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—— Jean Hyppolite Jean Hyppolite nasceu em Jonzac em 1907 e faleceu em 1968, contando com a idade de sessenta e um anos. Realizou um longo percurso intelectual no campo da filosofia francesa, desde a posigdo de professor Para 0 curso secundario na provincia, até os postos mais avancados do magistério. Assim, ensinou na Universidade de Strasbourg (1945-1948) e na Sorbonne (1949-1954) Em seguida, foi diretor da Ecole Normal Supérieure, onde ficou até 1963, quando ent&o assumiu a posi¢4o de professor do Collége de France, onde permaneceu até a sua morte. Ao lado de A. Kojéve e J. Wahl, foi um. dos responséveis pela releitura de Hegel na Franga, a partir dos anos trinta. Entretanto, No que tange a tradi¢4o filoséfica francesa, a introdugao do discurso hegeliano assumiria uma feigao particular e um efeito decisivo. Com efeito, para Hyppolite os pressupostos da filosofia hegeliana permitiriam introduzir a dimenséo hist6rica na leitura dos problemas filosdficos, perspectiva essa de abordagem que estaria ausente na histéria da filosofia na Franga, de Descartes a Bergson. Foi também, Hyppolite, a mediagao fundamental para 0,estabelecimento de um didlogo fecundo entre a filosofia e a psicandlise. Esta articulagao foi possibilitada, por um lado, pelo discurso de Hegel e, pelo outro, pelo “retorno a Freud”, promovido pela investigag&o de Lacan desde os anos cinqiienta. O didlogo estabelecido por Hyppolite com a psicanélise teve um alcance fundamental, pois ndo apenas constituiu o campo tedrico deste didlogo como também mapeou probleméticas importantes que ainda permanecem atuais. Por isso mesmo, o diélogo de Hyppolite com o discurso freudiano continua sendo de muita atualidade, apesar do contexto histérico em que se constituiu e de suas referéncias precisas ao campo intelectual da filosofia francesa. ENSAIOS DE PSICANALISE E FILOSOFIA COLECAO ANANKE Dirigida por JoEL BiIRMAN Jean Hyppolite Ensaios de psicandlise e filosofia Introdugdo e Organizagao: Joel Birman Tradugao: André Telles Livrarias Taurus-Timbre Editores, Rio de Janeiro, RJ, 1989 Selecdo ¢ tradugdo do original francés Figures de la pensée philosophique, PUF, 1971 © Presses Universitaires de France, 1971 Direitos adquiridos por Livrarias Taurus-Timbre Editores Ltda. Livraria Taurus Av. Ataulfo de Paiva, 1.321, Ij. B Rio de Janeiro, RJ, 22440 Tel.: 239-5994 Livraria Timbre R. Marqués de Sao Vicente, 52, 1j. 221 Rio de Janeiro, RJ, 22451 Tel.: 274-1149 Sumario A filosofia e o discurso freudiano Hyppolite, leitor de Freud por Joel Birman pag. 7 Ensaios de psicandlise e filosofia Psicanélise ¢ filosofia pag. 33 Comentério falado sobre a Verneinung de Freud pag. 47 “Fenomenologia” de Hegel e psicandlise bdg. 59 A existéncia humana e a psicandlise pag. 77 Filosofia e psicandlise pdg. 87 A filosofia e o discurso freudiano Hyppolite, leitor de Freud Joel Birman I — Renovagao na leitura de Hegel Jean Hyppolite nasceu em Jonzac em 1907 e faleceu em 1968, contando com a idade de sessenta e um anos. Realizou um longo percurso intelectual no campo da filosofia francesa, des- de a posigéo de professor para o curso secunddrio na provin- cia, até os postos mais avangados do magistério. Assim, en- sinou na Universidade de Strasbourg (1945-1948) e na Sor- bonne (1949-1954). Em seguida, foi diretor da Ecole Normal Supérieure, onde ficou até 1963, quando entéo assumiu a po- sigdo de professor do Collége de France, onde permaneceu até a sua morte.! A obra que nos legou é admirdvel em diferentes dimen- sdes, Ela se caracteriza nao apenas por sua multiplicidade, onde Hyppolite demonstra um dominio gigantesco do idealismo ale- mio e da filosofia moderna,? como também pela originalidade que define a sua leitura de Hegel. Como especialista em He- gel, traduziu para o francés A Fenomenologia do Espirito,? e nos ofereceu como tese um comentério magistral desta obra,* que ocupa desde ent&o o lugar de ser uma das fontes funda- mentais para a formagao de intelectuais interessados na filoso- fia de Hegel. Nesta retomada de pensamento de Hegel o que caracteri- za a interpretagéo de Hyppolite é o lugar fundamental atribut- do ao discurso hegeliano na filosofia moderna. Vale dizer, He- gel nao é considerado como sendo apenas um filésofo impor- 9 tante do século XIX entre varios outros, que dada a sua rele- vancia exige dos comentadores da histéria da filosofia a reali- zagio da exegese do seu discurso. Pelo contrério, a filosofia hegeliana seria nesta leitura a matriz da filosofia moderna. Com efeito, para Hyppolite o campo de incidéncia da filo- sofia de Hegel é mais abrangente, pois as problemiticas te6- ricas que foram delineadas pelo pensamento de Hegel se en- contram no fundamento da filosofia moderna. Assim, na lei- tura de Hyppolite, as grandes tendéncias do pensamento moder- no encontraram as suas origens nas probleméticas constituidas por Hegel e, por isso mesmo, estabeleceriam um didlogo per- manente com o discurso hegeliano, seja este realizado da me- neira direta ou indireta. Entretanto, no que tange 4 tradigdo filoséfica francesa, a introdugao do discurso hegeliano assumiria uma feig&o parti- cular e deveria ter um efeito decisivo, além da caracteristica a que nos referimos acima. Com efeito, para Hyppolite, os pres- supostos da filosofia hegeliana permitiriam introduzir a dimen- sdo historica na \eitura dos problemas filoséficos, perspectiva essa de abordagem que estaria ausente na histéria da filosofia na Franga de Descartes a Bergson.5 Assim, autor fundamental na retomada histérica dos estu- dos hegelianos na Franga, ao lado de J. Wahl ® e A. Kojéve,* Hyppolite foi também a mediagao fundamental para o estabe- Iecimento de um didlogo fecundo entre a filosofia e a psica- nalise. Esta articulagao entre filosofia e psicandlise foi possibi- litada, por um lado, pelo discurso de Hegel e, pelo outro, pelo “tetorno a Freud” promovido pela investigagéo de Lacan desde os anos cingiienta. Evidentemente, este encontro tedrico entre Hyppolite Lacan nfo foi fortuito, pois apesar de enunciarem discursos diferentes e se inserirem em campos diversos do saber, ambos se fundamentaram na filosofia de Hegel. Por isso mesmo, este encontro se increve na histéria da filosofia francesa, que desde 10 Os anos trinta retomou o pensamento de Hegel e construiu.as bases te6ricas para uma nova interpretagéo do seu discurso.® Neste contexto, se empreendeu a releitura da filosofia de Hegel por J. Wahl, A. Kojéve e J. Hyppolite, na qual foi atri- buido destaque especial aos textos iniciais de Hegel ¢ princi- palmente a A Fenomenologia do Espirito.2 Nesta obra, a dia- lética do Senhor e do Escravo}© ocupou uma posigaéo funda- mental para a elucidagéo do pensamento hegeliano e para a exegese da totalidade do seu discurso filoséfico. Assim, me- diante o destaque atribuido a dialética do Senhor e do Es- cravo nesta interpretagdo de Hegel, se sublinha no discurso fi- los6fico deste a dimensGo dramdtica que matcaria a constitui- gao do sujeito e nfo, como na leitura de outros comentadores do seu pensamento, se enfatiza em Hegel a construgéio de um sistema filoséfico, que teria realizado na sua légica o 4pice de sua reflexdo teérica. I — A dialética hegeliana no “retorno a Freud” Foi neste caminho metodolégico ¢ no campo desta proble- miatica filoséfica que se introduziu Lacan na pesquisa psi- canalftica. Com efeito, foi a leitura de Hegel, mediada pela interpretagéo de Kojéve,!! que foi uma das condigées de pos- sibilidade para que Lacan empreendesse a releitura renovadota de Freud. Assim, desde os anos quarenta, os escritos teéricos de La- can revelam as marcas das formulagdes de Hegel, principal- mente nos ensaios sobre o estddio de espelho,}? a causalidade psiquica 1° ¢ a agressividade.4 Desde entio foi se desenvolven- do progressivamente a presenca do discurso hegeliano na teori- zagao promovida por Lacan, de forma a se transformar numa 11 referéncia paradigmética que norteia a sua leitura da psicané- lise. Com efeito, mesmo com a introdug&o do referencial te6- tico da lingiifstica, possibilitado pela antropologia estrutural pela mediag&o de Lévi-Strauss,2°,1® a referéncia hegeliana ainda norteou o horizonte teérico de Lacan por muito tempo e orien- tou a sua releitura do discurso freudiano. Evidentemente, algu- mas probleméticas delineadas pela filosofia de Heidegger tam- bém nortearam a pesquisa de Lacan deste periodo, mas a inci- déncia de Hegel produziu marcas indeléveis no seu discurso. Entretanto, desde o semindrio sobre a angistia 17, a pers- pectiva lacaniana delineada a partir de Hegel comegou a reve- Jar alguns impasses tedricos importantes, que exigiram que Lacan repensasse a totalidade do seu processo. A problemdtica do real no discurso tedrico de Lacan comegou progressiva- mente a se constituir e a indicar um novo espago teérico para a investigagao psicanalitica. Assim, foi a delimitagéo do cam- po de simbolizagao possivel no sujeito ¢ na psicandlise que impés um limite & abordagem de Lacan, até entdo norteada por Hegel. Entretanto, esses impasses tedricos néo implicaram na recusa dos instrumentos conceituais entreabertos pela filo- sofia de Hegel, mas significaram a sua retomada num outro pla- no de maior complexidade, onde se impuseram alguns limites que a psicandlise coloca para a dialética hegeliana. Neste contexto, o “retorno a Freud” realizado por Lacan foi empreendido também pela mediagéo de A Fenomenologia do Espirito, na qual Lacan destacou nesta também a relevan- cia da dialética do Senhor e do Escravo, que foi 0 fio condu- tor na exegese de Hegel que orientou a filosofia francesa neste momento histérico. Fundando-se, entao, nesta leitura do discurso de Hegel, é que Lacan construiu um conjunto de conceitos originais no campo teérico da psicanélise. Assim, Lacan formulou o con- ceito de estédio do espelho, estabelecendo as suas diferengas fundamentais com o que Wallon descrevera com muita argucia na psicologia da crianca.1* Da mesma forma, retirou radical- 12 mente as conseqiiéncias que esta perspectiva teérica entreabria para a retomada da problematica do narcisismo no discurso freudiano. Finalmente, definiu naéo apenas a relevancia, mas também a incidéncia destes conceitos no campo do processo psicanalitico, possibilitando entéo uma nova leitura da légica que sustenta o ato psicanalitico. Nesta releitura de Freud, mediada pela dialética do Se- nhor e do Escravo, o processo analitico se apresenta remode- lado em alguns de seus tragos fundamentais. Estes tragos sao miltiplos, mas se unificam num sistema légico coerente que re- vela a minuciosa articulagéo interna forjada por Lacan a partir das categorias fisoléficas de Hegel. Nao pretendemos tematizar a totalidade destes tragos neste contexto, mas somente nos refe- rir a alguns deles considerando 0 momento inicial da pesquisa tedrica de Lacan. Assim, fundando-se no conceito de estédio do espelho, ca- racterizado como sendo uma estrutura do sujeito e nao apenas como um momento do desenvolvimento psicogenético da crian- ¢a — considerado entéo como uma dimensdo constitutiva do ego e que destina o sujeito 4 alienagdo num outro, mas que é simultaneamente estruturante do sujeito 1 —, Lacan pode pro- mover a releitura da agressividade em psicandlise. Nesta pers- pectiva, a agressividade se apresentaria no confronto narcisico delineado entre subjetividades, sendo entéo uma experiéncia intersubjetiva. O que implica afirmar que a agressividade nao é um residuo elimindvel na estrutura do sujeito, que seria produzida pela “frustragéo” de uma “necessidade” instintiva que conduziria necessariamente 0 sujeito a regressdo e conse- qiientemente a agressao. Portanto, a agressividade é uma di- mensao fundamental na estrutura do sujeito, na medida em que este se constitui mediante a sua alienagdo num outro, que lhe oferece o suporte para a sua constituigéo. Enfim, a agressivi- dade se apresenta necessariamente no processo analitico, na me- dida em que neste contexto o sujeito é confrontado com a po- 13 sigfo alienante que o constitui enquanto sujeito e diante do desejo de reconhecimento pelo outro.” Por isso mesmo, o fendmeno clinico que Freud denomi- nava de transferéncia negativa se apresenta desde o inicio de qualquer experiéncia de andlise, estando na origem ¢ no fun- damento de qualquer processo analitico. Assim, a transferén- cia negativa nao seria um fenédmeno secundario, atipico e por- tanto elimindvel deste processo, como um residuo. Isso porque o confronto narcisico da figura do analisante com a figura do analista produz no analisante uma ferida narcisica decisiva, pois coloca em questao a sua auto-suficiéncia ¢ sua demanda de reconhecimento pela figura do analista.** Em decorréncia desta remodelagéo do campo da expe- riéncia psicanalitica, o conceito de pulsdo de morte foi repen- sado numa perspectiva dialética. Desta forma, Lacan empre- endeu a critica da concepgdo bioldgica deste conceito funda- mental da teoria psicanalitica, retirando-o do registro biolégico e inserindo-o na dialética da intersubjetividade.~ Neste contexto, 0 conceito de real foi introduzido inicial- mente por Lacan em psicandlise, mas pressupondo uma critica anterior ao conceito freudiano de principio de realidade. Assim, Lacan formulou a existéncia de um campo psiquico inserido num “além do principio de realidade” *3 como um paradigma tedrico que seria andlogo ao “além do principio do prazer” de Freud.** Fundado nesta critica, Lacan pode retomar neste momento do seu percurso o conceito de real na psicandlise tendo como referéncia o discurso hegeliano, isto é, num con- texto te6rico que define inicialmente a oposigao entre o real € 0 racional, para afirmar em seguida que é da contradig&o en- tre o real e o racional que o real é transformével e inserido no registro do simbélico.2> Evidentemente, o que Lacan for- mulou posteriormente somo sendo o registro do real revela uma grande distancia com a problemitica teérica deste mo- mento, pois a posteriori o registro do real revela 0 que € impos- sivel de simbolizagao para o sujeito.* 14 Il — A filosofia francesa e a psicanilise Foi neste contexto histérico, caracterizado pela grande renova- g4o teérica da psicandlise francesa na qual o discurso de Hegel ocupou uma posi¢éo fundamental, que Hyppolite estabeleceu o didlogo inicial entre a filosofia e a psicandlise, Até entdo, a psicandlise era uma forma de saber que nao era devidamente considerada na tradigéo francesa, ndo apenas no campo da psiquiatria como também no campo da cultura em geral. A incorporagao da psicandlise pela medicina, pela psiquiatria e pela cultura francesa foi bastante lenta, sendo o movimento surrealista a excegio mais destacada nesta conjun- tura hist6rica.” Nao é um acaso, certamente, que Lacan tenha sido ao mesmo tempo influenciado pelo surrealismo, onde publicou al- guns artigos em revistas deste movimento, e a figura fundamen- tal na renovagéo da psicandlise francesa. Nesta perspectiva, pode ser a personagem histérica que realizou a mediagao entre a novidade teérica representada pelo discurso freudiano e a psiquiatria francesa.?8 Entretanto, para isso seria necessério a superagaéo de al- guns obstéculos fundamentais no contexto da cultura francesa deste periodo, para que a psicandlise pudesse ser incorporada e legitimada como uma modalidade de saber.”® Neste momento, vamos sublinhar somente a existéncia de dois destes obst4culos que interessam a explicitagao do nosso tema, nao pretendendo dizer com isso que tenham sido os unicos. Antes de mais nada o valor que a sociedade francesa atri- buia a sua tradig&o cultural e a diferenga face a outras tradi- goes nas primeiras décadas do século XX. A implicagdo disso no que concerne a psicandlise foi decisiva na sua incorporagao pela cultura francesa, pois Freud realizou uma descoberta fun- damental no campo do saber, que teve uma influéncia imensa ao longo do século, trabalhando a partir dos impasses coloca- 15 dos pelas investigagées neuropatulégicas e hipndticas de Char- cot no campo da histeria. Com isso, a Franga se viu privada de uma descoberta decisiva no campo do saber contempordneo teve no discurso de P. Janet, um dos herdeiros privilegiados de Charcot, um obstdéculo importante para a difusdo da psica- nélise na Franca. Evidentemente, esta questo define apenas uma dimensio que ordena a oposigao ao discurso freudiano pela psiquiatria francesa, principalmente se considerarmos a rivalidade entao existente dos franceses com os paises de lingua alema. Por isso mesmo, para ser incorporada por esta tradi¢éo cultural, a psicandlise teria que se apresentar como uma “psicanélise 4 francesa”, segundo a interpretagéo reveladora formulada por Smirnof.? Porém, esta nao foi a tinica oposigéo importante para a incorporagaéo do discurso freudiano na Franga e talvez nao re- presente o obstaculo que tenha sido decisivo. Além disso, a tra- digo cartesiana da filosofia francesa, definida pelo paradigma do consciencialismo, foi um outro obstéculo fundamental neste processo. Para Freud, a filosofia da consciéncia sempre repre- sentou o maior obstaculo para a compreensio da psicandlise € a sua conseqiiente incorporag¢éo como uma forma legitima de saber. Com efeito, Freud néo dizia ironicamente que era preciso superar o “sintoma” consciéncia se quisermos reconhecer algo que nos enuncia o discurso psicanalitico? * Nesta perspectiva, o ensaio freudiano “As resisténcias 4 psicandlise” foi escrito originalmente em francés para ser publicado numa revista fran- cesa. Neste texto, Freud definiu de forma reveladora duas mo- dalidades maiores de “resisténcia” a psicandlise: a medicina e a filosofia da consciéncia.#* Evidentemente, isso nao é um aca- so, tendo este ensaio destinatérios precisos na conjuntura francesa. Por isso mesmo, seria necessério uma reformulagdo nos fundamentos da filosofia da consciéncia para que o discurso 16 psicanalitico pudesse ser incorporado no contexto cultural da Franga. Nesta perspectiva, a introdugao da filosofia de Hegel, da filosofia de Husserl e da filosofia existencial de Heidegger foi a condigéo de possibilidade desta transformagio tedrica, na medida em que inseriram a problematica da consciéncia no contexto da relagdo entre diferentes consciéncias, de forma que a problematica do sujeito passou a ser interpretada no campo da intersubjetividade. Com isso, a constituigao da consciéncia passa necessariamente pela histéria que funda o ser da cons- ciéncia na relagéo com outras consciéncias. Enfim, a conscién- cia fundada na histéria é marcada fundamentalmente pela tem- poralidade. Nesta transformagao histérica da problematica da cons- ciéncia, no contexto intelectual francés, uma série de autores ocuparam uma posigéo fundamental. Dentre esses se encon- tram os maiores tedricos da filosofia francesa deste periodo, como Sartre, Merleau-Ponty, Hyppolite etc... Para quase todos estes autores a psicandlise representava, em alguma me- dida, uma indagago para a reflexdo filoséfica. Esta indagagao podia ser teoricamente solucionada, apresentar impasses com- plicados ou ser definitivamente descartada pelo discurso filo- s6fico, pouco importa, mas a problemética do inconsciente colocada pela psicandlise nao podia mais ser desconhecida como acontecia até esse momento ou, entao, ser recusada pura e simplesmente. Esta mudanga teérica indica a reformulagéo histérica que se processou no contexto da filosofia francesa. Nao vamos realizar aqui o inventério das diferentes res- postas que foram formuladas neste momento pela filosofia francesa para a problematica do inconsciente, porque foge ao objetivo deste trabalho. Pretendemos esbogar somente alguns dos tépicos da leitura instigante que Hyppolite realizou do discurso freudiano, destacando a originalidade de sua inter- pretagao. Além disso, € preciso considerar que posteriormente a esse momento histérico, a filosofia francesa dialogou com a psica- 17 nalise ¢ retomou as questdes colocadas por esta num outro plano teérico, deslocando as problematicas que estavam em pauta neste periodo histérico.2* Porém, nesse momento o dié- logo .estabelecido por Hyppolite com a psicandlise teve um alcance fundamental, pois nao apenas constituiu 0 campo teé- Tico deste diélogo como também mapeou problematicas impor- tantes que ainda permanecem atuais. Por isso mesmo, o didlo- go de Hyppolite com o discurso freudiano continua sendo de muita atualidade, apesar do contexto hist6rico em que se cons- tituiu e de suas referéncias precisas 20 campo intelectual da filosofia francesa IV — Uma leitura filoséfica de Freud Como dissemos, o didlogo de Hyppolite com a psicanilise se realizou através de Lacan, sendo pela mediagao do discurso deste que se possibilitou uma leitura filoséfica de Freud. Em contrapartida, a leitura de Hyppolite sobre alguns conceitos freudianos teve uma incidéncia importante no pensamento de Lacan. Este didlogo de Hyppolite com Lacan se realizou tanto em nivel formal — podemos indicar isso pelas intimeras vezes que Hyppolite se refere a Lacan nos seus ensaios sobre a psicanélise —, como também por sua participagao direta nos seminérios iniciais de Lacan. Assim, o cléssico comentario de Hyppolite sobre o conceito de denegagdo®* em Freud se rea- lizou no semindério de Lacan sobre “Os escritos técnicos de Freud”,®¢ sendo devidamente introduzido por uma intervengéo importante de Lacan,®? a que se seguiu um segundo comenté- tio®® ‘apés a apresentacaio de Hyppolite. A grande importancia conferida por Lacan a este didlogo pode ser verificada pela inclusdo destes textos nos seus Escritos, 18 A filosofia de Hegel funcionou como a mediag&o funda- mental desse diélogo. Entretanto, a fenomenologia de Husserl, a filosofia existencial de Heidegger e a filosofia de Sartre tam- bém ocuparam um lugar importante nesse didlogo com a psi- canélise, mas se situavam numa posi¢ao secundéria face a Hegel. Assim, podemos acompanhar o esforgo te6rico de Hyppo- lite para articular as proximidades e as diferengas entre o pro- jeto intelectual da psicandlise e 0 projeto da analitica existen- cial. A referéncia ao campo intelectual francés se encontra aqui presente, pois se o pensamento de Heidegger ocupa o lugar de paradigma da filosofia existencial, o debate com Sartre se rea- liza de modo direto ¢ indireto, na medida em que este realizou criticas importantes ao discurso psicanalitico neste contexto histérico.**, © Da mesma forma, Hyppolite estabeleceu alguns contrapontos entre Freud e Bergson, indicando as diferengas entre seus projetos tedricos.* Outra referéncia francesa importante, que foi retomada criticamente por Hyppolite, é a distingado estabelecida por Dal- biez entre método e doutrina em psicandlise. Porém, onde Dalbiez enfatizava a riqueza do método freudiano e destituia de valor a teoria psicanalitica, Hyppolite procurou retirar radi- calmente algumas das conseqiiéncias filoséficas colocadas pelo método freudiano, mas respeitando as exigéncias filoséficas colocadas pela doutrina. Assim, se o método freudiano pres- supde uma filosofia do espirito na medida em que é baseado na interpretagéo num contexto intersubjetivo, a doutrina freudiana com a representagéo de forgas e de energias no psiquismo atualizaria uma problemética pertencente a filosofia da natu- reza. Para Hyppolite, Freud pretendeu articular estas diferen- tes modalidades do discurso filoséfico, sem escolher entre estas diferentes perspectivas teéricas.*? Para esta leitura filos6fica de Freud, é preciso considerar minuciosamente os seus textos tedricos e clinicos, para que se possa proceder a um trabalho consistente de exegese como 19 se realiza com o discurso de qualquer outro filésofo quando se pretende estabelecer os principios para a sua interpretagao. Este € o primado metodolégico que crienta a leitura de Hyp- polite, procurando retirar do exame interno dos textos freu- dianos as suas conseqiiéncias filos6ficas e nado impor ao dis- curso de Freud um esquema tedrico preestabelecido. Para isso, entretanto, € preciso reconhecer antes de mais nada a grandeza do empreendimento teérico realizado por Freud, pois este perseguiu incansavelmente uma problemética do inicio ao fim de sua pesquisa psicanalitica, sem temer co- locar em questdo as suas diferentes formalizag6es diante das indagagGes e das contradigGes que se apresentavam: “Nada é mais atraente que a leitura das obras de Freud. Tem-se o sentimento de uma descoberta perpétua, de um tra- balho em profundidade que nfo cessa jamais de colocar em questao seus prdéprios resultados para abrir novas perspec- tivas...” 48 Em seguida, é preciso destacar metodologicamente que a problemética da psicandlise se insere no contexto da filosofia contemporanea, isto é, que a matéria-prima com que trabalha a psicandlise é andloga 4 matéria-prima que é processada pela fenomenologia e a filosofia existencial. Por isso mesmo, sao internas as relagdes da psicandlise com as grandes ten- déncias do pensamento contempordneo, pois a psicandlise se revela também como uma filosofia da existéncia e do destino humanos: “...Eu partia da convicga@o que a filosofia contempora- nea era insepardvel da psicandlise, que a fenomenologia exis- tencial e a analitica existencial se inspiram nela, e da convic- gao igual que a psicandlise era também uma filosofia da exis- téncia e do destino humano. Esta convicgfo se ancorou em mim pela leitura atenta das obras de Freud e a meditagao sobre as obras dos filésofos atuais. Dito de outra maneira, eu encon- trava um clima comum, problemas comuns.. .’#4 20 Nesta perspectiva, Hyppolite reconhece que Freud nao é somente um médico que descobriu uma nova modalidade de terapéutica para as neuroses, nem apenas um neurologista cria- tivo e um psicélogo talentoso, mas “um filésofo de primeira grandeza, ou antes um destes homens de génio (tao raros) que desvelam, descobrem uma via nova...” © Porém, se a problemética delineada pelo discurso freudia- no nos relatos clinicos se insere no campo da filosofia, é pre- ciso sublinhar que a descoberta de Freud se apresenta como um “método concreto e fecundo que é mais a descoberta de uma problematica que um sistema acabado”.** Assim, se o mé- todo freudiano nao é um sistema fechado e se é “decepcio- nante” a “linguagem positivista” de Freud, é necess4rio inter- pretar o discurso freudiano, indo além do que Freud enunciou para explicitar a significagao filoséfica do projeto freudiano: “.,.Para apreciar a significado filoséfica da obra freu- diana é necessdrio nao temer ir além de certas formulas do Mestre, e explicitar um sentido que ele néo formulou nitida- mente. Assim se manifestar4 o caréter altamente filoséfico desta exploragao e desta obra.” 47 Consideremos, entdo, a dualidade de modelos que orde- nam e permeiam o discurso freudiano, onde podemos depreen- der a contraposi¢éo no psiquismo entre representagdes da na- tureza e da significagdo, isto 6, entre a ordem da causalidade e a ordem do sentido. Assim, é preciso considerar a existéncia da “linguagem positivista” de que Freud se serve permanen- temente nos seus textos, mas que é “inadequada para o seu préprio caminho”,*® pois o que a psicandlise busca permanen- temente € a “relag&io entre sintomas, sonhos, acontecimentos da vida psiquica e sentidos ocultos que séo a fonte dos acon- tecimentos”.*9 Qual a razdo dessa inadequagdo? Esta inadequagaio se coloca porque Freud utiliza freqiientemente um modelo “po- sitivista”, de caracteristicas energéticas, para a representagao do psfquico, que se contrapde ao exame minucioso no plano 21 da significagéo que ele realiza na interpretagéo dos sintomas ¢ das outras formagées do inconsciente. Assim, existiria um contraste e mesmo uma contradigao entre o “materialismo da energia” e a “andlise intencional”.°° Porém, apesar de que Freud sempre se mantém metodologicamente no registro da significagao, ele “jamais abandonar4 completamente esta re- presentagdo energética”.5+ Neste contexto, Hyppolite estabelece um principio meto- dolégico importante para a leitura do discurso de um autor, pois nao impde ao texto de Freud um modelo a priori, mas considera a dualidade de registros como o indice de uma ques- tao importante, que indica entéo o campo de uma problematica delineada pelo discurso freudiano: “...é necessdrio evitar, talvez, trair Freud escolhendo uma interpretagdo contra a outra, pois ele pretendeu uma espé- cie de sintese 4 qual nao péde chegar, e existe uma origina- lidade neste misto, na recusa de separar uma filosofia da na- tureza e uma filosofia do espirito. Vai-se sempre em Freud de uma imagem naturalista a uma compreensio, e vice-versa, . .”°? Assim, onde Dalbiez destacava a oposigéo entre método e doutrina psicanaliticos, Hyppolite sublinhava a tentativa de Freud em articular uma filosofia da natureza e uma filosofia do espirito. Evidentemente, pretenso tedrica nao realizada por Freud, mas reveladora da problemética que esse constituiu ¢ indicou para superar o dualismo entre o corpo e o espirito. O conceito da pulséo (Trieb) — onde se perfila a oposigéo entre forga e representagéo* —, que ocupa o centro da teori- zagéo freudiana, indica que foi por esse caminho teérico que Freud desenvolveu a sua pesquisa e que encontrou diferentes impasses que o conduziram a transformagdo de sua represen- tagdo do psiquismo. Porém, é no campo da interpretagao do sentido da expe- tiéncia do sujeito que se revela a riqueza do método psicana- litico, Hyppolite destaca como Freud constituiu um método fecundo para a hermenéutica do sujeito, que ultrapassa bas- 22 tante o horizonte de um cientificismo estreito onde se preten- deu inserir o projeto freudiano. E por esse caminho metodo- légico que Hyppolite valorizou as minuciosas interpretagdes forjadas por Freud, baseadas na experiéncia intersubjetiva da clinica psicanalftica, para explicitar a constituigdo do sujeito. Assim, as descrigdes clinicas legadas por Freud foram reto- madas por Hyppolite como indicadores seguros de uma aven- tura intelectual importante que Freud se permitiu percorrer e que foram a condigdo de possibilidade para uma reflexdo ori- ginal sobre o sujeito no pensamento contempordneo. Neste contexto, A Interpretagéo dos Sonhos* é considerado como sendo o monumento mais fulgurante da pesquisa freudiana, sendo destacada como a sua obra-prima, na medida em que nesse texto a interpretagdo do sentido que ordena a experién- cia do sujeito foi articulada da maneira mais sistematca. Assim, se é por esse viés metodolégico que o discurso freudiano colocou a problematica da constituigéo do sujeito pela interpretagéo do sentido da sua histéria ¢ do seu desejo, Hyppolite se permite retirar dai entéo as conseqiiéncias tedri- cas indicadas pelo caminho freudiano. Se estas conseqiiéncias nao foram sempre explicitadas pelo discurso freudiano, elas foram contudo indicadas e é isto que permite Hyppolite assi- nalar que elas se inserem em posig6es precisas no campo da filosofia contemporanea. E neste contexto que Hyppolite pretendeu estabelecer as possiveis articulagdes internas entre os discursos de Freud e de Hegel, em que procurou apreender algumas das analogias entre as suas problematicas teéricas. Para isso, Hyppolite des- taca as condigées de possibilidade para a constituigdo do su- jeito em A Fenomenologia do Espirito de Hegel ¢ a con- trapde as condigdes em que o sujeito se constitui no discurso freudiano. Num dos passos decisivos desta leitura, Hyppolite destaca no texto de Hegel a passagem dramética da conscién- cia natural para a autoconsciéncia, mediante uma série de 23 figuras da consciéncia. E nesta transformagao dramatica que se destaca a dialética do Senhor e do Escravo. Porém, para a realizagao desta leitura é necessdrio definir a priori a modalidade de relagao existente entre Hegel e Freud, para delinear o caminho possivel de interpretago que destaque devidamente a problemética comum que se estabelece entre os discursos destes autores. Assim, esta relagéo nao pode ser definida em termos de influéncia hist6rica, pois parece que Freud nunca leu Hegel e este ndo poderia evidentemente ter lido Freud. E possivel pen- sar que Freud nunca leu Hegel pelas mesmas razdes que se recusava a ler Nietzsche, isto é, “apesar das satisfagdes que poderia extrair disso, para nao se arriscar a se deixar influen- ciar na originalidade de suas prdéprias descobertas”.>* Entao, se esta relagéo nao se funda na influéncia histérica da problematica de Hegel sobre a de Freud, é preciso inverter a relagaéo. Nesta perspectiva, a escolha metodolégica de Hyp- polite é marcada pela audacia, na medida em que ele se propde empreender a leitura de Hegel através do discurso freudiano, numa visdo retrospectiva. Com isso, 0 que se propde Hyppolite é tragar as analogias existentes entre as problemdticas destes diferentes discursos: “Por outro lado, o bom senso parece nos proibir de falar de uma influéncia retrospectiva, uma espécie de influéncia as- cendendo o curso do tempo, de Freud sobre Hegel. Entretanto, € esta espécie de absurdo que eu queria justificar primeiro, pois ele comporta algo de verdadeiro que é a retrospecg¢ao...”5* Assim, a experiéncia dramatica de constituigao do sujeito em A Fenomenologia do Espirito € interpretada pelas cate- gorias do processo psicanalitico, na qual se destaca a tragédia do Edipo, tal como esta foi descrita por Freud em A Inter- pretagdo dos Sonhos. Entao, se estabelece uma analogia entre as problematicas do sujeito na piscandlise e na filosofia de Hegel: 24 “...é num espirito que nao € tao diferente daquele da psicanélise freudiana nestes textos, que nés ensaiaremos enca- Yar, por uma interpretagio propriamente retrospectiva, a fe- nomenologia de Hegel. Reler assim a Fenomenologia consis- tiria a encarar a totalidade desta obra tio dificil e sinuosa como a verdadeira tragédia de Edipo da totalidade do espirito humano, com talvez esta diferenga que o desvelamento final — o que Hegel denomina “saber absoluto” — permanece ambiguo e enigmatico”.°7 Nesta perspectiva, a categoria de intersubjetividade ocupa uma posi¢do estratégica na leitura de Hyppolite, sem a qual nao seria possivel interpretar o percurso do sujeito no ato psicanalitico e na “fenomenologia do espirito”. Assim, é ne- cessério nao apenas a presenga mas também a antecipagao, légica e hist6rica, de um sujeito para que um outro sujeito possa efetivamente se constituir. Com efeito, a passagem da consciéncia natural para a consciéncia de si somente seria pos- sivel pela mediagéo de uma outra consciéncia que polariza o processo dramftico e permite 4 primeira consciéncia a expe- riéncia de uma série de figuras que foram descritas por Hegel na sua obra. Da mesma forma, o ato psicanalitico é inserido neste contexto dramético, no qual a figura do analista ocupa um lugar que é a condig&o de possibilidade que permite o acesso da figura do analisante 4 posic¢éo de sujeito. Entéo, as figu- tas dram&ticas mediante as quais 0 sujeito se representa e se apresenta ao longo do processo analitico sio anélogas as figuras descritas por Hegel no percurso da consciéncia em A Fenomenologia do Espirito. Com isso, a dimensfio me- taffsica da psicandlise se esboga com tragos bem delineados para Hyppolite. Com efeito, Hyppolite sublinha no que existe de mais fundamental no discurso freudiano, que é a descoberta do pro- cesso psicanalftico centrado na transferéncia, uma “inquieta- ¢do filos6fica fundamental de Freud, que se dissimula atrds 25 de uma técnica terapéutica.” 8 Por isso mesmo, é preciso re- pensar o que significa a idéia de “cura” pela psicandlise e se indagar se esta é uma modalidade de “terapéutica”, pois na perspectiva freudiana a problematica da “cura” assume uma dimensio metaffsica, pois implica 0 acesso do sujeito a verdade de sua histéria e do seu desejo.°* Enfim, a questdo da “cura” pela psicandlise desemboca na problemética da ver- dade que € a questao filoséfica por exceléncia. Notas 1. Ferrater Mora, J. Dicciondrio de Filosofia. Volume 2. Madri, Alianza Editorial, 1982, p. 1585. 2. Hyppolite, J. Figures de la pensée philosophique. Volumes I ¢ Tl. Paris, Press Universitaires de France, 1971, 3. Hegel, E.W.E. La Phénoménologie de I’Esprit. Volumes I e II. Paris, Montaigne, 1941. 4. Hyppolite, J. Genése et structure de la Phénoménologie de I’Es- prit de Hegel. Paris, Montaigne, 1946. 5. Hyppolite, J, Introduction @ la Philosophie de l'histoire de Hegel (1948). Paris, Seuil, 1983. 6. Sobre, isso, vide Hyppolite, J. “Hegel et Kierkegaard dans la pen- sée francaise contemporaine” (1955). In: Hyppolite, J. Figures de la pensée philosophique. Volume I. Op. cit., p. 197; Hyppolite, J. “La “Phénomenologie” de Hegel et la pensée francaise con- temporaine”. Idem, p. 233-234, 7. Kojeve, A. Introduction @ ta lecture de Hegel. Paris, Gallimard, 1947. 8. Sobre isso, vide: Hyppolite, J. “La “Phénoménologie” de Hegel et la pensée francaise contemporaine”. In: Hyppolite, J. Figures de la pensée philosophique. Volume I. Op. cit., p. 231-241; Koyré, A. “Rapport sur I’état des études hégéliennes en France” (1930). In: Koyré, A. Etudes d'histoire de la pensée philosophique. Pa- ris, Gallimard, 1971, p. 225-251. 9. Idem. 13. 15. 16. 26. 27. 28, Hegel, G.W.E. La Phénoménologie de UEsprit. Volume 1. Op. cit., p. 145-154. . Roudinesco, E. Histoire de la psychanalyse en France. Volume 2. 1% parte, capitulo 4, 5. Paris, Seuil, 1986. [Histéria da Psica- ndlise na Franca, Volume 2, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1988.) Lacan, J. “Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je telle qu’elle nous est révelée dans \’experience psychana- lytique” (1949). In: Lacan, J. Eerits. Paris, Seuil, 1966. Lacan, J. “Propos sur ta causalité psychique” (1946). Idem. Lacan, J. “L’agressivité en psychanalyse” (1948). Idem. Lévi-Strauss, C. “IntrodugSo & obra de Marcel Mauss”. In: Mauss, M., Sociologia e Antropologia. Volume II, Séo Paulo, B.D.U.S.P., 1974, Lévi-Strauss, C. Les structures elémentares de la parenté (1949). Paris, Mouton, 1967. [As estruturas elementares do parentesco, Petrépolis, Vozes, 1976.) Lacan, J. L’angoisse. Seminério. Volumes 1 @ 2. Paris, 1962- 1963, mimeografado. ‘Wallon, H. Les origines du caractére chez I’enfant (1934). Paris, Press Universitaires de France, 1973. Lacan, J. “Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je telle qu’elle nous est révéllée dans l’expérience psychana- lytique”. In: Lacan, J. Ecrits, Op. cit. Lacan, J. “L’agressivité en psychanalyse”. Idem, Lacan, J. Idem, p. 107. Idem, p. 101-106. Lacan, J. “Au-dela du “Principe de realité” (1936). In: Lacan, J. Eerits, Op. cit. Freud, S. “Au-dela du principe de plaisir” (1920). In: Freud, S. Essais de psychanalyse. Paris, Gallimard, 1981. Lacan, J. “Fonction et champ de la parole et du langage en psy- chanalyse” (1953). Parte III. In: Lacan, J. Ecrits. Op. cit. [Es- critos, Sio Paulo, Perspectiva, 1978.] Lacan, J. Encore. Le séminaire de Jacques Lacan. Volume XX. Paris, Seuil, 1975. [Mais, ainda, O Seminfrio, Livro 20, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.] Roudinesco, E. Histoire de la psychanalyse en France. Volume 2. Op. cit., 1% parte, capitulo 1. Roudinesco, E. Idem. 27 29. Sobre isso, vide: Smirnof, V. “De Vienna a Paris”. In: Nouvelle Revue de Psychanalyse. Nimero 20. Paris, Gallimard, 1979. 30. Sobre isso, vide: Prévost, C.M. Janet, Freud et la Psychologie Clinique. Paris, Payot, 1973. 31. Smirnof, V. “De Vienna a Paris”. In: Nouvelle Revue de Psy- chanalyse. Nimero 20. Op. cit. 32, Freud, S. “L’inconscient” (1915). In: Freud, S. Métapsychologie. Paris, Gallimard, 1968, 33. Freud, S, “The resistances do psycho-analysis” (1925). In: The Standard Edition of the complete psychological works of Sigmund Freud, Volume XIX. Londres, Hogarth Press, 1978. 34, Sobre isso, vide: Foucault, M. Histoire de ta folie a I’ége clas- sique. Paris, Gallimard, 1972 [Histéria da loucura na idade clas- sica, Sio Paulo, Perspectiva, 1978]; Deleuze, G. e Guattari, F. L’anti-Oedipe. Capitalisme et schizophrénie. Paris, Minuit, 1972 [O anti-Edipo. Capitalismo e esquizofrenia. Lisboa, Assirio e Alvim, s/d]; Ricoeur, P. De Vinterpretation. Essais sur Freud. Pa- ris, Seuil, 1965 [Da interpretagao. Ensaios sobre Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1977]; Foucault, M. La volonté du savoir, Paris, Gallimard, 1976. [Histéria da sexualidade. I, A vontade de sa- ber. Rio de Janeiro, Graal, 1977.] 35. Hyppolite, J. “Commentaire parlé sur la “Verneinung” de Freud” (1955). In: Hyppolite, J. Figures de la pensée philosophique. Vo- lume I. Op. cit. 36. Lacan, J. Les écrits techniques de Freud. Le séminaire de Jac- ques Lacan. Volume I. Paris, Seuil, 1975. [Os escritos técnicos de Freud, O seminério, Livro 1, Rio de Janeiro, Zahar Edito- res, 1983.] 37. Lacan, J. “Introduction au commentaire de Jean Hyppolite sur la “Verneinung” de Freud”. In: Lacan, J. Ecrits. Op. cit.. p. 369- 380. 38. Lacan, J. “Réponse au commentaire de Jean Hyppolite sur la “Verneinung” de Freud”. Idem, p. 381-399. 39. Hyppolite, J. “Psychanalyse et philosophie” (1955). In: Hyppoli- te, J. Figures de la pensée philosophique. Volume I. Op. cit. 40. Hyppolite, J. “L’existence humaine et la psychanalyse” (1959). Idem. 41, Hyppolite, J. Idem, p. 398-399. 42. Hyppolite, J. “Philosophie et psychanalyse” (1959). Idem, p. 409- 410. 43. Hyppolite, J. “Psychanalyse et philosophie”. Idem, p. 373-374. 28 45. 47. 48. 49, 50. 51. 52. 53. 54, 55. 56. 57. 58. 59. Hyppolite, J. “Philosophie et Psychanalyse”, Idem, p. 406. O gtifo & nosso. Hyppolite, J. Idem, p. 407. Hyppolite, J. “Psychanalyse et philosophie”, Idem, p. 374. Idem, p. 374-375. Idem, p. 380. Idem, Hyppolite, J. “Philosophie et Psychanalyse”. Idem, p. 409. Idem, p. 408. Idem, p. 409-410. Freud, S. “Pulsions et destins des pulsions” (1915), In: Freud, S. Métapsychologie. Op. cit. Freud, S. L’interprétation des réves (1900). Paris, Press Univer- sitaires de France, 1976, Hyppolite, J. “Phénomenologie” de Hegel et psychanalyse” (1957). In: Figures de la pensée philosophique. Volume I. Op. cit., p. 213. Hyppolite, J. Idem, p. 213. Idem, p. 214. Hyppolite, J. “Philosophie et psychanalyse”. Idem, p. 409. Hyppolite, J. Idem, p. 408, 29 Ensaios de psicanalise e filosofia Psicandlise e filosofia * A psicandlise de Freud que, primeiramente, foi um método particular para tratar certos neuréticos tomou, a partir de 1895, uma extenséo e um desenvolvimento que fazem dela como que uma revolugéo no dominio da antropologia e das ciéncias humanas, revolugdo que atinge talvez, inclusive, a fi- losofia em seu todo. Fala-se de uma psicandlise existencial, pa- rece que ha semelhangas entre o processo psicanalitico e a analitica existencial de Heidegger. Tentar trazer & luz a origi- nalidade € o sentido desta psicandlise, para explicitar sua in- fluéncia na psicandlise existencial e na analitica existencial, este € o tema desta conferéncia. 1. A Psicanélise de Freud Nada é mais envolvente do que a leitura das obras de Freud. Tem-se o sentimento de uma perpétua descoberta, de um tra- balho em profundidade que nunca deixa de colocar em ques- téo seus préprios resultados para abrir novas perspectivas, uma pesquisa intrépida que escalona obras primas, desde os Estudos sobre a histeria, em colaboragéo com Breuer, até a descoberta de um além do principio do prazer, passando pela * Manuscrito nfo situado, nfo datado. Provavelmente de 1955. 33 Interpretagao dos sonhos, a Traumdeutung, que é de 1900. Foi assim que a psicandlise que comegou sendo um tratamen- to catértico (liberar-se de uma antiga emog&o (ab-reagéo) telacionando sintomas da histeria com acontecimentos que es- tavam na origem destes sintomas), prosseguiu suas descober- tas por uma exploragao do inconsciente humano, traduzindo- Se quase que diretamente nos sonhos, como nos sintomas das neuroses, por um estudo das resisténcias que 0 ego opde a esta exploragao, em seguida, da transferéncia, com a ajuda da qual um sujeito revive seu passado, o repete sobre a pessoa de seu médico, sem dele ter uma lembranga efetiva. Isto nfo é tudo; no exato momento em que o sistema freudiano ia se comple- tar, Freud descobre com o instinto de morte, intimamente li- gado ao instinto vital que era a libido, uma perspectiva abso- lutamente nova. A psicandlise freudiana tal como aparece no estudo concreto do caso de Dora, do homem dos lobos, do pequeno Hans, do procurador Schreiber, mostra-se um método concreto e fecundo que é mais a descoberta de uma proble- mftica do que um sistema pronto. No entanto, se a leitura das obras de Freud nos dé esta impressao, essa leitura nao acontece sem nos provocar uma surpresa e uma decepgdo. Ha um contraste evidente entre a linguagem positivista de Freud (a topologia do ego, do id, do superego, por exemplo)? e o caréter da pesquisa e da descoberta. Para apreciar a signifi- cago filoséfica da obra freudiana, nfo se deve temer ir além de certas férmulas do Mestre, e de explicitar um sentido que ele mesmo nio formulou nitidamente. Assim, se manifestaré © cardter altamente filos6fico desta exploragéo e desta obra. ‘Comecemos por tentar trazer a luz alguns tragos da psi- canélise freudiana que nos parecem ter um alto alcance filo- séfico, ¢ que j4 encontramos na chamada psicanélise existen- cial, 7 Primeiramente — e isto desde 0 inicio da psicandlise — € a interpretagio dos fenédmenos de consciéncia como fend- menos significativos, que é preciso desvelar, revelar 0 sentido. 34 Os sintomas da histeria nao sao problemas fisicos quaisquer, sem relagéo com a totalidade de uma vida e de uma histéria. Eles tém um sentido; é preciso relacionar estas significagdes com seu sentido origindério, que se dé dentro de uma histéria particular. & esta reconstituigdéo do sentido, esta leitura no sintoma de uma histéria desconhecida que faz a originalidade da primeira descoberta de Freud e de Breuer. & necessério ver no sintoma uma maneira simbélica de representar, de rea- lizar um acontecimento passado e, com ele, um desejo recal- cado.® EB esta leitura, incapaz de ser feita pela consciéncia doente, que a consciéncia do psicanalista deve efetuar até que ele a possa reconhecer. Inicialmente, Breuer e Freud contentavam-se em fazer re- viver o acontecimento traumatico na hipnose, mas logo Freud substituiria este método meio grosseiro por uma exploracgao consciente conduzida conjuntamente pelo médico e pelo doen- te até que o doente reconhecesse sua prdépria histéria e dis- sesse: “Foi realmente assim que vivi este passado, realmente € esse o seu sentido”. Observemos primeiramente este método de exploracao, esta exegese que abarca a totalidade do homem; o que ele diz conscientemente assim como o que ele diz inconscientemente, os sintomas, os sonhos, os atos falhos, os atos sintométicos, a fim de reconstituir a hist6ria deste homem, o sentido atual de sua vida e de sua existéncia.* Observemos em seguida que esta exploragao s6 é possi- vel porque coloca em jogo dois interlocutores, o analista ¢ 0 analisado, porque implica este diélogo humano, esta comuni- cagéo universal na qual o sentido pode aparecer como tal. Pois o sentido estava bem ali, jé vivido numa histéria, mas nao era expresso como tal. Eis por que este sentido pode apa- recer ao analista sem estar ainda propriamente consciente no analisado,5 Mas € necessdrio que este sentido vivido, sem ser expli- citamente consciente, dominando este ego sem ser dominado 35

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