Para uma avalingao ésiea & decisivo ndo somente saber se tum efeits € desejado, mas especiatmente como ele @ bus- cado, isto 6, se acontece de forma direta ou indireta. O5 termos “dire” e “indireto” sto freqdentemente interpre~ tados erroneamente como “rapido” e “vagaroso’, respece tivamenie, Por exemple se a morte de urn paciente € de- sejada e ele vai ser morto pela administragio de certas rogas, a morte desse paciente € uin efeito direto e este ‘munca vai ser tornar um efelto indireto, porque no im- porta se a droga é administrada de uma s6 vez ou sos 1poucos, por um periodo longo de tempo. ©) Que 0 efeito bom nio seja causaco imediats e necessaria- ‘merite pelo mau, O efeito mau: apressar a morte do pacien- te nao é a cause do efelto bom: ivrarse da dor. Nesse ‘aso, 0 efoto mau nao seria um efeto colateral. mas meio para se chegar a um ofeito desejado. 1) Que deve existir uma proporcionalidade entre oefeito bom direto 0 efeito mau indieto. Basicamente, a questioé se existe um razko proporcional entre 8 dasejada lbertagia da dor e o possivel efeito colateral mortal, ceusado pela depresso respirat6ria ‘Se aplicarmos estes requistos ao tratamento analgésico com Aarogas. como a morfina. veremas que, se o que se busca direta- mente ¢ aliiar dor (efeito bom), tendo esgotado outras terapias: que carecem dos efeitos negativos mencionados, nd haveris i convenientes éicos em administrar a morfina. As quatro cond (805 so cumpridas: trta-se de ma agio bos (analgesia), cujo fete postive iio & consequéncia dos efeitos negativos, que s0- mente so tolerados quando na existem ontras alternativas mals fetieaes de tratamento. Em tai condigoes, esta forma de terapia, ‘representa, portant, o ssaior bom possivet pare o paciente, Em relagio a supressda da consclencia, neoessiria por vezes em casos fle pacientes muito agitados, se apica 0 mesmo principio. Para avaliar a proporcionalldade, alguns crttrios sko neces dries a) a possiblidade de usar outras agbes para atingir 0 bie tivo; bya seriedade do efelto indireto, ) 0 gra de certeza de que f efeio ocorrera; a) « maior ou menor proximidade da conexdio, fenire 0 efeito colateral e 0 ato; e) 0 dever eventual de evitar 0 cofeita mau (LEusexs, 2000) 6.44, 0 referencial da prevengio Prever as possiveis complicapées e/ou os sintomas que com maior freqdéncia se apresentacs na evolupio de uma determinada ‘condigio clinica € parte da responsablidade médics. tmplementar fs medidas nocessirias para provenir essas complicagSes € acon- Selhar oportunamente aos farniiares sobre os melhores cursos de fagdo 2 seguir permite, de um lado, evtarsofrimentos desnecessé- fos ao paciente e, por outro, facihia 0 na se envolver precipita jdamente em cursos de agdo que conduririam & imervengtes des jroparcionadas, Quando nie se conversa oportunamtente sobre as ‘ondutas a ser seguldas em caso, por exemple, de complicagdes tals como hemorragies, infecgbes, dificuldade de respirar ou até fame parada cardiorrespiratiria, com muits faclidade se tomam cisbes orradas, que depois so difcsis de reverter 6.45, 0 referencial do nao-abancono (principio do nfo-abandone nos recorda que, salvo em casos do grave obj de consciénca, seria eicamente condenével aban tdontt um paciente porque ele rocusa dterminadas terapits, mes so quando o médico considere essa recuse inadequac. Ficar junto to paciente estabelecer uma forma de comtunicagso empatica po ders, talvez, fazer que o paciente repense determinadas decisis, ‘Existe pongm uma forma tiais sul de abundono. Temes ent ‘geral pouca tolerincia para enftentar @ sofrimento e a morte. O Cuidado des pacientes que esto & morte nos confront, obeiga- toriamente, com essa reslidade. Fecilmente poderamos cain na tentacdo de ugir de seu cuidado, que freqtientemente gera em nbs ‘uma grande sensa¢ao de Impoténcia. Devemos lembrar que mes- ‘mo quando nio se pode curar sempre é possivel acompanhar @ ser solidéro, A presenca soidiria & fundamental nesse momento ex- tien, Somos lembrados do dever moral de aceltar nossa propria, finitude humana, que nos coloca a provs em termos de respeito, pela dignidade de toda pessoa, especialmente em condigoes de ‘extrema vulnerabilidade em relacdo & morte iminentee inevitivel 6.5. Alivio da dor ¢ culdado do sofrimento humano “Temos alguns indicadores inguietantes em relacdo ao culda- {do da dor e do sofrimento de final de vida. Dados da realidade dos Estados Unidos mastram que mals de 50% dos pacientes com ‘Gancer terminal tiveram sofrimenta fisico controlado, durante os ‘timos dias de sua vida, quando muito por sedacio. Em tomo de 40% de todos os pacientes em processo de morte nequele pais ‘morrem com dor, 0 Instituto de Medicina reporta que em torne de 40% a 80% dos pacientes com doenga terminal relatam que ‘eu tratamento da dor &inadequado e prolonga « prépria sqonia dda morte (Soars, 1996) Para muita gente o cincer ainda significa uma doenga pro- ‘orespivamente sempre mais doloresa, terminando numa morte ‘agénice, Multos pacientes admitom que nao tém tanto medo de ‘morrer, mas de ter de enfreatar uma dor terrvel. 0 medo—apro- priado ou no — é freqientemente uma razao para se pedir @ feutandala. Uma overdose de morfina um das maneiras mais wsadas ‘para se praticar a eutandsia ou o suicidlo meticamente assistdo.. uma forma que nao é facilmente descobert,sela pelo préprio ‘paciente, por sua familia ov pelas autoridades. A abreviaggo da Vida do paciente através de nareéticos analgésicos & bem tustrada rmuma pesquisa e na anise da prética da eutanésia na Holanda, "Essa pesquisa basels-se em inforraagées a partir de entvevis~ tas com os médicos e numa pesquise de atestados de dbitos. Entre outras coisas, em 3.900 c3608 a a¢so de aliviar a dor fot ‘uttizada com a intenclo expressa de terminar-a vida do paciente, com ou sam seu conhecimento, [Pesquisa dos meres de toda as agoes de ferminar 2 vido intenconaimente a Holand (1986), 1 Butandsla 3200 2, Suisicio medicamente ait mn 3, Alivio da dor com a imencio expres de abreviar fe ial da vide com o conhecimento do pacite.. 2.100 4, Abnova da vida 86m BECO eennsnoncn 90 5, Allo da dor com 3 intengao expressa de sbreviar | vida sem 0 conhecimento do pacien® 1.00 5, Descantinatr ou ndo inca tratamento que profan- gue a vide com a insongao express de apressar 0 final ct vida sm o conheciento do pacente... 14.200 Toral 18.600 [Nio deixa de serum dado preocupante o fato de que em 900 ‘easos a vida da pessoa 6 abreviada sem 0 seu consentimecto (Eig, Laurens, 1997, VAs pen Wat, Van pax Mans et al, 1995) "Pca claro que nesses casos 0 efeto mau, isto & a morte do paciente, no 6 um efeito colateral, mas © meio para we chegar 20 feta deseo, Allin dss, 0 wito mau nfo € permitide como efsito indireto, mas buscado como um efit direto, Segunda J. Lalkens, Com freqiéacla os raélicos e outros profissionais tém pre: blemas com e distingio entre desejo (wish) ¢ intenca0 intention). Se presser o fm da vida é a teneao, © médico tome alguns pessas para Implementar seu objetivo, Se bre- ar final da vio é moramente um deseo, a pessoa envol- ‘ida ndo tomer nenbima decsio para implementar 0 que fla deja. Esta conexdo, que é 0 caso dle uma dosagem de Grogas ety questi, visa 6 alivio da dor e no a abreviagdo atva da vids & somente 0 desejo médico e a esperangs se- ‘rota de que 0 paciente ndo sofreré mals Isso ndo deve ser ‘chamaca de eutandsia nem de a¢io que abrevie « vida (es, 2000, p. 2511 [A problemaiicaligada & administragdo de morfina aos pacien- tes portadores de cincer na fase final fo definida na tradigao fica ‘como senda "eutandia indireta” ou passiva, negative (Rick, 2000), ‘Cicely Seundors fala em tofal pain (dor total), que exige em ccontrapartida cuidados avos tos. A dor total apresentase como dima realidale complaxa de elementos fiskcos, emocionas, sodais © ‘spiritaais, Para 0 paciente, a experiéncia da dor inciui ansiedade, depressio € mado, preocupagio com familia, que sentiré a sua ‘perda, © freqitentemente a necessidade de encontrar sentido na si- fiagde e confianca numa walidade mais profunda (Sainoers, 1996). (Cresce na comunidade ciontiica a aceiagao da disting0 entre dor ¢ sofrimento. A dor geralmente estd associada & dimensao fisieo-orginice-corporal ¢ 9 softimento ao todo da pessoa. En- ‘quanto 2 dor exige analgésleos para ser alivada, o sofrimenta lama por significado e sentido. Daf aimportincia de se valortzar fe respoltar a tébua de valores dos pacientes que dio sentido 20 ‘iver e ao morrer. A dor ¢ softimento constituem-se nas malo~ res causas doa pédidos de eutandsia. Estamos profundamente Convieios da verdade da airmagio de Cicely Saunders quando fiz que “o softimento somente ¢ Intolerdvel quando ninguém cul- dda” (Saunas, 1999, p. 82). 6.6, Nutrigfo e hidratagao artificiais ‘Base assunto & muito polémico e de dif solu, principal- mente quando estamos diante de situagdes de pacientes dectara- dos em coma vogetatvo persistente (Persistent Vegetative State), ‘mas também no deixa de sor wn quebrs-cabeca para os profis- Sionais em doterminadas situagSes especifcas dle pacientes em Fase terminal. A primeira questio a ser respondida é sea amen tngio arlifical € uma forma de tratamento médico. Existe ua certo consenso nos Estados Unidos, apoludo por avtoridades profissionals da Srea médica e juridica, de que allmentar por tubo ‘pasogéstrico 08 por gastrostomia é um tratamento médico, A Segunda questio 6 se a interupcko de alimento e gua levaria 0 padiente a softer sensagdes fsieas desagradavels geralmente as- Saciadas @ fore e a desidratacao. No caso de pacientes diagnos teedos em coma vegetative persistente, os médicos ingleses cconcordain com a visto norte-americana de que nip existe mec pisme neuroldgico remanescente que tome possivel a dor ou 0 sofrimento, © que ina boa higiene oral pode ser manta por ‘cuidados de enfermagem apropriados depois que alimento ¢ fi das forem retirados. [io posentos exquecer que dar alimento e agua a-um doente tem um significado simibéico, como marca do continuo cuidado fc expressia de solidariedade, Mas o sentido simbélico de um ato no pode ser divorciado de sew objetivo e de seu contexto. Em pacientes declarados em coma vegetativo persistent, o objetivo fornal de manter a vida e allviar © desconforto da fome © da fede nfo se oplica. Em geral as assoclagies médicas ¢ entidades juridcas norte-americanas, numa linha de prudéncia, ni acon- selhain negar slimentagao © nutrigao a esses pacientes. “Quando o paciente se aproxima da morte, @ ingestao de com dda ¢ fuidos geralmente elminui. Nesse ponto surge @ pergunta sobre a administragio de Muidos através de meios artificial, A ‘epinito tradicional dos hospices & que cuando praticamente nao ‘eusie vontade on interesse por comida efiuides por parte do pi tdente em fase terminal, ele no doveria ser forgado a recebé-1s. 'Asindicagies para se reidratar seria quando o paciente sente secura na boca apesar do bom cuidado oral. A secura na boca é Comum nos pacientes com cAncer ¢ nfo se relaciona somente ‘com a desidrstaggo, mas também com outras causes tas como fs drogas, as infeeptes orais e a racioterapia local. Em geral os pacientes que esto morrendo nAo tm foe, dizem os especalis- {as na drea de tanetologis. Os esforgos para alimentar um pacien- te oralmonte poder resutar em vémito, seguido de aspiragio & ate morte. Cada caso precisa ser visto coin muito cuidado. Os fluidos intravenosos podem ajudar os pacientes terminais que ‘estio dolirantes por causa da dosidratagéo, mas também podem ‘causar incago, nausea © dor, 6.7. A comunicacao entre os profissionais da sade, 0 paciente © os familiares 'A pessoa no final ds vida gerulmente volta-se pura 0 se interior e torna-se menos comunicativa, OS que estio & volta, profissionals ¢ familiares, facmente confundem essa atitude com Fejeigo, 0 que nea sempre é verdade, pois ests ocorrendo um ‘desligamento do mundo externo, que & deixado para tris, ¢ um \oltarse contemplativamente para a prépria interioridade (Pass 1a Siva, 2008 Kovacs, 2008), “Aconselha-se 8s farfias a nfo esperar as witimas horas de vida para se comunicar com os seus entes queridos que esto na fase final, Em tam estuda com 100 pacientes terminals de céncer, 96 estavain acondados una semana antes de morrer, 44 estavam Ssomolentas, mas enhum em coma. Nas éltimas seis horas. entre- tanto, apenas 8 estavam despertos, 42 sonolentos e 50 em coma, impedindo qualquer comunicacao, Mesme quando um paciente hndo reage mais 20 que vb ou uve, “a audigfo € 0 iikimo sentido fa deixar 0 corpo, enti no se deve dizer nada perto do paciente ‘que ele no gostaria de ouvir” (Bony, 2009). ‘A relacao médico-pociente no contexto de final de vida é mar~ ‘cada pola impossibiidade de curar. Mas precisamente 0 que a si= ‘tugla terminal teat de novo é a relativizago da fungdo de eurar fe sua insergio numa visio mais global dainteragto médlico-pacin- te O lime da possibiidade terapeutica nfo signifies fim dessa. relagdo. Essa situagia traz A tons 2 esséncia da étca da relacho, “lames Childress © Mark Ziegler, notéveis bioeicistas norte- americanos, em sua reiexio sobre © réacionamento médico-pa- ‘ants no contexto de tecnologizacio erescente do ata de cuidar, {alam de uma medicina de estranhas e de wma medicina de pré- sdmae (Cauaness, Znnte, 1992). ‘No relaclonamento com estranhos, as regras e os proved ‘entos tomam-se multe importantes, « domina o controle antes ‘que-a confianga, Os estranhos no se conecem o suficente para ter contlanga métua, Conseqientemente, na falta de um conheci- reno mals prafundo ou de valores. comuns, os estranhos se fapéiam em regras e procedimentos pars estabelecer controle ‘Por contraste, em relagSes entre prOximos, a8 partes 80 co- hecem musta bem e frequentemente pactilham valores ou pelo ‘menos sabem quais valoros ndo sdo partithados. Em tai relagies, ‘gras formais e procedimentos apoiados por sangdes podem na ser necessirios € até prefudicar a relacto. bom mos perguatarmos se multo do que se falow vitima- mente de éica médice nan foi a parti do modelo da pricy com estranhos em que 0 vontrole, as normas legels, @ comtrato © o8 procedimentos substiuiram a conflanga e a confidéncia que norteava anteriormente 9 reacionamento médico. & verdade que ‘08 avangos tecnol6gicos da drea da medicina tornam impreciso 0 limite das possibildades terapéuticas. Criam-se possibilidades ‘eraptuticas de returdar indefinidamente © momento em que Se pode recoahecer © limite da ciéncia € da tecnologia ne manuten- fo da vide. Aqui o problema no é somente de dlagndstico e de ‘prognéstico, O prublems é muito mais araplo e envolve a prépria ‘definigao de vida e morte, para que se possa determinar o mo- mento do seu término ou entio a cardctaristca inreversivel do, ‘processo de nallzagdo da vida (Leoroupo » Suva, 168). 'A falta de comunicagdo néo é o dinico obstaculo para uma ‘morte digna ¢ sem sofrimentos, Alguns pacientes io submetidos 1 tratamentos agressivos desnocessérios, até o seu vitimo susp ro, Outtos sé0 pauco medicados, de forma que seus \itimos Imomentae sao mergulhados em der fisica, Outros ainda recebem {nformacoes conftantes de seus médicos e enfermsiros sobre © melhor curso de aglo, deixando-os confusos © ansi0sos, ‘Lembramos aqui o famoso projeto de pesquisa norte-america- rng denominsda SUPPORT, realizado durante 4 anos (1989-1992), Considerado o maior, mais significative e intrigante projet de pes- ‘quisa na perspectiva ética sobre a morte noe hosptais norte-ame- cans até hoje. Seu objetivo foi campreendero processo do morrer ‘nospitalizado elaborar uma intervengo promatora de um euids do mais huimano. As conclusdes foram simplesmente estar recedoras, As pessoas no morreim bem, mas cum dor e falta de ‘comunicagio, Or pacientes identifeados no estuco sentiram cor ‘considerdvel, Metade dos pacientes que morreram sentirem cor Imoderada ou severa durante a maior parte do tempo nos trés tiimos dies de vida, revelaram os dados das entrevistas com os responsdvels pelos pacientes. A comunicagao entre médicos © pacientes era pobre: somente 41% dos pacientes no estudo aisse- tam ter eonversado com ses médicas sobre prognésticos ou $0 ‘re ressuscitagzo cardioptimonar (CPR), Os méicos nfo entende- ramn as preferéncias dos pacientes em relugo & CPR em 80% dos ‘casos: alémn ciss0, ko implementaram as recusts de intervencao solictadas pelos pacientes (ANAS, 1986). [Nada mais sensato @ apropriado nessa area do que a afirma- ‘cdo do Dr. William Brehbart, chefe do Servigo de Psiquiatria e ‘Gienclus Comportamentals Go Memorial Sloan-Kettering Cancer. Center de Nova York (EUA): “Informagao € esperanga. Comuni: ‘cago € cura. Conexéo ¢ salvagdo, Culkemos ans das outros. & essencial” (Brsarsaxt, 2008) A quisa de conctusio Lembramos no final de nossa reflexdo algumas exigéacias {prineipios!) éticas imprescinaivois para promover o bem-estar Global © # dignidade do doente erdnico e terminal e a possbil- ade para ele de nfo ser exproptiado, mas de viver a propria ‘morte. Respeito por sua autonomia: 6 dreito de saber a verdade Sobre suin condigaa de sade e o direito de decidir; o direlto de ‘do rer abandonado; o dieito a roceber tratamento pallativo para ‘amenizar seu softimento e sua dor, ¢ direto de no ser catado ‘como mero Dbjeto cuja vida pode ser abreviada ou prolongada ‘segundo as conveniéndas da famfla, da equipe médica efou do hospital, A filsofa dos cuidados palativos fundamentalmente procura operacionalizar na prética esta visio da ortotanésia, ox seit, do morrer com dignidade e em paz, cereado de amor e ternura, sem abroviagao ou prolongamento artificial de vida (@essea, 2002). ‘Sao nnuftos os casos na literatura étca na drea da sate de relates de desumanizagio no final da vida. Hubert Lepargneur egistra que no lira de P. Poletl, Ls mort restiuée (A morte restitulda), existe o relato do final de vida de um paciente, Eli Khan, que tinhs 78 anos, Contra sua vontade, ele fol entubado {quando se achava na hora de morrer. Na manh@ sequinte, ao lado, do corna sein Vida, @ enfermeira encontrou um bilhete com este “ecado "Doutor, inimiga do homem nao & a morte, nas a desu manidade” (Lerancnsun, 2001, p. 322) 'A reabilitacdo é parte integrante da medlcina palatva. Mui- os pacientes terminals $40 restringidos desecessariamente, até resin pelos familiares, quando ainda sto capazes de atividades t independéncia, que hes di o senso de cigmidade e auto-estima, (0 objetivo dos cuidados pllativos 6 prover um sistema de supor~ te que ajuda os pacientes « viver @ mals ailva e critivamente possivel atéa morte. © conesito de que se pode viver eom c&ncer HIViAids, até que aconteca e morte soaainda estranho para muitos pctontey e seus familiares, mas também para rules médicos ¢ fnfermeies, Alguns programas do cuidados palativos mantém tum enfortue superproteter tendendo a manter hospitalizagbes mi prolongadas e menos alts. Em outros se estimula a independén- (a dos pacientes, A énfase no “Tazer” em ver de no “ser atendi- do” ajida as pessoas a ver © morrer com dignidade © auto- festima, Nessas unidades estimula-se a criatividade através de fesortos e da arte em gor. ‘A administraggo de analgesicos tem sido altamente efetiva no contole da der. Contudo, a dor niio ¢ simplesmente uma senst- (fo fisiea, mas uma situaco multifacetada que envalve descon- {or fisico, percepgio da dor e resposta emocional a ela, A tole- ‘anca da dor pelo paciente € influenciada por muitos fares, fenie outros espiriticlidade, allenagéo, ansiedade culpa, raivi, peda © desespero "A medicine palitiva afr a vida e reconhece o processo do smorrer como natural na vida, Nio busca nem acelerar nem adiar f morte, nio esta dominada pela “tirania da cura” e se opfe & teutandsio 0 dito francés do século XVI em relagdo ao que é dito ‘em termes do objetivo da medicina aqul se aplica com mutta pro- priedade: Curar ts vozos,alviar frequentementa, confortar sempre, 'A distingdo ética entre prover cuidados paliativos que podem. ter como siete colateral a morte e provocar a eutandsia 6 su, Donjue em ambos os casos & apo que causa a morte tem 0 0b> {Jetivo de alviar © sofrimento, O objetivo dos cuidados psliativas € aliviar 6 sotrimento, prover qualidade de vida possivel, aveser do afero colateral fatal, enquanto quendo falamos de eutandsia @ fntengao £ causar a morte como melo para aliviar o sofimento Insuportivel © sem perspectiv. “A indignagao ética que brota da indiferengae da insensibilid de diante de situagSex como essa nos aponta para o desafio dé ‘rabalharmos pare a humanizario ds asistencia & sade, Por mais Sedutora que seja & por maior beneficio que promova a tecnologia a nossa disposigao, 0 fator humano nunca sera aispensavel ou escartavell Fle passa pela comunicagio humanizante que owe, fcolhe ¢ respeta 9 ou como pessoa human em suas verdades, fem seus valores fundamentals © em suas opebes de vida. (0s principios éticos dos culdadios paliativos podem ser assim resumidos: a) cuidado integral, que leve em conta os aspectos {feicos, emocionais, socials e espirituais do doente, o que obriga, J prestaedo de um cuidado individualizado © continuados b) tra- Dathar com a familia do doente, que é o miicleo fundamental de ‘apoio: @) promogito da autonomia e dignidade do doente, o que implica claborar com ele 08 abjetvos terapeuticos, estabelecendo ums relagio franca e honest d conceito ativo de terapia; nfo se pode ecetar como vilida a atitude que diz: “nfo ha mais nada a Fazer’ —- 0 cuidar continua quando ndo se pode mais curar; ¢) fmportincia do ambiente, necessidade de se criar em torno do

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