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Média Battela Gotlib _TEORIA ‘DOCONTO A simesria na construcdo (B, Matthews). © perigo do esterestipo. A questo da brevidade. Dos males, 0 menor (© conto excepcional (J. Cortézar 0 conto, o romance, a fotografia, o cinema: O significativo, a intensidade e a tensdo. Uma bolha de sabao. © conto, © poema, o jazz Um conto de Cortdear A criatividade nas definigbes do conto ‘Alguns traques para se eserever. ..contos tra Obie eee eee oma 74 4. O conto: uns casos 7 Machado de Assis: afinal, qual é 0 enredo?___77 5. Cada conto, um caso—___82 6. Bibliogratia comentada ____84 rBibliigratian > Se Aaae sebum omnes Og, Antologias 84 Textos sobre © conto 85 7, Vocabulario critico _____93 1 A historia da estéria 0 fio da estoria Mil e uma paginas tém sido escritas para se tentar contar a histéria da teoria do conto: afinal, © que 6 0 conto? Qual a sua situagdo enquanto narrativa, a0 lado dda novela e do romance, seus parentes mais extensos? E. mais: até que ponto este cariter de extenséo ¢ vilido para determinar sua especificidade? Estas quesi®es instigam outras, mas parece que a esiria € bem mais antiga que a necessidade de sua ex- plicagao, Allds, sob 0 signo da convivéncia, a esta sempre reunitt pessoas que contami © que ouvem: em sociedades Primitivas, sacerdotes e seus discipulos, para transmissio dos mitos e ritos da tribo; nos nossos tempos, em volta dda mesa, i hora das refeigBes, pessoas trazem noticia, trocam idéias e... contam casos. Ou perto do fogio de Tenha, ou simplesmente perto do fogo. Nao foi perto “desse foguino meu” que a personagem de Guimaries Rosa, em “Meu tio o Tauareté” (Estas estérias), contou 8 sua estéria — a do caboclo que acaba vivendo isolado centre ongus, e que de matador de onga virou once, 0 jaguar-eté, o totem da sua antiga tribo indigena? A. per- sonagem, 2 beira do fogo e movida a cachaca, pereorre, pela est6ria, ao contrério, a histéria do sev proprio povo, fentando reconquistar, assim, ¢ inutilmente, o seu espaco cultural perdido. Estérias h4 de conquistas ¢ de perdas. Estérias que seguem para frente, Ow para frente, retorando. Va- riam de assuntos e nos modos de contar. Desde quando? Embora o inicio do contar estéria seja impossivel de se localizar © permaneca como hipétese que nos leva aos tempos remotissimes, ainda nio marcados pela tradi eserita, hd fases de evolugdo dos mados de se contarem festérias. Para alguns, os contos egipeios — Os contos dos ‘migicos — sio os mais antigos: devem ter aparecido por volta de 4000 anos antes de Cristo. Enumerar as fases dda evolugio do conto seria percorrer a nossa propria his- ‘ria, a hist6ria de nossa cultura, detectando os momen- tos da escrita que a representam. O da estoria de Caim © Abel, da Biblia, por exemplo, Ou os textos literdtios do mundo clissico greco-latino: as varias estérias. que cexistem na Mlada © na Odisséia, de Homero. E chegam ‘es contos do Oriente: a Pantchatantra (VI aC), em sins- crito, ganha tradugao abe (VII dC) e inglesa (XVI dC); © a8 Mil e uma noites circulam da Pérsia (século X) para o Fgito (sSeulo XII) e para toda a Europa (sécvlo XVID), ‘Como nio nos determos um pouco aqui, nesta cole- tinea de mil e um contos, que vém resistindo ao tempo? Pois estas mil e uma estGrias desenhavam, no seu modo de organizagio, © proprio curso da historia da est6ria, nestas estérias que se seguiam, noite apés noite, contadas por Shcherazade, que, assim, ia distraindo 0 rei que a con- denara & morte. O plano do rei Shariar era este: des- 2 posar uma virgem por noite, que morreria no dia se ‘guince, para que nenhuma pudesse repetir o ato de traigao de sua antiga esposa. Quando Sheherazade conta estorias a0 rei, agugahe @ curiosidade. Ele quer continvar ouvir a estéria, a noite seguinte, O conto, enquanto vida, acaba também encantando o ri. E Sheherazade, contando estérias, vai adiando a morte e prolongando a vida, No séeulo XIV di-se outra transigio. Se 0 conto transmitido oralmente ganhara o registro eserito, agora vai afizmando a sua categoria estética. Os contos eréticos de Bocaccio, no seu Decameron (1350), sto traduzidos para tantas outras Iinguas e rompem com © moralismo di- Jitico: © contador procura elaboracto artstica sem. per- der, contudo, o tom da narrativa oral. E conserva o re- curso das estérias de moldura: so todas unidas pelo fato de serem contadas por alguém a alguém. Posteriormente, o século XVI mostra 0 Héptameron (4558), de Marguerite de Navarre. E no século XVII siurgem as Novelas ejemplares (1613), de Cervantes; os Canterbury tales (1697), de Chaucer, que sto contados ‘numa estalagem por viajantes em peregrinaggo, No mes- ‘mo ano, surgem os regisifos de contos por Charles Per- rault: Histoires ow contes du temps passé, com o subtitulo de “Contes de ma mére Loye”, conhecidos como Contos da mae Gansa. Se o século XVIII exibe um La Fontaine, ceximio no contar fabulas, ¢ no século XIX que 0 conto aflora, estimulado pelo apego 2 cultura medieval, pela pesquisa do popular e do foleérico, pela acentuada ex- pansio da imprensa, que permite a publieagao dos contos znas indimeras revistas€ jomnais, Este é 0 momento de cria- ‘gio do conta moderno quando, a0 lado de um Grimm, que registra contos ¢ inicia 0 seu estudo comparado, um Edgar ‘Allan Poe se afiema enguanto contista e te6rico do conto, Portanto, enquanto a forca do contar estorias se faz, permanecendo, necessiria e vigorosa, através dos séculos, pavalelamente uma ouira histiria se monta: a que tenta explicitar a histéria destas estorias, problematizando a ‘questo deste modo de natrar — um modo de nerrar ca- racterizado, em prineipio, pela propria natureza desta nar- rativa: a de simplesmente contar estirias, “Este inabil problema de estética literaria” ‘Tas mil © uma piginas referentes ao problema da teoria do conto poderiam se resumir em algumas direcdes tedricas marcantes: hé os que admitem uma teoria. E hi (5 que ndo admritem uma teoria especifica. Tsto quer dizer {ue uns pensam que a teoria do conto filia-se 8 uma teoria eral da narrativa. E nisto tém razao, Como pensat 0 conto desvinculado de um conjunto maior de modos de hnarrar ou representar a realidade? Mas ai surgem diferenciagbes: embora sujeito as de- terminagies gerais da narrativa, cle teria caracteristica specifica de génera, tal como existem caractersticas espe- cificas de romance? de teatro? de cinema? de novela de TY? Quais os limites da especificdade do conto enquanto um tipo determinado de narrativa E mais ainda: 0 que faz com que os contos continuem sendo contos, apesar das ‘mudangas que, naturalmente, foram experimentando, no curso da historia? Em que aspectos permaneceriam cles figis a8 suas origens? Esta duplicidade de pontos de vista dos estudiosos acarretou, por exemplo, a divisto em tSpicos de um dos livzos 4 antol6gicos de ensaios sobre o conto — What is the short story?, de E. Current-Garcia © W, R. Patrick, Seus organizadores selecionaram textos gerais da biblio- srafia te6rica sobre 0 conto, divididos entre os que pro- oem “definigdes e a procura da forma” © os que mani- fostam “revolta contra regras © definigSes preseritivas ‘Alm de “regras” (e de “contra-regras"), aparece um ter ceiro t6pico, em fungdo das méltiplas tendéncias do conto: “novas diregbes: liberdade forma" Esta mesma distincia notamos entre outros autores, contistas e teéricos. O uruguaio Horacio Quiroga estabe- lece um “Deciilogo do perfeito contista”; ainda que com ‘muita itonia, apresenia normas de como se escrever umn ‘bom conto ¢, conseqilentemente, postula 9 que um bom conto deve ter. Ji para Mario de Andrade, em "Contos © contistas”, “em verdade, sempre sera conio aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”. & a resposta ue encontra para esta “pergunta angustiosa: o que é 0 conto?”, © que gera, sepundo ele, “este indbil problema de estética literéria” De fato, torna-se angustioso problema ¢ indbil ten- tativa responder a uma questio dessa natureza, Principal- mente quando se considera, como Mario de Andrade, que bbons contistas, como Maupassant e Machado de Assis, cencontraram a “forma do conto”. Mas o que encontra ram, segundo ainda Mirio de Andrade, “foi a forma do conto indefinivel, insondavel, irredutivel a receitas” “Essa alquimia secreta’ Vitios atentam para a dificuldade de se escreverem contos, Machado de Assis, por exemplo, manifesta-se em 1873: “E género dificil, a despeito da sua aparente faci lidade”. E continua: * Lembre-se ainda que o conto “Vestda de prea”, de Miro de Andrade, comeya. asin: “Tart “andam ‘agora preosupados cm ‘etinir 9 conto que pio sei slo que eu sou contar-€ como ‘Mio sei gue ¢ verdade™ (Contos novon. 7. ey SH0 Pato, Mar ling 1976. p.7) SMacite Be ASI Istinto de aacionaidade, In completa. 3. ed. Rio de Tanels, Aguila, 1973, ¥. 3p. B06. oma “e crefo que essa mesme aporéncl the faz mal, atastando- se dele os escritores © 30 the dando, penso eu. 0 pi biico toda 2 steneso de que ele & mult vazes crodor” Varios atentam para a dificuldade também de se ex- plicar © conto. Julio Cortézar, em “Alguns aspectos do conto”, refere-se a “esse ginero de to dificil definigio, ‘30 esquivo nos seus miltiplos e antaginicos aspectos Porque se, de um lado, “€ preciso chegarmos a ter uma idéia viva do. que é 0 conto”, isto torna-se dificil “na me- dida em que as idéias tendem para o abstracto, para a des- vitalizag4o do conteddo” Tratar da teoria do conto é accitar uma Iuta em que «1 forga da teotia pode aniquilar a propria vida do conto, Que vale a pena tentar, lembrando-nos de Cortizar: “20 no tivermos ume idéla viva do que € 0 canto, tere mos perdido tempo, porque um conto, em uitina anise, ‘se move nesse plano do homem onde a vide 0 2 expressdo fserta daesa vida travam uma betalha fraternal, 20 me for permitide terme: @ 0 resultado desea botslho 6 0 Dréprio conto, uma sintese viva a0 mesmo tempo que uma vida sintetizads, olga aselm como um tremor de gue der tuo de um cristal, uma fugecidade numa permenénci. $6 com imagens se pode transmitr essa slavimia secrets que ‘explica'a profunda ressondncia que um grande conto tem fm nds, que expllca também por que hé 140 poucos ‘contos verdadeiramente grandes” z O conto: uma narrativa Trés acepgées da palavra conto ara Julio Casares hé trés acepeBes da palavra como, ue Julio Cortézar utiliza no seu estudo sobre Poe: 1. re- Tato de um acontecimento; 2, narragio oral ou escrita de uum acontecimento falso; 3. fabula que se conta &s eriangas para divert-las Todas apresentam um ponte comum: so modos de se contar alguma coisa ¢, enquanto tal, sio todas narra tivas, ois “toda nsrrativa consiste om um discurso integrada nome ‘ucossio de acontecimentoe do intereeee humana na unt ede de uma mesma 290" afirma Claude Brémond, a0 examinar a “égica dos pos- De fato, toda narrativa apresenta: 1. uma sucesso de acontecimentos: ha sempre algo a narrar; 2. de interesse hhumano: pois € material de imteresse humano, de nos, ppara nds, acerca de nds: “e é em relagéo com um pro- jeto humano que os acontecimentos tomam significagio © 2 se organizam em uma série temporal estruturada”; 3. € tudo “na unidade de uma mesma aco” No entanto, hé virios modos de se construir est “unidade de uma mesma ago", neste “projeto humano com uma “sucessio de acontecimentos” © conto: relato de um acontecimento? falso ou verdadeiro? © contar (do Iatim computare) uma estéria, em prin- cipio, oralmente, evolui para o registrar as estérias, por eserito. Mas o contar nao é simplesmente um relatar acon- tecimentos ou apes. Pois relatar implica que o aconte- ido seja trazido outra vez, isto €: re (outa vez) mais la- ‘wm (tra2ido), que vem de fero (eu trago). Por vezes & trazido outra Yez por alguém que ou foi testemunha ou leve noticia do acontecido. © conto, no entanto, nio se refere s6 ao acontecido. Nao tem compromisso com o evento real, Nele, realidade ¢ ficgo no tém limites precisos. Um relato, copia-se; um ‘onto, inventa-se, afirma RaGl Castagnino, A esta altura, ‘io importa averiguar se ha verdade ou falsidade: 0 que existe € j@ a ficgio, a arte de inventar um modo de se representar algo. Hi, naturalmente, graus de proximidade fou afastamento do real, Hi textos que tém intengdo de registrar com mais fidelidade a realidade nossa. Mas @ questo nio € tio simples assim. Trata-se de registrar ual realidade nossa? 2 nossa cotidiana, do dia-a-dia? ou 4 nossa fantasiada? Ou ainda: a realidade contada litera riamente, justamente por isto, por usar recursos literérios segundo as intengGes do autor, sejam estas at de conseguir ‘maior ou menor fidelidade, no seria jé uma invengs no seria jé produto de um autor que as elabora enquanto tal? Hi, pois, dferenga entre um simples relato, que pode 2 ser um documento, © a literatura, Tal como 9 tamanho, literatura ndo & documento. literatura. Tal qual 0 con- 10, pois. © conto literéto. © conte literario A historia do conto, nas suas linhas mais gerais, pode se esbogar a partir deste crtério de invenco, que foi se desenvolvendo. Antes, a criago do conto e sua trans- missio oral. Depois, seu registro escrito. E posterior ‘mente, a criagio por escrito de contes, quando 0 narredor assumiu esta fungio: de contador-criador-escritor de con- tos, afirmando, entio, 0 seu cariter iteririo, A vor do contador, seja oral ou seja escrita, sempre pode interferir no seu diseurso, Ha todo um repertério no modo de contar e nos detalhes do modo como se conta — entonacio de voz, gestos, olhares, ou mesmo algumas palavras © sugesides —, que & passivel de ser elaborado pelo contador, neste trabalho de conquistar © manter a ateagio do seu auditrio. Estes recursos criativos também podem ser utilizados za passagem do conto oral para 0 escrito, ou seja, no re- aistro dos contos orais: qualquer mudanca que ocorra, por Pequena que seja, interfere no conjunto da narrativa, Mas festa vor que fala ou escreve s6 se afirma enquanto con- tista quando existe um resultado de ordem esiética, 0 seja: quando consegue construit um conto que ressalte os seus préprios valores enquanto conto, nesta que jé & a esta altura, a arte do conto, do conto literério, Por isso, nem todo contador de estérias 6 um contista Estes embri6es do que pode ser uma arte $6 se con- solidam mesmo numa obra estética quando a vou do con- ‘ador ow repisirador se transforma na vee de um narrador: © narrador & uma criago da pessoa; escritor, é ja “fiegaio de uma vor", na feliz expressio de Raill Castagaino, que, aparecendo ou mais ou menos, de todo modo dirige a ela- boragio desta narrativa que 6 0 conto, Estes modos variados de narrar por vezes se agru- ppam, de acordo com alguns pontos caracteristicos, que delimitam um género, Se apresentam algumas tantas earac- teristicas, podem pertencer a este ou aquele género: podem set, por exemplo, romances, poemas ou dramas. Convém cconsiderar que esta “‘classificagio” também tem sua his- Aria, Hd fases em que ela se acentuou: a dos periodos lissicas, por exemplo (a Antigiidade greco-latina, a Renascenga) em que hé para cada género um publico e tum repertério de procedimentos ov normas a ser usado nas obras de arte. E hé periodos em que estes limites se ‘embaralham, em que se dilaiam as possibilidades de mis- turar caracteristicas dos varios géneros e atingir até a di solugio da propria idéia de género © de normas: & 0 que aacontece progressivamente do Romantismo até 0 Moder- © limite dos géneros torna-se um problema. Lembre- -se ainda que houve um tempo em quo virios modos de hoje comungavam num mesmo género, sem especificagdes. sto gera algumas confusdes, que se’refletem na termi- nologia ‘A questdo da terminologia Veja-se 0 exemplo do inglés. Novel, usada do século XVI ao XVIIT, como prosa narrativa de ficgao com perso- nagens ou agdes representando a vida didra, diferenciava- <0 romance, forma mais longa e mais tradicional. No século XIX, com 0 declinio do romance antigo, de remi- niscéncias medievais, a novel preencheu 0 espaco disponi- vel, perdeu as associagdes originals, deixou de ser breve, a virou romance. Hoje, novel, em inglés, & romance. E sé no século XIX surge um termo especitico para a estoria ceurta, a shortstory. Hi ainda a long short story, para a novela. E 0 fale, para o conto € 0 conto popular, ara alguns, a novela vem do italiano novella, ou seja, pequenas estorias, Em Bocaccio, a novella era breve, ndo mais de dez péginas, se opondo ao romance medieval, forma mais longa e difusa, que desenvolvia uma intriga amorosa completa. E Bocaccio chama seus textos indis- tintamente de “histérias, relatos, parébolas, fabulas”. Este conjunto de formas menores por vezes é chamado épica ‘menor, para diferenciselas das grandes epopéias, como Os Lusiadas, de Camis. Modernamente, sabe-se que fébula é a est6ria com personagens animais, vegstais ou minerais, tem objetivo instrutive € € muito breve. Ese a pardbola tem homens ‘ome personagens, ¢ se tem sentido realista e moralista, tal como a fabula, 0 sentido no é aparente e os detalhes de personagens podem ser simbélicos. O conto conserva caractersticas destas duas formas: a economia do estilo © 4 situagao © a proposicao temética resumidas. termo novel passa para o espanhol. Cervantes es reve suas Novelas Ejemplares, em 1621, estas experi ‘mentam, jd, um processo de extensio. E Lope de Vega cesereve entdo novelas que sio, segundo ele, anteriormente chamadas cuentos: “éstos se sabian de memoria, y nunca que me acuerde, los vi escritos”. Atualmente, romance S novela. Novela 6 novela corta, E conto € cuento. Atente-se, ainda, para a distingao entre nouvelle © ‘conte, no francés, usados indistintamente por La Fon- taine, em 1664. E houve aaturalmente uma distincao: ‘conte é mais concentrado, com episédio principal, forma remanescente da tradigao oral, ¢ freqiientemente com cle- mentos de fantasia, ‘Seria 0 conto popular. A nouvelle \ seria forma mais complexa, com mais eenas,apresen tando sée_deincidentes para anise e desonoltnnto da personagem ou motivo. Masa confasto comtnuera Maupastant cham suas nomelles de eonts. Hoje, sto ou termos franeses que masse aproximam do que temos tm portugues: usameic oman, nowelee come pare ox Na Alemanha, «novell tom desenvolvimento linea, com um ponto de intresse chocane. Mas ela Se tama mais extesi © sige esto a necsiade de um term para sigar a nuraiva realmente cura: a hur fe Sohichte ainda tim mrchen para 0 conto popula. E roman paca romance, nos Extados Unidos que o termo short story se atirma e, desde 1880, designs nto somente uma ea Cura, mas um género Independent, com carseat propras. No entato, a conustotcminoloie predomi hava. O contsta Washington Tvingwsava os tetmos tale E aerch, enquanto fle sera wsado por Poe, Hawthorne ¢ Mabie, deforma diinta 20 uo de shor sto. come derada por algins como forma de fando mais realita Exes temor gam fsionomia mais Jefe. O temo seth pasa 8 se refer A nataiva. desriva, esen, repetentando um estado: como & ou est elgst ou al zuma ois, com personagens no envolvdas em eadea de eventos: 80 reraios ct quadros on cdractere Slo. © termo Sern aplicnse w ancdots: um dnico epséio fragmento, que pode tet aconiesdo com algém, eo. tado em fnguagea coloqial. E fle seria uma anedota tumeniada, son ela fog ou nfo. Ou o conto poplar [A formas hibria,incentvads no séulo XIX, po- dem conservar mais ou menos 9 arierépico do cote, © conto em vero continua ligndo A eps, pois tan, se undo Rail Casiagning, "um univers. verb. que ina ” agdes e pessoas, que organiza um argumento, que relar cciona componentes". Pode ser re-contado, indefinida- ‘mente, legitimando sua condigio narrativa e preservando algumas das consideradas chaves do conto, como se verd adiante (0 impulso tinica, a tenstio unitiria, 0 efeito pre- iso ¢ inesperado). Ji 0 poema em prosa afastese da éica e aproxima-se da lirica: mesmo que ele conte uma ‘storia, impossivel re-conté-la sem que se perca sua forca entrada no poético, por meio, entre outros recursos, das imagens e das suas miltiplas’sugesides. No entanto, 0 {que faz 0 conto — seja ele de acontecimento ou de aimos- fera, de moral ou de terror — € 0 modo pelo qual a storia € contada, E que torna cada clemento seu impor~ tante no papel que desempenha neste modo de 0 conio ser, Como bem formulou o contista Horacio Quiroga, a0 alertar para alguns “truques” do contista: “Em literatura a ordem dos fatores altera profundamente o produto © conto maravilhoso Uma forma simples (André Jolles) © conto, segundo a terceira acepeao de Julio Casares, fentendido como “fabula que se conta 2s criangas para divertilas", liga-se mais estreitamente ao conceito de es- 1éria ¢ do Contar estérias, ¢ refere-se, sobretudo, 20 conto ‘maravilhioso, com personagens no determinadas historica- mente, E narra como “as coisas deveriam acontecer’ satisfazendo assim uma expectativa do leitor e contrarian o 0 universo real, em que nem sempre as coisas acon- tecem da forma que gostariamos. Este € o sentido que the atribui André Jolles, para quem o conto, a0 lado da Iegenda, saga, mito, adivinka, ditado, caso, memordvel e chiste, € uma “forma simples”, 18 1s isto 6, uma forma quo permanece através dos tempos, re- contada por virios, sem perder sua “forma” e opondo-se, pols, & “forma artistica”, elaborada por um autor, tnica, Portanto, ¢ impossivel de ser recontada sem que perca sua peculiaridade. Este conto, segundo Jolles, nio pode ser concebido sem o elemento “maravithoso” que The & imprescindivel, [As personagens, lugares ¢ tempos sto indeterminados his- toricamente: do. tém precisio historica. Lemibre-se. do “Bra uma vez...” que costuma iniciar contos deste tipo, E 0 conto abedece a uma “moral ingénua”, que se ope 40 tedgico real. Nao existe a “étiea da ago”, mas a “ética do acontesimento”: as personagens no fazem o que de- vem fazer. Os acontecimentos & que acontecem como de- veriam acontecer. Este conto é transmitido, oralmente ou por eserito, através dos séculos. Porque pode ser recon- tado com “as prOprias palavras", sem que o seu “fundo" Adesaparega, Pelo contririo, qualquer um que conte © conto, manteré a sua forma, que € a do conto ¢ no a sua, que € uma “forma simples”. Daf o conto ter como ccaracteristicas justamente esta possibilidade de ser fluido, mével, de ser entendido por todos, de se renovar nas suas transmissGes, sem se desmanchar: caracterizam-no, pois, 2 mobilidade, a genevalidade, a pluralidade. Novela € que & para Jolles, a “forma aistca”, que podria corresponder a0 nosso atual conto literdrio. Por- que a novela leva a marca do eu criador, & produto de ‘uma personalidade em agio criadora, que tenta representar uma parcela peculiar da realidade, segundo seu ponto de vista nico, compondo um univers fechado e coeso, sé. lido, Daf ela caracterizar-se por esta solidec, peculiaridade @ unicidade, , ainda, por ser alimentada por um “acon- tecimento impressionante”, nica que persiste desde as suas origens mais remotas, na forma da novela toscana pratieada por Bocaccio no seu Decameron, a novela toecane procure, de modo geral, contar um fato cu Incidente impressiononte de moners tal que so tonka 42 impressio dim acontecimento efetivo e, mals este Inente, a Impressio de que esse incidente & mals impor {ante do que as personagens que o vive” Neste caso, a novela, segundo Jolles, estaria proxima do cchamado conto de acontecimento. Esta novela toscana adotou também 0 procedimento da narrativa de moldura, que ja existia anteriormente © {que vai persistir em muitas coletineas de contos (ou no- velas?) estas narrativas acham-se ligadas por um quadro ‘que assinala, entre outras coisas, onde, quando © por quem ‘to contadas. Pois estas novelas (toscanas ¢ de moldura) foram sofrendo modificagbes nos séculos XVI © XVII, ou seja, hhouve progressiva separacio entre elas e os contos, pelo abafamento da novela ¢ alloramento dos contos, os mara- villiosos, que sic registrados por Charles Perrault, em 1697, nos seus Contos da mde Gansa: estes no so mais ‘uma narrativa-moldura, mas deixam transparecer um dos seus recursos: Perrault os apresenta como sendo contados, por seu filho, que os ouviu contar por uma velha ama, Os contos maravilhosos sio registrados também e especial- mente por Grimm, em 1812, na sua coletanea Kinder-und Hausmirchen (Contos para criangas e familias), obra fundamental para a verificacao destas “formas simples" do conto. Pois, de acordo com Jolles, Jacob Grimm pereebew no conto um ‘Tunde' que pode imanterse perletomente iéntico a si mesmo, 8t8 quando {6 narrado por outras palavras © conto simples, ou maravilhoso, e 0 conto antistico — que era chamado, principio, novela toscana e de mol- dura — so, pois, duas realidades narrativas diferentes. 2» a Um é sempre um, apesar das variagies que nunca atingem © fundamento da sua forma. bastante significaivo este seu poder de resisténcia, vencendo as variagSes possivei, som perder sua estrutura fundamental. Outro é sempre outro, cad naratva, que nanca se repte que é pe culiar a seu ‘nico autor. ‘As fungées, transformacées © orlgens (Wladi a A permanéncia das formas simples do conto mara- vitloso para a qual Grimm aleztou (1812) © que André Jolles desenvolveu (1929) foi minuciosamente examinada por Vladimir Propp, em A morfologia do conto (1928), segundo os moldes do formalismo russo: estudou as formas para determinar as constantes e varlanies dos contos, com- pparando suas estrunuras ¢ sistemas. Para Propp era preciso, antes de qualquer coisa, des- ‘rever 0s contos. Como estabelecer teses sobre a origem dos contos e determinar tipar de contos antes de se saber 0 que € 0 conto? Por nao saber qual a estrutura destes contos mara- vilhosos & que Propp rejeitou classificagdes, como a que divide os contos em: historias fantéstica, histérias toma- ddas da vida cotidiana © histérias de animais (de U. F. Miller). Ow a que tenta dividi-los por assuntos — contos {de animais, contos propriamente ditos, contos jocosos — (de Antti Aarne), sem especificar na verdade © que é as- sunto © 0 que & variagéo de um assunto, ¢ a possibilitar (© enguadramento de um conto em mais de um tipo destes tres, ‘A uniformidade especitica do conto no se explica, pois, segundo Propp, por temas (A. Aarne), por motivos (Veselovski), por assuntos (Volkov), ainda que cles se repitam, mas’ por unidades estruurais em torno das quais estes clementos se agrupam. Para estabelecer 0 que € © conto — entendarse aqui ‘6 conto maravithoso ou 0 conto de fadas — Prop de- termina entio uma “morfologia do conto”, Isto 6: faz uma descrigdo do conto segundo as partes que o const- twem e segundo as relacdes destas partes entre si e destas partes com 0 conjunto do conto, Partindo da analise da agio das personagens, cons- tata que hé agdes constantes, que ele chama de funedess fungio seria, entdo, "a acio de uma personagem, definida do ponto de vista do seu significado no desenrolar da in- trign” (p. 60). Estas fungies ou agSes constantes sio in- dependentes das personagens que as praticam © dos modos pelos quais sio praticadas, Isto 6, as mesmas agdes so raticadas por personagens diferentes e de manciras dife- rentes. [Examinando os contos russ0s, Propp encontrow cerca de 150 elementos que compiem © conto © 31 fungdes constantes, cuja sucessio, no conto, é sempre idéntica. conto maravilhoso seria, entdo, o que apresenta estas fun- jes em determinada ordem de seqiiéncia, que ndo se al- tera. E possivel que um conto mio apresente todas as fun- Ges. Mas & impossivel que'a ordem das fungBes que recem no conto seja modificada, Estes processos ou passa- gens de uma fungo a outta sio os movimentos do conto. Analisar © conto implica determinar também estes seus ‘movimento. Basia nos lembrarmos de qualquer conto maravilhoso, ‘ouvido na infdncia ou depois dela, para reconhecermos, de imediato, eertas fungdes que Propp enumera, num total de 31, Em “O Chapeuzinho Vermelho", por exemplo, hd 2 4 funglo da auséncia de um dos membros da familia ( Chapeuzinho), que & a primeira funcio determinada por Propp. E hé também uma ordem que the € dada (pela mie); 0 engano da vitima (pelo lobo, que ira devori-la); 1 salvage do hersi (pelo cagador); a punigdo do anta- gonista (morte do lobo). ‘Assim como encontra 31 fungSes, Prop encontra também sete personagens, cada uma com sua “esfera de ado”, que slo: o antagonista ou agressor, © doador, © auxiliar, a princesa e seu pai, o mandatério, o herdi © 0 falso herd A esta altura, Prop pode afirmar 0 que € 0 conto maravithoso: “Podemos chamar conto maravihoso, do ponto de vista mortolgico, « qualquer desearolor de e¢d0 que parte de ‘uma maestria ov de una falta (..), © que passa por oneées intermediaries para ir acaber em casamento {.--) (ou em cutras fanedas utllzadas como desiacho” (p. 144) Mas se tais fungies viessem contadas em mil paginas, ainda continuariam sendo um conto maravilhoso? Peopp rio se preocupa com o problema da extensdo. Esté apenas Interessado em determinar as agdes e personagens cons- antes nos contos maravilhosos que examina. As transformacées Se “a vida real niio pode destruir a estrutura geral do conto”, ela modifica ow transforma o conto: € 0 que Propp examina no seu trabalho intitulado "As transfor- mages dos contos fantisticos”. Pois se existe uma forma fundamental do conto, que esti ligada, aliés, as suas ori- gens religiosas, existem também, segundo Propp, as formas 2s derivadas, que dependem da realidade em que 0 conte apa- rece ¢ das determinagies de ordem cultural E pata se chegar a alguma conclusio sobre 6 conto maravilhoso, em nivel internacional, toma-se preciso, tam= bbém, examinar estas formas fundamentais e derivadas do conto de um povo. Depois, as de outro. E confronté-las, Para se poder responder & questo: de que teor seriam estas transformagies? Propp conelui que ha vinte casos de transjormagdes de elementos do conto fantistico, que se fazem ou por atteracao da forma fundamental, reduzindo, deformando, invertendo, intensificando ou enfraguecendo as ages das personagens; ou por tipos de substtuigdes e asinilagdes. Restaria ainda uma outra questio: como distinguir centre 0 que é da fonte no conto maravilhoso ¢ 0 que € ‘aquisiedo posterior? Se esta diferenca & a base para reco- Imhecer as transformagses do conto, ela seri examinada mais detidamente por Propp em Las raices historicas de! cuento, As origens: A pesquisa de Propp & eoerente com seu programa, Se ja desenvolvera 0 estudo da estrutura dos contos eo ddas mudangas dos contos, agora iré desenvolver 0 estudo {as origens, em Las raices historicas det cuento (1946) ‘9 elementos do conto serio agora estudados em fungdo de suas jontes: E Propp reconhece duas fases na evolugdo do conto, ‘Uma primeita, sua pré-histéria, em que 0 conto e 0 relato sagrado — conto/mito/rito — se confundiam. Entende mito no sentido de “relato sobre a divindade ou seres di vinos em cuja realidade © povo cté" (p. 30). E rifo, tal como costume e segundo Engels, ou seja, como “atos ou agbes cuja finalidade & operar sobre a natureza ¢ sub- (05 mais velhos contavam 80s jo- vens suas origens, para informé-los dos sentidos das atos a que estavam submetidos: para justificar as proibigies que lhes cram feitas, por exemplo. © relato fazia parte do ritual religioso, do qual constitu‘a uma parte imprescindi- vel. E havia proibicio de narrar alguma coisa, por que © narrar estava imbuido de fungdes magicas, que no exam permitidas a todos. Nem estes podiam narrar tudo, Portanto, segundo Propp: “0 relsto faz parte do cerimonia, do ito, esta vineulado a ele © 9 pessoa que passa 2 possuir 0 amuieto; # uma ee: écle ee amuleto verbal, um melo pare oparar magica ‘mente 0 mundo” {p, 528). Narrar e viver mais uma vez se acham estreitamente ligados, mas nfo como nas Mil e wma noites. Porque aqui rnarrar implica morrer. Em algumas tribos, o relatar im plicava sacrificar uma parte da vida do narrador, apres- sando-lhe 0 final. Portanto, se no quisesse morrer, nio contava. E se nio se importasse mais com a morte, con- tava, Diz um habitante de uma tribo, estudada por Dor sey: “Sei que meus dias estio contados (...) Nao hi razio nenhuma para que no conte tudo que eu sei" (p. 529), E Propp conelui que a maior parte dos motivos dos contos refere-se a dois ciclos ritualisticos: © da iniciacao © 0 das representagdes da morte, os quais, por vezes, se confundem ¢ se intercambiam mutuamente. Uma segunda fase de que fla Propp 6 a da historia mesma do conto, quando ele se libera da religido passa ater vida propria. O relato sagrado torna-se profano. Os narradores, antes sacerdotes ou pessoas mais velhas, pas- as sam a set pessoas quaisquer. Os relatos perdem seu signt- ficado religioso. E os contos sio contados "como se con tam os contes", Nesta nova vida, “lie dos convencionalismos religloses. evede-so no livre aimostera da crocHo artistica que recebe seu impulso do Totores socials que {4 s40 outros diferentes © comece 9 viver uma vida exuberonte” (p. $31) Quando, precisamente, se di esta passagem 6 que 6 Iimpossivel determinar. A. investigagio do folelore, desenvolvida por Propp, seguindo a linha do materialismo marxista, busca expli- cago dos fatos no exame da realidade hisérica do pas sado: a origem religiosa dos contos. Tnvestiga a conexto do folclore com a economia da vida material: esta é que fgera determinados mitos, ritos € contos. © ito desapa- rece, segundo Propp, quando desaparece a caga como {inico ¢ fundamental recurso de subsistincia. Eatribui sociedade, com ou sem castas, 0 destino da arte folcérica/ popular. Assim, o conto maravillioso consta, segundo ele, de elementos que remontam a fenémenos e representagbes existentes na sociedade anterior 3s castas. E 0 conto, de- pois, passa a ser patriménio das classes dominantes, como nna Idade Média, quando foi manipulado de cima para bai, Este princi jo & © que Ihe permite também consi- dderar (als, logo no inicio do seu Tivro) dois tempos no conto folelérico da Rissia: antes e depois da Revolucio, ‘Antes, 0 folclore era eriaglo de classes oprimidas; depois, 6 criagio verdadeiramente popular Mas nao haveria uma semelhanca entre contos de di versos povos porque existiria uma semelhante disposicao da psique humana, através dos tempos? Esta seria uma ‘outra explicagdo, na linha antropolégico-psicunalitica. 26 uestao, neste caso, estarin no exame da narrativa en- quanto elaboragio de um sujeito, Para Propp, 0 rito referente & morte admitia a viae gem dos mortos e a transmigragio das almas, Ora, como Cconseqiéncia, haveria a perda — do corpo, da terra, da vida. sia perda, gravada na meméria coletiva, no’ ge raria 0 desejo em relagio a0 perdido? E para o que alerta Adriano D. Rodrigues, a0 Preficio a ediga0_ po tuguesa, em que reconhece uma semelhanga entre os prin- cipios que regem as modificagSes do conto descobertas por Propp (‘reducio” © “amplificagao", por exemplo) e os rocessos da economia onirica examinados pot Freud, 0 qual vai reconhecer os sonhos como forma de recriar a realidade (“condensacio” e “deslocamento”, por exem- plo). critico alerta, assim, para toda uma “economia do desejo” relativa ao narrador no seu ato de fala, que "a Morfologia do conto deixa intacta” Nao € esta a preocupagio de Propp, que procura ¢ fencontra as jontes do conto no exame da realidade hist6- rica do passado religioso, no na psicologia dos religiosos, De toda forma, fica a questio levantada pelo prefa- ciador: “Como passar entio das fungSes das personagens © das suas qualifcagées para o narrador?" E ainda: afinal, ‘© que morivou os contos a serem como s20, mesmo na sua manifestagdo primeira, sob a forma de mitos ¢ ritos? Do conto maravilhoso @ narrativa em geral AA descoberta por V. Propp de agées constantes e das sete personagens do conto maravilhoso estimulow outros estudos na area da linglistica, da antropologia, da etno- grafia, Jo folelore ¢ da semitica, & 0 caso do. antro- Pologo Claude Lévi-Strauss, que nos anos. 50 desenvolve n tum estudo da estrutura do pensamento mitico *. Examina ‘como, a partir, inclusive, de variantes do mito de Edipo, fcorte no mito a superagao de oposigies profundas ou conflitos que seriam de outra forma irreconcilidveis [Nos anos 60 08 estudas de A. J, Greimas Claude Brémond, entre outros tedricos, transferem os principios dde Propp, reexaminados © com moditicagdes, para a ané- lise da narrativa em geral Greimas, examinando a distribuigao dos papéis ou da atuagio das personagens, @ partir da relaglo sintatica su- jeito/objeto (usa fungBes do conto segundo Prop do teatro segundo Souriau) *, determina trés tipos de {egorias atuacionais” ou tre tipos de relagbes das perso- nagens em fungao de uma aglo: sujeto vs. objeto, dest nador vs. destinatario, adjuvante vs. oponente. Acasalan- do algumas das fungies de Propp, reduz as 31 fungdes fa vinte. Agrupa as fungSes também por oposigio, como por exemplo: interrogacio vs. resposta, TE acaba por re- tluzir as fungdes a duas: a ruptura da ordem © a aliena- ‘Go; © a resttuigao da ordem, Nao é nada dificil reconhe- cer estes dois momentos numa narrativa. Nos romances romanticos, poderiam ser representados por: 1. obsticulos {unig do par amoroso: 2. 0 final feliz, mediante 2 unido dos dois Claude Brémond traga também, e a partir de Propp, regras gerais para o desenvolvimento de toda a narrativa Determina a seqiiéncia elementar, num grupo de trés fun- g8es: uma que abre a possibilidade do processo, uma que ealiza tal possibilidade e uma que conelui 0 processo, com sticesso out fracasso, No romance romntico teriamos estes SLéweSraavss, Claude, Anropologia exruural (1958). Rio de Jaro, Tempo Brasil 1967, NGurnias Ad. Semntica etre, 1966). Trad. de Maula COsakate € fhidoro Biksen, So Paulo, Cully, 1973 Pn ts tempos bem delmitados. E também em virion cons, Goma em alguns de Clarice Lisector. em que hi umn mo: mento de orem, tm momento de deren inter e a momento de retorno ordem primes com als x. those perdas — como veremos io poximo capt, jg Timi V. Chon, em "A conto novel des pelos. quis es elementos da, novela e romance ac orgatizam, Examina a trama em fangao de unin novels rao, em que corre sempre, por exemple, nao. Ua £6 acto, mas reagdo ou falta de coincidencia para gue © snredo se desencideie. Amor ir nao far novela os Fomance, a nio sr em oposklo as novlas raion ém que 0 amor &instsfito © hi que vence ebsicuos para te conguitar a Telcdade © autor descreve vérostpos de rama, em combine foes diferentes dos seus elementos; igs ents a Cem Cadeia) por projegdes © oposies (em patformss) Dada a variedade das possbiidades, chega a concluses frais, sem comeguir uma dfinigta do. que sera xa novela (ou cont) © romance, tal qusl Popp comseguia ara 0 conto marathon Isto teria aconecido porque os contos modernos Mastan-se-de carta ages Convenes ou fundamenta desdobrando-se em tans outas ages mids, Je oss realidade codiana? Afnal, que principio € exe que rege esta variedade de contos que no favorece mais uma cae Stcagio segundo determinadas padres? Seria por cana da. propria mulplicidade de experizncias que tee eset empos moderos" 44 Boris Eikhenbaum, ao anasaro conto do nant: -americano O. Henry, estabelece uma deinigt entre Ho. ‘ela (ou conto) ¢ romance. Pois observa que est diss foxmas nada tém a yer ma com a outa. "Tom origens » diferentes. © romance vem da hist6ria ¢ do relato de viae gens. A novela, do conto (maravilhoso?) e da anedota. © estudo da légica dos contos russos, que propiciou 6 estudo da légiea da narrativa, evolui sinda para o estudo ‘da lépiea de outras formas de outros tantos objetos visuais nele se empreende a leitura de uma praca ou de uma ci- dade, mediante anélise dos elementos que as compdem nas suas relagBes © como representa¢do cultural de uma situa- ‘ao histérica, O repertério das apdes constantes detectadas ‘nos contos maravithosos por V. Propp desencadeou, pois, tal como observa Adriano Rodrigues, um estudo cada vez mais amplo da “ligica das formas culturais", de modo esenvolver uma “semi6tica do mundo”. Do conto maravilhoso ao modern: apenas uma mudanca de técnica? © que caracteriza 0 conto ¢ 0 seu movimento en- quanto uma narrativa através dos tempos. © que houve na sua “hist6ria” foi uma mudanea de técnica, nao uma ‘mudanga de estrutura, conto permanece, pois, com a mesma estrutura do conto antigo; 0 que muda & a sua ‘enica, Esta proposta, de A. L. Bader (1945), baseia- se. na evolugso do modo sradicional para o modo mo- derno de natrat. Segundo 0 modo tradicional, a agio © © conflito passam pelo desenvolvimento até 0 desfecho, ‘com crise e resolugéo final. Segundo o modo moderno de narrar, a narrativa desmonta este esquema e fragmen- ase numa estrutura invertebrada De fato, a arte cldssiea (do periode greco-latino) € 1 de seus imitadores (da Renascenca, no século XVI; ow do Classicismo no século XVID) tinham eixas fixos que determinavam os valores da arte, como os do equilibrio © harmonia, que eram reunidos em prinefpios ou normas EE ee x festéticas a serem aprendidas ¢ imitadas por outeos. Uma ddelas era esta: a de se obedecer & ordem de inicio, meio fe fim na estoria, ou a regra das unidades: uma 38 agio, ‘num s6 tempo de um dia e num s6 espago. Estas jé apa receram na Poética de Aristeles ‘Com a complexidade dos novos tempos, e devido em grande parte & Revolugio Industrial que vai progressiva- mente se firmado desde século XVIII, 0 cariter de tunidade da vida e, conseqiientemente, da obra, vai se per- endo. Acentua-se 0 caréter da fragmentagdo dos valores, das pessoas, das obras, E nas obras literéras, das pala. ‘ras, que se apresentam sem conexio légica, soltas, como tomos (segundo as propostas do Futurismo, a’ partir sobretudo de 1909), Esta realidade, desvinculada de um antes ou um depois (inicio e fim), solia neste espago, ddesdobra-se em tantas configuracdes quantas si0 as expe- rigneias de cada um, em cada momento dests, Antes, havia um modo de narrar que considerava 0 ‘mundo como um fodo e conseguia representi-lo. Depois, perde-se este ponto de vista fixo; e passa-se a duvidar do poder de representacio da palavra: cada um representa parcialmente uma parte do mundo que, as ve7es, 6 uma ‘miniscula parte de uma realidade s6 dele , © que era verdade para todos passa ou tende a ser verdade para um s6. Neste sentido, evolui-se do enredo que dispde um avontecimento em ordem linear, para umn outro, diluido nos feelings, sensacies, percepcbes, revela- es ou sugesties Pelo proprio caréter deste ‘enreda, sem acio principal, 08 mil € um estados interiores vvao se desdobrando em outros ‘A questéo mo é, pois, ser ow nao ser a favor do enredo (ou plot, em lingua inglesa). & admitir que hé Ver Rosine, Anatol. Reflesdes sabre © romance modern. Ins Tertoe conterio, Sto Paulo, Perpectva, 1973. p-7597 a contos em que a acdo & mais ou menos importante, por injungao da propria histéria da est6ria, Sherwood Ander- son afirmava que “o plot eavenena todo conto”. 4 Bader apGia este ponto de vista, mas nio para condenar 0 plot, sim “o mau uso do plot, o-enredo com sentimentalizagao excessiva, que tomna a nasrativa artificial” (© teérica, contista e professor de literatura Sean O'Faolain reconhece mudanga na natureza do incidente, do argumento, do enredo: passa-se a uma aventura da mente, lao. suspense emocional ou intelectual, a0 suspense mais festranho, ao climax a partir de elementos interiores da personagem, ao desmascaramento do her6i iio mais pelo vilao e sini pelo autor ou pelo proprio herd E 0 comtista argentino Jorge Luis Borges, citado por Raiil Castagaino, afirma que o seu trabalho, nos seus eon tos, reside mais propriamente na combinagao de areu- rmentos que na criagio deles “em minha contetica tenho apenae trés ou quatro argu Imontos, 0 que acorre & que mudo au combine da modo diterente alguns components: ou 0 lugar ou © tempo ov fas pestoss ou ar estratéglas narratives. O ndcleo arg Imontal poderle ser sempre 0 mesmo”.

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