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533 Manuel Bandeira A versificagao em lingua portuguesa Delta Larousse, 1960 O verso e seus apoios ritmicos. — O verso é a unidade ritmica do discurso poético. Para salientar o ritmo se tém valido os poetas, nos varios idiomas, de recursos formais como sejam os acentos de intensidade, os valores de silabas (quantidade), as rimas, a aliteragéo, 0 encadeamento, 0 paralelismo, 0 acréstica, 0 nimero fixo de silabas. Estadaremos aqui os que tem sido utilizados em nosso idioma, a comecar pela rima. Arima. — Rima é a igualdade ou semelhanga de sons na termina- Glo das palavras: asa, casa; asa, cada, Na rima asa, casa ha paridade com- pleta de sons a partir da vogal ténica; na rima asa, cada a paridade € 86 das vogais: as rimas do primeiro tipo se chamam consoanies, as do segun- do toantes. Na lingua francesa costumavam os poetas rimar também a con- soante anterior 4 vogal tnica: € a chamada rima com consoante de apoio. Houve um poeta brasileiro que empregou intencionalmente esse tipo de rima — Goulart de Andrade. Seu exemplo nio foi seguido. ‘Admite-se entre as rimas consoantes a de vogal aberta com vogal fechada: bela, estrela, Tanto poetas brasileiros como portugueses rimam como consoantes duas palavras que tém na silaba ténica um ditongo, outra uma vogal fechada ou aberta: beijo, desejo; beijo, Teo (Florbela Es- panca). Poetas brasileiros tém praticado tal rima com palavras agudas: azuis, luz (Alberto de Oliveira, Poesias, 1* série, Garnier, 1912, pag. 209). Poetas portugueses rimam os ditongos nasais de ¢ enn. ces, alguéns (Anté- nio Nobre, “Males de Anto”, 5é). Artur Azevedo rimou, para efeito jocoso, a palavra mpada com a palavra estampa, completando a rima com a palavra atona da, que co- mega o verso seguinte, para cuja medida concorre: Mandou-me o senhor vigitio Que the comprasse uma Mémpada Para alumiar a estampa Da senhora do Rosirio. 534 Manuel Bandeira utilizou-se desse tipo de rima em “Vulgivaga” ¢ “A cangio das lagrimas de Pierrot”, Carnaval. Poetas brasileiros contem- porineos (Geir Campos, Cassiano Ricardo ¢ outros), sem divida por influéncia de Louis Aragon, que foi o primeiro a usé-lo na poesia france- sa, tém-no introduzido nos seus poemas, mas fazendo a ou as vogais 4tonas pertencer ao verso da rima ¢ no ao seguinte: ..seu campanirio de ideal ladrilho, entre 0 azul do are 0 chio que palmilho. (“O sino”, Arguipélago, Geir Campos) Pode a rima ser feita entre a palavra final de um verso ¢ a palavra onde cai a primeira pausa do verso seguinte. E a rima interior, que foi muito praticada pelos rominticos em quadras de versos decassilabos: Dorme, que eu velo, sedutora imagem, Grata miragem que no ermo vi; Dorme — Impossivel — que encontrei na vidal Dorme, querida, que eu nio volto aquil (“A judia”, de Tomas Ribeiro) HA outros exemplos esporédicos de rima interior, assim, da pala- vra final de um verso com palavra anterior do mesmo verso: “Maravitha de milhares de brilhos vidrilhos” (“Noturno de Belo Horizonte”, de Mario de Andrade); “Unico certo ¢ apenas o deserto / Que ¢ fruto do mondlogo absoluto” (““O rio da divida”, O arranha-céu de vidro, de Cassiano Ricardo). Sio chamadas pobres, ¢ devem ser evitadas, as rimas de palavras da mesma categoria gramatical: advérbio com advérbio, adjetivo com adjetivo, substantivo com substantivo, etc., sobretudo nas formas de- masiado abundantes, como os advérbios em mente, os advérbios em ante ou ente, os substantivos em ia ou exa, 0s vetbos no infinitivo, no particl- pio passado, nos pretéritos imperfeitos e perfeitos, etc. Todavia, podem tais rimas admitir-se quando de palavras que emprestam fora de ex- ptessio 20 contexto, como se da nas duas primeiras oitavas de Os lustadas. Nao procede, pois, a critica de Antonio Feliciano de Castilho classifican- do de “imperdoaveis desares” as timas assinalados, navegados, esforgados, edificaram, sublimaram, gloriosas, viiosas, valorosas, dilatando, devastando, libertan- do daquelas magistrais estrofes. Também sao de usar com grande cautela as rimas chamadas ricas ou ratas, 0 oposto das rimas pobres ou triviais, € que soam 4s vezes tio afetadamente. : Os versos que nio rimam sio chamados brancos ou soltos. 08 qBe estio fora da medida, quebrados. 535 Hé quatro modos principais de dispor as rimas: emparelhadas, enw xadas, enlagadas e misturadas, Rimas emparelhadas sao as que se sucedem duas a duas, como no “Minuete” de Gongalves Crespo: Espacoso ¢ o salio: jarras a cada canto Admira-se 0 lavor do teto de pau-santo. Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias; Um enorme sofa; largas tapecarias. Rimas orazadas sio as que, em vez de se sucederem em parelhas, se alternam. Numa quadra, por exemplo, o primeiro verso rima com 0 terceiro, e 0 segundo com o quarto: Na rua, 4 direita, porque és a minha dama, A minha musa e o meu pendio. Mas & minha esquerda na cama, Do lado do meu coracio. (“Herildica”, de Onestaldo de Pennafort) Nas rimas enlagadas, timam em parelha dois versos entre dois ou- tros também rimados: Vai-se a primeira pomba despertada. Vai-se outra mais... Mais outra... E enfim dezenas De pombas vao-se dos pombais apenas Raia, sanguinea ¢ fresca, a madrugada, (“As pombas”, de Raimundo Correia) Rimas misturadas so aquelas em que a sucessio é livre, como nes- tes versos de “Alma em flor” de Alberto de Oliveira: Foi... nem lembro bem que idade eu tinha, Se quinze anos ou mais; Creio que s6 quinze anos... Foi ai fora Numa fazenda antiga, Com o seu engenho ¢ as alas De nisticas senzalas, Seu extenso terrciro, Seu campo verde ¢ verdes canaviais. Era... Também o més esquece agora A infiel meméria minha! Maio... junho... nao sei se julho diga, Julho ou agosto. Sei que havia o cheiro Do sassafrés em flor; A notagao das rimas se faz com letras mindsculas, sendo os versos que timam representados pela mesma letra. Assim, o esquema de duas rimas emparelhadas € aa; de uma quadra com rimas cruzadas, abab, de outra com rimas enlacadas, abba, dos versos de Alberto de Oliveira cita- dos atras, absdeefbiadfg. A aliterago. — No seu sentido global, consiste a aliferayo em repetir um fonema em palavras seguidas, proximas, ou distantes mas simetricamente dispostas. Em sentido restrito, é, na poesia, a identidade da consoante inicial, ou da sflaba inicial, de duas ou mais palavras num verso. Neste sentido definiu-a Pedro Henriquez-Urefia como “rima ao contrario — rima dos comegos das palavras, em que basta a igualdade dos sonidos iniciais ou, em certas ocasides, o regulado contraste entre eles”. A aliteracio tem quase sempre efeito de harmonia imitativa: E, as curvas harpas de ouro acompanhando, Tibios flautins finissimos gritavam; Crétalos claros de metal cantavam. (YA tentacio de Xendcrates”, de Olavo Bilac) O mais longo exemplo de aliteracio em lingua portuguesa é 0 de Cruz € Souza em “Violdes que choram...” (Far Vozes veladas, veludosas vozes, Volipias dos violoes, vozes veladas, Vagam nos velhos vortices velozes Dos ventos, vivas, vis, vulcanizadas. A aliteracao da vogal ténica tem o nome de eco: a aliteragio de Bilac, citada atras, é um bom exemplo de eco das vogais ténicas ie a. O encadeamento. — Consiste 0 encadeamento em tepetir de ver- so a verso fonemas, palavras, frases ¢ até um verso inteiro. Foi recurso ritmico muitissimo usado na poesia medieval ¢ é freqiiente na poesia moderna em versos livres. Exemplos colhidos em Augusto Frederico Schmidt: No entanto este motivo escondido existe. Nio veio, esta tristeza, da saudade da que é sempre a Ausente Nem da sua graca desaparecida... (repetigio de fonema) Pensei em mortos que morreram entre indiferentes. Pensei nas velhas mulheres... (repetigao de palavra) Olho o céu e enfim descanso. Olho 0 céu ¢ as estrelas frias. 537 Olho 0 céu alto ¢ enorme ¢ descanso. Olho 0 céu fro e simples... (repetigao de frase) No principio foi um balango continuo e vagatoso. Depois foi descendo uma sombra indittinta, Um grande keto surgin ¢ lengéis brancos como espuma. No principio foi um balango continuo e vagaroso. Depois tudo cessou. (repetido de verso) Os dois primeiros exemplos sio do poema “Tristeza desconhe- cida”; 0 terceiro, do poema “Descanso”; o quarto, do poema “Génese T” (Canto da noite). O paralelismo. — Parallismo é repeticao de idéias, sinonimia de vocabulos. Cantiga de amigo de Pero Goncalves de Porto Carrciro, tro- vador portugués do tempo de Afonso III. O anel do meu amigo Perdi-o so lo verde pinho E chor'eu, bela! O anel do meu amado Perdi-o so lo verde ramo E chor'eu, bela! Perdi-o so lo verde pinho; Por en chor’eu, dona virgo, E chor’eu, belal Perdi-o so lo verde ramo; Por en chor’eu dona d’algo, E chor'eu, bela! Nessa cantiga hd, de estrofe a estrofe, repeti¢ao de idéia, sinonimia de vocabulos (amigo, amado; pinho, ramo; dona virgo, dona d’alge). A pat desse paralelismo, ocorre também o encadeamento pela repeticao dos versos “Perdi-o so lo verde pinho” ¢ “Perdi-o so lo verde ramo,” razio por que receberam as cantigas medievais desse tipo o nome de paralelisticas entadeadas, O actéstico. — No acréstico as letras iniciais dos versos formam um nome de pessoa ou coisa: reside na escrita e nao € percebido pelo ouvido. Exemplo: Maria, tens no teu vulto A graca da ave € da flor. 538 Rendo-te mais do que amor Imenso: rendo-te culto. Ah! como & mie do Senhor. O numero fixo de silabas. — A contagem das silabas no verso (metro) difere da contagem gramatical: 0 poeta pode elidir uma vogal na vogal seguinte dentro de uma palavra, ou da silaba final de uma palavra paraa silaba inicial da palavra seguinte. A primeira figura se chama sinérese; a segunda, sinalefa. Assim, em “piedade” as silabas gramaticais sio qua- tro; mas o metrificador, elidindo a vogal / na vogal ¢, pode reduzir as silabas da palavra a trés: pie-da-de. No membro de frase “entre estas” conta 0 gramitico quatro silabas; o poeta, porém, elide o ¢ final de “entre” no ¢ inicial de “estas” e conta sé trés silabas. A elisio pode atingir mais de duas vogais, como na frase “quero a estrela”, cujas silabas métri- cas so quatro: que-roaes-tre-la, Umas vogais sio mais duras de elidir que outras: as elisdes violentas como a-tia-go-ra (até agora), a-téew (até eu) comunicam a0 verso certa forca escultural, 0 passo que os hiatos, isto é, a no elisdo das vogais, Ihes confete certa suavidade musical melédica. A escolha da elisio ou do hiato depende da natureza do verso ¢ do gosto do poeta, Nao se admitem, porém, as sinalefas de duas vogais 4tonas, 0 que tornard o verso demasiado frouxo: no poema péstumo de Gongalves Dias intitulado “No jardim” o verso “De Inglaterra a princesa” é um septissilabo frouxo, porque obriga ao hiato do ¢ no i, ou do ano a. Se a ultima palavra do verso for paroxitona, grave se chama ele; se oxitona, agudo; se proparoxitona, esdnixslo. Contam-se as silabas métricas até a ultima vogal ténica do verso. Damos abaixo quatro versos de Artur Azevedo, grafando em itilico as silabas contadas: Cos-tu-mam-a-go-ra os-liticos "Tu-és-is-to en-sos-a-quilo, Tu-és-as-sa-da eu-as-sim. Tal sistema de contagem, também usado no idioma francés, foi introduzido em nossa lingua por Anténio Feliciano de Castilho no seu Tratado de metrifcagao portuguesa. Antes dele, contavam-se todas as silabas do verso grave, nio se contava a tiltima do verso esdrixulo, conside- rava-se incompleto o verso agudo, pelo que contava como duas a ult- ma silaba métrica. Destarte, os versos de Artur Azevedo citados acima slo chamados beptassilabos (de sete silabas) segundo o sistema de Castilho, hoje prevalecente, e octossilabos (de oito silabas) segundo o sistema antigo, que ainda prevalece na lingua espanhola, ¢ que em nosso idioma preten- deu restaurar © professor M. Said Ali. Advirta-se que se trata de mera auestio de nome, que nao afeta a estrutura do verso. 539 Chama-se cesura a pausa intencional praticada no interior do ver- so. As duas partes, nem sempre iguais, em que fica o verso dividido pela cesura se da o nome de hemistiquios. A cesura funciona como apoio ritmi- co na estrutura do verso longo. Exemplos em decassilabo, hendecassilabo ¢ dodecassilabo: Sete anos de pastor| Jacé servia (Camées) Tange o sino, tan| ge numa voz de choro (Vicente de Carvalho) As mios da minha Mie | sobre a minha cabeca (Olegirio Mariano) A pausa final do verso pode recair em palavra que deixa incom- pleto o sentido da frase, o qual se vai completar na primeira ou primei- ras palavras do verso seguinte. Para a primeira silaba tonica deste é entéo transferida a pausa, € a esse efeito ritmico se da em francés o nome enjambement, para traducio do qual propés Said Ali o vocébulo cavalga- mento. Na estrofe 60 do Canto V de Os /usiadas ocotrem trés belos exem- plos de eniambement: Desfez-se a nuvem negra e c’um sonore Bramido muito longe o mar soou, Eu, levantando as mios ao santo coro Dos Anjos, que tio longe nos guiou, ‘A Deus pedi que removesse os duros Cases que Adamastor contou futuros. A nomenclatura dos versos regulares, como foram praticados em nossa lingua até o advento da poesia modernista, se faz mediante prefixos gregos, designativos dos numerais de 1 até 12: monossilabos, dissilabos, trissilabos, tetrassilabos (também se diz quadrissilabos), pentassilabos (redonditha menor), hexassilabo (redondilha menor ou herdico quebrado), heptassilabo (redondilba maior ou simplesmente redondilha), octossilabo, eneassilabo ¢ dodecassilabo (alexandrine). Fotam raros os exemplos de metros mais lon- 0s (Bilac escreveu em versos de 14 silabas o seu soneto “Cantilena”). Os metros de uma, duas ou trés silabas nio comportam senio uma pausa. Mario de Andrade usou com freqiiéncia o primeiro no poe- ma “Dangas”: quebra queima reina danga sangue gosma... Exemplo notavel de dissflabos ¢ o poema “A valsa” de Casimiro de Abreu: 540 Tu, ontem, Na danga, Que cansa, ‘Voavas... Na sétira de Gongalves Dias “A certa autoridade” (Obras péstuc mai) 0s iltimos dezenove versos sio trissilabos: Realmente, Coronel, Tens uma alma Bem cruel... Os metros de quatro silabas podem levar pausa interior na pri- meira (‘“Murcham-se as flores), na segunda (“Enéao brincando”) ou na terceira (“Salom#é vinha”), A redondilha menor (cinco silabas) pode levar pausa interior em qualquer das quatro primeiras silabas: Triépida batia ‘A gota no vidro, Escorrendo logo, E sem cair, trémula. Pode ainda levar mais de uma pausa interior (“Nao sei, nem 1, era”). O mesmo se passa com os hexassilabos ¢ os heptassilabos. Estes, redondilhas maiores, sio 0 metro da preferéncia popular. Exemplos de uns e de outros: Sumiu-se sol espléndido Nas vagas rumorosas. (6 silabas) Até nas flores se encontra A diferenga da sorte: Umas enfeitam a vida, Outras enfeitam a morte. (redondilhas) Os octossilabos foram raros antes de Castilho. Este escreveu: “O metro de oito silabas, pode-se dizer que ainda nfo é usado em portu- gués.” Acrescentando: “...quando mais ¢ melhor cultivado, a julgarmo- lo pelos seus elementos, e pelo que os franceses dele tém chegado a fazer, pode vir ainda a ser muito apreciado”. O vaticinio realizou-se. Os poetas parnasianos serviram-se dele com freqiiéncia, nunca deixando, porém, de fazer cesura na quarta silaba, Por que me vens com 0 mesmo £is0, Por que me vens com a mesma voz 341 Lembrar aquele paraiso...? (‘Requiescat”, de Bilac) No entanto ja Castilho registrava outras pausas: na segunda silaba (“Morrer e sem a0 meu encanto”); na terceira ¢ na sexta (“Tetno amor que me faz feliz”); Machado de Assis empregou-as todas em “Mosca azul”, “Flor da mocidade” ¢ outros poemas. Dos metros de nove silabas mais usual é o que leva pausa na terceira e na sexta silaba, como o praticou 0 nosso Gongalves Dias na soberba maldicio do velho tupi de “I-Juca-Pirama”: Tu choraste em presenca da morte? Na presenca de estranhos choraste? Nio descende o cobarde do forte: Pois choraste, meu filho nao és! “Qualquer outra composicio deturparia esta medida”, lecionow Castilho. Nao se pode dizer tal do eneassflabo acentuado na quarta sila- ba, tio magistralmente empregado no poema “Plenilinio” de Raimundo Correia: Além nos ares, tremulamente, Que visio branca das nuvens sai? Luz entre as francas, fria ¢ silente; Assim nos ares, tremulamente, Balio aceso, subindo vai... Temos que se podem construir eneassilabos com pausa na segun- da na quinta silabas (“Nao sei nem preaso saber nada”) ou somente na quinta (“Nao imagine coisa nenhuma”): tudo depende da habilidade ¢ gosto do poeta. O metro de dez silabas, chamado verso heréico porque foi preferi- do para os poemas épicos, ou ainda italiano, porque da Itdlia o trouxe Sé de Miranda para Portugal, leva ordinariamente pausa na sexta sflaba (“Vai- se a primeira pomba despertada”), ou entio na quarta e na oitava (“Ora Gireit) ouvir esirelas! Certo”). Todavia, aparece aqui ¢ ali na poesia italia- na, misturado aos versos desse tipo, outro com pausa na quarta ¢ na sétima sflaba (“Ma se conoscer la prima radice”, Dante). Tal verso ja era conhecido na peninsula ibérica sob o nome de gaita gale. Encontramo- lo de vez em quando em Camées: “Posto que fodos Effopes eram; Doce tepouso de minha lembranga”. Também em Antdnio Ferreira e Sa de Miranda. Outra variedade de decassilabo é 0 que traz pausa na segunda ena sétima silabas (“A férrea, precipisada bigorna”). Condenou-a Castilho € talvez por isso nao tenha sido usada pelos nossos romanticos, parnasianos ¢ simbolistas. Hoje sao muito encontradi¢os em nossa poe- sia esses e outros decassilabos correntes na poesia francesa, como os que levam pausa na quinta e na oitava silabas, ou ainda na quinta e na sétima: O sonho passou. Traz magoado o rim, Magoada a cabega exposta a umidade. (“Rondé de colombina”, de Manuel Bandeira) © metro de onze silabas, chamado de arte maior, as vezes leva pausa na segunda, na quinta e na oitava silabas e entio pode oferecer um ritmo enérgico, pelo que foi preferido por Gonsalves Dias em alguns de seus poemas indianistas de feicio épica: Sio ndos, severos, cobertos de gloria, Ja prtios inatam, ja camam vitéria. (“I-Juca Pirama”) As vezes pode levar pausa apenas na quinta silaba ¢ entio 0 efeito é, a0 contrario, de extrema dogura: Ail ha quantos anos que eu parti chorando Deste meu saudeso, carinhoso lar! © nome alexandrino dado 20 metro de doze silabas deriva do Roman d’Alexandre le Grande, comecado no século XII por Lambert Licors ¢ terminado no século seguinte por Alexandre de Bernay. $6 penetrou em nossa lingua pelos meados do século XIX. Castro Alves usou-o em seus poemas “Poesia ¢ mendicidade”, “A Boa Vista”, “Pelas sombras”, “O tonel das danaides”, “Immensis orbibus anguis”, “Deusa incruenta” “No monte”. Usou-o, porém, como o praticam os poetas de lingua espanhola, isto é como composto de dois versos de seis silabas, mas sem atender & exigéncia de nio terminar o primeiro hemistiquio em palavra esdrixula ¢ quando terminar em palavra grave, comecar 0 se- gundo hemistiquio por vogal (“Era uma tarde triste, mas limpida e sere- na”). Os nossos parnasianos obedeceram estritamente a lico dos clissi- cos franceses na maneira de cesurat 0 alexandrino. Todavia, clissicos ¢ parnasianos nem sempre faziam coincidir a pausa do sentido com a pausa do hemistiquio. Bilac Guimaraens Passos, no seu Tratado de versificagao, exemplificam como certo 0 verso “Dava-lhe a custo a som- bra escassa ¢ pequenina” porque a vogal final do primeiro hemistiquio (0 ade sombrd) se clide na vogal einicial do segundo hemistiquio; e como errado 0 verso “Dava-lhe a custo a sombra fraca e pequenina”, por nio haver elisio. No entanto a maneira natural de ler ambos os versos fazendo duas pausas interiores, a primeira em custo, a segunda em estassa ¢ fraca. Esse ritmo ternario, sem atengio 4 cesura mediana, € outros, como 0 quaternario (3+3+3) os de corte irregular sio correntes na moderna poesia da lingua portuguesa. Exemplos de Ribeiro Couto: 543 O olhar nevoento... o passo lento... sonolento... E em meio aquele desalinho pitoresco... Pelos caminhos levando folhas de core: ‘As caricias delicadissimas da esséncia... Neles no ha a clisio mediana, mas o ritmo € 0 mesmo que resul- ta da leitura natural dos versos seguintes de Francisca Julia, onde existe a elisio: Sao esqueletos que de bracos levantados... E senta-se. Compée as roupas. Olha em torno... © Natureza, 6 Mie pérfidal tu, que crias... Tanto aborto, que se transforma ¢ se renova... Di-se 0 nome de versificacao polimétrica aquela em que se mistu- ram dois ou mais metros. A mistura de decassilabos com hexassilabos se da a denominagio de silva. A estrofagaio. — O discurso poético ora se apresenta em forma corrida, ora distribuido em grupos de versos, que se denominam estrofes, estncias, cobra ow talbo (poesia trovadoresca) e copla (cangdes populares). Composigées ha em que um certo nimero de versos sao repetidos depois de cada estrofe: é 0 refria, refrim ou estribilbo. As estrofes podem ser simples, isto é, formadas de versos da mes- ma medida; compostas, onde certos versos maiores se compdéem com outros menores; e Avrés, onde se admitem versos de qualquer medida. Nas estrofes compostas 0 verso maior é normativo, ¢ o seu ni- mero de silabas impde 0 do verso menor. Assim, ao heptassilabo se associa o de trés ou quatro sflabas; ao decassilabo, o hexassflabo; ao hendecassilabo, o pentassilabo; ao alexandrino, os de oito, seis ou quatro silabas. Segundo as estrofes se compoem de dois, trés, quatro, cinco, seis, oito ou dez versos, recebem respectivamente as denominagies de disticos, tercetos ou tristicos, quadras ou quartetos, quintilbas, sextilbas, oitavas € décimas. As estrofes de sete ¢ nove vetsos nao tém nome especial. O poema de um s6 verso se denomina mondstico. O distico é muito empregado pelo povo nos seus adagios (“Agua mole em pedra dura / Tanto bate até que fura”). Exemplos famosos sao os de Guerra Junqueiro em “A lagrima” ¢ 0 de Castro Alves em “O tonel das danaides”. O esquema das rimas € aa, bb, ¢s, etc. No poema em fercetos 0 esquema é aba, beb, ede, ded, ¢ assim por diante, sendo ad kbitum o namero deles, mas a ultima estrofe deve ser uma quadra. Se, por exemplo, o tiltimo terceto houver sido ded, a quadra obedecera a0 esquema gf, Tal € 0 tipo classic de tercetos, que era muito empregado para as elegias, epistolas e éclogas. Os tercetos dos sonetos apresentam diversas disposi¢des de rimas: aba, bab; aab, ecb, abc, abe, outras. ‘Nas quadras as rimas se dispdem das seguintes maneiras: abch, abab, abba. Os versos podem ter todos a mesma medida, ou os impares uma € Os pares outra, ou ainda os trés primeiros:uma € 0 quarto outra. Exem- plo do primeiro tipo, a quadra popular. Do segundo: Debrugada nas 4guas de um regato A flor dizia em vio A corrente, onde bela se mirava... “Ai, no me deixes, nao!” (“Nao me deixes!”, de G. Dias) Exemplo do terceiro tipo: No ar sossegado um sino canta, Um sino canta no ar sombrio. Pilida, Vénus se levanta... Que frio! A quintilba Classica, como foi praticada por Sé de Miranda, obe- dece a um dos dois esquemas abaab ¢ abbab. Os santos de longas terras Sempre foram mais buscados, Os da nossa esto cansados. Busquemos santos das serras Que esto mais desocupados. Escrever com louvaminhas, Nao é minha profissio; Tisar unhas ao leo Para pé-las nas galinhas, Outros 0 fagam, que eu nio. Outros esquemas: ababa, abbaa, aabab. E ainda, deixando o pri- meiro verso solto: abebe ou abecb. : A sextilba antiga era de uma s6 rima nos segundo, quarto € sexto versos (abchdt). Assim compés Gongalves Dias as suas Sextilbas de frei Anti. A sextilha moderna usa outros esquemas, com duas rimas (ababab, abbaab, abbaba) ow trés (aabech, podendo os versos em b set de metro menor que 08 versos em a, ¢ sendo de ordinitio a grave ¢ b agudo). Os roménticos cultivaram muito a sextilha do tipo desta de Casimiro de Abreu: 345 Eu nasci além dos mares Os meus lares, Meus amores ficam la! — Onde canta nos retiros Seus suspiros, Seus suspiros o sabia! A cstrofe de sete versos foi muito usada na poesia trovadoresca ¢ a distribuigdo das rimas era habitualmente abbacca. “Pedro Ivo” de Alvares de Azevedo esti escrito em decassilabos, salvo o sétimo verso, que é herdico quebrado, rimando segundo o esque- ma aabcbbe. Em “Pequenino morto” de Vicente de Carvalho os versos so hendecassilabos, salvo o iltimo, que é pentassilabo, ¢ rimam abachar, Na “Ultima cangao do beco” de Manuel Bandeira, escrita em redondilhas, rimam apenas o segundo ¢ o sétimo verso. A oitava apresenta um tipo invariével, a chamada herdica, ¢ outro varidvel, a lirica. A oitava heréica, assim denominada por ser a usual nos poemas épicos, compée-se de decassilabos, que obedecem ao seguinte esquema de rimas: abababec, como se pode verificat em qualquer estrofe de Os lustadas. A oitava lirica admite grande variedade. Pode ser a simples justa- posi¢io de duas quadras: ababeded ou abbacdde. Tem, porém, mais unida- de nos esquemas abbeadde, aaabcecb, abcbdddb. Exemplo do primeiro tipo: A velhice tem vigilias, Luta em graves pensamentos; A mocidade tem sonhos, A infancia, pressentimentos. Leva a morte a cada instante Uma esperanga perdida. Sonhar, pressentir, pensar... E nisto se esvai a vida. (“Infincia, mocidade, velhice”, de Fran- cisco Otaviano) Exemplo do segundo: Uma tarde cor de rosa... Uma vila assim modesta, Assim tristonha como esta... De pescadores, também... Sobre a planicie arenosa 546 Por onde o Jordao deriva, Pousa a sombra evocativa Das montanhas de Siquém... (Vicente de Carvalho) Os rominticos cultivaram esse tipo de oitava, mas deixando sem rima o primeiro e 0 quinto verso (Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”. Exemplo do terceiro: Quando o sol queima as estradas, E nas virzeas abrasadas Do vento as quentes lufadas Erguem novelos de pd: Como é doce em meio as canas, Sob um teto de lianas, Das ondas nas espadanas Banhar-se despida e él... (‘Na fonte”, de Castro Alves) Exemplo do quarto: Entio repeti a0 povo: — Desperta do sono teul Sansfo! derroca as colunas! Quebra os ferros, Prometeu! Vestivio curvo — nio pares, Ignea coma solta aos ares, Em lavas inunda os mares, Mergulha o glidio no céu! ("Pedro Ivo”, de Castro Alves) Tipo especial de oitava é 0 sriolé, forma medieval, hoje s6 empre- gada na poesia ligeira, ¢ na qual o primeiro verso se repete como quarto, € 0 primeiro e 0 segundo como sétimo e oitavo. Exemplo: As cantigas que tu cantas Fogem-me as migoas antigas. Sao tio alegres e tantas As cantigas que tu cantas! Minhas tristezas espantas Com tuas velhas cantigas: As cantigas que tu cantas Fogem-me as magoas antigas. (Valentim Magalhies) 347 A estrofe de nove versos, pouco usada, pode ser definida como uma quadra ¢ uma quintilha justaposta. Na cantiga de amor de Airas Nunes que comega pelo verso “Amor faz a mim amar tal senhor” a distribuigao das rimas é ababedded. No poema “Visio” emprega Macha- do de Assis 0 esquema aabedbedb. A estrofe de dez versos, a désima, é a justaposigio de uma quadra ¢ uma sextilha, ou de duas quintilhas. Exemplo da primeira é a seguinte esparsa de Sé de Miranda: A vossa bula de amor Nio € pera toda a gente: Perdoa a culpa somente, A pena nio, nem a dor. E assi faz amor com ela, Que com esperanca incerta Traz 6 mar € morte certa Leandro, ¢ Hero a janela. Assi que de amor e dela Mais se abraca que se aperta: Exemplo da segunda, do mesmo autor: Assi me tém repartido Extremos que nao entendo; De toda parte corrido, De todas desacorrido, De nenhuma me defendo. A vida esta mal segura, Eu tenho outro mor cuidado: Que mal em tanto estimado Que nesta desaventura Me faz desaventurado! Os poemas de forma fixa. — Os principais poemas de forma fixa cultivados em nossa lingua so 0 soneto, 0 rondé, 0 rondel, a balada, 0 canto real, © vilancete, a vilanela, a sextina, O pantum ¢ © haicai. O soneto apresenta duas varicdades: 0 soneto itahano e © soneto inglés. O soneto italiano compée-se de dois quartetos € dois tercetos. A distribui¢ao das rimas é muito variavel. No soneto classico os quartetos sio construidos sobre duas rimas; os tercetos, sobre duas ou trés. Eis os esquemas para os quartetos: abba | abba, abab | abab. Para os tercetos: cde | ded; ede | cde, ced | eed; edd | ded, ede | ded; cde | ede. E. considerado irregularidade misturar os dois esquemas de quarteto; por exemplo, ri- mar num quarteto abba e no outro baab ou abab ou baba. Mais irregular 548 ainda € nao rimar os versos do segundo quarteto com os do primeiro (abab | eded). O esquema que parece comunicar ao soneto maior unidade ¢ harmonia formais € abba | abba | ede | ded. Exemplo de Bocage: Sobre estas duras, cavernosas fragas, Que o marinho furor vai carcomendo, Me esto negras paixdes n’alma fervendo, Como fervem no pego as crespas vagas. Razio feroz, 0 coragio me indagas, De meus erros a sombra esclarecendo. E vis nele (ai de mim!) palpando e vendo De agudas ansias venenosas chagas. Cego a meus males, surdo a teu reclamo, Mil objetos de horror co a idéia eu corto, Solto gemidos, lagrimas derramo. Razio, de que me serve o teu socorro? Mandas-me no amar: eu ardo, eu amo; Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro. Di-se o nome de coroa de sonetos a uma série de quinze, em que, a partir do segundo, cada um tem como verso inicial 0 tltimo verso do soneto anterior, ¢ 0 décimo quinto se compée dos versos repetidos, os quais devem formar um sentido. Geir Campos renovou entre nés essa facanha virtuosistica, mas fugindo ao esquema ortodoxo das rimas, quer dizer, rimando livremente ¢ 4s vezes nao rimando. Os poetas modernos, alias, tem tomado em relacio 4 construgao do soneto italiano toda sorte de liberdades, Jorge de Lima, em seu Livro de sonetos, rima as vezes apenas dois versos quaisquer ou nio rima ne- nhum ou rima os quartetos segundo 0 esquema abed | abcd, etc. Cassiano Ricardo rima, no soneto “O heréi triste”, apenas os tltimos versos dos quartetos e tercetos (Juas, ruas, duas, suas); em outro soneto ("Eva matuti- na”) sustenta uma rima tinica nos versos pares dos quartetos, no segun- do verso do primeiro terceto no primeiro verso do segundo quarteto. Outros poetas vio ao ponto de nao guardar da forma do soneto italia- no senio a distribuigao em dois quartetos e dois tercetos: sonetos (se ainda se podem chamat assim) em versos livres. O soneto inglés, sé muito recentemente introduzido em nossa lin- gua, compée-se de trés quartetos ¢ um distico. Obedece ao esquema abab | cded | ofof | gg ov abba | cdc | effe | gg, fixado por Surrey 20 tempo de Elisabeth. S6 tem pois de comum com 0 soneto italiano 0 niimero de versos. No tltimo dos “Quatro sonetos de meditagio”, de Vinicius de Morais, os versos estio agrupados como o so os de um soneto 549 italiano; tas na realidade constituem um soneto inglés: trés quartetos, com rimas independentes, ¢ um distico. Como tal vamos transcrevé-lo: Apavorado acordo em treva. O luar E como o espectro do meu sonho em mim E sem destino, ¢ louco, sou o mar Patético, sonimbulo e sem fim. Desco da noite, envolto em sono; € 0s bracos Como imis, atraio 0 firmamento Enquanto os bruxos, velhos e devassos, Assoviam de mim na voz do vento, Sou 0 mar! sou o mar! meu corpo informe Sem dimensao ¢ sem razdo me leva Para o siléncio onde o Siléncio dorme Enorme. E como o mar dentro da treva Num constante arremesso largo e aflito Bu me espedago em vio contra o infinito. O rondé, forma francesa, é um poema de quinze versos, distri- buidos em trés estrofes, segundo o esquema aabba | aabC | aabbaC, 2 maitscula C representando as palavras iniciais da primeira estrofe repe- tidas como estribilho ¢ ultimo verso da segunda e da terceira estrofe. Exemplo de Goulart de Andrade: La, longe, entre arvores eu vejo, Tio vario como 0 teu descjo... Saindo branco de um casal, O fumo, em linguida espiral, Macio como um leve adejo. Dize, seré em vao que almejo, Ouvindo a misica do beijo, Viver contigo um sonho real, La, longe? Se ardes por mim, se eu te desejo (Vé tu que espléndido bosquejo!) Foge do mundo 20 torvo mal, Rosa, vem para o meu rosal, Que da invernia eu te protejo, La, longe... A palavra rondé designa também um género de poemas, com estribilho, ¢ de numero de versos ¢ estrofagao variaveis. As 59 primeiras composigdes da Glaura de Silva Alvarenga sio rondés.desse tipo. 550 O rondel é um poema de treze versos, distribuidos em trés estro- fes, segundo o esquema ABba | abAB | abbaA, as maitsculas represen- tando-os versos que sio repetidos como estribilho. Exemplo de Bilac, com ligeia variante (ABab | baaB | ababA): Sobre as ondas oscila o batel docemente... Sopra o vento a gemer... Treme enfunada a vela... Na Agua clara do mar, passam tremulamente Aureos trasos de luz, brilhando esparsos nela. La desponta o luar... Tu, palpitante e bela, Cantal chega-te a mim! di-me essa boca ardente! Sobre as ondas oscila o batel docemente... Sopra o vento a gemer... Tree enfunada a vela... ‘Vagas azuis, parail Curvo céu transparente, Nuvens de prata, ouvil... Ouga do espaco a estrela, Ouga de baixo 0 oceano, ouga o luar albente: Bla canta... ¢, embalado ao som do canto dela, Sobre as ondas oscila o batel docemente... A balada, forma francesa, é um poema de 28 versos, distribuidos segundo 0 esquema ababaaC | ababacaC | ababaC | acaC, a maiiiscula C representando o estribilho. A quadra final tem muitas vezes o sentido de dedicatétia ¢ leva o titulo oferta ou envio, Eis um exemplo, de Filinto de Almeida, com ligeira variante no tiltimo verso das estrofes, 0 qual, em vez de ser 0 mesmo verso repetido, estribilha apenas a palavra da rima: Por noite velha, no castelo, Vasto solar dos meus avés, Foi que eu ouvi, num ritornelo, Do pajem loito a doce voz. Corti a ogiva para vé-lo, Vitrais de par em par abri, E, ao ver brilhar o meu cabelo, Ele sorriu-me, eu the sorri. Venceu-me logo um vivo anelo, Queimou-me logo um fogo atroz; E toda a longa noite velo, Pensando em vé-lo e ouvi-lo a sés. Triste, sentada no escabelo, $6 com a aurora adormeci... Sonho, ¢ no sonho, haveis de cré-lo? Inda o meu pajem me sorril 551 Seguindo a ami-lo com desvelo, Por noite velha, um ano apés, Termina enfim o meu flagelo, Felizes fomos ambos né Como isto foi, nem sei dizé-lo! No colo seu desfaleci... E, alta manhi, no seu murzelo, pajem foge, e ainda sort... Dias depois, do pajem belo, Junto ao solar onde eu 0 ouvi, ‘Ao golpe horrivel do cutelo Rola a cabeca, ¢ inda sorzi... A palavra balada designa ainda outro género de composi¢ao sem forma fixa e onde se narram sucessos tradicionais ou lendérios (leia-se para exemplo a admirvel “Simples balada” de Joao Ribeiro). © canto real € um poema composto de 60 versos, distribuidos segundo o esquema ababeeddedE | ababceddedE: | ababccddedE | ababceddedE: | ababceddedE | ddedE, a maidscula E representando o estribilho. A ilti- ma estrofe denomina-se oferta ou envio. Exemplo da autoria de Goulart de Andrade, intitulado “Canto real da noite’ Da espidua de marfim, magnifica e cheirosa, Onde coleia a curva, e a harmonia pagi, Vibra na mocidade eterna e cor de rosa, Como as nuvens do poente e as névoas da manh’; Da espadua, de onde emerge, a torre alabastrina De um colo escultural — héstia que se ilumina Com o ridente claro de um sangue a borbulhar, Cai, de estranha sibila, imével, fito o olhar No mistério sem fim do amplo espaco deserto, Pesado e de veludo, a refulgar pelo ar, © largo manto real, suntuosamente abertol E 0 zainfe estelar fulgural A misteriosa Cifra, em linhas de luz, benéfica ou malsi, O destino desvenda. — E cada nebulosa O horéscopo de um piria, a vida de um titi! Em signos o futuro ali se vaticina: Guerra ou paz, riso ou dor; gléria excelsa e divina No amor € na conquista, eterno solugar, ‘Luta penosa, anseio, ¢ 0 martirio sem par, Sem o alento de um beijo ¢ um coragio bem petto... Isso tudo nos mostra, esplendoroso, a aflar, © largo manto teal suntuosamente aberto! 552 E pela vastidio, escura e veludosa, Se desparze triunfal todo o escrinio de Pa: Ora em régia Coroa, ardendo vitoriosa, E onde a Pérola fulge, entre sérdios, lous: Ora em Lira dolente a luzir na surdina Do roxo da ametista; ou na Aguia, em que domina Altair, entre opala ¢ berilo, a brilhar; Ou em Sirio, rubim, carbinculo, Aquerner.. Luz que irrora, que inunda ¢ estonteia decerto sonhador audaz que tente decifrar © largo manto real suntuosamente aberto! E 0 delitio da cor! A bacanal faustosa Do brilho! Lividez de lanca ¢ de iataga! Palor de luar, orquestrago maravilhosa De linciirio, Castor, safira e Aldebari! Sorrisos de turquesa, hidrofana e olivina, Rubros ais de granada ¢ piropo! A argentina Flor de Arcturus a rir! Glauco reverberar De esmeralda e Capela e Régulus! Um mar Fulgurante de fogo! Almo tesouro oferto A humana vista, que se perde em contemplar © largo manto real suntuosamente aberto! Homem, tu correrés numa ansia dolorosa Em pés de uma fugaz, treda esperanga, ima Da inquietante incerteza, ¢ inda mais enganosa: Eterno é 0 teu softer, ¢ a tua angustia é vil Teras sempre contigo a diivida ferina, Que te beija ¢ te punge, ¢ te afaga ¢ assassinal Nunca veras consolo ao teu fundo penar, Balsamo a tua dor, sossego ao teu lutar, E, imoto, jazeris de joelhos, descoberto, No éxtase de um faquit, mudo, vendo a ondular — O largo manto real, suntuosamente aberto! Oferta Noite, deusa da treva e do fulgor! Altar Para onde o sonho via, num suavissimo voar, Do ergistulo da Terra, erma ¢ triste, liberto, Semelhas-te 4 Mulher, bela c fria, a passar, © largo manto real suntuosamente aberto! 553 O tilancete é um tipo especial da glesa, a qual consiste no desdobra- mento de um mofe em tantas estrofes voltas quantos sao os versos do mote. No vilancete o mote é um terceto, em que rimam o segundo ¢ 0 terceiro versos; as voltas so duas € repetem esses versos. Exemplo de Camées: © meus altos pensamentos, Quio altos que vos pusestes E quio grande queda destes! Como de mim vos nio vinha Serdes firme num estado ois o viver enganado Era o maior bem que tinha), Castelo desta alma minha, Quio alto que vos pusestes E quio grande queda destes! Sabia que éreis de vento, Como quem vos viu fazer; Inda assim vos qu’tia ter Como éreis, sem fundamento. Quem vos desfez num momento? Ail quo alto vos pusestes E quio grande queda destes! A vilanela, forma francesa, é uma variedade da composigio em tercetos. Constréi-se sobre duas rimas. O primeiro ¢ 0 terceiro sao, alternadamente, o ultimo verso dos demais tercetos, ¢ ambos juntos os dois iltimos versos do quarteto final. Como se pode ver em “Chama e fumo”, de Manuel Bandeira: Amor — chama, e, depois, fumaga... Medita no que vais fazer: © famo vem, a chama passa... Gozo cruel, ventura escassa, Dono do meu ¢ do seu ser, Amor — chama, e, depois, fumaga... Tanto ele queima! E, por desgraca, Queimado o que melhor houver, fumo vem, a chama passa... Paixio purissima ou devassa, Triste ou feliz, pena ou prazer, Amor — chama, e, depois, fumaca... 584 A cada par que a aurora enlaga, Como é pungente o entardecer! © fumo vem, a chama passa... Antes, todo ele é gosto ¢ graga. Amor, fogueira linda a ardet! Amor — chama, e, depois, fumaca... Porquanto, mal se satisfaga, (Como te poderei dizer?...) © fumo vern, a chama passa... A chama queima. O famo embaca. Tio triste que é! Mas... tem de ser. Amor? — chama, e, depois, fumaga: © fumo vem, a chama passa... A sextina compée-se de seis sextilhas ¢ um terceto (envio ou remate), todos sem rima, mas a palavra final de cada verso da primeira estrofe se tepete como palavra final de cada verso das demais estrofes e na seguin- te ordem: Exemplo de Estrofes: ABCDEF FAEBDC CFDABE ECBFAD DEACFB BDFECA Envio:B D F ou ACE. Camées: Foge-me pouco e pouco a curta vida, Vai-se-me o breve tempo de ante os olhos, E do viver me vai levando 0 gosto; Choro pelo passado, mas os dias Nio se detém por isso de seu curso; Passa-se, enfim, a idade e fica 2 pena. Que maneira tio aspera de pena, Que nunca um passo deu tio longa vida Fora de trabalhoso e triste curso! Se no processo meu estando os olhos, Tao cheios de trabalho vejo os dias Que ja no gosto nem do mesmo gosto. 555 Os prazeres, 0 canto, 0 riso € 0 gosto, A continuacao da grave pena Mos levou, que no ponho, culpa aos dias: A culpa é do destino, porque a vida Sempre celebrara os belos olhos, Por mais que do viver se alongue o curso. Sigam os céus o seu natural curso, ‘A toda gente déem tristeza ou gosto; Facam, enfim, mudangas; que meus olhos Nunca verio no mundo seno pena. Nem descanso terei ja nesta vida Para poder em paz passat os dias. Vio sucedendo os dias a outros dias; Nio perde o tempo nada do seu curso, Perde somente a curta e breve vida. Foge-lhe como sombra a idade € 0 gosto; Vai-se-lhe acrescentando magoa ¢ pena, De que sio testemunhas os meus olhos. Mas nunca da minha alma, claros olhos, Vos poderio tirar os longos dias, Cresga quanto quiser trabalho ¢ pena; Que, pois para detris nio torna o curso Dos anos, isto s6 terei por gosto, Para poder passar o mais da vida. Cangio, jé tive vida, ja meus olhos Me deram algum gosto; mas os dias, Com seu ligeiro curso, magoa ¢ pena. Belo exemplo moderno da forma, mas sem envio, é a “Sextina da véspera”, de Américo Facé, em Poesia perdida. O pantum, forma malaia, é uma cadeia de quadras, niimero ad Lbitum, rimadas segundo 0 esquema abab, sendo o segundo € quarto versos de cada estrofe repetidos como primeito ¢ terceiro da estrofe seguinte; na tltima estrofe o segundo € 0 quarto versos sao 0 terceiro e © primeiro da primeira estrofe, terminando pois o poema com seu verso inicial. Em nossa poesia existe um exemplo de pantum nas Sarpas de fgo, de Bilac, com ligeita variante: na estrofe final o seu segundo verso € um verso novo e nfo o terceiro da primeira estrofe: 556 Quando passaste ao declinar do dia, Soava na altura indefinido arpejo: Pilido, 0 sol do céu se despedia, Enviando 4 terra o detradeiro beijo. Soava na altura indefinido arpejo... Cantava perto um pissaro, em segredo; E, enviando 4 terra o derradeiro beijo, Esbatia-se a luz pelo arvoredo. Clarearam a extensao dos largos campos... Vinha, entre nuvens, o lar nascendo... Fosforeavam na relva os pirilampos... E eu inda estava a tua imagem vendo. Vinha, entre nuvens, o luar nascendo; A tetra toda em derredor dormia... E eu inda estava a tua imagem vendo, Quando passaste ao declinar do dial © haicai, forma japonesa, € um poema de apenas trés versos, 0 primeiro ¢ o terceiro de cinco silabas, 0 segundo de sete; nfo hi rima. Todavia, Guilherme de Almeida os tem feito rimando os versos extre- mos, € no segundo, a palavra final com a primeira pausa interior. Para exemplo, esta sua definicio poética do haicai: Lava, escorre, agita A arcia. E enfim, na bateia, Fica uma pepita. O verso livre. — Desde que o poeta prescinde do apoio ritmico fornecido pelo nimero fixo de silabas, penetra no dominio do verso livre, o qual, em sua extrema liberacio, isto é, quando nio se socorre de _ nenhum apoio ritmico, poderia confundir-se com a prosa ritmica, se niio houvesse nele a unidade formal interior, aquilo que de certo modo © isola no contexto poético. Tal liberagio existe, por exemplo, neste poema (“Mulher”) de Murilo Mendes: Mulher, o mais tertivel e vivo dos espectrost Por que te alimentas de mim desde o principio? Em ti encontro todas as imagens da criacio: Es passaro e flor, som e onda variavel... E, mais que tudo, a nuvem que foge eternamente. Dormir, sonhar — que adianta, se tu existes? Se fosses somente formal Es também idéia. Ah! quando desceré sobre mim a grande paz em cruz... 537 Todavia, raro é 0 poema em versos livres onde o poeta nio lance mio do encadeamento para marcar 0 ritmo. Quase toda a poesia de Augusto Frederico Schmidt é ritmada pela repeti¢io de palavras ou fra- ses de verso a verso: Ouvimos os sinos encherem a madrugada Ouvimos o mar bater embaixo nas pedras Ouvimos a voz que nos arrancara do sono... Olho o céu ¢ enfim descanso! Olho o céu ¢ as estrelas frit Olho o céu alto e enorme e descanso... Olho o céu frio e simples € descanso. Alguns poetas se servem nao sé do encadeamento e da aliteragio, mas também da rima para acentuar o ritmo da versificacio livre. E 0 caso de Adalgisa Nery: ‘Com olhos cor do ar, ‘Atirada na praia, coberta de conchas e espumas do mat, Cirandei com as estrelas € ouvi os caramujos, Chamei com os bragos Gaivotas que em meu corpo vieram pousar. Bibliografia — Ant6nio Feliciano de Castilho, Tratado de versficagio portuguesa, — Olavo Bilac e Guimaraes Passos, Tratado de versificagao. — Osé6rio Duque Estrada, A arte de fazer versos. — Mario de Alencar, Dicio- ndrio das rimas portuguesas. — Costa Lima, Diciondrio de rimas para uso de ‘portugueses e brasileiros, — M. Said Ali, Versificagdo portuguesa. — Musilo Aratijo, A arte do poeta. BANDEIRA, Manuel. Seleta de prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

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