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TATA: ATT i SHULD LO EST) TATUM TTI STC Co DEDALUS - Acervo - FFLCH-FIL UER) Restor: Vieeretor Coordenadora do Forum de Citncia ¢ Cultura EDITORA UFR} Diretora Eeitora-asistnte Coordenadora de produsio Consebo Editorial: HL Paulo Alcantara Gomes José Henrique Vilhena de Paiva Myrian Dauclberg Hiloisa Buarque de Hollands Lucia Canedo ‘Ana Carrizo Heloisa Buarque de Hollands (Presidents), Carlos Lessa, Fernando Labo Caznciro, Flora Sussekind, Gilberto Velho € Margarida de Souza Neves A Reducao Sociolégica Guerreiro Ramos ‘SBD-FFLCH-USP wn 226371 Eprrora UFRJ 1996 ee. A STO ZAzSn Copyright by © Clelia Guerreiro Ramos, Eliana Guerseiro Bennett € Alberto Guerteio Ramos Filho representados por AMS Agenciamento Artstco, Cultural e Literério Leda Ficha Catalogrifica claborada pela Diviséo de Pracessamento Técnico - SIBV/UFRJ R175¢ "Ramos, Guero A redugio sociliiea/ Guerreiro Ramos. 3, ed Rio de Jncto:Fatora UFRJ, 1996, 276 pr 14 X 21 em trie Tercera Margem) 1, Sociologia Apiada 2, Brasil - Sociologia 1. Titulo cpp 301.0981 ISBN 85-7108:1549 Capa Viewor Burton Revo Josewe Babo Projeto Grafico ¢ Editoragio Elerinica Alice Brivo Universidade Federal do Rio de Jancico Forum de Cigneia e Cultura Editora UFRJ Sumario Preficio 4 Terceira Edigio Av, Pasteur, 250/sala 106 - Rio de Jancico CEP: 2295-900 Teli: (021) 295 1595 1.124 2 127 Pax: (021) 542 899 (021) 295 1397 Apoio Tes laydo Universciria José Bonificio Clovis Brigagiéo 07 Preficio 4 Segunda Edigio 09 Nota Introdutéria a ‘A Consciéncia Critica da Realidade Nacional 45 Fatores da Conscitncia Critica do Brasil 33 ‘A Mentalidade Colonial em Liquidasio o Definigéo ¢ Deserigéo da Redugio Sociolégica a Duas Hlustragbes da Redugio Sociotégica 1B Antecedentes Filoséficos da Redugio Sociolgica 85 Antecedentes Sociolégicos da Redugio Sociolégica 93 Lei do Comprometimento 105 Lei do Cariter Subsididrio da Produgio Cientifica Estrangeira 13 Lei da Universalidade dos Enunciados Gerais da Ciéncia Let das Fases Critérios de Avaliagio do Desenvolvimento Apéndice I Sirwasito Atual da Sociologia Apéndice II Consideragées sobre a Reducdo Sociolégica Apéadice Ill Correntes Sociolégicas no Brasil Apéndice IV Observagies Gerais sobre a Redusdo Socioligica Apéndice V 0 Papel das Patentes na Transferencia da Tecnologia para Paises Subdesenvolvides Apéndice VI Anilite do Relatério das Nagies Unidas sobre a Situacéo Social do Mundo 123 129 139 159 189 203 229 247 2357 -_ ~ . was Preficio a Terceira Edigao Passadas quase quatro décadas desde que Guerreiro Ramos publicou, em 1958, a primeira edigio de A Redusto sociolégica (Introdugio a0 Estudo da Razdo Sociolégica), sua veeméncia ainda se faz ouvir. Ali, o mestre Guerreiro sustentava teses com alta dose de coragem intelectual, inspiradas no método critico sobre hébitos, racionalizagées e usurpagies tedricas que habita- ‘vam (e ainda habitam) 0 pensar ¢ o fazer sobre os destinos de nossa sociedade, E marca inconfundivel desse clissico da sociologia 0 rasgar das ilusdes que embotavam os fatos sociais, suas consideragées f¢ pressupostos tedricos sobre o desenvolvimento brasileiro. Em A Redugdo, Guerreiro travava, com sucesso, dois embates: a li- quidaco da mentalidade colonial e de todas suas decorréncias no plano das idéias e da politica e a exposigio, com toda a sua inequivoca radicalidade ¢ clarividéncia, das razdes sobre a nova consciéncia critica da realidade, através do exame metédico € filossfico que ele esgrimava sem parcimOnias ¢ gratuidades. A REpUGKO SocioL6cica Seria A Redugdo ainda arual, atuante ¢ explicativa sobre 0 desenvolvimento brasileiro? Embora os fatos consagrados em sua pesquisa ¢ andlise tenham sido transformados 20 longo dessas décadas, suas argutas observagdes de que “a compreensio do Brasil no pode resultar de uma intuigio instantanea, mas do meticuloso exame de suas particularidades” continua sendo instrumental vé- lido e insuperivel da postura critica ¢ criativa das mais originais Jé produzidas em nosso pais. A reedicio pela editora UFR] de A Redugao sociolégica resgata o valor ea témpera de toda sua obra, além de presentear as novas geragdes de socidlogos e intelectuais brasileiros com uma conduta que deve ser adotada em tcdos os domfnios do saber e da ati- vidade humana. Clovis Brigagao Prefiicio & Segunda Edigao ‘al como se encontra exposto neste livro, a redugio sociolé- gica nao representa momento final de um processo de indagacio. E certo que marca o amadurecimento de uma concepgfo que se encontrava fragmentariamente formulada e aplicada em estudos anteriores do autor, notadamente os reunidos em Cartitha bra- sileira do aprendiz. de sociélogo (1954), depois republicada em Introdugdo critica & sociologia brasileira (1957). Desde 1953, 0 autor se empenhara num esforco revisionista, isto é, se colocara cem frontal dissidéncia com as correntes doutrindtias, 0s métodos « processos dominantes no meio dos que, entre nés, se dedicavam. a0 trabalho sociolégico. Negivamos-Ihes nfo somente cardter cientifico, como ainda funcionalidade, em relacdo as exigéncias da sociedade brasileira. No Brasil, diziamos, o trabalho sociolé- gico reflere também deficiéncia da sociedade global, a depen- déncia. No caso, « dependéncia se exprimia sob a forma de alienacio, visto que habicualmence 0 sociélogo utilizava a dusio sociolégica estrangeira, de modo mecinico, se dar-se conta de seus pressupostos histéricos originais, sa A Repucko Socioscien seu senso critico ao prestigio que Ihe granjeava exibir ao ptiblico Icigo 0 conhecimento de conccitos ¢ técnicas importadas. * ciologia enlatada”, “sociologia consular”, era em grande parte a que se fazia aqui. “Nao se tem conseguido, no Brasil — diziamos em 1954 na Cartithe — formar especialistas aptos a fazer uso sociolégico da sociologia”. A despeito da resisténcia cenaz que, por vezes até com feicéo agressiva, se organizou contra essa orientacio renovadora, depres- sa ela empolgou 0 piblico instrufdo que constitui o mercado da producio sociolégica. Os socidlogos de velha feicio, mais capazes, renderam-se & idade da critica ¢, pouco a pouco, adapraram- se a0s novos critérios de trabalho cientifico. Os menos capazes perderam a preeminéncia — de que porventura desfeutavam. B, em 1956, jd escteviamos no preficio de Introdugéio erftica @ so ciologia brasileira: “ercio estar superada a fase polémica da sociologia nacional”. A Redusiéo sociolégica, publicada em 1958, estava implicita em todos os meus estudos anteriores a essa data. Basta examind-los para se ter disto irretorquivel demonstracio. Mas este livro, na forma ¢ no contetido de 1958 , nio esgotara 0 sentido da atitude redutore. que presidia ¢ preside aos nossos estudos. Em 1958, a fundamentacio metodolégica de uma, ciologia nacional nos obsedava. Precisivamos vencer os iiltimos argumentos a que se recorria contra ela habitualmente, por m4 £8, por preconceito, ou por ambas as coisas. Por isso, A Reducdo sociolégica, em sua primeira exposigio, foi sobretudo um método de assimilagao critica do pattiménio sociolégico alienigena. Ao preparar a segunda edigio deste livro, advertimos que ele apenas focalizou aspecto parcial da reducio sociolégica. Esta nao se destina to s6 a habilitar a traxsposicéo de conhecimentos de um contexto social para outro, de modo critico, mas também carac- teriza modalidade superior da existéncia humana, a existéncia culta ¢ transcendente. (A sociologia profissional, sendo na fase éa evolugio histérica em que nos encontramos, em que ainda perduram as barreiras sociais que io & especializagio, oficio -vedam 0 acesso da maioria dos individuos a0 saber. A vocagio 10 PREFACIO A SEGUNDA EDIGKO da sociologia é resgatar 0 homem ao homem, permitir-lhe ingres- so num plano de existéncia autoconsciente. E, no mais auténtico sentido da palavra, romar-se um saber de salvagio. A cedugio sociolégica é a quintesséncia do sociologizar. Quem apenas co- nhece a literatura sociolégica universal, sem se dar conta do que chamo de “reducio sociolégica” — dizfamos em 1956 — nao passa de simples “alfabetizado” em sociologia (Jntrodugé, p. 211). A reducio sociolégica é qualidade superior do ser humano, que Ihe habilita transcender toda sorte de condicionamentos circuns- tanciais. Este aspecto ficou prejudicado neste livro. Este aspecto, sob o nome de atitude parentética, focalizamos, no livro recém- publicado, Mito e verdade da revolugdo brasileira. E. s6 em obra futura pretendemos apresentar, de maneira mais analitica, 0 nosso conceito ampliado de reducao sociolégica, como leicura inteligen- te do real em suas miltiplas expresses Podemos, no entanto, salientar trés sentidos bésicos da redu- ‘so sociolégica. Tais sio: ilagdo critica da produgéo sociol6gica estrangeira. Foi este, como se advertiu anteriormente, 1) redugio como método de a © tema por exceléncia do presente livros 2) redugio como atitude parentetica, isto ¢, como adestramen- to cultural do individuo, que o habilita a teanscender, no limite do possivel, os condicionamentos citcustanciais que conspiram contra a sua expressio livre e auténoma. A cultura, notadamente: a cultura sociolégica, € componente qualitativo da existéncia superior, em contraposic’o a existéncia diminufda dos que, destituidos de treino sistemético, oferecem escassa resistencia & robotizagio da conduta pelas pressdes sociais organizadas. Em nosso livio Mito ¢ verdade da revolugio brasileira, no captculo Homem Organizagio ¢ Homem Parencético, focalizames anali- ticamente este aspecto, que pretendemos reexaminar em outra oportunidade; 3) redusio como superagio da sociologia nos cermos insti- tucionais ¢ universitérios em que se enconcra, A sociologia ¢ cigncia por fazer. Presentemente, € 0 nome de um projeto de mentos estio esbogados, mas elaboragio de novo saber, cujos 1 A Rupucso SocioLocica ainda-nao suficientemente integrados. Reproduzimos em apén- dice um texto escrito em 1958, Sieuagio Atual da Sociologia, em que discutimos esta questio. ‘Apés a publicacéo deste livro, © pensamento redutor fez progressos ¢ tende hoje a generalizar-se para dominios outros além do sociolégico propriamente. Em primeiro lugar, deve-se incluir na relagio dos estudos que se situam no horizonte deste livro, a obra de Geraldo Bastos Silva, Introdugio a critica do ensino secundario (Ministério da Educagio ¢ Cultura, Rio de Janeiro, 1959), que é uma andlise comperente do nosso sistema educacional, 4 luz do procedimento critico- assimilativo que aplicamos em varios trabalhos e que, a partir de 1958, chamamos de “reducio sociolégica”. A obra de Geraldo Bastos Silva é indicada especialmente para aqueles que tém in- teresse pela aplicagio da nossa metodologia no campo da pesquisa O sr. Alvaro Vieira Pinto publicou Consciéncia ¢ realidade nacional (1960). Sobre esta obra ja formulei juizo circunstan- ciado, que nio desejo repetir agora. No entanto, aproveito o ensejo para acrescentar a0 que escrevi em Mito ¢ verdade da revolugao brasileira algumas consideragies. No liveo do st. Alvaro Vieira Pinto hé fragmencos que representam, nio raro, excelente ilustragio da atitude redutora. O autor a aplica, algumas vezes, de modo feliz, na anilise de aspectos sociais. Em seu conjunto, porém, Conciéneia e realidade nacional é lamentavelmente eaforco frustrado em seus objetivos. Podemos resumir as principais falhas dessa obra. Nela se confunde consciéncia critica com pensamento rigoroso. © autor magnifica a consciéncia critica, a0 ponto de elevé-la a um plano de alta elaboracio conceitual, que ainda est Jonge de aleangarf'A consciéncia critica de que se trata em meu livro, A Redugdo sociolégica e, em seguida, por influéncia deste, em Consciéncia e realidade nacional, ¢,a “consciéncia critica da sealidade nacional”. £ fendmeno de psicologia coletiva. Ora, a consciéncia coletiva, como tal, nas condisées prevalescentes hoje, 12 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAO no pode ter as qualificaces do pensar rigororo, ceja cociolégico, seja filosdfico. Estio muito longe os dias.em que as massas possam vir a adquirir um grau de ilustragio tao alto. Por isso, tivemos © cuidado, na Redugio, de mostrar que a consciéncia critica emerge de condigées sociais gerais e estruturais, a industrializagio ¢ seus principais efeitos, a urbanizacio ¢ a melhoria dos habitos popu- lares de consumo. A consciéncia critica, no caso, seria, quando muito, um modo subalterno ¢ elementar do nosso livro, nao se confunde consciéncia critica com reducio sociolégica. Mas o st. Alvaro Vieira Pinco confunde consciéncia critica com reducio filoséfica. Neste ponto, comete 0 erro grave de atribuir & “conscigncia critica da realidade nacional” as cate- gorias do pensamento dialético, afirmando que as “induziu” da “realidade brasileira”, 0 que é, no mais rigoroso sentido da palavra, uma infantilidade. Além disso, inclui a nacionalidade, com 0 cariter de maxima proeminéncia, entre as categorias clissicas da dialética. Em conseqiiéncia disso, foi levado o st. Alvaro Vieira Pinto a um fascismo filoséfico, com qual ndo se pode pactuar. Nio tendo assimilado a nocio de comunidade humana universal, o sr. Alvaro Vieira Pinto expos em Consciéncia e realidade nacional © que chamei de deformacio direitista da reducio sociolégica. at rigoroso. Em Uma reflexio sobre 0 estado da ciéncia econdmica nos paises subdesenvolvidos, a luz da idéia reducora, que merece registro, €o estudo do sr. Jilio Barbosa, publicado em niimero da Revista Brasileira de Ciéncias Sociaés (novernbro de 1961), intivulado Contribuiséo 4 Critica da Cigncia Econémica nos Paises Sub- desenvolvidos. No México, Jorge Martinez Rios, em estudo publicado na Revista Mexicana de Sociologia (Ano 22, v. 22, 1. 2, 1960), intitulado La Reduccién Sociolégica como Tarea Merédica — Pritica de los Sociélogos Latinoamericanos, mos- trou as conseqiiéncias do método apresentado neste livro para a ‘América Latina, Ao terminar seu escudo, afirma Martinez Rios estudar a redugio sociolégica a fundo, seguir o menor sinal aque existe dela ¢ impulsions-la ¢ praticia, € nobre tarefa 13 A Repucto SocioLosica para os socidlogoslatino-americanos,sabretudo para aqueles {que se acreditem com dircto a pestencer a0 setor intelectual io colonizado academicamente No mesmo sentido, jé anteriormente, se tinha pronunciado outro socidlogo mexicano, Oscar Uribe Villegas, na introducéo a edicdo espanhola deste livro (vide La Reduccién sociolégica, México, 1959). No dominio estético, importa assinalar as afini- dades entre 0 contetido deste livro ¢ os ensaios doutrindrios de poetas como Haroldo de Campos (vide a pégina inticulada In- vengio, no Correia Paulistano de 27/03/60) ¢ Miri Chamie (vide Literaturas praxis, revista Praxis, Ano 1, n. 1, 1962), Em encre- vista a0 jornal Estado de Minas (13/08/61) afirmava Haroldo de Campos: ‘Como adverte Guerreiro Ramas (A Reda woogie), formate, em dadst ctcunstincss, uma "eonsigneia cri fica", que jf no mais se satisie com a “imporeagio" de bjetasculturais acsbados, max ida de prodisie outos abjers nas formas e com as fungbes adequadas &s novas cxiggocia histércas’, producio que aio € apenas de “cosas, mas rambém de ides. Ese proceso € verifcivel ro campo atic, onde, por exsmplo, a pocsia concecta operou uma verdadeira "redugio estéticn” com relagio 4 contibuigio de decerminados autores que, Fandamental- tmente, daboravam a linguagem do tempo, roalizando-as « transformando-as sob condigées brasileias, no. mesmo sentido em que Guertcico Ramos fla de uma “redusio tecnolégics", na qual = “registra a compreensio eo dominia do proceiso de elaboragso de wim abjeto, que perme uma utlieagio ativa eriadora da experiacia eénica ex trangeia", Dat} exportagio 0 passo & mediate. Lembeese Finalmente, neste contest, a fas-lema de Maiakorsks {1} “Sem forma revolucionaria. \i.arte-revoluciondcia’. — (L1 O poeta Mario Chamie, em seu ensaio doutrinario Literatura- Praxis, referiu-se a0 “mal-entendido reinante em torno da redugio sociolégica”, De fato, ele existe e precisa ser discutido ¢ carac- terizado, para nao incompatibilizar o nosso esforco com os que tém interesse pelo aperfeigoamento cientifico da producio so- ciolégica em nosso pais. Na verdade, a metodologia que preside aos estudos publicados na Cartilha, na Introdugao critica € em 14 PanrAcio A SecuNDA Epicko A Redugao socioldgica foi rapidamente assimilada por aqueles aos quais se destinavam esses livros.:Mas dois mal-entendidos se formaram em torno da questio. A reducio ganhou adeptos exal- tados, que dela fizeram a expresso de um nacionalismo agressivo ¢ intransigente, espécie de revanche, no dominio da cultura e da cigncia, contra 0 pensamento alienigeno. Dessa adesio, 0 repre- sentante mais qualificado € o st. Alvaro Vieira Pinto, que, em Consciéncia ¢ realidade nacional, promove a nagio (e até mesmo nacio brasileira) ao plano das categorias gerais do conheci- ‘mento, a0 lado, por exemplo, da totalidade, da objetividade, da racionalidade. Sobre o sentido revanchista dessa obra ja nos pronunciamos pormenorizadamente em outro livro. Em suma, a principal razzo do “desvio” do sr. Alvaro Vieira Pinto foi nao ter assimilado a nocéo de comunidade humana universal, & luz da qual se concilia perfeitamente 0 comprometimento do cien~ tista com 0 seu contexto histérico,\¢ 0 critério da universalidade, sem o qual nio existe verdadeira ciéncia, Lamentamos ter que desautorizar, como desnaturagio do nosso pensamento, 0 esforco. herciileo do st. Alvaro Vieira Pinto. Mas & adesio insensata corresponde, num pélo oposto, o- combate insensato as nossas idéias e A nossa posi¢io.’ Desde 1954, com a publicacio da Cartilha, surgicam, nos circulos que se dedicam a ciéncia social em moldes convencionais, manifestagbes ‘emotivas de hostilidade, ora brutais, sob a forma de injirias © intimidagées, campanhas difamat6rias, ora disfarcadas em con- sideragdes metodolégicas. Esse tipo de critica exacerbada, por sua. intrinseca invalidade, anula-se por si mesma. Tanto assim que, hhoje, em 1964, j& quase desapareceu, remanescendo, da antiga. truculéncia, uma que ourra expresso de cessentimento, que néo tem como ¢,porque deva ser obviamente levada a séto. E por falat em levar a sério, devemos focalizar a mais qua- lificada critica que um represencante ilustre de nossa sociologia convencional escreveu contra nossa oriencacio: a do sr. Florestan Fernandes, no opiisculo O Padrito de trabalho cientifico dos socié- logos brasleiros(edicio da Revista Brasileira de Etudos Politicos, 1958). Este estudo constitui magnifico contraponto de nossas Is A Repucho SociaLocica idéias, ¢ sua leitura e andlise seria de geande interesse para quem desejar ter um flagrante modelar da faldcia do que chamavamos, em 1953, de “sociologia consular”, ¢ dos becos sem saida a que conduz mesmo personalidades bem-dotadas como o professor paulista, sr. Florestan Fernandes. Preliminarmente resumiremos as principais debilidades cientificas que, a nosso ver, apresenta 6 trabalho do professor paulista: 1) confunde a ciéncia sociolégica em habito com a citncia sociolégita em ato, O autor nao ulteapassou a érea informacional da sociologia, Por isso, o trabalho em pauta reflete uma ideologia de professor de sociologia, ances que atitude cientifica de caréter sociolégico diante da realidade; 2) a erftica em aprego ilustra como algo mais do que a informagio ¢ a erudicao, é necessirio para habilitar ao estudioso a fazer uso sociolégico dos conhecimentos socioldgicos ou, em | outras palavras, para a pritica da redugdo socioldgicas 43) pressupse a referida critica falsa nogio-d: elagées entre tcoria e pritica no dominio do trabalho cientifico, e assim tende a hipostasiar a disciplina sociolégica, rornando-a um conheci- -mento superprivilegiado. Na Cartitha escrevemos: [Na utlizagio da metodologiasocioldgia, os socislogos dlevern ter em vista que a exigincias de pecisio tefina- tmento decortem do nivel do desenvolvimento dat jonas, Porant, nos plies latino tos. or métodose proceios de pesquisa devee coadun “econbmicose de esoal cic, bem omo com o nivel culeuralgenérico de suas populagdes, @19, Contra essa proposicio levantou-se enorme celeuma no cft- culo de 103505 socidtogos convencionais;os quais a proclamaram absurda ¢ errOnea. Afirmou- s m pais subdesenvolvido- devia ter uma sociologia subdesenvolvida © tom altamente emocional da oposigio que suscitamos invo- Juntariamente impediu um debate sereno € objetivo da tese. De fato, se a recomendacio citada fosse incitamento 20 despreparo 16 PREFACIO A SEGUNDA EDICAD A subciéncia, ela cairia por si e, para combaté-la, nio seria necessério gastarem-se tanto papel ¢ tantos esforgos, que no vem ao caso caracterizar, contra a pessoa do autor ¢ suas isso foi vio, como 0 demonstra, além de outras ciscuns © acolhimento que a Cartitha mereceu em duas edigSes esgoradas. O piblico compreendeu o que dizfamos. Alguns socidlogos, no entanto, tiveram e tém dificuldade de entender 0 texto em seu cexato significado, Rebatendo-o, afirma o sr. lorestan Fernandes, com dramética seriedade, que o socidlogo deve realizar as pes- quisas “de acordo_com_os padrées mais rigorosos de trabalho cientifico” (p. 64) © que rnenhum cienista conseguitt pra ctncia a servigo de sa comunidad, sem obscrvae de modo inegeo ¢risoroso, a8 rormas « ot valores que regulam a descobert, a verificasso € a apliagio do conhecimenta cientiico (p. 59). ‘Ninguém contestard o sr. Florestan Fernandes. Mas ¢ lamen- tvel que ele julgue ter apresentado argumento vilido contra nossa proposicio ¢ julgue ainda que o piiblico ledor de obras sociolé- gicas se convenga de que contra nés tenha apresentado porderacio pertinente, Ndo merece afinal respeito quem quer que tenha a audicia de proclamar que 0 socislogo brasileito nao deve “ob- servar, de modo {ntegto e rigoroso, as normas ciencificas”. Em trabalho recente, A Sociologia como Afirmacio, Revista Brasileira de Ciéncias Sociais, n. 1, 1962, ainda escreve: alguns ciotista socsis pensam que devemcr culivae tum padtto de ensino simplificado e esimular somente i veatigaybes sobre sig hnkeia-sil gli, woe 9 fos comperisse acamularexplicagSes comparivet 8s que © conhecimento do seaso comum produrit na Exropa, no petiodo de desintegragio da socedade feudal e de instiuigto da sociedade de classes... Temos de prepara expecta que jam capanss de explorse, normalmente, of madelos de obseragtes, alse © explicagio da realdade, fornecidas pela cincia (9. 12). ado apropriadamente cientista social a bizarza criacura a que se referem-estas-palavras? Ou nio existe tal Poder ser_con A REDUCAO SocioLocica io, © pensamento corda, No que nos diz respeito, © professor paulista.incorre cm inexatidio. Sustentamos, hoje, em toda linha, nossa proposicéo de 1953. Ela nos foi ditada pela experiéncia e nio eflete nenhum culto livresco. Tinhamos, naquele ano, ultimado nossos estudos sobre © problema brasileiro da mortalidade infantil. Verificévamos, em certas repartigdes federais de satide, tendéncia bizantina para adotar no Brasil, ¢ nisso aplicando recursos orgamentitios, téc- nicas refinadas de mediacéo do fendmeno, em voga na Europa. Na Franca, Bourgeois-Pichar distinguia entre mortalidade in- fanil endégena (proveniente de causas anteriores a0 nascimento, ‘ou do préprio traumatismo do nascimento) ¢ mortalidade infantil exdgena (derivada de fatores ambientais). Combatiamos essa ten- déncia. Dizfamos acertadamente que, no Brasil, as causas da mortalidade infantil sio grosseiras e, portanto, a sua medida no precisava e no podia ter a precisio que seria compreensivel nos paises em que os seus fatores sociais externos estivessem ra- zoavelmente controlados. Havers quem se negue a reconhecer a justeza de nosso raciocinio? O sr. Florescan Fernandes, em sew opiisculo, no discute a ilustragio concreta da Cartilha, © se, compraz em consideragdes abstratas; que podem surpreender 0+. leitor desavisado, No caso, tinhamos ou nao tinhamos razio de aconselhar que os métodos de pesquisa devem cingir-se a0 “nivel de desenvolvimento das estruturas nacionais ¢ regionais?” Claro que sim. Por acaso, 0 diagnéstico da mortalidade infantil em nosso pais deixou de ser menos cientifico, porque nao utilizamos 05 refinados modelos de Bourgeois-Pichat? Ao contrério, nao s6 ‘nao conseguirlamos, por falta de condigées sociais adequadas, obter a precisio de um coeficiente de mortalidade infantil endégena, como contribuimos para conjurar imaturidade entio reinante em certos circulos de especialistas. Nao combatiamos a técnica estrangeira, movidos por um nacionalismo revachista, mas 2 consideravamos em seu significado episédico, evitando que 0 seu prestigio nos levasse a ocupar pessoal e a gastos de dinheiro ‘em sua inttil reproducio aqui. Praticamos a redugio sociolégica, 18 PREFACIO A SEGUNDA EDICAO. técnicas_€ fstieox de centros esteangeiros. Um certo provincianismo ainda muito arraigado no Brasil, mesmo entre os nossos mais eruditos sociéloges convencio- nis, os impede de distinguir entre sociologia em hibitoe sociologia em azo. O st. Flotestan Fernandes n'est pas arrivé, como diriam os franceses, ainda permanece no ambito vestibular da ciéncia sociolégica. Para comprovéclo, selecionamos algumas de suas afir- mativas. A de pen: e ajustar as técnicas estrangeiras de pesquisa as nossas condigSes, declara que estas dif abalho sociol ele: Em face de insuficiéncia das dotasier financeiras.. sto restitas as oportunidades de exploragio de téenias de inves- ‘igagio socioldgica empregadas correntemente em centros do exeeioe (Pedra, 21) nmétodo rigs O verdadeiro socidlogo nao idealiza técnicas de pesquisa, ¢ cumpre até 0 dever de desaconselhar dotagies financeiras para o emprego ocioso ou predatério de técnicas estrangeicas tigagdo. Sabe cue as técnicas ¢ os métodos sio consubstan a toda indagacio auténtica. O que os sociélogos convencionais pensam ser um problema de recurso é quasc scmpre um problema de atitude cientifica genutna. Como salentam as principas autoridades na matdta, os elnones ceniicos de investigacto scioldgica ainda no se encontam cstabelecidar de mancirs firme e universal (Pade, p. £2) Eis uma aficmativa nfo sé_provinciana, como confusa, Que séo “cinones Gientifices de investigacéo so a"PySe so métodos © téeaicas, simplesmente, nunca estardo estabelecidos “de maneira firme ¢ universal”. Se séo os principios gerais do raciocinio socielégico tém outros atributos de firmeza e univer- salidade, mas também se encontram sujeitos & historicidade. O cculto indevido aos “cinones” leva & hipercorrecio, a grave engo- do, que vitimam todos os que nao distinguem a ciéncia em hdbito da ciéncia em ato. Temos a imagem viva do hipercorreto naqueles ceruditos brasileiros em gramética ¢ filologia, que julgam que os 19 A Repucto Sociorocica cénones do nosso falar estio em Porcugal, ou nos clissicos por- tugueses do século XVI/A hipercorregio em sociologia € uma contradicio em termos, mas dela nio estio isentas de todo afir- mativas como as seguintes do sr. Florestan Fernandes: “Temos de formar especialistas de real competéncia em seus campos de trabalho, que suportem o confronto com colegas estrangeiros” (4 Sociologia, p. 13); ou, “nas condig6es em Gue Nos achamos, temos, que nos contentar com os conhecimentos importados de outros centros de investigagao sociolégica” (Padtio, p. 79). Ha, nessas afirmativas, muito pouco de sociologia. Muito de consciéncia _mistificada ¢ alienada, © que nos impée aos colegas estrangeiros Tio € 0 conhecimento par coeur de suas produgies, mas o do- minio do raciocinio que implica, ¢ que habilita os socidlogos 2 fazer coisas diferentes em circunstincias diferentes, sem prejutzo da objetividade cientifica. E esdrixulo’ advogar ou condenar a importagio de conheci jentos. Todos os palses so importadores de citncia, O que se trata — no caso — é de como importar. O sentido da Cartilha ¢ de sua metodologia geral, a redugio sociol6gica, nao é a solerte ¢ irtacional hostilidade ao produto cultural estrangeiro. © que preconizamos & a substituigio da aticude hipercorreta em face de tal produto pela atitude crtico- _assimilativa. Por isso escrevemos em A Redusto sociolégica 0 seguinte trecho que, apesar de longo, cranscrevo, por ser muito pertinente: A atitude dos rociélogos que, diante da produsso socioligia importada, se comportam como of cegantes ¢ os snobs em face dos fgurinos das capitas da moda, ambém pode ser explicada pela sociologia da “coqueteria”. Uns ¢ ‘outros, em diferentes graus, ¢ certo, movimentam no Ambico da conscigncia ingéaus. Ora, o socilogo genuino € exatamente, aguele que, por profssis, ¢ portador do iméximo de conscigneia crcica diance dos fendmenos da convivéncia humana. Por conseguinte, em um pals pif Fico, o svanigo do trabalho sociolégico nto se deve aval pela sua produgio de cariter reflexo, mis pela proporgio fem que se fundamen na conscigncia dos fitores infra cstruturais que o influenciam, A capacidade de utilizar sociologicamente 0 conhecimento socioligico ¢ 0 que carac- 20 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAo tern oespecilisea de el eaegora. © socdlogo up 1 date por sistema, sendo desprovido desa expacidade, iasra tum caso de dandismo no dominio da socologia. Nos pales prices, a socilogia dea de ser acrasula em que se liberta do" eftio-de-prstiio"s se orient no sen- ido de indazit as suas regres do contexto histrice-social em que se integra. Esc tipo de socilogi exige do secslogo um esforgo muico maior que o de mera aquisigio de ideas « de informacio especalizadas: exige a iniciagio numa dlestreea intelectual, uma instincia inceleetal que pode ser dfinida com a plavra hebirs, na acepeso em que os antgos a empregavam. Com efit, & preciso distinguir sociologin em hibito da socilogia em ata, nas acepges filo- séficar dos crmos. (© que Aristtles chamava hee o excolisticos bits uma aptidio nat, ou adquirda peo tueinamento. A cada ciéncn cortesponde um habin epetico, O feo ¢ menos tama pessoa que tenkalido muitos lias de fica do que alguém aro a reap diane dos Fats, segundo determina tegraserefernciasconcctui. Cosa semclhane edit de Gqalque ono cinssa. Dirse- ambém que o mero alae brio em socologin, por mais exavstva que sj a sua informagio, no éscilogo. Disinguindo a arte om hdbito dh ate em a imag Jacques Maritn, em seu Two Are tt Scalaiqua, um enezgjco aprendi,capma de tabahae {ime hora por dina aqusigio do conhecimentareérico ‘edas regras de uma arte, mas no qual 0 habinus no germina. ce esforg amas fd dele um ante nfo o impairs de permanecer mas infhitmente afutado da arte do que & Erianga ono sevagem portador de um simples dom atu edugioépreciameneoconriri de mpeisi. Aer ene analgia de pte ¢ emia contata a estnca da Jc cientfea, porque perde de vista parcaaridade onsiaiva de coda snag bie Os nossos sociélogos convencionais nao estio em condigdes de opinar ¢ aconselhar acertadamente, no tocante & insttucio- nalizagao do ensino sociolégico, em particular, ¢ do ensino ‘em geral, por se mostrarem manifescamente imperitos na pratica da sociologia. Passamos assim 20 segundo ponto que destacamos no trabalho em exame do professor paulisea. As consideragses do st. Florestan Fernandes sobre a matéria slo, além de ertineas, 21 A Repucto SocioLocica petigosas, O st. Florestan Fernandes faz idéia muito simplificada das razves do atraso da sociologia em nosso pals, Parece ser-lhe estranho 0 imperativo preliminar de teformar a prépria atitude metédica do socidlogo brasileiro em face do patriménio cientifico alienfgena. Descurando disso, supervaloriza aspectos financeiros de nosso trabalho sociolégico, relevantes sem divida, mas subsi- didtios ¢ adjetivos. Diz, raxativamente: “O conhecimento cienti- fico nao possui dois padrées: um adaptivel as sociedades desenvol- vidas, outro acessivel as sociedades subdesenvolvidas’ (A Sociologia, p- 12). Qualquer que seja o sentido de que se entende por padrées, na verdade, o sr. Florestan nhum momento da sinal-de-compreender-que,_num pais subdese logra carter cientifico o trabalho socioldgico, compas com certs regras adjetivas, de natuieaa historico- do raciocinio regras, é dbvio, no afetam os principios ge sociolégico. O professor paulista nao sé se proclama como se orgulha de ser jejuno nesse campo de cogitacées. Por isso néo € espantoso que impute & falta de dotagdes orgamentirias defi- ciéncias cujos determinantes reais the escapem totalmente & percep¢io. De modo obsedante fala da pentiria financeira £ justamence nas Areas do ensino e da pesquisa que sio maiores as oportunidades de inovagio institucional, Hi elementos perturbadres na stuagio em que nos encon ttamos por causa da penta de meios financeitos, peda Bégicos «humans (A Suciologa, p. 10) Toda sociedade subdesenvolvida é definida por um complexo geral de pentiria. Hi pentiria de alimentos, de habicagio, de bens e servigos de toda espécie, pentiria de recursos para as atividades cientificas de todo género. De todos os homens de ciéncia 0 soci6- logo ¢ justamente-quem_deveria particularmente compreender que_a_pentitia, sé podendo ser etradicada pelo est (de prodiica6y,cabe-Ihe subordinar a atividade cientifica as prio- Fidadersociais, 0 qué € possivel sem sacrificio do rigor. Pedi re- cursos orgamentirios para © trabalho sociol6gico, sem conscién- cia sociolégica, critica, do problema social global dos recursos, <0 eoletvo 22 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAO é prova inequivoca de um delito contra a sociologia. Na Cartitha escrevemos essa proposicéo, que o st. Florestan Fernandes con=~ dena com veeméncia No estidio atual de desenvolvimento das nagbes lain americanas, em face das suas necessidades cada ver maiores de investimento em bens de produgio, é desaconselhivel aplicar recursos na pritica de pesquisas sobre detalhes da vida social, devendo-teeximlar a Formulagio de interpre tages genéricas dos aspectos global e parcais das estrurras aacionais regionas (p. 10). 4 Nossos socidlogos convencionais sio infinitamente alienados no tratamento destas questées de politica cientifica. Avaliam as necessidades do trabalho sociolégico por critérios abstratos, simé- tticos e analégicos. Na critica do sr. Florestan Fernandes, no ha (© mais leve indicio de que cle tenha idéia de uma politica geral do trabalho sociolégico em nosso pais, induzida da fase arual fem que se encontra 0 seu processo de desenvolvimento. Ele julga que 0 padrao de trabalho cientifico dos sociélogos brasileiros é uma férmula ideal, que nada tem a ver com as particularidades histéricas e sociais do pais. “O padrio de trabalho intelectual, explorado nos diversos ramos da investigasao cientifica — diz cle — € determinado, formalmente (0 grifo € nosso) pelas normas, valores ¢ ideais do saber cientifico” (Padrao, p. 11). Para se ter uma idéia do formalismo em que esta vasada a apreciacio do sr Florestan Fernandes, é preciso ler-se o optisculo em exame. Nao rato torna-se dificil, sen imposstvel, compreendé-lo. Alm de nio ilustear de modo concreto suas consideragées, no precisa, como seria de desejar, 0 sentido de certos termos. So, por exemplo, vagos 08 sgnificados de “padrio", “normas’, “valores”, “idéias”. Na_Gartitha, todas as criticas estio referidas a situa concretas. Q sr. Florestan Fernandes nao as discute. E é provavel que 0 leitor do opiisculo, desprevenido, ignorante do texto da Cartilha, admita que 6s preconizamos um nacionalismo so- ciolégico incomparivel com as regras cientificas do raciocinio. Esperamos da boa fé de quem ler este livro a compreensio exata do nosso pensamento, No plano geral do raciocinio sociol A Repucto SocioLocica histéricas de cada sociedade nacional. No terreno concreto, po- “rém, a utilizagao pratica do saber sociolégico obedece, em cada socicdade nacional, a “normas”, “valores” € “ideais” especificos, que refletem a particularidade histérica de sua situagio. Devem set pesquisados e compreendidos pelo sociolégo ¢ assim torna- rem-se pontos de referéncia de uma politica do trabalho cientifico. Sem essa consciéncia politica, © sociélogo mio esté habilitado a tirar partido, de mode socialmente positivo, dos recursos dispo- niveis, Pode ainda aceitar ajudas financeiras externas para a realizagio de pesquisas ¢ investigagées, cujo sutil propésico € disteair a intelectualidade de varefas criadoras do ponto de vista nacional. Sio justamente 0s socidlogos convencionais os mais ~ bem pagos do Brasil, os preferidos das organizacGes externas financiadoras de investigagdes. Mas todo mundo sabe que é nula | 2 participacio dos socidlogos convencionais no esforso que, em nossos dias, se vem reilizando no Brasil no sentido de formular _uum legitimo pensamento sociolégico nacional. Este pensamento C ssté surgindo, & revelic ¢ contra a resisténcia deles/O sociélogo de um pafs subdesenvolvido, mais do que qualquer outie indi- viduo, tem 0 dever de procurar meios e modos de_transcender palmente de uma alienada atitude realidade nacionaly/ O formalismo induz o sr. Florestan Fernandes a afirmagées de gritante teor inggnuo. Diz ele: Excauando-se a produsio dos socidlogos etrangeiros, que lecionaram entre nds, at primirasrentativas de vulto, ‘a exploraio dealvescentficos defines sistematicamente da investigagi socolégea, fatem-se sentir em conctibuigies posterior 2 1930, de Femando de Azevedo e de Emilio ‘Willems (Padrito, p. 56-57). Essa afirmativa demonstra, como cemos repisado, que pode coincidir, na mesma pessoa, um alto nivel de informagio socio- 24 “sociolégico com a sociolegia em ato, o st. Florestan aye ligico brasileiro, pois, exagero, senia PREFAcIO A SEGUNDA EDIGko ligica com incapacidade critica. Identificando o conhecimento ernandes acredita que no Brasil a sociologia s6 comega com as escolas de_ sociologia. Os autores a que sc refere acima ¢ aos quais atribui “uma importancia extravagante, desproporcional as que realmente representam, sZ0, por assim dizer, socislogos didéticos, escritores escolares. Como tal, tiveram inegével importincia, difundindo ensinamentos titeis. Nunca foram, no so, porém, pro} socidlogos, como o foram, apesar desuas normals deficiéncias, homens como o Visconde de Uruguai,.Silvio. Romero. Eualde da Cunha, Alberco Térres ¢ Oliveira Viana, pocas ssfo momentos Hustres da pensamento_sociolégico brasileiro, siete dae ae ‘como sub- sidios, as contribuig6es escrangeira._ a Todos esses homens tinham o que fazer — tatefas sociolégicas préprias e larga consciéncia de que a medida por exceléncia do trabalho sociolégico é a sua funcionalidade em relacio & realidade nacional, Por isso, 0 ptiblico nao sabe hoje quem sio Fernando de Azevedo e Emilio Willems, mas continua a ler aqueles autores em suas obras encontrando esclatecimentos iiteis & compreen- sao objetiva do passado e do presente. Os crabalhos do sr. Emil ‘Willems sé cém interesse-escolar. Seus estudos sobre aculturagao ‘ assimilagio constituem competences provas de sua atualizacio didética, mas além de no conterem nenhuma contribuigio no campo da teoria pura, nada mais representam que exercicios. Sio_ um _cpisédio da histéria do casino da sociologia no Brasil. Nao contam, porém,,como episédio da histéria do. pensamento soci By afirmar-se ‘que “como atestam as contribuigées pioneitas de Emilio Willems, af se acha a fonte da revolusio empirica e tedrica por que pas- sou a sociologia entre nés, nos tltimos vinte ¢ cinco anos” (A Sociologia, p. 17). Esse mi dor. Florestan | demonstra@ cardter de ideologia de professor que tém as suas consideragdes. Daqui a cinquenta anos — ¢ preciso advertir — nio serio os Emilio Willems de hoje, mas os Silvio Romero de hoje que estario vivos na meméria e na gratidio dos estudiosos. 25 A Repugko SocioLocica Os Silvio Romero de hoje sio até mais atualizados em informagéo sociolégica do que os Emilio Willems de hoje. Apenas, a diferenga deste iiltimos, sabem fazer uso sociolégico da sociologia “~~ O optisculo do st. Florestan Fernandes, O Padrio de trabalho ciensifico dos sociélogos brasileiros é um texto inestimével como documento da ideologia de professor de sociologia no Brasil Entre os tracos salientes dessa ideologia, dois merecem destaque: © provincianismo-e o‘bovarismo. = (© st. Florestan Fernandes paga enorme tributo 20 provin- cianism@-quando se acredita no dever de zelar pela “pureza” da sociologia, e julga se destine a ser levado demasiadamente a sério © ambito do saber academicamente chamado de sociolégico. Por iss0, tipico sociélogo convencional, estranha “os especialistas que defendem uma espécie de deformagao ‘filoséfica’ da natureza do ponto de vista sociolégico”. (Padrae, p. 61). “O perigo de seme- Ihante orientagio — afirma o professor paulista — é evidente: cle faria com que os socislogos optassem deliberadamente, por modelos pré-cientificos de explicacio da realidade social” (Pa drdo, p. 61). Mas as coisas se passam justamente 20 contrario do que imagina o st. Florestan Fernandes/A institucionalizacio da sociologia, ao lado de beneficios, acarreta maleficios, entre os quais o de levar estudiosos de escassa habilitagio critica a pensar que os critérios da cientificidade sejam livzescos ou institucionais. Esses critérios tém de ser procurados na estreita relagio entre teoria ¢ pritica. A sociologia, na forma institucional que assumiu pds a morte de Augusto Comte, nés a consideramos como dis- oreo de um esforso de criacio de uma teoria social cientifica, que se vinha realizando desde © século XVIII. Neste livro, pu- blicamos uri texto, elaborado em 1958, em que discutimos essa tese, Os grandes socidlogos o foram apesar do tucional de sociologia, que o st. Florestan Fernandes idealiza. Se fosse vilida sua argumentagao, a sociologia seria escoteiros, ¢ Comte, Marx, Max Weber, Durkheim, Mannheim ¢ Gurvitch nfo seriam socidlogos, pois todos esses autores 26 PREFACIO A SEGUNDA EDIGKO sofrem da “deformacio filoséfica” vituperada pelo st. Florestan Fernandes. Hoje, mais do que nunca, a disciplina sociolégica se afigura a todo estudioso sério algo por fazer, tao aguda é a crise que abala os seus fundamentos. Constieui formidével desatua- lizagio defender a “pureza” da sociologia, desconhecendo o grande debate que se trava, em nossos dias, sobre a questo da reforma do saber. © solipsisino socioldgico s6 atende a resses extra O bovarismo~é outra faldcia em que incorre o sr. Florestan Fernandes. Consiste em extremar a distincia entre o mundo dos socidlogos e o dos “leigos”, a0 ponto de consideré-los cindidos, © que, obviamente, ¢ falso. © sr. Florestan Fernandes reitera, repisa a distingio entre cientistas ¢ “leigos” parece considers- la como ideal. Considera “o cientista como participante de um cosmos cultural auténomo” (Padréo, p. 15) ¢ afirma que “o sis- tema cientifico pode ser entendido, ontologicamente, como uma subcultura” (Padrdo, p. 16). Nas condigées atuais da cvilizagio existe, de fato, essa distancia que, até certo ponto, & necessria, Mas o saber cientifico, e, em particular, 0 sociolégico, s6 ¢ larga- mente privilégio de cisculos restritos por forca de condicées histéricas que limitam 0 acesso das massas ou dos leigos & cultura. Caminhamos, porém, para uma etapa em que tende a diminuir a forga inibitéria da popularizacao do saber que tem aquelas condigdes. Podemos imaginar uma sociedade-limite, que emer- gir, no futuro, da evolugao histérica, em que a ciéncia e, sobretudo, a sociologia, sera ingrediente da conduta ordindria dos cidadaos, em que a qualidade das relagdes sociais seré tao elevada que o individuo receberd, difusamente, no processo informal da convivéncia, larga parte do conhecimento sistematico, que hoje 88 nas escolas faculdades se adquire. A vocacao da sociologia, aliés, € tornar-se um saber vulgarizado. A sociologia se volatizard no proceso social global. Estas afirmativas-devem escandalizar 0 (Gz Ao”professor paulistay Passemos a oucra ordem de consideragées mals pertinentes. O sr. Florestan Fernandes deveria refletir sobre este fato: ha hoje sociedades avangadas que passam 27 prematura. A Repucko Socioiscica sem sociologia ¢ sem socidlogos, no sentido em que o professor paulista entende essas palavras. E passam, aliés, muito bem. Haverd mesmo a distancia entre sociélogos e “leigos” na escala em que o st. Florestan Fernandes imagina? Positivamente, nio. O professor paulista é idedlogo de uma sociologia insustentével, ‘que nunca existiu, nfo existe, nunca existird, A sociologia nio € exterior & sociedade global. Pode, € certo, transcender a conduta vulgar, mas dentro dos limites prescritos pela sociedade global, a maneira do que lembrava Karl Marx, na terceita tese sobre Feuerbach, quando apontava o utopismo dos pensadores do sé- culo XVIII, que queriam educar os outros, esquecendo-se que © “educador também deve ser educado”, ¢ que, s6 no mundo das quimeras, a sociedade esté dividida em duas partes, uma muito acima da outra. O sr. Florestan Fernandes lamenta “a influéncia dos leigos” (Padréo, p. 28) ¢ no oculta o seu anelo. Diz el 0 ideal seria uma sieuagio diferente, que garants cientstas a oportunidade de encarrgatem-e dens decitoes (Padrdo, p. 27. 4 Vemos, assim, que, embora o st. Florestan Fernandes seja portador de insignias institucionais que © convencionam como socidlogo, emite julzos essencialmente leigos. O que se diz no opiisciilo:em exame nao ultrapassa o Ambito laico da sociologia, é pré-sociolégico, pré-cientifico. O sr. Florestan Fernandes se faz porta-voz do infortiinio da sociologia convencional e lastima que politicos, joralistas, ensafstas, romancistas, historiadores, folelorstas qualficam como fé, produgdes inteleceuais que no tém nenhuma relagio com 0s propésitos de investigacio sociolgica propriamente dita (Pada, p. 29), ligicas", com a maior boa Em qualquer sociedade atual, que melhor gente havers do que politicos, jornalistas, ensaistas, romancistas, historiadores, folcloristas? Se essa gente nao entende a sociologia “propriamente dia” é sinal de que, nesta, algo esté errado. O infortinio a que estio condenados os socidlogos convencionais é um julgamento social. Um escrito recente do st. Florestan Fernandes sevela indicios de que o professor paulista esté lutando contra os pre- 28 PREFACIO A SEGUNDA EDicko conceitos escolisticos. © escrito ainda tem muito de esoterismo, mas ao terminé-lo o autor escreve paginas que nos inspiram a convicgio de que o professor paulista esté em processo de autocritica. Diz ele: “o sociélogo, como Romem da sociedade de seu tempo, no pode omitir-se diante do dever de por os conhe- cimentos sociolégicos a servico das tendéncias de reconstrucéo social” (A Sociologia, p. 39). Quem coahece 05 escritos do pro- fessor paulista se dard conta de que essa frase é, nele, indicativa de uma revolusio interior, O sr. Florescan Fernandes ja escrev. sobre a sociologia militante. Temos a esperanga de que se torne, em breve, um socidlogo militante. So entio se eliminari su resistencia a ceducao sociolégica. a A primeira edigéo deste livro suscitou a elaboragio do mais eminente documento critico que um milicante do Partido Co- munista ja produziu no Brasil, Refiro-me2o ensaio correntes sociolégicas no Brasil, de autoria do st. Jacob Gorendery Estudos” C35 sociais, n. 3-4, set.deé., 1958). A‘a reducio € exposta e analisada em alto nivel de competéncia e integridade, 0 que nao é comum entre os intelectuais adeptos do” PCB) notadamente quando apreciam a produgio dos que discordanv de suas posigées tedricas, A estimulante apreciagéo do st. Jacob Gorender é reproduzida na integra em apéndice desta edigio, para que se possa melhor avaliar a pertinéncia das objec6es que, a seguir, faremos a certos reparos daquele autor. A militancia nos quadros do PC empobrece 0 horizor do intelectual. Nem mesmo_um pensador extraotd bem-dotado.e.capaz, como 9 st. Jacob Gorender,.escapou “estreiteza especifica”. E por demais nov6rio © sectarismo-em que incorre o autor em seu julgamento. O sr. Gorender tem uma visio conspirativa dos assuntos ¢ autores. A partir de circuns- cancias muitas vezes extrinsecas ¢ fortuitas 20s assuntos e auto- res, passa a inferéncias tedricas e ideolégicas inexatas, © até pueris, inspiradas pela deformada imaginacio conspiativa. O st. Gorender nao oferece nenhuma objecio & parte essencial do 29 A Repucio Sociorocica livro, isto é, aquela em que definimos a reducio e formulamos as suas leis, e parece mesmo estar de acordo conosco neste ponto. No entanto, afirma que malogramos, que nos “salvamos pela metade” e justifica esse veredicto recorrendo 0s aspectos adje- tivos de nossa obra. Citamos ¢ valorizamos autores que estio no index do marxismo-leninismo, como Jaspers, Husscrl, Heidegger, Karl Mannheim, sem, no entanto, aderir ao sistema de nenh dees. Isto é o bastante para que o st. Gorender veja em A Redugzo ‘um subjerivismo que nao xi Pode-se nio ser hegeliano — é © 0550 caso — mas, nao digo ignorar, como nio incorporar ao esforgo de claboracio weérica em nossa época algumas vé- lidas contribuiges de Hegel? Receio que os marxistas-leninistas lancem condenagio de plano sobre a obra de Heidegger, larga- mente porque o filésofo fei, alguns anos, reitor de universidade alema durante o regime nazista. Nao podemos conferir seriedade a uma tal visio policial dos assunros filoséficos ¢ sociolégicos. Sartre surpreendeu essa detilidade em cereas andlises de Georges Lukacs, as quais o levaram a escrever: ‘Vade Lukacs: para ele, © exstencalismo heideggeriano se transforma em ativismo sob a influéncia dos nazistas; 0 ‘existencalismo francés, liberal e antfascista, exprime, 20 conttitio, a revolia dos pequenos burgueses tiranizados durante a ocupacio. Que belo romance! Desgragadamente, cle neglgencin dois fatos esenciis. Primeiramente, exstia na Alemanha pelo menor uma corrente existencialista que repudiava qualquer coalisio com 0 hitlerismo © que, enete- tanto, sobreviveu no III Reich: a de Jaspers. Por que esta Corrente nio conformara com 0 esquema impasto? Teria, como cio de Paviov, um “reflexo de liberdade"? Em se- .gundo lugar, existe um fatoressencial em flosofia: 0 tempo. Dele se necessia muito para escrever uma obra teérica. Met livro, LB er Le Néans 20 qual ele se reereexpliccarnente, co resultade de pesquisas empreendidas desde 1930: eli pela primeica vex Huser, Scheler, Heidegger ¢ Jaspets, em 1933, duraate estigio de um ano na Casa de Franga em Berlim, € foi neste momento (portanto quando Heidegger devia estar em pleno “ativismo") que softi sua influéncia Enfim, durant 0 inverno de 1939/1940, estava jf de posse do método e dss conclusSes principais. E que é 0 “ativismo” 30 Preedcio A SsGuNon Epicao send um conceito formal e vazio que permite lig rmeimo fempo, cee wdmero de sistemas idealdglcos, que 6 cém semalhangas superficiais entre «i? Heideggse jamais foi “atvista", 20 menos tanto quanto se cenha expresso em cobras filoséficas. A propria palavra, por vaga que sea, tes ‘emunha a incompreensio do marxista em relagio is outras corrences de pensarenco. Sim, Lulexcs tem os instrumentos para compreender Heidegger, mas nunca © compreenderi, porque seria necessrio Jel, aprender o sentido das frases toma.a uma. Edisto no hé um mazxista, ao que me conse, que seja capaz (vide Critique de la raison dialbrique Pati, 1960, p. 34-35), ‘Tem razéo Jean-Paul Sartre. Participo de algumas restrigbes que o st. Gorender faz a Jaspers, Husserl, Heidegger. Mas elas no atingem o nosso préprio pen- samento exposto neste livro. A redugio, em que se fundamenta todo 0 nosso trabalho sociol6gico, €originalmente, uma intuigio bésica, resultante de nossa condicio de_incelectual brasileiro, vel & tarefa de fundamentagdo teérica da_culsura nacional. Mas 0 desdobramento analitico dessa intuigéo nio se verifica num meio abstrato, e sim num espaco filoséfico-cultural con- creto, 0 do século XX, ¢ Jaspers, Husserl, Heidegger, além de outros, sio momentos concretos do saber do século XX em claboragio. Por isso, ndo podiam deixar de ser referencias ine vitéveis de nossa claboracio. © solipsismo marxistaceninista € atitude cultural menor, limitagio que desnatura ¢ sectariza 0 pensamento. Por isso, o st. Gorender escreve, apesar de sua lucidez,-absurdos como este: © se, Guerreiro Ramos se refere A “instdacia de ‘nunciados geris que eonsituem o nico central do ax \.ge ietnio scioégie.” Mas cis or autores dos quai jlga deva ser extaido eise nicleo de enunciados gerts: Ker ef “Mars, Comte, Spencer, George Simmel, F. Tonnies, Max Weber, Max Scheler, Durkheim, Gabriel Tarde, Vilredo Pareco'® ours... A isto se actecentam esforgos expeciais para combinar 0 existencilismo com © mariismo. © ccletismo niio se detém at-diante de qualquer limite, Seva ‘Gite um dos piores pontos de 5 partida para chegat a.uma “eoriasocolgicaincegeae corer (op. cit, p. 347). 31 A Repucio SocioLocica Seria espantoso que as minhas referéncias no fossem esses e outros autores de idéntica formacéo. Como se pode formar um sociolégo razoavelmente competente se no “extrai” desses auto- res 0 “micleo” de enunciados gerais da disciplina? Wright Mills observa que a sociologia nio seria © que ¢ hoje sem Marx. Mas é preciso acrescentar que, reduzida apenas Acontribuigao de Marx, semro concurso daqueles autores que o st. Gorender repudia sem conhccer, nem sequer seria imaginavel. Estou quase certo de que o st. Gofender nao realizou estidos sistemdticos sobre nenhum. daqueles autores, com excecio de Marx. Como, entdo, julga com ligeireza © que no conhece? O solipsismo marxista-leninista nega a heranca docente do conhecimento, 0 continuum tebrico da comunidade dos pensadores, por vicio sectério e conspirativo. Traz para o dominio do conhccimento, indebitamente, 0 prin- cipio de luta pelo poder. © marxismo-leninismo ¢ uma sofisica, revestida de Fraseologia filoséfica ¢ cientifica, a servigo da lura pelo poder. Por ventura, acredita o st. Gorender que Marx no “extrait” o “niicleo de seus enunciados gerais” dos pré-socriticos, de Platio, de Aristételes, de Descartes, de Leibniz, de Spinoza, de Kant, de Fichte, de Hegel? Se acredita, ¢ lamentével. Sé de- pois que se libertam da “servidio intelectual” que Ihes impoe 0 marxismo-leninismo, os militantes de partidos comunistas, de efetiva vocacéo tedrica, como Lukaes“€ Gorendés, atingem a plenitude de suas possibilidades criadoras. A histéria contempo- rinea 0 comprova. Af, estio, para demosntri-lo, as retificagies politicas que faz a si mesmo 0 hoje ex-membro do PC francés, Henri Léfebvre, em La Somme et le reste. Alimentamos a esperangay de que o st. Gorender, seguindo 0 exemple de Léfebvre e outros, se desligue do PCB, ¢, assim, a cultura brasileira o ganhe, com a sua fntegea capacidade normal, isenta da estreiteza que a limita ea dissipa. (Ot. Gorender escreve que “a reducio sociolégica” se inspira direcamente na “redugio fenomenolégica” we que neste fil6sofo se apSia o meu pensamento. Coincide com 6 sr. Paulo Dourado de Gusmio, que nos atribui a criagio de “ume-técnica ial” ( Teorias soviolégicas, 1962, p. 39) 32 PREEAGIO A SECUNDA EDIGKO € nos inclui na Escola Fenomenolégica em seu Manual de socio logia (1962, p. 246). Sobre este ponto, desejamos proceder alguns csclarccimentos. Faz parte da instrugio de todo aquele que se dedica seria mente aos estudos sociolégicos 0 conhecimento clementar da fenomenologia, das linhas gerais do pensamento de Husserl. Essa inscrugio nds a tinhamos quando escrevemos este livro. Mas, em 1858, no nos considerivamos fenomenélogos, no sentido res- trito do termo. Nao paramos, desde entao, de estudar Husserl, 6a des e nem temos a intencio de vir a sé-o, strictu sensu, No entanto, € inadmissivel que se possa ser socidlogo competente, sem us conhecimento clementar das idéias de Husserl. Alis, a fenom: nologia é, hoje, largamente caractesistica essencial da atmosfera cultural de nossa época. Como Monsieur Jourdain faaia prosa, muita gente & hoje fenomendlogo, sem cer disso consciéncia sistemdtica: a vedere de televisio e teatro, 0 motorista de tixi, disso, ainda néo nos consideramos fenomenslogos, © politico, o romancista, 0 poeta, e ourros tipos, ainda que nao tenham lido uma linha de Hussel/A redugio sociolégica € husserliana menos porque aplica o método especifico de Husserl no estudo do social, do que porque participa da tendéncia geral do trabalho sociolégico representative do século XX//A: procedentes que © st. Jacob Gorender faz a Husserl no nos ficas atingem. } nossa, € uma briga dos outros. Quem objeta a Hegel nao objera iecetariamente a Mare No_ensanto, Mans sia_hegsliana-cm duplo sentido: tinha instrugio a respeito da douttina de Hegel -respirou em ambiente cultural impregnado de hegelianismo, ‘Ao elaborar este livro, nao tivemos © propasito de aplicar 0 método husserliano ao estudo do social como teve Gurvitch 20 escrever os ensaios que constituem Morale théorique et science des ‘mocurs (1937), Essais de sociologie (1938) ¢, mais recentemente, René Toulemont, L'Esence de la societé selon Husserl (1962) € como parece admitizem o st. Jacob Gorender, Carlos Cossio (em carta ao sociélogo baiano Machado Neto), Benedito Nunes (em clucidativo estudo reproduzido em apéndice) ¢ 0 distinto pro- jo nos cabe respondé-lis, porque no é uma briga 33 A Repucko Sociotscica fessor Paulo Dourado de Gusmao. Prezamos tanto 0 esforgo do professor Dourado de Gusmao no sentido de expor, sem sec- tarismo © cquidistantes de igeejinhas, as correntes sociolégicas no Brasil, que aqui retificaremos algumas de suas consideragées a nosso respeito. © professor Dourado de Gusmio diz, com pleno cabimento, que, em A Reduedo sociolégica, “nota-se ... a influéncia do historicismo alemao ¢ da fenomenologia da qual ja foi aproveitada a técnica da reducio” (Jnirodueao & sociologia, 1959, p. 184). Nao é, porém, percinente, 0 trecho que acrescenta em seu livro, Intreducao a sociolegia, © qual, apesar de longo, asso a transcrever: Quanco & "edu", emsaciologia, antes de Guereio Ramos, foi tatada por Gurviteh; que, como é do conheci- ‘mento comum, reconheceu dever sr fia, em sociologia, andlze dos niveis de profundidade da elidade socal através dha decomposigio das suas vias camadas (Morale hiorigue er scence des meets, Pats, 1937, Bais de saciloie, Pai 1938 Sociology of Law, New York, 1942). Eis a reducio sociolégicaapleada&socologia do “esprta noctic”. Ela recé Gurvtch: 0 método de decompesigio += inspira no “método de inversia” de Bergson ou na “redusio fenome- nolégica” de Hussel. Consist, assim, na “redugio imanente, regrstva, mediante eridior sucestvor, para o que & dire tamente conhecido na experitncia da realidade social” Portanto, a sociclogia deve usar a “inversio redutiva” ou a “invetsio e redugio” — eis o pensamento de Guwitch, Refetindo-se a ease processo merodolégico, Toulemont (Sociologic e¢ plralome dialcigue, Pai-Lowrain, 1955) asim ge pronunciows “cete seduction ex en mime temps tune inversion, car la pensée y suit une marche apposée & la demarche habieuele, qui ese de superposer sans ceste ‘constructions & constructions”. Mas, essas idéias metodo- lgicas foram langadas © praticadas por Gurvitch sem setem, concudo, sistematizadas, Gurvitch praticou a re ducto socioldgica, mas no a estudow minunciosamente, E justamente no estud sistemético, na anise © no desen- volvimenco desse método que consiste a originalidade de Guerreiro Ramos" (op. cit, p. 184). Em primeiro lugar, insistamos, a reducio sociolégica nao é, exatamente, aplicaczo da redugao husserliana no estudo do social. 34 PaeeAcio A SecuNDA Epicko Quem fez tal aplicagio foi Gurvitch nas obras que o professor Dourado de Gusmao cita. No texto deste livro, escrevemos em 1958: “a reducio sociolégica, embora permeada pela influéncia de Husserl, ¢ algo diverso de uma ciéncia eidética do social”. O que tomamos de Husserl foi menos © contetido filoséfice do seu método do que um fragmento de sua terminologia. Além disso, jamais passou pela cabega de Gurvitch a idéia da reducéo sociolégica como € concebida ¢ exposta neste livro. Essa idéia é estranha a Gurvitch, que nio vive o problema da descolonia- lizaga0_ do trabalho sociolégico.. Nem Gurvitch, nem nenhum socidlogo antes de nés, a0 que nos conste, usou mesmo a expres- fo reducio sociol6gica. Com esses reparos, respondemos também 20 st. Jacob Gorender, quando nos argui de fenomenologismo no sentido estrito. © estudo do sr. Jacob Gorender poderia ser mais estimu- ante € qualificado, se despojado de cacoetes habituais em que incorrem os adeptos do “marxismo institucional”. Nio é digna da inteligéncia do critico aquela titada panegirica em que fala do “grandioso triunfo (do marxismo) numa rea habitada por E ridiculo atroz refetir a Marx 0 timarxistas. Somos pés-marxistas, como Marx pés-feuerbachiano, Nao somos solipaistas. Chai correntes filosdficas de nossa época € completa = fiirdio. O saber também tem histdria, Como esforco de atulalizacao do saber, o marxismo transcende Marx, o existencialismo trans- cende Heidegger, Jaspers, Sartre, a fenomenologia transcende Husseel, Marx jamais teve 0 projeto de claborar 0 marxisino. Seu projeto foi o de liquidar os anacronismos vigentes no pensar filoséfico de sua época ¢, por isso, de certo modo, antecipou a fenomenologia ¢ o existencialismo. Ao contririo do que afirmou 35 A Repucko SocioLocica © st. J. Gorender, no desconhecemos que Marx viu, antes de Husserl, a “influéncia recfproca entre sujeito © objeto”: Expres- samente, chamamos a atcngio para cssc ponto cm nota de A Redugao (p. 160 da edicao de 1958) em que escrevemos: “o autor pensa que € possfvel demonstrar que Marx, numa terminologia distinca da de Heidegger, concebia, a seu modo, 0 homem como ser no mundo”. Rica de antecipacdes do existencialismo, si0 as paginas do Manuscrito de 1844. Nao podemos deixar passar sem veemente refutagio 0 com: promisso com a burguesia que o sr. Jacob Gorender vé, inde- vvidamente neste livo. Ao contririo do que pensa o st. Gorender, no temos, nunca tivemos nada de comum com os “Isebianos” de que fala em sua critica. Jamais levei_a sério as clocubragées jectuais menores, piveres do “desenvol- “Vimentismo” burgués. Leia 0 st. Gorender 0 que escrevemos sobre a falécia donacionalismo burgués em O Problema nacional do Brasil (Principios do Povo Brasileiro) e Mito ¢ verdade da revo- Jusao brasileira (A Filosofia do Guerreiro sem Senso de Humor) ¢ sobre o “desenvolvimento”, em A Crise do poder no Brasil. Além do mais a nossi-saida do ISEB, em 1958, a cujos antecedentes alude o st. Gorénder, serve de cifea para que se possa alcancar as razbes existenciais de nossa posigao. © ponto de vista proletério é a referéncia bisica de nosso pensamento socioldgico. ‘Nio ve. isto o st. Gorender em A Redusdo, no proptlamiente por mé fé como certos escribas, mas porque nio deu devida atengio a0 conceito de “comunidade humana universal”, que preside ao nosso pensamento em geral, ¢, em particular, neste liveo. Nao se situa no ponto de vista proletirio um estudo apenas porque contenha referéncias expressas ao proletariado, a classe operdria. O contré- tio pode mesmo acontecer. “O compromisso de que se fala aqui — dizemos neste livro — na medida em que seja sistematico, situa o cientista no ponto de vista universal da comunidade humana”, Este ponto de vista engloba o da classe operaria. Este ponto de vista é 0 da totalidade. A categoria cardinal do pen- samento, para Marx, nao a classe operdria, @a totalidade. A classe operitia & aspecto concreto, episédico, da totalidade. “Nao 36 PREFACIO A SEGUNDA EDIGAO € a predominncia dos motivos econémicos na explicagio da histéria — diz Lukacs — que distingue, de maneira decisiva, 0 marxismo da cigncia burguesa, € 0 ponto de vista da totalidade” (Historie et conscience de classe, 1960, p. 47). E acrescenta: © que hi de fundamentalmente revoluciondtio na ciéa- cia proleiria ato &somente o Fao de que apse & sociedade bourguesa conteidas revlucionérios, mas é, sobeetudo, esséncia revolucionitia do proprio mécodo. O reino da cater oria da roralidade ¢ 0 portador do principio rvoluiondria sa efncia (p. 47-48), ‘Muita gente pensa que a pritica da ciéncia revolucionéria requer a idolatra de fetiches verbais, Se um texto sociolégico nao contém a expresso “classe operiria” nao € revolucionério. Mas essa éa mancira de pensar que caracteriza o escriba, no o homem. Jacob Gorender nfo éesriba, mas amd. cont ede que os seus trabalhos, € em particular ee a ricaeao See en que o-emipobrere da ciéncia, O st. mente capaz, nfo fosse pen > pareidai intelectualmente. O presente livro teve calorosa acolhida em citeulos dedica- dos & pesquisa tecnolégica. Registramos aqui e reproduzimos em apéndice a significativa contribuicio de um dos mais respeitéveis, engenheiros do pais. As notas que nos ofereceu ¢ as consideragées que emitiu sio relevantes, pois sublinham implicagées da reducao sociolégica nao minunciosamente focalizadas na edigio de 1958 engenheiro..." salienta que, no Brasil, de longa data, mesmo em sua fase colonial, se praticava a redugéo. Onde houve pritica houve redugio. Nossos agricultores, por exemplo, na labuta direca com a natureza, tiveram consciéncia de que os processos es- trangeiros de lavoura nem sempre eram adequados as nossas condigées , assim, diante deles, assumiram uma atitude redutora. Até estrangeiros, desde que, como Louis Couty, H. A. Millet, ¢ muitos outros identificados, pela prética, com as peculiaridades do pais, reconheciam, jé no século passado, o imperative de assimilagao critica da ciéncia e da técnica. A redugio tecnolégica 37 A Repucko SocioLocica precedeu & redugio sociolégica. Isto porque, na sociedade arcaica do passado, a reducdo era exigéncia setorial, ali onde o esforgo produtivo da populasio esbarrava em problemas em quc se patenteava claramente o conflito entre as regras, normas, modelos € processos importados ¢ nossa realidade. Esses problemas se resolviam empiticamente, Todavia, 0 caréter reflexo que definia globalmente a antiga estructura social nao possibilitou que se tomasse consciéncia sistemética da redugio, como acontece hoje encre nés, Propée ainda 0 engenheiro... 0 conceito auxiliar de “teor ideolégico”. AAs resisténcias 4 redugio tendem a diminuir quanto menor for o “teor ideolégico” do problema. E mais ficil adaptar uma técnica agricola do que um estatuto juridico. A conttibuicéo do engenheito... consta de breves consideragdes gerais, de uma pesquisa no Jornal do Agricultor (1879-1884), e de notas colhidas em diferentes fontes. E reproduzida em apén- dices deste livro pelo seu inestimavel valor ilustrativo, Importa finalmente assinalar que integeam esta edicéo dois pronunciamnetos que proferimos na XVI Assembléia Geral das Nagées Unidas, em 1960, na qualidade de Delegado do Brasil, € que tratam da questo de patentes e da situacio social do mundo. Ambos aplicam concretamente 2 metodologia exposta neste livro. Na presente edicéo conservamos 0 texto de 1958, no qual cortigimos alguns erros de citacao ¢ introduzimos pequenas al- teragdes de forma. Excluimos do texto os dois capiculos finais que tinham, naqucla data, apenas inceresse ilustrativ, Essa exclusio, que nfo altera a esséncia da obra, esté plenamente compensada com os estudos incorporados como apéndices a presente edi¢io. GR Rio, 1/8/1963 38 PREFACIO. A SEGUNDA EDIGKO Nota (1) Ocultamos © nome desse amigo de acordo com cle, por motivos politicos. Esta parte do presente preficio foi revista ‘em junho de 1964, quando estavam em curso as repressées de oda ordem, subseqiientes 20 movimento militar que depés, © presidente Joio Goulart. O autor foi uma das vitimas do Comando desse movimento. Por ato do referido Comando, teve seus diteitos politicos suspensos por dez anos e, por conseqiiéncia, perdeu seu mandato de deputado federal 39 Nota Introdutéria AS IDEIAS EXPOSTAS neste estudo vém se formando na mente do autor hé alguns anos, achando-se implicieas em seus trabalnos anteriores. Aqui sao apresentadas de modo sistemitico, inte- grando, pelo menos & guisa de esbogo, um método de andlise de concepgGes € de fatos sociais. Com o presente texto, pretende o autor contribuir em duplo sentido para a atualizagio da sociologia no Brasil. Deseja, por um lado, integrar a disciplina socioldgica nas correntes mais representativas do pensamento universal con- temporaneo. Por outro, pretende formular um conjunto de regras metédicas que estimulem a realizacio de um trabalho sociol6gico dotado de valor pragmatico, quanto ao papel que possa exercer no processo de desenvolvimento nacional Sao as atuais condigdes objetivas do Brasil que propdem a tarefa de fundagio de uma sociologia nacional. De fundasio, antes que de fundamentacio, pois nao se trata de utilizar 0 re- pertério jé existente de conhecimentos sociolégicos para justi- ficar orientacio ou diretriz ocasional. Trata-se de algo mais érduo: reconhecendo no interior da sociedade brasileira a geragao de A Repucho Socioresica forgas que, s6 a partir de Urge entender a natureza da transmutacio que essas popula- .G6es sofrem em sua existéncia. Indagagio como esta se inclui num conjunto de perguntas acerca das modalidades do ser, as quais 65 socidlogos nao podem permanecer indiferentes. Fendmenos como o irredentismo de grupos tribais africanos (de que os Mau Mau sio um dos casos mais agudos), 0 nacionalismo de povos coloniais ou dependentes, néo podem ser explicados a fundo sem que se formulem indagagées daquela ordem. Como se explica a estagnagio dos chamados povos primitivos? Por que espécie de transformagio passa uma sociedade (a dependente ou colonial) que se define como instrument de outra (a metropolitana), quando os que a constituem sio movidos pela idéia de autode- terminagio? Estas perguntas, num plano genérico, trazem de volta a velha questéo dos povos “naturais” versus povos “histéricos”. © faco nacional brasileiro tal como hoje se configura torna para rnés muito atual a questdo, pois exprime um modo de ser que jamais viveram as geragdes passadas do Brasil. E, deve-se insistir, um modo de ser novo no Brasil. E um modo de ser hist6r Que significa? Significa estar © nosso povo aleangando 2 com- preensio dos farores de sua situagio. © “histérico” pode ser entendido como uma dimensio particular do ser, na qual até agora tém ingressado alguns mas no todos os povos. Diz-se que 4 historizagio ocorre quando-um-grupo. social. se sobrepie as coisas, A natureza, adquirindo perfil de pessoa coletiva. O que distingue sociedade “historica” daquela que carece deste atri- buto é “a consciéncia da liberdade”, a personalizagio. Nao se afirma uma diferenca de esséncia entre as duas modalidades de convivéncia social. A possibilidade do histérico esté contida na convivéncia chamada “natural”. Basta que fatores objetivos sus- citem nas sociedades rudimentares a modificagio do modo pelo qual os individuos se relacionam entre sic com a natureza, tornando-o mais independente da pressio dos costumes, para que 47 A Repucko SocioLosica uma nova postura existencial aberta & histéria apareca em tais sociedades. E exatamente essa espécie de posura que define 0 viver projetivo, propriamente histérico, © posssibilica o existir como pessoa. Entre a modalidade natural de coexisténcia e a propriamente histérica h4 uma diferenca no grau de persona- lizagao. A pessoa se define como ente portador de consciéncia auténoma, isto é, nem determinada de modo arbitrétio, nem pela pura contigéncia da natureza. A personalidade histérica de lum povo se constitui quando, gracas a estimulos concretos, é levado a percepeao dos fatores que 0 determinam, 0 que equival 4 aquisicio da consciéncia critica ‘A consciéncia critica surge quando um ser humano ou um grupo social reflete sobre tais determinantes ¢ se conduz diante deles como sujeito. Distingue-se da consciéncia ingénua que € puro objeto de determinacées exteriores. A emergéncia da cons- cigncia critica num ser humano ou num grupo social assinala necessariamente a elevagio de um ou de outro & compreensio de seus condicionamentos, Comparada & consciéncia ingénua, a conscigncia critica é um modo radicalmente distinto de apreen- der os fatos, do qual resulta no apenas uma condura humana desperta ¢ vigilante, mas também uma atituce de dominio de si mesma e do exterior. Sem conscigncia critica, © ser humano ou 0 grupo social ¢ coisa, € matéria bruta do scontecer. A cons- ciéncia critica instaura a aptidéo autodeterminativa que distin- gue a pessoa da coisa. No mundo contemporineo descortina-se a propagagio da conscincia critica em populecdes da Asia e da Africa, A maioria delas, mesmo as dotadas de formal indepen- déncia politica, nao ultrapassou a condigéo celonial, pois ainda € inserumento de burguesias metropolitanas. Apesar disso, pas- saram a aspirar & historia, e deste estado de espirito coletivo séo flagrantes reiteradas ocorréncias, Uma dessas — das mais espe- taculares — é 0 fato de terem delineado nas Conferéncias de Bandoeng (1955), do Cairo (1957) ¢ de Acta e Tanger (1958), pontos de vista préprios ¢ formulado 0 propésito de paurarem suas agées segundo normas derivadas de projetos aut6nomos de existéncia. Em suma, exprimiram legitima pretensio de realizar 48 A Conscignein Critica Ba REAUDADE.«: na sua plenitude a categoria de pessoa coletiva. Pois, para as coletividades, aspirar & hist6ria é aspicar & personalizagio. A pes- s0a, como ser eminentemente projetivo, subentende a histé Reagdes de povos explorados da Asia ¢ da Africa contra os seus exploradores sempre se verificaram nesses continentes, desde que (05 europeus os ocuparam. Mas eram reagées que poderiam ser comparadas 2 um processo ecolégico, a uma competico animal por espaco, alimentos ¢ riquezas, embora tivessem, como nio podiam deixar de ter, tratando-se de populagées humanas, um contetido também cultural. Mas a reacio 20 colonialismo que hoje s¢ verifica no mundo afio-asiético 6, quanto a0 cariter, distinta das anteriores. E a reagio contra o colonialismo consi- derado como sistema’, ¢ a reacéo mediante a qual esses povos fazem uma reivindicacio cujo conteddo nio ¢ parcial, mas in- finito, universal. E que pretendem ser, eles também, sujeitos de tum destino proprio. Nas sociedades coloniais apareceram hoje quadros novos, empenhados num esforco de repensar a cultura universal na perspectiva da auto-afirmagio dos seus respectivos povos. Nao é um comportamento roméntico que levaria esses povos ao enclausuramento, a se apegarem aos seus costumes sob a alegacio realmente suicida, de preservi-los em sua puteza; & antes uma atitude que nao exclui o didlogo, pois contém a consciéncia de que, para ser historicamente vilida, a auto-afir- magio dos povos deve confluir para o estuério de todas as altas, culturas da humanidade. Tal é a perspectiva em que se acham situados esses novos quadros. Em apoio dessas observagées, basta lembrar trés obras, recentes. Numa delas, Nations négreset culture, Cheile Anta Diop denuncia 0 que chama de “falsificacéo da histéria”, devida, em grande parte, ao fato de que tem sido escrita do ponto de vista europeu. Seu livro, tentativa de rever um aspecto da histéria universal (as origens da civilizagio egipcia) & luz. do ponto de vista da Africa Negra, se inscreve na reacio de autodefesa do “povo afticano”, tendente a “eliminar 0 mal cotidiano que nos causam as terriveis armas culturais a servigo do ocupante”.? Em um Discurso sobre o colonialirmo, Aimé Césaire julga 0 que chama a 49 A Repucko SocioLoaica “hipocrisia” da civilizaglo ocidental, na justificago de sua tarefa colonizadora. O autor a vé como aventura e piracaria, dissimulada em evangelizagio ¢ obra filantrépica, e nisto consiste o seu sig- nificado hipécrita. No julgamento de Aimé Césaire, porém, a colonizacéo é condenada, nio em nome de um exclusivismo nativista, mas porque realmente nio estabelece verdadeiro contato entre os povos, proclamando 0 autor que a Europa deveria ter sido uma “encruzilhada”, “lugar geométrico de todas as idéias, recepréculo de todas as filosofias ¢ de codos os senti- mentos".* S40 menos gerais os temas de Abdoulaye Ly, em Les Masses afticaines et I’ actuelle condition humaine, livro em que pesquisa os termos da equacio do desenvolvimento nas regides, afticanas, procurando mostrar 0 que hé de vicioso nos estudos académicos ¢ marxistas relacionados com a matéria. Também Ly € universalista ¢ acredita numa “inelutdvel marcha da hu- manidade para a identidade relativa, para a unidade mundial racional, para a igualdade”.? Esses quadros, de que sao representantes Diop, Césaire ¢ Ly, vivem um momento que poderia ser considerado “fichtiano”. Sentem-se convocados a um empreendimento de fundacao his- térica, e procuram contribuir, pelo esclarecimento, para que as comunidades a que pertencem venham a consti des culturais diferenciadas no nivel da universalidade. Por isso, falam em “naga”, que ¢ a mais eminente forma contemporanea_ de existéncia histérica, e em “condiggo humana” para as massas personalida- afto-asidticas, ainda estigmatizadas por extrema pauperizacéo. Finalmente, 0 termo discurso utilizado por Aimé Césaire, que, além de politico, é poeta, evoca a atitude fichtiana, atitude surgida episodicamente na histéria alema, embora seja verdadeiro modelo de postura intelectual para todo homem de pensamento que vive uma hora incerta de sua comunidade. Notas (1) O autor tem focalizado a questio da consciéncia critica em estudos anteriores. Vide especialmente: “A problemética da realidade brasileira". In: Jntrodusdo aos problemas do Brasil 50 A CONSCIBNCIA CRITICA DA REALIDADE.«. Rio de Janeiro: ISEB, 1956: Inorodugao critica 2 sociologia brasileira. Rio de Jancito; 1957; “Consideragées sobre 0 Set Nacional”, Jornal do Brasil, 20/1/57 e finalmente “Notas sobre © Ser Histérico”. Jornal do Brasil, 2711157. (2) “O mero ser vivo se articula com as coisas, permanece imerso nelas. Entre o animal ¢ as coisas hé uma relagio de articulagio. Entre 0 homem ¢ as coisas hi relagio de liber- dade, Daqui a diferenga qualitativa entre o que as coisas si0 para o homem e para o simples ser vivo. Ao animal, as coisas sio “dadas” ou “postas” e 0 modo pelo qual Ihes responde €0 da simples reagio”. Vide Cops, Francisco Javier. Teoria 1 sistema de las formas politics. Madrid, 1953. p. 39 (3) O interesse atual pelo tema da “historicidade” revaloriza os textos negelianos, notadamente as Ligées sobre a fileofia de historic universal e as Ligies sobre a historia da flosofia. Para uma ampla discussio sobre © fendmeno histérico, vide Herwecces. El Ser y ef tiempo. México, 1951; BALLEstaR, Jorge Férex. Fenomenologia de la Historic. Barcelona, 1955; Purttss, Antonio Millan. Ontologia de la exisencia historica. Madcie, 1955, (4) Diz Hegel: “a histéria propriamente de um povo comesa quande este povo se eleva & consciéncia”. Lecciones sobre Ih filosofia de Ja Historia Universal. Buenos Aires, 1946, p. 151. Para 0 filésofo, seria a histéria uma camada Sntica superposta & natureza, Se o Oriente — pensa Hegel — carece de histSria, & porque ai “a individualidade néo € pesson”, esti “dissolvida no objeto”, op. cit. p. 201. Nao importa que, nesta condiglo, encontrem-se “Estados, artes, ciéncias incipieaces” — cudo isto “se ache no terreno da natureea”, op. cit. p. 125. (9) “A pessoa é0 ser que tem uma histéria”, diz Mohamed Aziz Lahbadi. Vide De UBire a la personne, Paris, 1954, p. 56. (©) Sobre 0 colonialismo, considerado como sistema, vide Sarees, Jean-Paul. Le Colomialisme ext un syrtme, “Les Temps Moder", n. 123, 1956. (7) “Diamte desta atitude generalizada dos conquistadores, era de prever uma reagio natural de autodefesa no scio do povo africano, reagio tendente, é claro, a erradicar 0 mal coti- diano que nos causam estas cemiveis armas culturais 2 St A Repucko SocioLocica ®) 0) servigo do ocupante”. Vide Dior, Cheik Anta. Nations regres et culture. Pais, 1954, p. 8. Um liveo precursor da tual corrente revisionista, em que se integra C. A. Diop, E Le Crépuscule dela civilisation (L’Occident et les Peuples de Couleur), de Actaro Labriola. O livto foi editado em Paris, sem data. Pode-se presumir que sua publicagio tenha ocorrido por volta de 1936. “..admito que é um bem colocar civilizagdes diferentes em contato umas com as outras: que & excelente desposar mundos diferentes; que uma civilizacio, seja qual for scu génio intimo, se embota quando se volta para dentro de si ‘mesma; que o intercimbio representa aqui o oxigénio, e que a grande oporwnidade da Europa é a de ter sido uma encruzilhads, e que 0 fato de ter sido 0 lugar geomécrico de todas as idéias, 0 recepréculo de todas as filosofias, © ponto de chegada de todos os sentimentos, fez dela o melhor redistribuidor de energia”. Césane, Aimé. Discours sur le colonialisme. Patis, 1955, p. 10. CE Ly, Abdoulaye. Les Masser afticaines et Vactuelle condition humaine. Patis, 1956, p. 16. 52 Fatores da Consciéncia Critica do Brasil © Brasil, em condigdes muito especiais, participa dessa tcansformagio da psicologia coletiva das chamadas sociedades periféricas. E necessirio, todavia, entender 0 que torna aqui particular essa transformagio. Sem pretender analisar a fundo os fatores genéticos da consciéncia critica no Brasil, devem ser mencionados alguns fatos que autorizam afirmar que 0 povo brasileiro vive nestes dias uma nova etapa do seu processo his- t6rico-social. Essa nova etapa é naturalmente caracterizada por fatos inéditos. Que fatos sio esses? Seria impossivel descrevé-los em todos os seus pormenores. Mas, como se trata de mudanga estrutural em que esses fatos estio articulados entre si, basta considerar alguns dos mais salientes para que se demonstre a existéncia ¢ 0 sentido da aludida transformagio. Por isso, men- cionar-se-4o apenas trés: a industrializagio, e duas de suas con- seqiiéncias, a urbanizacio ¢ as alteragdes do consumo popular. E posto de lado o problema das causas desses fendmenos, ou seja, nio se cogitari de perquirir que circunstancias tém possibilitado © desenvolvimento do Brasil, & diferenga do que acontece em A Repucko Sociorocica outras regides periféricas do mundo. Para compreender porque no Brasil a consciéncia critica esté em emergéncia, é suficiente considerar aqueles trés fatos, tais como se apresentam, € mostrar 05 seus efeitos sociolégicos. Efeitos Sociolégicos da Industrializacio Em primeiro lugar, a industrializacéo. Nao se tém explorado, do ponto de vista sociolégico, as implicagdes do processo de industrializagZo. Na envergadura em que hoje transcorre, contri- bui para caracterizar, como nova, a atual etapa de nossa evolugao histérico-social. E certo que as atividades industriais jé tém, rclativamente, um longo passado no Brasil. Alguns fatos 0 ates- tam. E licito supor que durante o perioda inicial de nossa evolugao econémica, © consumo de bens importados era privilégio de senhores, grandes proprictétios de terra e de restrita parcela da populagio dotada de poder de compra. A maior parte da popu- lacio realizava muito raramente operagées mercantis ¢ consumia diretamence a produgio que obtinka no Ambico das fazendas ou das unidades domésticas. Af, além do cultivo do produto desti- nado A exportagio, aciicar, café, algodao, realizavam-se muitas outras atividades, a fim de garantir & populagio rural o consumo dos bens de que necessitava, Em tais condigées, eram muito débeis, no pais, os impulsos endégenos de desenvolvimento. De inicio, esses impulsos vieram de fora, por intermédio do setor exportador. Nao podia deixar de ter sido assim, pois que 0 desenvolvimento s6 ocorre onde hé pagamento a fatores, em especial a0 fator mao-de-obra. A exporta¢io coube, portanto, inicialmente, no Brasil, fornecer os meios de pagamento. Pode- se registrar a pritica de pagamentos no Brasil jé em periodo anterior & sua emancipacio politica. No periodo do outro jd existia aqui uma produgio mercantil, um movimento interno de tran- sages econdmicas de que se beneficiava significativa parcela da camada popular. Iniciada a incorporacéo da populagio no cir- cuito propriamente econdmico, comega um processo que cedo se firma ¢ se torna irreversivel. Esse processo segue uma linha 54 Farones 2A CONSCIENCIA CRITICA. continuamente ascendente, sejam desfavoriveis ou favordveis 0s nossos termos de intercimbio com 0 exterior. O vulto da produsio mercantil, a despeito da baixa dos nossos termos de intercimbio, depois de passado 0 surto do ouro, continua a cres- cer ¢ se incrementaré mais ainda a partir de 1850, quando se voltam para aplicacio no interior do pais os capitais empregados até entio no tréfico, ¢ se iniciam novas relagdes favordveis de co- mércio exterior. Convém assinalar que, se for incluida na producio para o consumo interno a parcela natural, a nfo ser nas décadas ini do século XVI, jamais a importagio foi suficiente para atender a demanda de bens de nossa populasao. Para uma exata compre- ensio do processo econdmico brasileiro, € necessério sublinhar 0 fato de que a importacio sempre foi um suplemento da producio interna. Mais significativo ainda € observar que, na década de 1840, as correntes internas de comércio ja permitiam que se verificasse no territério brasileiro uma produgio mercantil para © consumo interno consideravelmente superior & importagio. No ano de 1846, enquanco a exportagao era da ordem de 53.630 contos, segundo 0 depoimento do Visconde de Villiers de I'lle ‘Adam “o que se fabricava na provincia (Fluminense) ¢ se vendia para ourras se elevava provavelmente a 180 mil contos”. Esse nfvel de comércio interno relativamente alto consticufa, sem divida, fator ponderivel de desintegragéo do oikos, ou soja, de abertura das unidades domésticas de produgio. A esse fator dinamico incerno aliava-se um fator externo — a exportagdo, que, de 1850 a 1929, possbilitando a venda para o exterior de quantidades crescentes de mercadorias a pregos também crescentes, muito contribuiu para dotar a economia brasileira de condigées de autodesenvolvimento. ‘A fim de demonstras o caréter favoravel dos nossos termos de incercambio naquele periodo, ¢ suficiente considerar © quantum da exportacéo do café. J4 no periodo de 1850/51-1859/60 a participaco do produto na exportacdo correspondia a 48,8%, tendo alcangado mesmo 53,2% em 1837/38. A saca de café, que em 1850/51 valia a bordo £ 1,57, passara em 1860/61 a £ 2,39; 5S A Repucko Socio1scica «em 1862/63 a £2,905 para atingir, em 1925, a £ 5,50. No periodo de 1839/44 as quantidades exportadas, em toneladas, foram 88.667; passaram, no perfodo de 1869-1874, a 165.114 e cres- ceram continuamente até 1929. Esses fatos tém extrema signi- ficasio sociolégica. Mostram que as cortentes internas de co- mércio, bem como a exportacio, assegurando o escoamento de nnossos produtos a precos altos, induziram a especializagio de nossa agricultura e, portanto, a transferéncia, para os micleos urbanos que iam aparecendo, de atividades produtivas até entéo exercidas no Ambito rural. No periodo de alguns decénios, esta modalidade jd adiantada de atividade econdmica consegue vingar definitivamente, habilitando o pais a desenvolver a sua produgio industrial em ritmo crescente, ¢ assim assegurando a economia brasileira impulsos préprios de crescimento. A consciéncia desta transmutacio s6 recentemente veio a formar-se, quando os estu- diosos comecaram a apreciar a maneira ativa pela qual a economia brasileira reagiu & grande depressio mundial dos anos trinta, Enquanto outros paises periféricos estagnavam ou deterioravam 2 sua estrutura econdmica, 0 Brasil continuou a crescer, gracas 20 esbogo de mercado interno que conseguira formar. Mas no se deve privilegiar a década de trinta: JA anteriormente, eram vigorosos os impulsos de autodesenvolvimento em nossa ec nomia. Na primeira década do século, 0 vulto da producdo industrial igualava o da exportacao. Dai por diante decresce con- tinuamente, em termos absolutos, o valor da exportagio com- parado ao valor da produsio industrial, como se vé nos dados 2 seguir compilados pelo Departamento de Sociologia (Servico de Pesquisas) do ISEB. 56 Farores DA CONSCIENCIA CRITICA. Valor da Exportacio Comparado ao Valor da Prodiugio Industrial em Cruzeicos Ano Produgéo Industrial Exportagio 1850 10.000.000 55.032.000 1889 211.000.000 259.000.000 1907 742.000.000 860.981.000 1920 2.989.176.281 1,752.411,000 1929 7.400.000.000 3.860.482.000 1939 17.479.393.000 615.519.000 Para avaliar atualmente a magnitude de nosso processo in- dustrial, e portanto a capacidade de autodesenvolviemnto da economia nacional, uma das melhores referéncias é a composi¢ao das importagées. Até recentemente, apesar do vulto crescente da. producto industrial, o pais precisava converter a maiot parte de suas divisas em bens de consumo para suplementar a demanda interna da populacdo. No comeso do século, mais de 80% do valor da importagio era de bens de consumo, Nos iilkimos de- cénios, inverteu-se a situacio. A percentagem de bens de producao em relagao a0 valor total das importagées jé era de 67,5% em 1947; subindo para 73,8% em 1950s para 78,3% em 1952; e para 79,5% em 1954. Dados como esses revelam que a industrializacio, no nivel fem que se realiza hoje no Brasil, demanda clevada capacidade empresarial de particulares e do Estado, assume o caréter de es na psicolo- gia coletiva, entre as quais se inclui o pensar em termos de projetos. empreendimento politico, provocando modifi O povo brasileiro esta atualmente empenhado na realizacio de projetos. Ora, um povo que projeta, enfrenta a sua circanstincia de modo ativo, procurando explorar as suas potencialidades se- gundo urgéncias determinadas. Uma populacio qué projeta articula-se no seu contexto espacial de modo diverso de que néo projeta, da que vive de modo imediatista. Uma e outra vivem modalidades diferentes de tempo. Em numerosos trabalhos an- 357 A Repucko Sociotocica tropoldgicos e sociolégicos, encontra-se abundante material & espera de um esforco de elaboracio de uma sociologia diferencial do tempo. Georges Gurvitch, em Determinismes sociaux et liberté humaine, propoe oito géneros de temporalidade. Mas em sua exploracdo pioneira do tema infelizmente no se detém no exame da relacio entre © cempo e a equasio: sociedade © natureza, Autores mais a tes, de modo vida dessas populagées é espacialidade, é pré-reflexiva. Entre esses autores, estaria, em posicéo extremada, Oswald Spengler, para quem existe um estado fellabico que define a vida de populagées sem histéria, Sem adotar este arriscado ponto de vista, parece, entretanto, certo que uma nova forma de existéncia temporal s tém afirmado que nas sociedades dependen- irto, de sua moldura natural, néo hé tempo. A surge quando, numa coletividade, “a produgio se transforma em * isto é, quando as relages dos homens entre si produtividade”, € com a natureza se tornam mediatas, gragas & intensificagio do trabalho social ¢ & diminuigao do impacto das necessiades ele- mentares na vida ordinatia. Escapam assim esses individuos “& finalidade imanente ao seu estado atual e perseguem uma expe- rigncia progressiva".* Vivem um tempo que “supe uma retomada ativa do passado uma antecipagio constante do futuro”? Ja se falou no “torpor” da vida colonial‘ Deriva de seu escasso con- teiido projetivo. A colénia é, por definicéo, instrumento da metropéle. Quando, porém, um povo passa a ter projeto, adquire uma individualidade subjetiva, isto é, vé-se a si mesmo como centro de referéncias. Efeitos Sociolbgicos da Urbanizagio © segundo fato que deve ser focalizado, conseqiiéncia do anterior, € a urbanizacio. Os tragos rurais séo ainda predomi- nantes na sociedade brasileira. Mas o exame dos movimentos da populacao leva a admitir que essa predominancia esti em vias de desaparecer. As tendéncias objetivas do panorama demogréfico do pais se orientam decididamente no sentido da urbanizacio. Do ponto de vista estitico, 0 rural predomina hoje sobre 0 urbano 58 FaTorss DA CONSCIBNCIA CRiTICAn- no Brasil, sendo apenas de 36,12 a percentagem da populacio classificada como urbana. Todavia, do ponto de vista dindmico, as cendéncias para a urbanizacZo tornam-se cada vex mais pre- ponderantes. Dependente que ¢ esse processo da industrializacio, 6 seu vulto atual jé permite formar uma idéia da imporeincia que vai assumindo no pais 0 fato urbano. No periodo de 1940/50, enquanto a mao-de-obra agricola desce de 64% para 57,7%, a mio-de-obra na inddstria cresce 60%. No mesmo periodo, a nossa populagio rural cresce 18%, enquanto a urbana aumenca 45%, E ja em 1950, mais da metade da populagio (52,59%) de um Estado da Unio, Sio Paulo, era urbana. Todas essas sio indicagoes de que a distribuigao dos contigentes demogréficos se vem orientando cada vez mais para a urbanizacio, Trata-se de vigoroso processo mediante o qual continuamente se incorporam um cfrculo de intensas relagées, sobretudo econdmicas, brasi- Ieiros que antes viviam em nivel quase puramente vegetativo. Entre outras coisas, esta incorporacio transforma esses brasileiros de individuos escassamente compradores em essencialmente compradores E necessério realear a diferenca de psicologia coletiva entte um contigente de pessoas que praticam largamente 0 autoconsumo da produgio e o de pessoas que vivem de salérios e que assim tém de comprar tudo, ou quase tudo, de que necessitam. A sociedade que estas dltimas formam tem maior contetido politico que a de ruricolas. Nao ¢ por acaso que a consciéncia politica de nossas populagdes se vem incrementando nos tiltimos anos. Esté configurando-se entre nés a categoria de verdadeito povo, gracas Aquela incorporacio. Nao tem precedentes 0 grau de politizagao que revelam as massas atuais do Brasil. O ingresso da populagio nacional num circulo de intensas relagGes, pressupostas por um mercado interno que cada dia mais se robustece, a rorna capaz de uma modalidade de convivéncia que, anteriormente, no Ihe era possivel. Enquanto nfo se constituiu 0 mercado interno, © povo nao foi propriamente sujeito do acontecer politico, 20 menos no sentido moderno ou nacional da expressio. A popu- 52 A Repucko SocioLocica lagio brasileira descobriu 0 politico a partir de sua integracio no_Ambito de interagdes surgido no pals gragas 4 formacio do mercado interno. Ordinariamente, nos paises subdesenvolvidos o tipo rural de existéncia, dada a propria natureza das relagées habituais domi nantes em seu horizonte espacial, nio ‘avorece, em plenitude, avida propriamente politica. Esta surge somente a partir de certa densidade demogrifica. No caso, a quantidade condiciona o nivel qualitative da vida coletiva. © rurleola €, por definicio, 0 ha- bitante de zonas demograficamente rarefeitas, incegrante de pequenas coletividades. E justamente es:a escassez. demogrifica que, em grande parte, condiciona sua psicologia coletiva. Em sua vida domina primeiramente o trato com 0s produtos naturais, © que Ihe impoe um ritmo de existéncia maito lento, afetado pelo préprio ritmo da natureza. Tem de ser, portanto, um individuo pouco tenso em suas relagdes com objeros e outros individuos, uma vez que estas sio, em larga margem, ajustadas & mancira habitual como os fendmenos naturais transcostem, Em segundo ugar, 2 pequenez selativa das coletividedes rurais, em vez de estimular acentuada diferenciagio dos individuos, de diversificar 08 scus objetivos ¢ cua motivacio, levande-os « adota condutas forremente competitivas, integra-os de modo profundo em gru- pos dotados de vigorosa consciéncia coletiva. Em outras palavras, em tais coletividades se obtém alto grau de solidariedade social, garantida pela semelhanca psicolégica dos individuos. Foi a compartimentagao da populacéo brasileira em uma pocira de pequenas coletividades rurais que, em épocas anteriores, ¢ mesmo até recentemente, assegurou tanto o deminio das oligarquias quanto & passividade politica do eleitorado. A industrializagéo vem promovendo a transferéncia de pessoas do campo para as cidades e incrementando a formacio de aglo- meragées urbanas, ¢ disso est decorrendo certa mudanca na psicologia coletiva dos brasileiros. A ambiéncia urbana, & dife- renga da rural, insere o individuo numa trama de intensas relagoes nnas quais se registra considerével carga de calcul. Sio relagées 6o FATORES DA CONSCIENCIA CRITICA... que estimulam o individualismo, a competisio, a capacidade de iniciativa, o interesse pelos padres superiores de existéncia. A tensio_constitutiva da vida urbana traduz-se naturalmente em politizacao acentuada, tornando decisiva a participacéo popular nas varias formas de atividades diretivas da sociedade. Alguns fatos politicos podem ser aqui lembrados para mostrar a perda de representatividade de quadtos politicos anacrénicas. © elei- torado urbano, em nosso pais, desde 1950, vem retirando siste- maticamente 0 seu apoio a candidatos a fungSes governamentais nos quais néo reconhece propésitos sinceros de efetivar suas aspiragées. Na histéria politica dos ultimos anos, tém sido fre- aqlientes lutas eleitorais que se concluem, significativamente, com 2 derrota de candidatos do governo, tanto na esfera federal, como na estadual e municipal. Efeitos Sociolbgicos das Alterccées do Consumo Popular Um terceito fato novo, que parsiculatiza a presente ctapa da evolugio brasileira, é a modificago que vem sofrendo a compo- sigio do consumo populat. Nos iiltimos decénios, gracas 20 crescimento do poder aquisitivo, que 0 desenvolvimento sempre acarreta, no s6 se tem verificado 0 acréscimo dos consumos vegetativos do povo (alimentagio, casa, roupa), como também (0 que é mais relevante) 0 aparecimento de novos hébitos de con- sumo em massa, de cariter nfo vegetativo. Pode-se imaginar a simplicidade do consumo popular no passado, levando-se em consideracio a estrutura de producio no Brasil, pouco diferenciada em relagio 20 que € hoje. A falta de dados quantitativos é suprida pelo depoimento de observadores Um deles é Tobias Barreto. Em seu Discurso em Mangas de Camisa, pronunciado em Escada no ano de 1877, referindo-se & populacio daquele municipio, dizia Sobre estas crs mil almas, ou melhor, sobre estes txts nil venttes, é probabilisimo o seguinte cileul: 61 A Repucko SocioLosica 909% de necetstados,quas indigentes, 896 dos que vivem soffivelmente, 1,1/29% dos que viver bem, 0.17296 dos ricas em reas 100% Num panorama do Brasil, na primeira década deste século, Silvio Romero observa a precariedade do consumo popular. Dicia que, naquela época, em geral o povo ganhava apenas o suficiente para a sua subsisténcia material. E observa: { Tirados 0 putes, 0 mestre-ecola, os funcionstios da justga, onde of i alguns vendcios¢ lojistas que exercem tum relescomércio, alguns ofa de ofiio braaisy no se pereebe bem de que vive o resto, que é a maior parte da populacio.¢ Infelizmente nao se encontram, a esse respeito, informagdes técnicas que aqui possam ser referidas. Mas, a partir de 1934 comegam a aparecer informagées um tanto mais qualificadas sobre as condigées de vida do povo, embora de varidvel grau de objetividade, Naquela data (1934), realizou-se em Recife pesquisa pioncira sobre padrao de vida. Segundo os resultados da inves- tigagio, os gastos com alimentagéo absorviem 71,6% da renda dos operirios recifenses, restando menos de 30% para as outras despesas. E claro que tal orgamento apenas permitia que os individuos se mantivessem quase ti0-s6 no plano animal. Outras investigagbes posteriores vieram, porém, revelar a vendéncia para a baixa do percentual das despesas com alimentacio. Segundo 0 Censo do Salirio Minimo de 1939, a percentagem da alimentacéo nna despesa total de familias operérias era: em Salvador - 69,4963 em Recife - 68,7%; em Maceié - 70,9%; em So Paulo - 54,9%} em Curitiba - 58,69; em Porto Alegre - 61,7%. Em 1952, esses percentuais baixaram ainda mais, sendo em Salvador - 58,29%; em Recife ~ $4,49; em Maceié - 52,4%; em Sao Paulo - 41,0%; em Curitiba - 45,99%; em Porto Alegre - 35,4%. Note-se que em 1952, nas tréstltimas capitais, nos geupos populares investigados, mais de metade da despesa total era aplicada em itens diferentes da alimentasio. Por mais precério que fosse esse padrao de vida, 62 Farores pa CoNscigNciA Crrnica. 34 diz respeito a uma populagio que ingressara num plano de vida superior ao da subsisténcia. Mais ilustrativos sio ainda outros resultados das investigagées de 1939 e 1952” no seio da classe operiria. Os gastos com alimentacdo, habitasio, vestudrio, mé- dico, remédio e transportes absorviam os seguintes percentuais da despesa total: Censo do Sario Pesquisa Nacional Cidades Minimo-1939 1952 Recife 108,7 78,9 Maceié 104.4 75,2 Distrito Federal 95,5 74 Sio Paulo 101,2 79,7 Curitiba 95.6 78,8 Porto Alegre 103,9 69,6 A despeito da margem de erro que pode ser ficilmente apon- tada nestes informes, sé0 consistentes do ponto de vista global ¢ atestam que esté ocorrendo um refinamento dos hébitos popu- lares de consumo. E pertinente observar que a pesquisa de 1952 registrou larga difusio de hébitos de consumo de teor elevado Das familias investigadas, tinham aparelho de rédio 92,0%, em Porto Alegre; 73,8% em Sao Paulo; ¢ 64,5% no Distrito Federal Tinham luz elétrica 98,0% em Porto Alegre; 95,6% em Séo Paulo; 86,2% no Distrito Federal. Tinham maquina de costura, 76,0% em Porto Alegre; 52,5% em Sao Paulo; 45,8% no Distrito Federal. De uma populagio na qual se verifiquem alterages como estas, pode-se dizer que esta ingressando na histria. Tais con- sumos vem a dar fundamento a uma psicologia coletiva de grande contedido teivindicativo. Quanto mais uma populacéo assimila hhabitos de consumo nao vegetativos, tanto mais cresce a sua consciéncia politica ¢ maior se torna a sua pressio no sentido de obrer recursos que Ihe assegurem niveis superiores de existéncia Os padroes precirios de existéncia, mantendo a populagao em 3 A Repugko Socioocica estado de servidio & natureza, no propiciam 0 aprofundamento de sua subjetividade. Concentrando suas forcas para obter a mera subsisténcia, presas de necessidades rudimencares, no resta as populasSes pauperizadas senfo restrita margem para a aptidao de se conduzirem significativamente como protagonis- tas de um destino hist6rico. Poder-se-ia considerar como expostas a heterodererminacio as coletividades de escassa subjetividade, por isso que dispdem de recursos limitados, quase tio s6 hébeis para permitir a sua reproducéo animal. $6 adquire a possibilidade de autodeterminagio © povo que, libertando-se da motivacio grosseira, dos misteres puramente biolégicos, eransfere seus in- teresses para motivos cada vez mais requintados. E a autodeter- minagio, garantida por supostos concretos, que leva uma popu Jagdo a ascender do plano do existir acidental, dir-se-ia quase espacial, para o da duragio; da con condigao de sujeito. A autodeterminagio esta, de certo, associada desenvolver c20 de objeto ou coisa & com refinamento dos motivos da vida ordinéria, com a libertaco progressiva dos afazeres elementares* Notas (1) CE Leronr, Claude. “Sociéeés sans Histoire et Historicte” Cahiers Internationaus de Sociologie. v. XU. 1956. (2) Op. cic. (3) Op. cit. (A) Vide ConsisteR, Roland. Formapio ¢ problema da cultura brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958, (5) Usando terminologia de Carl Schmitt, poderia dizes-se que “a convivéncia nio-tensa" (F. J. Conde), caracteristica de um, perfodo ultrapassado de nossa evolucio demogréfica, era um puro conviver natural, “navirlicher Dasein’. Segundo Carl Schmitt, € certo grau de intensidade que distingue dois tipos de existéncia humana: a natural (Dascin) e a propriamente politica ou histérica (Existena). A existéncia politica ou his- ‘érica supe um conviver tenso ¢ intenso que nic se verifies ro simples modo de existir natural. Para 0 autor, a natureza se transforma em espirito quando entra em tensio. No que oF Faorss DA ConscitNcin CIMA... diz respeito ao homem ¢ & sua forma de existéncia, deve ser olhada com cautela a diferenca entre 0 natural ¢ © histérico, a divisio dos povos em naturaise histricos podendo, muicas venes, denunciar uma atitude ecnocéntrica e ideolégica. O hhomem, em suas possibilidades, & sempre fandamentalmente ‘© mesmo, numa ou na outra forma de existéncia humana a que se tefere C. Schmitt. Todos os atos humanos sio “projetivos”, como adverte Javier Conde, tanto no estado de natureza como no estado politico. O incremento de inten- sidade na coexisténcia dos homens no the modifica a estru- tura essencial, apenas os torna aptos a realizar plenamence uma das possbilidades desta estrurura — a politica. De qual- quer forma, a distinggo de C. Schmiee € esclarecedora. Sem diivida, 0 recente incremento de intensidade no ambito das relagdes de diversas ordens vigentes no espago brasileiro veio dar-lhe um contesdo politico que, em termos comparativos, pode ser considerado novo. (6) CE Roweeno, Silvio. O Brasil na primeira décads do século XX, Lisboa, 1912, p. 79. O livro em que se encontra este eseudo é Silvio Romero e Arthur Guimaraes. Estudos sciai. O Brasil na primeira década do séeulo XX. Problemas brasileiros. 2* Ed. Lisboa, 1912. (7) Nota da 2° edigdo — Vide sinopse desta pesquisa no Anustio Estatistico do Brasil, de 1954, elaborada pelo lnstieuto Bra- sileiro de Geografia e Estatistica. O projetamento, a execugio € apuraséo dessa pesquisa foram dirigidos pelo autor. (8) Ea este refinamento da motivagio que A. Toynbee chama cterealizagio. — Nota da Segunda Edigéo. Seria pertinente ressaltar a impor- tncia decsiva que assume na promogio de conscigncia critica da realidade brasileira, a imagem dessa propria realidade que se difunde rapidamente em coda populacio, gragas aos meios de comunicagio como 0 caminhio ¢ 0 automével, ¢ de in- formagio, como 0 radio, a televisio, ¢ especialmente o apa- relho transiscor oF A Mentalidade Colonial em Liquidagéo ‘A exigéncia do desenvolvimento, que se impés atualmente 2 comunidade brasileira, exprime 0 projeto coletivo de uma per- sonalidade hist6rica, 20 menos jé esbocada, a pretensio do pats de assenhorear-se de sua realidade, de determinar-se a si préprio. Portanto, vive 0 Brasil uma fase de sua evolugio em que est superando © seu antigo cardter reflexo, Até hé pouco, a nossa estrutura econdmica estava organizada como segio descentra- lizada da drea do capiralismo hegeménico no muado e, assim, orientada para satisfazer a demanda externa. Também politica, social ¢ culturalmente, a sua existéncia era, em sentido hist6rico, adjetiva e tributéria. Na periferia ocidental, 0 Brasil néo se re- cortava como um espaco histético, capacitado para a autocon- formagio. Atualmente, porém, tendéncias centripetas esto sur- gindo, em nosso meio, as quais dio suporte a um processo de personificacao histérica. Quer isto dizer que espaco brasileiro ‘se torncu teatro de um empreendimento coletivo, mediante 0 qual uma comunidade humana projeta a conquista de um modo significativo de existéncia na hist6ria." A maneira de um princ{pio

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