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A SUPEREXPLORAGAO DO TRABALHO E O COLAPSO/ EXPANSAO DA FORMA-VALOR NO CAPITALISMO GLOBAL: NOTAS TEORICAS Giovanni Alves Em um de seus tltimos trabalhos (1996), Ruy Mauro Marini (1932- 1997) salientou a necessidade de se estender o conceito de superex- ploragao do trabalho aos paises capitalistas centrais (Marini e Millan, 1996). Marini explicou a disseminacao da superexploragao do trabalho pelas mudangas no comércio mundial com o crescimento do comércio intra-firmas e a operagio de empresas terceirizadas provocando uma homogeneizacio do mercado mundial. A dissolucao gradual das fron- teiras nacionais e aumento da fase de producao projetado para cobrir mercados cada vez mais vastos, envolveu a intensificacdo da concor- réncia entre as grandes empresas e seu esfor¢o continuo para alcancar lucros extraordindrios sobre os seus concorrentes. Assim, com 0 mer- cado mundial cada vez mais integrado nos principais setores produti- vos, aprofundou-se a tendéncia para abolir as diferengas nacionais que afetam a validade da lei do valor. Ao mesmo tempo, aumentou a im- portancia da exploragao da forca de trabalho mais qualificada garantir lucros extraordinrias. Embora, a qualificacao e habilidades da forga de trabalho variem de nacao para nagao, sua intensidade média aumenta a medida que ela utiliza tecnologias superiores. Ele observa que isso nao necessariamente se traduz em reduc6es significativas nos diferenciais salariais nacionais. Observando as mudangas provocadas pela globalizagao da econo- mia capitalista a partir de 1980, tais como a internacionalizagao dos _ASUPEREXPLORAGAODOTRABA! HOEOCOLAPSO/EXPANSAODAFORMAVALORNOCAPITALISMOGLOBALNOTASTEORICAS. 69) processos de producao ea disseminacao constante da industria para ou- tras nages - nao simplesmente para explorar as vantagens criadas pelo protecionismo comercial, como no passado, mas acima de tudo para atender a intensificacéo da competicéo global - Marini observou que, nesse movimento do capital no mercado mundial, desempenha papel de destaque, embora nao exclusivo, a exploracao excessiva dos traba- Ihadores assalariados e as transformagées tecnologicas na producéo do capital (Marini e Millan, 1996). E interessante que Marini tenha comparado a situagao do capita- lismo global com as transformagées capitalistas da Europa capitalista do século XVIII para o século XIX periodo histérico de constituigio do mercado mundial. Naquela época a introducéo de novas tecnolo- gias implicou num desemprego generalizado, aberto ou dissimulado, ampliando-se a superpopulacao relativa do capital. O proprio capitalis- mo em expansio favoreceu o crescimento da massa do proletariado e 0 capital buscou a maximizagao da exploracao salarial a um custo mais baixo do que ela pode representar, Para isso, ele utilizou tanto o aumen- to das horas de trabalho quanto a intensificagao do trabalho ou ainda, de modo cruel, a redugao dos salarios, sem levar em conta 0 valor real da forca de trabalho. Assim, nos primérdios do capitalismo industrial, tal como hoje com © capitalismo global, Marini observou que se generaliza pelo sistema mundial do capital, incluindo os centros avangados, o que era uma ca- racteristica distintiva, embora nao exclusiva - das economias capitalis- tas dependentes: a superexploracao do trabalho. Deste modo, cresceu a massa de trabalhadores assalariados excedentes e agucou-se sua paupe- rizagdo, no momento em que o desenvolvimento das forgas produtivas abriu perspectivas ilimitadas de bem-estar espiritual para os povos. Por isso, para ele, tal como aconteceu no século XIX, a questao cen- tral torna-se a luta dos trabalhadores para colocar limites sobre a orgia do capital, colocando sob as maos do povo o controle das novas condi- ¢Ges sociais e técnicas de producao. Nao se trata de bloquear o aumento da produtividade do trabalho, ¢ até mesmo o seu corolario natural, 0 aumento da intensidade laboral, mas distribuir de forma mais equitati- va, o esforco de producao, que envolve a redugio da jornada de trabalho 70 SUPEREXPLORACAO DO TRABALHO No SECULO XA em uma taxa compativel com o progresso da capacidade produtiva em geral (0 que implica uma revolugao democratica radical) Essa disseminacao da superexploracao do trabalho € produzida pelas mudancas do comercio mundial, principalmente pelo comercio intra-firmas ¢ 0 aumento da presenga de empresas terceirizadas na rede de subcontratagao global, e também pelas tecnologias moderna que imprime um alto grau de padronizagio na produgao de pecas e compo- nentes, que é transmitido em equipamentos e métodos de produgdo em. larga escala, ¢ 0 uso de insumos de qualidade comparavel. Diz ele: “Em outras palavras, a producao mundial ¢ caracterizada hoje por uma ho- mogeneizagao crescente em termos de capital constante fixo e circulan- te”. E salienta: “Uma vez iniciado 0 processo de remogao de barreiras que provocam a fragmentacao do mercado mundial e colocam obsté- culos ao fluxo da reprodugao do capital, uma nova fase inaugurada em producio-circulacao de mercadorias, caracterizada pela tendéncia para a completa restauracio da lei do valor” (Marini e Millan, 1996: 35). objetivo das notas tedricas ¢ abordar a disseminacao da superex- ploragao do trabalho na era do capitalismo global, nao pelas mudangas na esfera da circulagao do capital como indica Marini, mas devido 0 fenémeno do colapso (e expansio) da forma-valor por conta do salto mortal da produtividade do trabalho na era do capitalismo global. Na fase historica do capitalismo global — aquilo que Marini vai identifi- car como “economia globalizada” - impée-se a efetividade do aumento da composigio orginica do capital pressionando a taxa média de lu- cro no ambito do mercado global sob completa restauragao da lei do valor. Na verdade, 0 que explica o aumento e relativa estabilizagao da taxa de lucro na economia global no primeiro momento do capitalismo global (1980-1996 e depois, 2001-2008) foi o movimento complexo das contratendéncias a queda da taxa de lucro (vigéncia da superexploracao do trabalho, desvalorizacao do capital constante por conta das revolu- des tecnoldgicas e financeirizacao da riqueza capitalista). Depois, com. a Grande Recessao de 2008/2009, verifica-se uma longa depressio da economia global (Roberts, 2016), caracterizada por lenta recuperagio insustentabilidade da taxa média de lucro num cenario mais rebaixado d que aquele anterior 2008. ASUPEREXPLORAGAODOTRABA! HOEOCOLAPSOIEXPANSAODAFORMAWALORNOCRPITALISMOGLOBALNOTASTEORICAS 711 Portanto, a disseminagéo da superexploragao do trabalho decorre de mudangas na esfera produtiva do capitalismo global dadas pela rela- Ao capital constante/capital varidvel que, por conseguinte, provocaram alteragées na dinamica do comercio global e da propria reproducao do sistema mundial do capital (como salientou Marini). Deste modo, fa- remos uma nova abordagem da disseminacao da superexploracio do trabalho na era do capitalismo global nao circunscrita apenas 4s mu- dancas na circulagao do capital na economia globalizada, Para isso, num primeiro momento, iremos expor a tese do colapso (¢ expansio) da forma-valor no capitalismo global e depois trataremos do conceit de superexploraio da forga de trabalho, buscando expor a principal forma de desvalorizacao do capital varidvel num cenario global da lei do valor “afetada de negasio”. Nara do capitalismo global - o estdgio do capitalismo histérico que se constitui a partir da crise estrutural do capital (1980-...) - temos por um lado, a sintese entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa basea- da nas novas tecnologias informacionais acopladas a gestdo toyotista; ¢ por outro lado, a exacerbacao da fungao do credito na era do capitalis- mo predominantemente financeirizado, ocultando por meio do endivi- damento das familias, o rebaixamento do fundo salarial. Por um lado, temos a intensificagao ¢ alongamento da jornada de trabalho. Industria, servicos, comercio e inclusive administragao ptiblica, incorporaram a nova légica do trabalho flexivel. Por outro lado, torna-se visivel a desva- lorizagao do capital varidvel por conta da constituigao da nova precarie- dade salarial com a disseminagao da contratacao precaria, Ao mesmo tempo, nas novas condigées histéricas de expansao do capital, o valor como forma derivada se expandiu pela totalidade social (Alves, 2013). Ao aprofundar-se a financeirizagao da riqueza capitalista por conta da desmedida do valor (Prado, 2005), reforsam-se num patamar quali- tativamente novo, o fenémeno da dependéncia das economias subalter- nas; € aquilo que era caracteristica da periferia do sistema do capital (a superexploracao do trabalho) torna-se também a marca das formagées sociais do capitalismo central. Na verdade, as mudangas ocorridas na era da crise estrutural do capital provocadas pela persisténcia da bai- xa lucratividade nas condigées da IV Revolucao Industrial impuseram 72 SUPEREXPLORACAO DO TRABALHO No SECULO XA novas tendéncias na ordem da exploracao, provocando aquilo que Is- tvan Mészaros caracterizou como sendo uma equalizagdo do indice di- jferencial de exploragdo (Mészaros, 2011; Antunes, 2009; Valencia, 2012). Portanto, o que antes era caracteristica da formagao social dos pai- ses capitalistas dependentes, tornou-se caracteristica do sistema global do capital tendo em vista que o fendmeno do colapso (e expansio) da forma-valor e a dominancia do capital financeiro enquanto macroes- trutura da ordem do capital social total, “colonizaram” tanto as nagdes periféricas quanto as centrais. A servidao financeira é a captura do fundo publico e a sucgao da riqueza social pelo capital financeiro (via superexploragao do trabalho), um dos elementos caracteristicos do ca- pitalismo global. O colapso (e expansao) da forma-valor A primeira hipdtese que iremos expor é que o “salto mortal” da pro- dutividade do trabalho decorrente dos avangos das revolugées tecnolé- gicas ocorridas apés a Segunda Guerra Mundial, ou aquilo que Ernst Mandel considerou como sendo a aceleragdo da inovagao tecnolégica no capitalismo tardio (Mandel, 1982), fez com que o tempo de trabalho necessdrio, base do valor-trabalho, deixasse de ser a medida da riqueza capitalista. Deste modo, a lei do valor ou lei do valor-trabalho sofreu uma alteracao qualitativamente nova. Estamos diante de um movimento dialético, onde o que deixou de ser nao perdeu a sua efetividade. A lei do valor-trabalho nao deixou de ser efetiva, mas tornou-se afetada de negagdo. Esse movimento dialético de “negagio” do valor no interior da prépria efetividade da lei do valor & denominado “desmedida do valor”. Ela faz com que a base de produgao do valor (0 trabalho abstrato) entre em colapso e exploda, com o valor expandindo-se abruptamente como forma derivada ou forma em extin- ¢do (Alves, 2013) E importante esclarecer que ndo se trata do “envelhecimento e inu- tilidade da lei do valor” como afirma Antonio Negri e Carlo Vercellone (2008); ou ainda da morte da teoria do valor-trabalho proclamada pelos tedricos do capitalismo cognitivo que destacam a passagem para uma ASUPEREXPLORACAODOTRABA COL APSO/EXPANSAODAFORMA-VALORNOCRPITALISHOGLORALNOTASTEGRICAS 73 suposta teoria do valor-conhecimento. Negri ¢ Vercellone nao apreen- dem de modo dialético a crise da forma-valor nas condigées historicas do capitalismo global. Falta-Ihes a logica dialética adequada para lidar com a situagao extrema do desenvolvimento do capital em sua forma senil. Michel Husson ensaiou uma critica das teses do capitalismo cog- nitivo. Disse ele que o valor-conhecimento nao existe, pois a forma -capital incorpora na esfera do trabalho 0 conhecimento como poder produtivo de mais-valor, Deste modo, para Husson a lei do valor con- tinua a operar a mercantilizagao globalizada do capital com uma bru- talidade e expansio renovada, inclusive levando o capitalismo global a uma crise sistémica sem precedentes. Depois, nao existe um “terceiro tipo” de capitalismo, o que Yann Moulier Boutang (2007) denominou “capitalismo cognitivo”, que viria apés o capitalismo mercantil e o capi- talismo industrial. De acordo com Carlo Vercellone (2008), a nova etapa do capitalismo (0 capitalismo cognitive) seria caracterizada por “um novo trabalho hegeménico, marcado pelo seu caracter mais intelectual ¢ imaterial.” Diz Husson que a suposta hegemonia do trabalho intelec- tual existe, pois, ao mesmo tempo que aumenta a qualificago de alguns trabalhadores assalariados, implicando 0 surgimento em maior escala do trabalho intelectual, 0 capitalismo global reproduz de fato, numa escala superior, o trabalho manual ¢ as formas mais basicas das operagées de producao do capital. Portanto, os tedricos da predominan- cia do “trabalho cognitivo” pura e simplesmente extrapolam tendéncias parciais do mundo do trabalho sem entender que elas néo podem ser generalizadas. Enfim, o que as pesquisas concretas sobre a organizacao do trabalho capitalista demonstram claramente ¢ que existe de modo intrinseco as novas formas de produgao capitalista, a articulagao com- plexa entre o dito “trabalho cognitivo” e o neo-taylorismo. A classica exploracao da forca de trabalho se dissemina no mundo do capitalismo global, inclusive mobilizando cada vez mais o conhecimento dos tra- balhadores assalariados ao lado da reposi¢ao das formas tradicionais de exploracao com a intensificacao do trabalho ¢ o prolongamento das horas de trabalho (Husson, 2010) Nossa tese ¢ que o efeito da “desmedida do valor” provocada pelo salto mortal da produtividade do trabalho no capitalismo tardio, ao 7A SUPEREXPLORACAO DO TRABALHO No SECULO XA invés de anular ow suprimir a lei do valor, expandiu e reforsou a efe- tividade do seu movimento e da sua expressao nas formulas em valor (tal como a formula da composi¢ao organica do capital, dada em valor). Por exemplo, a tendéncia estrutural de queda da taxa média de lucro (vide Grafico 1) se explica pela persisténcia do aumento da composicao orginica do capital (em valor) - apesar de seus movimentos contraten- denciais, - pelo menos desde 1855. A estabilizacao relativa da queda da taxa média de lucro no capita- lismo global a partir de 1981, num patamar bastante rebaixado, com- parando-se a série histérica desde 1955, se deve a veloz desvalorizagao do capital varidvel por conta da precarizagao estrutural do trabalho. Do mesmo modo, a estabilizagao relativa da taxa média de lucro no periodo histérico de 1946 a 1967 deveu-se 4 era de expansao do capital - aera de ouro do capitalismo fordista-keynesiano - apés a Il Guerra Mundial. Entretanto, o que é visivel é a persistente queda histérica da taxa média de lucro, explicada pelo persistente aumento da composi¢ao organica do capital (em valor). Pode-se estabilizar a tendéncia de queda, mas nao reverte-la por conta do enrijecimento da estrutura de trabalho morto acumulada em detrimento do trabalho vivo. Grifico 1: Queda da taxa média de lucro nos paises capitalistas centrais (1855-2009) on wat 0% 0% 20% 10% DR ea ee re ee en BESS BSSESSERSSSSRES SHEE Fonte: Roberts (2016) Na verdade, o reforco da efetividade do movimento do valor se ca- racteriza pela expansividade de suas contradigées internas. A formula em valor mais importante salientada por Marx é a formula que explicita _ASUPEREXPLORAGAODOTRABA! HOEOCOLAPSO/EXPANSAODAFORMAWALORNOCAPITALISMOGLOBALNOTASTEORICAS. 75) a dinamica da acumulagao do capital e a tendéncia a queda da taxa mé- dia de lucro: a formula da composigéo organica do capital, onde C é 0 capital constante em termos de valor e V o capital varidvel. A desme- dida do valor provoca a agudizacio (expansividade) das contradigses intrinsecas aC e V. O colapso do valor (utilizando a analogia com um fato cosmolégico - 0 colapso de uma estrel = que, ao colapsar-se se ex- pande*) se caracteriza pela expansao da efetividade da forma-valor —-no sentido ideolégico - como valor em extingdo, ativando radicalmente as contradicées intrinsecas as formas de capital. Essa expansdo da forma-valor (em extingao) significa a expansio das formas derivadas de valor, expansao de natureza ideolégica. O valor 6 uma relacao social de explorago mediada por formas ideolégicas que sustentam a extragao de sobretrabalho. Na medida em que as formas ideoldgicas do valor, como, por exemplo, a légica (e valores-fetiche) do gerencialismo produtivista de cariz toyotista, se “desacopla” da base material do trabalho produtivo (a fabrica) e invade a materialidade do trabalho improdutivo e das relacdes humanas e sociais (a esfera do mundo vivido), temos as formas derivadas de valor, ideologia operante do trabalho e vida estranhada. | Omovimento contratendencial do capital constante Nessa situagao de singularidade histérica, dada pela crise estrutural do capital e pela pressao persistente do aumento da composicao orga- nica do capital (em valor) pela queda da taxa média de lucro, vejamos 26 Uma estrela se forma pelo colapso de uma nuvem de material composta principalmen: te de hidrogénio etracos de elementos mais pesados, Uma ver que 0 micleo estelarseja suficientemente denso, parte do hidrogénio ¢ gradativamente convertido em hélio pelo processo de fusio nuclear. O restante do interior da estrela transporta a energia a partir do miicleo por uma combinacio de processos radiantes e convectivos. A pressio interna da estrela impede que ela colapse devido a sua propria gravidade, Quando 0 combustivel do niicleo (hidrogénio) se exaure, as estrelas que possuem pelo menos 40% da massa do Sol se expandem para se tornarem gigantes vermelhas, em alguns casos fundindo elementos mais ‘pesados no micleo ou em camadas em torno do niicleo. A estrela entéo evolui para uma forma degenerada, reciclando parte do material para o ambiente interestelar, onde sera formada uma nova geracio de estrelas com uma maior proporgao de elementos pesados 76 SUPEREXPLORACAO DO TRABALHO No SECULO XA © que acontece com o capital constante (C) e capital variével (V) em termos de movimentos contratendenciais: No capital constante opera de modo agudizado, a contradigao entre o trabalho abstrato que tem como base o trabalho formalizado; e 0 trabalho abstrato bloqueado, que surge com o trabalho nao-formalizado, o trabalho imaterial, o “novo saber”, componente ampliado no processo de produgio das novas maquinas da revolugio informatica/ informacional (Gorz, 2005). O capital constante possui como um dos seus elementos compositivos, 0 capital fixo. A “missao histérica” do modo de produgao capitalista é 0 desenvolvimento do capital fixo (Mandel, 1980). No seio da “missio histérica” do modo de produgao capitalista existe uma contradicao crucial do capital. Nossa hipotese é que existe uma inadequagdo entre a base material do novo saber, contetido do trabalho imaterial, e o movimento da ex- ploragao ou produgao do valor. Os objetos técnicos (as novas maquinas complexas) produzidos na era da pés-grande industria (Fausto, 1987), contém em seu seio um quantum de valor em desefetivagao que provoca uma desvalorizagao lenta do capital constante, mesmo que a produti- vidade do trabalho tenha dado um “salto mortal”. O trabalho abstrato. bloqueado, que tem como base o novo saber, opera um bloqueio que reduz a velocidade de desvalorizacio do capital constante. Portanto, o fendmeno da “desmedida do valor” que observamos no capitalismo da maquinofatura (Alves, 2013) ou capitalismo da pés- -grande industria (Fausto, 1989), exacerba as contradigées dos com- ponentes de valor. No caso do capital constante, é 0 que descrevemos acima: a contradigéo na produgao do capital constante entre trabalho abstrato e trabalho abstrato bloqueado provoca uma inadequasao no plano da materia, entre o novo saber que compée o trabalho imaterial e a légica da exploragdo, mais adequada ao trabalho formalizado, Essa contradicao fulcral do capital constante na era da crise estrutu- ral do capital reduz a velocidade da sua desvalorizacio em termos de va- lor, contribuindo, deste modo, para o aumento da composi¢ao organica do capital, mesmo que o capital varidvel se reduza em termos de valor ASUPEREXPLORACAODOTRABA! HOEOCOLAPSO/EXPANSAODAFORMAALORNOCAPITALISMOGLOBALNOTASTEORICAS. 77 por conta do aumento da exploragdo da forca de trabalho — a vigencia da superexploragao do trabalho no sistema mundial do capital. = Omovimento contratendencial do capital varidvel ‘Ao mesmo tempo, 0 componente do capital varidvel contém em si, tanto quanto o capital constante, uma contradi¢ao intrinseca que limita sua prépria desvalorizagao: a contradi¢do entre 0 movimento da preca- rizag4o estrutural do trabalho e os limites histérico-morais da explora- ao (e degradacao) da forca de trabalho, Na medida em que se desenvol- ve o modo de produgio capitalista cria necessidades novas que passam a.compor o modo de vida nas quais os homens vivem e forem educados. E 0 componente histérico e social, um dos componentes que determina o valor da forga de trabalho (0 outro componente é o elemento fisico), O componente histérico e social amplia-se com o proceso civilizatério do capital. Entretanto, ao mesmo tempo, a superexploragao do trabalho faz com que o componente histérico e social deixe de ser satisfeito no célculo dos salarios. © aumento da riqueza do ponto de vista material implica na diversidade das necessidades. Entretanto, 0 capital torna-se cada vez mais incapaz de satisfazer as necessidades novas suscitadas pela produgao capitalista. A vigéncia da superexploragao do trabalho representa a particula- ridade histérica do movimento de precarizagao estrutural do trabalho como um dos principais recursos — sendo, o principal - de desvaloriza- 40 do capital varidvel. Ela implica a manifestacao persistente de queda do saldrio relativo da classe trabalhadora como tendéncia histérica do capitalismo tardio. 27 O.saléri relativo € a relagao entre o salério real ea produtividade do trabalho Por exem- plo, mesmo que o trabalhador assalariado tivesse mantido seu saliio real, caso a pro- dutividade do trabalho tivesse aumentado, sua situagio social relativa, comparada 4 do capitalism, teria baixado, Mandel observou: “Marx dedicou uma enorme importancia & nogio de ‘slério relativo' e considera que um dos principais méritos de Ricardo foi esse de ter estabelecido a categoria de saléro relativo ou proporcional” (Mandel, 1980). No capita lismo tardio em sua fase fordista-keynesiana, a indexacio dos salirios a prodatividade ea presenga do salirio indireto no cileulo do salirio da classe trabalhadora mantinha o valor do salrio ral eem alguns casos, provocava uma elevacio, preservando osalétiorelativo, Entretanto, com o capitaismo neoliberal, temos a queda abrupta e profunda do saléxio 78 _SUPEREXPLORACAO DO TRABALHO No SECULO XA Portanto, o problema da necessidade de aumento da velocidade da desvalorizacao do capital constante ¢ o problema principal do capita- lismo num cendrio de aumento da composigao orginica do capital e tendéncia histérica de queda da taxa de lucros. Para que a tendéncia historica de queda da lucratividade se reverta é necessrio reduzir a composigéo orginica do capital por meio da desvalorizagao de Ce V. Entretanto, para reduzir a composi¢ao organica do capital (isolando as outras contratendéncias que o capital possa operar), a desvalorizagao do capital constante (capital fixo + capital circulante) deveria ocorrer numa velocidade igual ou maior que a desvalorizagito do capital varidvel em termos de valor (na equagéo abaixo, C é a composicéo orginica do ca- pital, medida em termos de valor). Entretanto, foi o que ndo ocorreu: 0 capital constante néo tem conseguido se desvalorizar numa velocidade igual ou superior a desvalorizagao do capital varidvel. As grandes empresas que organizam os circuitos da valorizagao do capital em escala global promoveram nos tltimos trinta anos (1980- 2010), um rapido crescimento dos investimentos em capital constante (capital fixo e capital circulante) que, a principio, deveria ter desvalori- zado o capital constante. Apenas as grandes empresas tém a capacidade financeira de acelerar 0 processo de obsolescéncia do capital fixo, acele- rando a taxa de rotacao do capital constante. Nas condicées das revolu- ges tecnoldgicas que ocorreram sob o capitalismo global, o desenvolvi- mento das for¢as produtivas implicou investimentos diretos e indiretos cada vez mais caros em inovacées tecnoldgicas. Assim, buscou-se re- duzir o valor contido no “trabalho morto” por conta do aumento da produtividade do trabalho no setor I, 0 setor de bens de producao. Entretanto, a natureza do novo capital constante (capital fixo + capital circulante) que emerge com as revolucdes tecnolégicas do capitalismo global, isto é, as novas maquinas complexas ¢ os novos materiais, trans- ‘figuram efetivamente o célculo da produtividade do trabalho no setor I, relativo da classe trabalhadora por conta do aumento da produtividade do trabalho ¢ a

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