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STOVNGTTO) 03 Editorial sr CZ) SP Pim Pee) em ore 5 Nic Pe SCG rm) mL SULT OSM ECL Tomy Sl ‘ i 5 Sem ee Sica i CR UT Pe a td EDITORIAL As percepgoes sobre a existéncia de Ser Criador e Superior estao presentes na maioria das crengas no ambito das religides, nas conjecturas filosdficas e até em raciocinios cientificos. Ao longo do processo civilizatorio de nosso Orbe, alteraram-se os horizontes para a compreensao dos contextos. A compreensao sobre a existéncia de Deus se altera de acordo com a evolugao humana, desde os horizontes1: tribal, agricola, civilizado, profético, e espiritual, onde se sente o amor, a justiga e a caridade. Houve momentos tao complexos que se chegou a homenagear o “deus desconhecido”.’ De acordo com a compreensdo de que a Lei de Deus esta escrita na consciéncia’, amplia-se a responsabilidade e a valorizagao do livre-arbitrio. ALei de Deus corporificada nas agdes humanas é um convite aos esforgos para 0 bem, do aprimoramento espiritual e da paz. A legislagao humana se aperfeigoa no mesmo diapasao. Os ensinos dos Espiritos do Senhor nos enchem de consolo, esperanga, fé e alegria. A luz que emana do Alto ilumina em todas as diregdes. A sintonia entre o homem e o Criador se amplia quando a consciéncia consolida os registros da Lei Divina. A esta altura, o Homem se transforma em espelho, irradiando ondas nas faixas do bem, do belo e da paz! “Deus conosco”* se concretizal eontdenaa . Haroldo Dutra Dias Antonio Cesar Perri Carvalho Sub-coordenadora Presidente interino da FEB Célia Maria Rey de Carvalho Secretario asisrsnal Flavio Rey de Carvalho eferéncias: : 1 —Pires, José Herculano. 0 Espirito e o Equipe Tempo. Sao Paulo. Ed. 0 Pensamento. 1964. Affonso Chagas Correa Gap. 1a V, p.15-65. Ricardo de Andrade T, Mesquita 2- Atos, 17:23. Wagner Gomes Paixao 3 —Kardec, Allan. O Livro dos Espiritos. Simao Pedro de Lima Trad. Bezerra, Evandro N. Ed. FEB. Livro Ill. Federagao Espirita Brasileira Gaps -Quiestao'621: ; hitp://www.febnet.org.br/ 4 - \saias 7:14: “Eis que a virgem NEPE conceberd e dara a luz um filho e Ihe chamara Emanuel”. Vide: Mateus 1:23. httpy/www-febnet. org. br/nepe Lei Divina #01 | maio/2013 te PLU Ty Simao Pedro de Lima A INTERPRETAGAO DOS EVANGELHOS “Quem tem ouvidos, oucga” (Mateus 13:9). Assim Jesus se expressava quando de seus ensinos, indicando as pessoas que era necessdrio entender suas palavras, mas que esse entendimento demandaria do ouvinte uma atengao especial, pois nao eram apenas palavras retoricas, mas ensinamentos para a vida. Era como se dissesse: quem estiver atento as minhas palavras, entendé-las-4 e entendendo-as vivera melhor. Lei Divina #01 | maio/2013 As palavras de Jesus, embora ditas em um determinado contexto hist6rico-cultural recuado no tempo, ainda ecoam hodiernamente, servindo como roteiro de vida. Sao palavras remotas, porém, paradoxalmente, atuais, pois sao “palavras de vida eterna”, como bem asseverou 0 apostolo Pedro (Jodo 10:68). Os tempos mudaram, os costumes mudaram, mas isso nao implica em dizer que os ensinamentos de Jesus mudaram, Sao os mesmos ensinos, sao as mesmas doces palavras que tocaram 0 coracao e a mente das pessoas que o ouviram diretamente. Entendé-las, interpreta-las em espirito e verdade, é 0 que se precisa fazer. Jesus foi preciso quanto a essa necessidade. Instado por um certo Mestre da Lei a lhe dizer qual era o maior dos mandamentos, Jesus, lhe diz: “o que esta escrito na Lei? Como lés?” (Lucas 10:26) E justamente isso que se torna preciso fazer. Como entendemos o que Jesus ensinou? Como, hoje, lemos? Qlhando do presente para o passado, a moderna exegese busca no método gramatico-historico uma das formas para interpretar os ensinos de Jesus. Faz, para tanto, uma analise gramatical, observando a traducao, a sintaxe e a interpretagao histdrica para as palavras. Compreender o sentido das palavras e as condicées historicas em que foram registradas, entender o que as “escrituras” representavam para os primeiros destinatarios, seja, talvez, um bom comego. Jesus falava para um povo que tinha suas leis calgadas no sentimento religioso. Um povo que lutou para a sua fixagao na “terra prometida”, um povo que dominou e foi dominado, que se viu cativo no Egito e na Babilénia, que mesclou costumes, mas que refutava aqueles que nado fossem os genuinamente israelitas. Um povo que naquela época estava sob 0 jugo romano e que esperava o cumprimento da profecia que versava sobre a vinda de um Messias, um libertador, que empunhasse a espada de Davi. Doutores da lei, escribas, gente do campo, da pesca, pessoas iletradas, revoltosos politicos, esses eram os primeiros destinatarios da mensagem de Jesus. Para esses, Jesus dizia: “arrependei-vos, pois esta proximo o Reino de Deus” (Mateus 4:17). Para esses dizia: “Nao penseis que vim destruir a Lei ou os profetas, nao vim destruir, mas cumprir.” (Mateus 5:17. Para alguns, Jesus falava com assertividade, para outros, falava por parabolas, respeitando a condigao de entendimento de cada ouvinte Atualmente, varios estudiosos de diversas religides vém desenvolvendo respeitosos trabalhos visando o melhor entendimento para os ensinos de Jesus. Entendem muitos que somente agora, ha pouco tempo, a forma interpretativa foi adotada. Pensam que no passado havia apenas a leitura literal dos textos, quando muito observando uma moral global exarada nos escritos. Todavia, pode-se ver que a forma interpretativa das palavras de Jesus nao é algo criado na modernidade. O préprio Jesus nos deu o indicativo para uma interpretacao segura. Ele foi a primeira pessoa a interpretar suas proprias palavras na forma que modernamente se faz, qual seja, valendo- se de analogias, de figuras de linguagem, de elementos semanticos. Em suas parabolas utilizava elementos do dia a dia das pessoas, como as condigées climaticas, a fertilidade do solo e o plantio do trigo. Lei Divina #01 | maio/2013 Vg Jesus interpreta a parabola do semeador (Mateus 13:10-23), analisando cada elemento da parabola. Compara a semente a palavra (ao ensinamento). Compara os solos (beira do caminho, pedregoso, com espinhos) as diversas pessoas que ouvem a palavra, mas nao a aproveitam. Compara, também, a terra fértil aquelas pessoas que aproveitam o ensino, cada um na medida de sua capacidade, aplicando-o em suas vidas. Em outro momento, a pedido dos discipulos, Jesus interpreta a parabola do Joio e do Trigo (Mateus 13:34-43). Mais uma vez Jesus utiliza de analogias semanticas, dizendo que o aquele semeia a boa semente 6 0 Filho do Homem; o campo onde se semeou é 0 mundo; a boa semente sao os filhos do Reino; 0 joio sao os filhos do “malvado”; o inimigo que 0 semeou € 0 “diabo”; a ceifa 6 a consumagao da era e os ceifeiros sao os “anjos”. E uma visao escatologica, comum na forma cultural daquele povo. No passado, no século XVII, padre Antonio Vieira, icone da literatura barroca brasileira, em seus sermées, ja utilizava meios interpretativos que iam além de simples analogias em relagao a coisas ou fatos. Vieira interpretava os evangelhos analisando palavra a palavra, verbo a verbo, pronome a pronome. Escreveu e proferiu varios sermoes interpretativos dos evangelhos. No chamado sermao da sexagésima, proferido em 1655, Vieira interpreta a parabola do semeador. Pode-se dizer que Ant6nio Vieira foi um precursor na analise interpretativa dos evangelhos. A guisa de exemplo, vale observar o que escreve Antonio Vieira sobre a primeira frase da parabola, aquela que diz que “o semeador saiu a semear”. Loca Cle “Diz Cristo, que saiu o Pregador Evangélico a semear a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Nao sé faz mengdo do semear, mas faz também caso do sair. Exiit, porque no CPM MUM Ir OSM tem iste Lae: Meter CLL tae) hao-nos de contar os passos. [...] Para quem lavra CO MPLA CM-LM OR aM UMm CRU MOC passadas colhe frutos. Entre os semeadores do Evangelho ha uns que saem a semear, ha outros OUMSNE UMSSL LSS Leen Bee COIR (Ua CCl MrT em casa, pagar-lhes-Ao a semeadura; aos que vao buscar a seara tao longe, hao-lhes de medir EMS Verse ECObdLACeasime (exe) 11 -a OSS OLSSSLOSI dia do Juizo! Ah Pregadores! Os de ca, achar-vos- ei com mais Pago, e os de la com mais passos: Exijt seminare. [...] Diz Cristo que 0 semeador do Evangelho saiu, porém nao diz que tornou; porque os Pregadores Evangélicos, os homens que professam pregar e propagar a Fé, é bem que saiam, mas nao PE bem que tornem. [...] Porque sair para tornar, ws é nao sair. [...] Ide e pregai a todaa Lei Divina #01 I maio/2013' QQ Vé-se claramente que as interpretagdes dos evangelhos contam de muito tempo. Em cada época, em cada religiao, os evangelhos foram analisados, buscando uma ética relacional para a existéncia humana. No segmento espirita nao foi diferente. Formas interpretativas foram e sao apresentadas, visando uma melhor compreensao, em espirito e verdade, dos ensinamentos do Cristo. Além de Allan Kardec, notaveis estudiosos espiritas, de tempos idos, dentre eles Cairbar Schutel (Pardbolas e Ensinos de Jesus) se propuseram a apresentar estudos interpretativos dos evangelhos, valendo-se da contribuigao dos ensinamentos espiritas, Espiritos como Emmanuel, Amélia Rodrigues, Humberto de Campos, trouxeram fatos e palavras de Jesus, nao expressos nos evangelhos, que preencheram certas lacunas na exegese. A interpretacado dos evangelhos, com a contribuigao dos espiritos, ficou mais rica, mais profunda. Reviveram- se periodos da historia em que as pessoas consagravam esforcos e tempo para o entendimento dos evangelhos. No particular estudo minucioso do evangelho é preciso ressaltar o trabalho de pessoas que enriqueceram a interpretagao. Com singeleza, com simplicidade, mas com profundidade de andlise, desenvolveram o estudo que foi carinhosamente chamado de “Evangelho Miudinho”. Parte desses estudos pode ser apreciada no livro Luz Imperecivel, editado sob a coordenacaéo de Hondrio Onofre de Abreu, em 1997, em comemoragao aos 40 anos do Grupo Espirita Emmanuel, de Belo Horizonte. Os evangelhos nos trouxeram diversos ensinos de Jesus. Todos os seus ensinos? Talvez nao, como bem asseverou 0 apdstolo Jodo ao escrever “Ha, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus realizou, que se fossem escritas uma por uma, nem mesmo — suponho — 0 mundo teria lugar para os livros escritos” (Jodo 21:25). E justamente nesse ponto que a doutrina espirita representa um diferencial interpretativo dos evangelhos. Com a presenca dos espiritos, aclarando fatos e desdobrando os ensinos de Jesus, com os estudos sistematizados do evangelho a luz da doutrina espirita, entender-se-a que, de fato, Jesus é a porta e Kardec a chave. Assim sendo, todos teremos “ouvidos para ouvir” e as palavras do Cristo ecoarao eM nossos coragées e mentes. Bibliografia Consultada ; DIAS, Haroldo D. 0 novo Testamento. Brasilia (DF), Brasil: Conselho Espirita Internacional, 2010. VIEIRA, Antonio. Sermdes: Padre Vieira. Organizagao e introdugao Alcir Pécor. Sao Paulo: Hedra, 2000. Lei Divina #01 | maio/2013 44 Day ANDOU LO) a i= TRADITORE Haroldo Dutra Dias O mercado editorial conta com intiimeras tradugdes do Novo Testamento, cada qual concebida e executada segundo necessidades do publico leitor. Ha aquelas elaboradas em linguagem popular, ao lado de outras elaboradas em estilo mais classico, mas todas elas estribadas em pressupostos linguisticos, teologicos e pastorais especificos, ainda que nao explicitados. As mais renomadas tradugdes disponiveis em lingua portuguesa, entre elas a Biblia de Jerusalém, a Biblia do Peregrino, a Tradugéo Ecuménica da Biblia (TEB), Joao Ferreira de Almeida, Nova Versao Internacional (NVI), constituem projetos que nasceram na Europa Continental e nos Estados Unidos da América, e so posteriormente foram traduzidos e adaptados ao publico falante deste idioma. E oportuno destacar, também, que as maiores descobertas de manuscritos gregos do Novo Testamento ocorreram entre 1780 e 1948, razao pela qual na segunda metade do século vinte foram reunidas renomadas comissdes biblicas a fim de langarem novas tradugdes alinhadas com os recentes avancos da pesquisa biblica. As recentes teorias da tradugao, por sua vez, postulam que elas podem ser classificadas em “source oriented” e “target oriented”, ou seja, orientadas para o texto fonte ou para o texto de destino. Essa classificagao diz respeito aos dois caminhos que podem ser adotados pelo tradutor: levar o leitor a se identificar com determinada época e ambiente (texto fonte), ou tornar essa época e esse ambiente acessiveis ao leitor da lingua e da cultura do texto traduzido, mediante estratégias de adaptacao. Um projeto de tradugao poderia ser classificado como “source oriented”, na medida em que pretendesse despertar o leitor para as caracteristicas culturais da Palestina do primeiro século da era crista. Dito de outro modo, uma tradugao orientada ao texto fonte assume 0 compromisso de transportar 0 leitor ao cenario no qual Jesus viveu, agiu e ensinou, a fim de que escute suas palavras, seus ensinamentos como se fosse um morador daquela regiao. Lei Divina #01 | maio/2013 EE Noutro giro, um projeto de tradugao classificado como “target oriented”, reclama estratégias distintas, conferindo ao tradutor maior flexibilidade no processo de adaptagao do texto para torna-lo mais acessivel ao entendimento do leitor. Nesse caso, é permitido o sacrificio do original para facilitar acompreensdo. Eis 0 cenario do tradutor dos textos biblicos. E indiscutivel que esses livros podem ser lidos a partir da nossa experiéncia atual, levando-se em conta vinte séculos de tradigao religiosa. Nessa perspectiva, a historia da interpretagao desses livros assumiria papel preponderante, descortinando as inimeras abordagens e contetidos que se sobrepuseram ao texto, ao longo da sua transmissao. A questéo crucial reside na possibilidade de se percorrer Nao se trata de caminho diverso. Imitando o arquedlogo, cuidadosamente e desmerecer, pacientemente, seria _ possivel condenar Ou retirar as dezenas de camadas que se sobrepuseram ao texto grego polemizar a respeito do Novo Testamento, ao longo de dos dogmas vinte séculos de interpretacao, para contempla-lo 0 mais de perto teologias € crengas ea das varias escolas Esse esforgo se concentraria na do pensamento recuperac¢ao do sentido original das a palavras, expressdes idiomaticas, cristao. referéncias e inferéncias do texto. Seria uma espécie de “arqueologia linguistica e cultural” que buscaria resgatar a multiplicidade de dados que conformaram o ambiente no qual nasceram os livros que compéem o Novo Testamento. Nessa proposta duas questdes teriam de ser respondidas: Como esse texto seria lido por um habitante da Galileia, da Judeia, das regides banhadas pelo Mediterraneo, no primeiro século da nossa era? Quais referéncias e inferéncias 0 texto despertaria no ouvinte daquela época e regido, considerando-se o ambiente linguistico, cultural, religioso, politico e econédmico da época? Figuremos um exemplo singelo: 0 verbo grego “bapto” (mergulhar, imergir, lavar), pelos processos de derivacao das palavras, 6 responsdvel pela formacgao do substantivo “paptismo” (mergulho, imersao, o ato de lavar). Ao se traduzir esse substantivo por batismo, é impossivel que o leitor moderno nao associe o vocabulo aos temas teoldgicos ligados ao sacramento do batismo. Todavia, urge reconhecer que essas teologias nao existiam ao tempo em que os livros do Novo Testamento foram redigidos, ou melhor, nao existiam nem mesmo igrejas nos moldes das atuais. Nao possuimos sequer registros seguros de que os judeus, sistematica e institucionalmente, utilizavam a imersdo em agua como ritual para conversdo de prosélitos. Nesse caso, seria necessario escavar, aprofundar para recuperar o frescor original do termo, possibilitando ao leitor moderno 0 acesso a essa pratica do cristianismo nascente sem as camadas interpretativas que se formaram ao longo dos séculos. Nao se trata de desmerecer, condenar ou polemizar a respeito dos dogmas, teologias e crengas das varias escolas do pensamento cristao. 0 que se procura é possibilitar o acesso dos individuos nao especializados em pesquisa biblica aos elementos originais da tradicao crista, sem o colorido interpretativo posteriormente conferido a cada um deles. Manter a coeréncia e a fidelidade a esta proposta exige a farta utilizagao de notas de rodapé contendo esclarecimentos sobre os vocabulos gregos, as tradicées judaicas, os aspectos histéricos e geograficos, os elementos culturais circundantes, de modo a tornar claras as premissas e as opgdes do tradutor em cada versiculo. Nesse caso, as notas de rodapé se transformaram, ao mesmo tempo, em fonte de esclarecimento e material de suporte para a leitura, complementando informes impossiveis de serem transmitidos com a simples traducao do texto grego. Funciona também como fator de abrandamento do provérbio italiano “traduttore, traditore” (tradutor, traidor), ja que torna explicita as escolhas do tradutor, possibilitando ao leitor avaliar essas escolhas e fazer as suas. Estamos, porém, convencidos da impossibilidade de se recuperar 0 ambiente no qual foram produzidos esses textos sem um esforgo do leitor. Deslocar-se em direcdo ao texto implica desconforto, estranhamento, porém representa uma jornada rica e intrigante de encontro com a mensagem genuina de Jesus e de seus colaboradores diretos. Esse desconforto comeg¢a na abundancia de notas de rodapé, ou notas finais, as quais oferecem diversos contetidos que podem ser classificados em duas grandes categorias: lingiiisticos e culturais. Os elementos linguisticos dizem respeito a esclarecimentos telativos aos vocdbulos gregos, expressdes idiomaticas, formacao de palavras, hebraismos e aramaismos, questées sintaticas, estilo literario dos evangelistas, estrutura literaria dos livros, em suma todos os aspectos relacionados ao texto propriamente dito. Por elementos pode-se entender todas as questdes relacionadas ao ambiente no qual os textos do Novo Testamento foram produzidos, tais como histdria, geografia, antropologia, caracteristicas do Império Romano (economia, exército, administragao, justica, legislagao), dados culturais dos paises banhados pelo Mar Mediterraneo, sobretudo a Grécia, religides pagas, habitos, costumes e tradigdes dos galileus e, principalmente, tradigao religiosa judaica. 0 Novo Testamento esta repleto de inferéncias e referéncias 4 tradi¢ao religiosa do povo hebreu. Nunca 6 demais lembrar que todos os redatores dos livros neotestamentarios eram hebreus, com excegao do evangelista Lucas. No entanto, mesmo no caso dele, destacam-se os tracos da cultura judaica, em razao da influéncia exercida por Paulo de Tarso em sua obra. Em suma, estamos convencidos do proveito de semelhante empreendimento, nao obstante os imensos desafios que o cercam, tendo em vista as possibilidades que se abrem a leitor quando toma conhecimento da riqueza do texto original e do seu contexto. Lei Divina #01 | maio/2013 Gladston Lage, Uma das mais profundas e legitimas introdugdes que vise a uma abordagem sobre a poesia seja a exaltagao de longevos livros * sagrados, Os Vedas, Bhagavad-Gita... em nosso caso, pelo critério de familiaridade cultural, a Biblia, todos exemplificam o sobrescrito. Resultam de tessituras literarias a varias maos em diversas Y €pocas. Foram produzidas, modificadas, re indidas, traduzidas, __ adaptadas e dialogam com 0 gosto popular. Em sentido metaforico (e as comparagées sao instanténeas a alguns, requerem o esforco e até boa vontad ace outros | ptores — ouvintes € leitores) no jardim da li Ha floragdes de textos. religiosos. A Biblia assemelha-se a um pet Ele é forage por muitas florezi Magistral e simples, 0 episodio da Criacgao constrdi uma trama que envolve diferentes modalidades literarias: romance (Addo e Eva), suspense (a arvore do fruto proibido), aventura (transgressao ao comer 0 fruto), drama (a expulsao do paraiso), saga (0 degredo)... Melodiosa é a criagao, delicioso o paraiso, insinuante a serpente, tentador o conhecimento, atraente a aventura, peremptoria a sentenga... Eis-nos irreversivel e progressivamente descobridores e conhecedores. Exploramos a realidade que se manifesta aos sentidos, nomeamos, conceituamos, interpretamos, representamos, estilizamos... 0 jogo com as palavras decorre da serpente (pesquisa), da arvore (conhecimento), das cavernas, da pedra, do fogo, da agua, do raio, do trovao, da alegria, da dor, da morte, da vida, do corpo, da alma, do espirito. Aescrita literaria pode ser um extravasamento, um exercicio intimista (0 diélogo consigo), e pode visar a leitura, almejar 0 outro, nestes casos torna-se intersubjetiva. Por diversos meios (orais: arautos, trovadores, trupes, cavaleiros andantes...) e escritos (garatujas, arabescos, ideogramas, desenhos, cordel, folhetim...) se manifestam as representages de nossas idéias e pensamentos. Se minudenciarmos demais Teoria e Historia Literdria, causaremos dois problemas: cansar os leitores e expor a ignorancia deste articulista. Logo, deixemos o quadro no genérico e em pinceladas largas. No ponto da histéria em que nos situamos, especificamente Na poesia, depararemos com algumas classificagdes. Umas seguem 0 critério (movedigo!) das épocas; outras, 0 das padronizagées (imprecisas!). E muito didatico e trabalhoso fazer enquadramentos, mas obviamente se incorre em algumas arbitrariedades de quem analisa. Dialeticamente, o escritor - e por extensao 0 poeta — também segue uns principios particulares, umas regras, recebe influéncias, revela pioneirismos; em suma, relaciona com as palavras um tanto particular, outro tanto predeterminadamente. Ha correntes literarias mais difundidas em periodos historicos (hegemonia), de maneira que tiveram predominioe “marcaram época”. Sem preocupagao rigidamente cronoldgica de nossa parte, para efeito de exemplificagao citamos alguns movimentos mais destacados dentre movimentos e escolas de criagdo poética que foram o classicismo, o neoclassicismo, 0 parnasianismo, 0 simbolismo, o romantismo, 0 modernismo, 0s pos-modernismos... Nao ha medida rigorosa de qualidade que se aplique na comparacao dessas manifestagdes. Até porque o ambiente social em que surgem e se apresentam nunca é neutro. A ideologia dominante, a linha contestatoria, 0 extremismo revolucionario; sao idedrios que perpassam e intercambiam com o talento, o repertério, 0 motivo, os valores, os costumes, a finalidade, os recursos, em sintese, o mundo do artista, do artifice, seja ele mUsico, escultor, arquiteto ou escritor. Verao os amigos leitores que a temperatura de nosso ensaio aumenta. Paradoxalmente um tufao de critica se avoluma e nao tardara que se precipite contra alguns castelos construidos sobre areias da fama. Prossigamos. Como 0 leigo, em sua intuigao, e o especialista, em sentido geral, identifica um texto poético? As razdes podem ser pela originalidade com a coisa é escrita ou ainda por aspectos Lei Divina #01 | maio/2013 vie tecnicos. Para muitos, a poesia se caracteriza pela rima (terminagdes iguais, as vezes visuais, 4s vezes sonoras). Em outras situagdes, 0 que sugere sua presenca € 0 ritmo, o numero de silabas, a musicalidade... Ha quem atribua poesia até as paisagens, ao canto dos passaros, as coreografias dos passaros e cardumes, as disposigao estética intencional ou casual de objetos. Alguns autores e poemas em lingua portuguesa se consagraram (muitas vezes gracas a difusao escolar), casos de Cangao do Exilio em que Gongalves Dias suspira a saudade, Castro Alves conclama as forcas dos mares pela causa da Aboli¢ao, os romanticos usam a esséncia sublime, delicada e breve da flor que perfuma e fenece para cultuar a(o) amada(o); uns cantam maviosamente, outros cultuam, contritos, e, dbvio!, ha dissidentes dessa aparente harmonia dos arranjos. Os realistas desnudarao 0 corpo do motivo em sua crueza, mostrarao as visceras da critica social; Augusto dos Anjos fara poemas bioldgicos de estarrecer os puritanos e idealizadores; os modernistas dilapidarao o templo da rima e da métrica; os pds-modernistas dizimarao as estéticas tradicionais e tal ponto que escandalizarao os parnasianos (que persistirdo... mais que isso: se obstinarao as vezes até obsessivamente no aprimoramento do equilibrio da forma, do comprimento, das rimas (as ricas, as raras...). Por falar em comprimento, os concretistas faréo da aparéncia a Mensagem explicita ou subliminar e a quem prefira 0 maior radicalismo, valha-Ihe 0 dadaismo, que nao deixa pedra sobre pedra; alias, nem havera pedra (pobre Drummond). Daqui para adiante atenderemos as expectativas de uns, debandarao outros. Nosso artigo nao é despretensioso. E fundamentalmente espirita. Por isso alguns pareceres sao registrados para iluminar nos caminhos, nortear no alto- mar das aparéncias, orientar na saida do labirinto, organizar a Torre de Babel. Evidentemente, assumimos a condigao de “servos inuteis”; devemos nos diminuir a fim de que o CRISTO cresca e, neste caso, a esséncia e a mensagem sao 0 que importa. Primeiramente, inteligéncia nao 6 sindnimo de sabedoria. 0 talento de Bocage e Mozart tecnicamente é largamente reconhecido, todavia nao constituem exemplos para a 0 espirito que almeje a cristianizacao. Na expressdo biblica, “o diabo se reveste de anjo de luz”. Muitos conteudos deploraveis se trajam de poesia; poemas celebrados como classicos apenas constam das listas didaticas e de exceléncia a custa de interesses editorials, de obsessdes coletivas, de gostos desvairados (este ponto de vista nao 6 admitido no campo da Antropologia Cultural, por exemplo, mas agora estamos nos valendo da otica espirita, lembram-se?). Numa das psicografias da obra “Do Pais da Luz”, médium Fernando de Lacerda, 0 renomado Ega de Queiroz revela com 0 humor sarcastico que lhe é peculiar que foi orientado a incinerar os seus livros “classicos” na alfandega espiritual, pois nada havia neles de aproveitavel a sua nova condigao de espirita desencarnado. Um poema pode ser belissimo, mas de grave esséncia. De incontestavel beleza 6 0 poema “Ismalia” (uma obra-prima cujo enleio nos distrai das duas grandes tematicas: a loucura € 0 suicidio). Na linguagem de JESUS, “muitos dos primeiros serao os Ultimos e exaltados seréo humilhados”. Isso se aplica aos intelectuais da politica, sofistas da libertinagem, icones da rebeldia, aventureiros da revolugdo, mercadejadores da palavra. Nos altiplanos as portas sao estreitas. 0 sentido essencial é consagrada magistralmente pelo grande Paulo: “Ainda que eu fale as linguas dos homens e dos anjos, se nao tiver amor, sou Como uM bronze que soa ou um cimbalo que retine... se nao tiver amor, de nada me aproveita” Lei Divina #01 | maio/2013 - ee 0 livro “Parnaso de Além-Tumulo” é uma coletanea que atesta a imortalidade, reapresenta 0 estilo e é crivada pelo Médium do Amor. 0 Parnaso cumpriu a missdo de alvorogar a sociedade em geral, a Academia Brasileira de Letras em particular. Poetas, que trouxeram suas dracmas, revelaram suas reflexdes, abjuraram o materialismo que a alguns supliciou, aterrissaram nas paginas e retornaram a seus “leitos, soldos e colheitas”. Constitui marco na historia meditinica planetdria. Teve um fim em si mesmo. Tem o cunho parnasiano (talvez pelo grau de dificuldade para se improvisar nessa categoria. Afinal, as matrizes advém do “Mundo das Idéias”, segundo Platao; “Planos Espirituais”, concordamos com Kardec) e simbolista (gragas a sua religiosidade imanente). Além das obras em verso, ha os romances, os de codificagao, as didaticas, as cientificas, as de opiniao, as de revelacao e as nao publicadas (familiares e de receituario). E de esperar que os leitores-irmaos, no debate que este ensaio instiga, se perguntem sobre as qualidades a que se deve almejar no exercicio poético (e literario) do espirita. Nao nos furtemos a algumas recomendacées. Algumas perguntas devem preceder o ato da criagao em nosso caso: é bom? E util? E verdadeiro? E belo? 0 artigo decerto ficara inacabado porque tem a missao de estimular a reflexao e cada leitor pode contribuir na tessitura do tema aqui tratado. Wagner Gomes da Paixao Admiraveis sao as conquistas da inteligéncia humana num contexto existencial que, por si, ainda é um desafio de interpretagao. A Revelagaéo do Mundo em que vivemos diz respeito as descobertas que os seres humanos fazem, todo dia, no meio em que respiram e por dentro de si proprios. Ha estreita correlagao entre o exterior geografico e 0 interior de cada ser, por mais duvidas e hesitagdes esse processo de interagao e aprendizado fomente. Mas foi a partir desse movimento de vida em expansdo, tornando-se inteligivel, que as Ciéncias surgiram, que a Filosofia alcangou esplendores racionais e que a Religidéo vem sendo descortinada como caminho intuitivo e de adoragao, num anteldquio da suprema insergao da criatura humana em Deus — 0 Absoluto. Lei Divina #01 | maio/2013 Po Os gregos iniciaram a pesquisa das Leis Naturais a partir do Plano Fisico e nao poderia ser diferente, pois a realidade material é a que primeiro tange os nossos sentidos. E Allan Kardec, 0 Codificador do Espiritismo, tao bem compreendeu esse imperativo, que adotou semelhante metodologia, partindo do simples para o abstrato, dos fendmenos fisicos em direcdo da realidade espiritual — a Causa de todos esses Efeitos que nos sinalizam a Vida Cosmica. Esses estudos, que formam a base do Edificio Espirita- Cristao, nos instrumentalizam a sensibilidade e a inteligéncia para exploragao dos Tesouros Evangélicos a nds legados por Jesus Cristo. Jesus inaugurou na Terra as mais sublimes concepgoes da Vida Universal e delineou com seus exemplos a Era Nova da Regeneragao, em que as Leis Divinas passam a constituir a Verdade, sobre a qual se levanta uma nova ordem de comportamento e de desenvolvimento das virtudes — as definitivas conquistas dos seres. Portanto, é como instrumento da evolugdo para o justo desdobramento da nossa Cultura Humana, em base triplice (Ciéncia, Filosofia e Religiao), que o Espiritismo doutrinario surgiu desde 1857, com a publicagdo de 0 Livro dos Espiritos, concluindo-se, esse processo que alicerca novos tempos para o conhecimento humano, com a publicagao de A Génese em 1868, considerando-se todos os exemplares da Revista Espirita publicados pelo Codificador e todas as obras correlatas nascidas de suas maos diligentes e sdbias, a servico do Espirito de Verdade. Sao de Kardec as seguintes instrugdes acerca da Missdo de Jesus e também a que compete ao Espiritismo na atualidade do mundo: “Se o Cristo nado péde desenvolver o seu ensino de maneira completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles so podiam adquirir com 0 tempo e sem os quais nao 0 compreenderiam; ha muitas coisas que teriam parecido absurdas no estado dos conhecimentos de entao. Completar 0 seu ensino deve entender-se no sentido de explicar e desenvolver, nao no de ajuntar-Ihe verdades novas, porque tudo nele se encontra em estado de gérmen, faltando-lhe sO a chave para se apreender o sentido das palavras.” (A Génese, capitulo |, Item 28, A. Kardec, FEB) A abertura mental que o tempo opera nos seres por obra do progresso tem lastro nas experiéncias somadas de geragao a geracao, de civilizagao a civilizagaéo e o grande desafio de interpretar crengas e mitos, misticismos e dogmas construidos no passado para ilustragdo das gentes, recai sobre todos quantos alcancam a maturidade do senso moral e a clarividéncia dos fatos pelo adestramento de seus potenciais animicos. E para um tempo de renovacdes profundas e de selegao natural que uma Revelagao como o Espiritismo surge, sintetizando conhecimentos, apurando valores e apontando rumos essenciais, libertadores por exceléncia. Dai seu papel de “explicar e desenvolver” os documentos de natureza divina existentes na Terra. “Mas, quem toma a liberdade de interpretar as Escrituras Sagradas? Quem possui as necessdrias luzes, sendo os tedlogos? Quem 0 ousa?” — prossegue Kardec, no item 29, capitulo 1, de A Génese. “Primeiro, a Ciéncia, que a ninguém pede permissao para dar a conhecer as lei da Natureza e que salta sobre os erros e os preconceitos.” (...) “Neste século de emancipacao intelectual e de liberdade de consciéncia, 0 direito de exame pertence a todos e as Escrituras nao sao mais a arca santa na qual ninguém se atreveria a tocar coma ponta do dedo, sem correr o risco de ser fulminado.” E conclui 0 emérito francés: “Mas, quem julgard das interpretacées diversas e muitas vezes contraditérias, fora do campo da teologia? 0 futuro, a logica e o bom-senso”. Lei Divina #01 | maio/2013 0 Espiritismo como Consolador Prometido, vem restaurar o Evangelho para o mundo, estabelecendo uma nova visdo da Vida e a verdadeira interpretagado da Mensagem do Cristo que se confirma, pela experiéncia e pelos fatos, como Guia e Modelo da Humanidade (Questao 625, 0 Livro dos Espiritos, FEB). Uma rapida apreciagao dos textos abaixo nos fornecem uma constatagao sensata do que vimos explorando neste artigo: “Amém, amém, vos digo: Quem cré tem vida eterna. Eu sou 0 pao da vida. Os vossos pais comeram o mana no deserto e morreram. Este € 0 pao que desce do céu, a fim de que nao Morra quem dele comer. Eu sou 0 pao vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pao vivera para sempre. E 0 pao que eu darei pela vida do mundo é a minha carne” (Jodo, cap. 6, versiculos de 47 a 51, traducao de Haroldo D. Dias, Editora CEl). “(...) Etambém o que nao menos claramente ressalta, do que Jesus expendeu sobre o pao do céu, empenhado em fazer que seus ouvintes compreendessem 0 verdadeiro sentido do alimento espiritual. “Trabalhai, diz ele, nao por conseguir o alimento que perece, mas pelo que se conserva para a vida eterna e que 0 Filho do Homem vos dara.” Esse alimento é a sua palavra, pao que desceu do céu e da vida ao mundo. “Eu sou, declara ele, 0 pao da vida: aquele que vem a mim nao tera fome e aquele que em mim cré nunca tera sede.” “Tais distingdes, porém, eram por demais sutis para aquelas naturezas rudes, que somente compreendiam as coisas tangiveis. Para eles, o mana, que alimentara o corpo de seus antepassados, era 0 verdadeiro pao do céu; ai é que estava o milagre.” (A Génese, cap. XV, item 51, A. Kardec, FEB) Dando curso a evolucao das ideias e das concepcdes, que se tornam essenciais e morais e nao mais fisiolégicas ou materiais, Emmanuel discorre sobre a significagao de Jesus e Seu Evangelho de Amor, para norteamento intelecto-moral dos homens, em perfeita sintonia com as bases da Terceira Revelacao de Deus aos homens: PAO “Eu sou 0 pao da vida.” — Jesus. (JOAQ, 6:48.) Importante considerar a afirmativa de Jesus, comparando-se ao pao. Todos os povos, em todos os tempos, se ufanam dos pratos nacionais. As mesas festivas, em todas as épocas, banqueteiam- se com viandas exéticas. Condimentagaéo excitante, misturas complicadas, confeitos extravagantes, grande copia de animais sacrificados. As vezes, depois das iguarias toxicas, as libagdes de entontecer. 0 pao, no entanto, é 0 alimento popular. Ainda mesmo quando varie nos ingredientes que 0 compdem e nos métodos de confecgao em que se configura, é constituido de farinha amassada e vulgarmente fermentada e que, depois de submetida ao calor do forno, se transforma em fator do sustento mundial. Sempre 0 mesmo, na avenida ou na favela, na escola ou no hospital. Se Ihe adicionam outra espécie de quitute, entre duas fatias, deixa de ser pao. E sanduiche. Se lancado a formagao de acepipe que o absorva, naturalmente desaparece. 0 pao é invariavelmente pao. Quando alguém te envolva no confete da lisonja, insuflando-te vaidade, nao te dés a superestimagao dos préprios valores. Nao te acredites em condigdes excepcionais e nem te situes acima dos outros. (Palavras de Vida Eterna, Capitulo 134, CEC) Lei Divina #01 | maio/2013 ED TEU COMPANHEIRO LIBERTADO Angelica da Costa Maia Este é 0 titulo do capitulo 13 do livro “Obreiros da Vida Eterna”, de Francisco Candido Xavier, ditado pelo espirito André Luiz, editado pela Federacao Espirita Brasileira, E 0 quarto da série conhecida por “série André Luiz” na qual o autor espiritual desvenda o mundo pds-morte, com casos interessantes elucidando os principios contidos na codificagao de Allan Kardec. Teria André Luiz, como a si mesmo propés, utilizado pseud6nimo para os personagens da obra? Onde se passaram os casos relatados? Quem seria o “companheiro libertado”? Iremos compartilhar com o distinto leitor a comovente historia de vida de um dos personagens da obra citada — Dimas (o“companheiro libertado”). Lei Divina #01 | maio/2013 31 Dimas de Sousa é seu nome. Nasceu em Lavras/MG, em 02/04/1881, Ainda muito jovem foi para a cidade de Macacos, no Rio de Janeiro, trabalhar com uma familia, provavelmente no comércio. La estudou até a 4° série do antigo curso primario. Aos 22 anos, ainda em Macacos, presenciou o crime citado no capitulo 14 da mesma obra, relatado por um dos amigos presentes ao veldrio de Dimas: “Poucos homens foram de boca segura como este. Conheci Dimas, faz muitos anos, e estou certo de que foi testemunha ocular de pavoroso crime, que nunca se desvendou para os juizes da Terra”. Um ano depois do acontecimento Dimas retorna a Lavras e, aos 23 anos, casa-se com Mariquita (Maria) de Sousa Godinho, tendo ela quinze anos. Tiveram muitos filhos, ao todo 24. Passou a trabalhar na Camara Municipal de Lavras, encarregado de receber contas de luz nas portas das residéncias, j4 que esse servicgo, na ocasiao, era controlado pela Prefeitura Municipal. Terminando o expediente exercia, ainda, as fungées de pintor de paredes, pois era pobre e lutava muito para criar a numerosa familia. Nessa época funcionava a coletoria que era comandada por um homem apelidado de “Zé Ministério”, nado muito credor da confianga do povo. Certa feita ele deu um tremendo desfalque nacoletoriae armou um plano parase livrar daresponsabilidade do ato. Contratou Dimas para pintar a coletoriae este, em determinado momento, alegou necessidade de providenciar uma escada maior, ja que as paredes eram altas. Zé Ministério disse que ele poderia subir na escrivaninha mesmo. Dimas assim 0 fez, deixando marcas do seu sapato. Anoite, Dimas vé bater na sua porta soldados de baionetas em riste acusando-o de roubo na coletoria enquanto trabalhava como pintor. Segundo os soldados nao havia dtivida de que ele, Dimas, era o culpado. Rasgaram colchdes em sua casa procurando 0 dinheiro, vasculharam todos os cémodos. D. Benvinda, mae de Dimas, apavorada, procura o filho e esse Ihe diz: “Mae, a senhora acredita na minha inocéncia?”. Ela responde que sim. Dimas diz: “Entao, basta!” Levaram Dimas como preso incomunicavel. Calmamente ele seguiu com os guardas. Na prisao aflora-Ihe a mediunidade e ele, em transe, comega a escrever nas paredes da cela: “Este homem é inocente”. O espirito que se comunicava através da escrita assinava: “sou advogado de causas justas”. Este indicou 0 numero das folhas, livro e onde se encontrariam sinais do desfalque do coletor 26 Ministério. Dimas ficou dois dias preso, até que pessoas de sua amizade, ainda que 0 imaginassem “louco” por causa dos fendmenos ocorridos, resolveram averiguar as informagdes e tudo foi desvendado. Dimas foi solto e ficou provada a culpa de Zé Ministério. Tudo conforme o espirito comunicante escrevera nas paredes da cela. 0 coletor foi preso e adoeceu na cadeia. Anos mais tarde ele mandou chamar Dimas para pedir-Ihe perdao. Dimas procura-o na prisdo, perdoa-lhe o ato pedindo as autoridades que o libertassem, pois estava muito doente. Dimas levou-o para uma pensao para cuidar melhor dele. Na pensdéo mesmo ele desencarnou, pouquissimo tempo apds sair da prisdo, quando Dimas preparou seu enterro acompanhando o corpo até a sepultura. Continuemos.... Pouco tempo depois de deixar a prisao, Dimas se desencantou da profissao de pintor. Ajeitou na propria casa um salao de barbeiro, muito simples, do qual sobreviveu pelo resto da existéncia fisica. Os fendmenos meditinicos se avolumaram. Comecou a estuda-los convertendo-se, assim, ao Espiritismo, passando a freqiientar o Centro Espirita de Lavras (fundado em 1920 por Augusto José da Silva - para mais detalhes ver “Grandes Espiritas do Brasil” — FEB), hoje Centro Espirita Augusto Silva. Em sua casa mantinha um comodo para aplicar passes e receber mediunicamente receitas, 0 que fez até o final da vida, socorrendo doentes e curando os males de todos que Lei Divina #01 | maio/2013 En necessitavam. Suas faculdades meditinicas cada vez mais se intensificavam: psicofonia, psicografia, vidéncia, efeitos fisicos, xenoglossia e cura. Os que o conheceram diziam que William Crookes se manifestava por ele com perfeigao em outro idioma. Ha um caso pitoresco envolvendo Dimas de Sousa, o “companheiro libertado”. Certa vez um professor da antiga Escola Agricola de Lavras (hoje Universidade Federal de Lavras), que nao acreditava nas faculdades meditinicas, foi convidado para participar de uma reuniao na casa de Dimas adiantando que desafiaria a autenticidade dos fenémenos. Compdés um poema sem lhe dar fim. Durante a sessao ele, com 0 poema no bolso, pediu que Dimas revelasse 0 que continha 0 papel escondido. Em transe meditinico ele escreve 0 poema como se encontrava no papel, completando-o s6 um pouco e deixando para 0 professor a ultima palavra a ser escrita. Assombrado, este disse: “Nunca mais duvido do Espiritismo!”. As curas realizadas por Dimas foram espetaculares. Citemos algumas: © Um pedinte que tinha um lado do nariz todo carcomido, talvez pelo cancer, disse: “Sr. Dimas, ja esta cheirando mal, dando bicho.” Com apenas um passe Dimas conteve a doenga. ¢ Um senhor tinha varias feridas e tumores na nuca. A Medicina tudo havia experimentado e nada de alivio. Os médicos nao entendiam a doenga. Em uma semana ele foi curado com passes aplicados por Dimas e exposigao ao Sol, direcionando 0 foco de uma lente. © Um “louco” chega amarrado no cavalo. Causava medo a todos. Dimas chegou na janela de sua casa e pediu: “Desamarra esse homem em nome de Deus.” Os que haviam trazido 0 pobre homem disseram: “ Sr. Dimas, este homem matou uma rés com as maos, como podemos solta-lo?” “Soltem 0 homem!” — disse ele. Aplicou passes e 0 suposto louco foi embora curado. e De outra vez lhe trouxeram um rapaz da zona rural completamente transtornado. Dimas o acolheu em sua modesta casa para traté-lo com mais tempo. 0 mogo foge e vai para um armazém ali por perto. La chegando lambe todos os pires que estavam debaixo das prateleiras com veneno para ratos. Dimas foi chamado as pressas para acudir 0 rapaz. Aplicou-lhe passes, 0 rapaz vomitou todo o veneno. Nao teve mais nada. * Dimas realizou curas em si mesmo, como esta que vou lhes contar. Apareceu-lhe, certa vez, um tumor na cabeca. Os médicos nao quiseram abrir, era enorme. Um dia ele falou para a esposa: “Mariquita, nado se incomode. Vou para o escritério repousar.” Como ele demorava muito a esposa foi ver 0 que estava acontecendo. Ao abrir a porta leva um grande susto. Dimas estava ensangilentado e na mesinha ao lado bastante algodao sujo de sangue. Ele disse: “Dr. Augusto Silva me operou e disse que é apenas para lavar com salmoura para tirar 0 sangue”. 0 tumor secou completamente. Dimas nao tinha hora para atender. Em “Obreiros da Vida Eterna” podemos perceber sua vida intensa a ponto de descuidar de si mesmo. Vemos na obra a situagéo de Dimas relatada pelo assistente espiritual (cap 13): “Dimas nao conseguiu preencher toda a cota de tempo que Ihe era licito utilizar, em virtude do ambiente de sacrificio que Ine dominou os dias, na existéncia a termo. Acostumado, desde a infancia, a luta sem mimos, desenvolveu 0 corpo, entre deveres e abnegagdes incessantes.” Relendo o capitulo podemos prosseguir com o instrutor espiritual a descrever o calvario de lutas do grande servo Dimas. A sua vida foi dedicada aos outros. Foi muito pobre e humilde. Nao foi perseguido por ser espirita porque era muito respeitado em Lavras e na redondeza. Os médicos implicavam um pouco com suas receitas, mas ao mesmo tempo ficavam assombrados com a perfeigéo das dosagens e as curas realizadas. Lei Divina #01 | maio/2013 35 0 querido e abnegado Dimas desencarnou com 64 anos de idade, as 21h de 18/06/45, assistido por André Luiz e Jerénimo, como bem grafou Chico Xavier na obra citada varias vezes neste artigo. Em seu atestado de obito foi registrada a causa mortis — insuficiéncia cardio-renal. Estava 0 companheiro ja desencarnado quando Chico Xavier veio a Lavras e participou de uma reuniao meditinica na casa do Sr. Acir Melgaco, com a presenca de um de seus filhos (de Dimas). 0 Sr. Acir foi um grande companheiro no movimento espirita de Lavras e conviveu com Dimas. Tive a alegria de conhecé-lo, conviver um pouco com essa alma ilustrada e fina e também de ouvir de seus labios: “Dimas morreu em meus bragos”. Nessa reuniao Dimas se fez presente e Chico o descreveu com mintcias. Prezado leitor, sei que vocé deve estar se perguntando: “mas como se pode saber dessa historia?” Eu explico. Em 1996, relendo a obra “Obreiros de Vida Eterna” e comentando com os mais antigos do Centro Espirita Augusto Silva, soube que Dimas vivera em Lavras e que uma de suas filhas - D. Amalia de Sousa Silva — estava encarnada e residindo na cidade. Tive vontade de procura-la e saber mais sobre essa alma nobre e boa. Fui finamente recebida por essa senhora de 85 anos, Iticida e alegre, no dia 23 de outubro de 1996, em sua residéncia na Rua Firmino Sales, em Lavras. Ela me permitiu uma longa entrevista registrada com extrema fidelidade, e que ora repasso aos leitores, com 0 seu consentimento, pois na ocasiao deixou-me livre para divulgar de todas as formas a vida de seu querido pai. Temos, entao, os espiritas e simpatizantes, a honra de relembrar a vida daqueles que se tornaram servos do Senhor, para que através de seus feitos o Cristo se manifestasse em forca e luz. Que o “companheiro libertado” seja abengoado sempre, para a gloria de Deus e a vitoria da Luz na Terra. Ha Dois Mil Anos Incursées hist6ricas sobre 0 livro “Ha Dois Mil Anos” A venda de escravos em Roma Marco Paulo Denucci Di Spirito Resumo: 0 presente trabalho tem por escopo a avaliacgao de dados hist6ricos contidos no livro “Ha Dois Mil Anos”, da psicografia de Francisco Candido Xavier. Designadamente, propde-se 0 estudo de um trecho da obra que trata da venda de um jovem escravo judeu, que aduz regras de venda de escravos na Roma antiga. Palavras-chave: Psicografia — mediunidade — hist6ria — Direito Romano — venda de escravos. Abstract: The scope of this paper is to review the historical data presented in the book “Two Thousand Years ago”, psychographed by Francisco Candido Xavier. In particular, it is proposed to study a book’s excerpt about the sale of a young Jewish slave, wich reveals rules for the sale of slaves in ancient Rome. Key-words: Psychographics - mediumship - history - Roman Law - sale of slaves. Sumario 1. Introdugéo; 2. A passagem selecionada; 3. A pratica de dependurar placas nos pescogos dos escravos; 4. A pratica de untar de gesso os pés descalgos dos escravos; 5. A pratica de colocar um gorro de la sobre a cabega do escravo; 6. 0 estado de seminudez dos escravos; 7. As fontes histéricas disponiveis a época da producao do livro “Ha Dois Mil Anos” sobre a venda de escravos em Roma; 8. Conclusdes parciais; 9. Bibliografia; 10. Referéncias e Notas. Lei Divina #01 | maio/2013 1. Introdugao Por meio deste trabalho intentamos dar inicio a uma série de estudos voltados a avaliagao dos dados histéricos contidos no livro “Ha Dois Mil Anos”, psicografado por Francisco Candido Xavier. De acordo com Wittgenstein, “tudo 0 que pode ser dito, pode ser dito claramente”’. Dessa forma, buscando-se objetividade e simplicidade, faz-se necessario apresentar a dtica de analise que conduzira este estudo e os subsequentes. Assim, parte-se do pressuposto de que o livro em foco relata fatos reais, conforme afirmado pelo proprio autor espiritual.? Nao se trata, portanto, de um romance histérico® , construido a partir de fragmentos da realidade e com o acréscimo de criagdes do autor. Ou seja, 0 autor mediunico e o autor espiritual definem a obra como um romance que retrata fatos que efetivamente ocorreram. Diante disso, propde-se apreciar a correspondéncia de trechos da obra com registros hist6ricos. Tal investigagéo podera conduzir a muitas conclusées, sobretudo a respeito da mediunidade de Chico Xavier. Mas estas seraéo reservadas para outra oportunidade. Aqui, vamos tecer conclusdes apenas sobre os fatos narrados por Emmanuel a luz da historiografia. 2. A passagem selecionada Nos estreitos limites deste trabalho nao cabe realizar uma resenha do livro “Ha Dois Mil Anos”. Basta lembrar que esta obra, consideravelmente conhecida no meio espirita, apresenta momentos da vida do autor espiritual Emmanuel, quando viveu a personalidade de Publio Léntulus, senador romano que se estabeleceu na Provincia da Judeia a época de Jesus, quando teve a oportunidade de receber orientagdes diretamente do Mestre Nazareno. Dentre as varias passagens do romance, sera abordada, neste texto, a que diz respeito ao tragico destino de Saul de Gioras, joven judeu que, por determinagao do Senador Publio Léntulus, 6 submetido a escravidao e acaba sendo vendido no mercado romano. Especificamente, nos ateremos aos detalhes que rondam a venda do cativo, sem consideragao aos elos da narrativa, pois, como dito, nosso propdsito é o de avaliar a correspondéncia, com a historia, dos fatos que, a principio, seriam suscetiveis de verificagdo. Importa-nos, entao, 0 seguinte trecho em destaque: “O jovem Saul desaparecera do carcere, fazendo crer numa fuga desesperada e imprevista. Os informes foram transmitidos a autoridade superior, sem que Publio Léntulus viesse a saber que os maus servidores do Estado negociavam, muitas vezes, os prisioneiros jovens com os ambiciosos mercadores de escravos, que operavam nos centros mais populosos da capital do mundo. (..) Em quase todas as provincias romanas funcionavam terriveis agrupamentos de malfeitores, que, vivendo a sombra da maquina do Estado, haviam-se transformado em mercadores de consciéncias. 0 mogo judeu, na sua juventude promissora e sadia, fora vitima dessas criaturas desalmadas. Vendido clandestinamente a poderosos escravocratas de Roma, em companhia de muitos outros, foi embarcado no antigo porto de Jope, com destino a Capital do Império. Antecipando-nos na cronologia de nossas narrativas, vamos encontra-lo, dai a meses, num grande tablado, perto do Forum, onde se alinhavam, em penosa promiscuidade, homens, mulheres e criangas, quase todos em miseras condigdes de nudez, tendo cada qual um pequeno cartaz pendurado ao pescoco. Olhos chispando sentimentos de vinganga, 1a se encontrava Lei Divina #01 | maio/2013 Evy Saul, seminu, um barrete de la branca a cobrir-lhe a cabega e com os pés descalcos levemente untados de gesso. Junto daquela massa de criaturas desventuradas, passeava um homem de ar igndbil e repulsivo, que exclamava em voz gritante para a multiddo de curiosos que o rodeava: - Cidadaos, tende a bondade de apreciar... Como sabeis, nao tenho pressa em dispor da mercadoria, porque nao devo a ninguém, mas aqui estou para servir aos ilustres romanos!... E, detendo-se no exame desse ou daquele infeliz, prosseguia na sua arenga grosseira e insultuosa: - Vede este mancebo!... E um exemplar soberbo de satide, frugalidade e docilidade. Obedece ao primeiro sinal. Atentai bem para o aprumo da sua carne firme. Doenga alguma tera forga sobre 0 seu organismo Examinai este homem! Sabe falar 0 grego corretamente e € bem feito da cabega aos pés!... Nesses pruridos de negocista, continuou a propaganda individual, em face da multidao de compradores que 0 assediava, até que tocou a vez do jovem Saul, que deixava transparecer, no aspecto miseravel, os seus impetos de colera e sentimentos tigrinos: - Atentai bem neste mancebo! Acaba de chegar da Judeia, como o mais belo exemplar de sobriedade e satide, de obediéncia e de forca. E uma das mais ricas amostras deste meu lote de hoje. Reparai na sua mocidade, ilustres romanos!... Dar-vo-lo-ei ao prego reduzido de cinco mil sestércios!... 0 jovem escravo contemplou o mercador com a alma esfervilhante de odio e alimentando, intimamente, as mais ferozes promessas de vinganga. Seu semblante judeu impressionou a multidao que estacionava na praga, aquela manha, porque um intenso movimento de curiosidade Ihe cercou a figura interessante e originalissima.”* Uma leitura desatenta do livro em analise naturalmente conduz ao enfoque dos dados historicos apresentados por Emmanuel como simples pano de fundo para o desdobramento do destino dos personagens. Por outro lado, uma avaliagaéo acurada do romance pode causar surpresa ao leitor, em virtude da riqueza de detalhes apresentada, principalmente porque se trata de uma obra meditnica em que se pressupde a presenga de um espirito que esta, do outro plano da vida, a revelar verdades que traz consigo. Uma vez que a existéncia da vida apds a morte é uma questao que desafia o pensamento humano, é no minimo de causar perplexidade as circunstancias expostas, pois o autor de um pasticho ou um charlat&o certamente evitariam afirmativas precisas e pontuais sobre fatos tao distantes na historia. A passagem nao apenas surpreende, em virtude da minuciosa descrigao da venda de escravos em Roma, como também causa estranheza. Afinal, sao informados detalhes curiosos, a exemplo do barrete de la branca colocado na cabeca de Saul ou da pratica de passar gesso nos pés descalgos dos escravos, 0 que gera a duvida se tais exdticos procedimentos nao consistiriam em pura invencao. William Stearns Davis, em breve trecho de sua obra “A Day in Old Rome: a picture of Roman life”, na qual constrdi uma narrativa da perspectiva de quem se encontraria na Roma antiga, elucida a finalidade de alguns dos detalhes apresentados no trecho em foco e que correspondem as regras da época: “Qs jovens se estendiam em fila, em pedras soerguidas, descobertos quase a nudez e com gesso branco sobre seus pés, como um simbolo de que se destinavam a venda imediata. (...) um jovem desafortunado encontrava-se estendido com um alto chapéu de !a Lei Divina #01 | maio/2013 ty sobre sua cabega. Deduzia-se que ele estaria sendo vendido tal como apresentado, sem a menor garantia.”® Os estudos do alemao Oskar Seyffert revelam outros detalhes: “(.,.) 0 escravo era colocado sobre uma plataforma, com seus pés embranquecidos com giz ou gesso, se ele tivesse chegado recentemente através do mar, e com uma placa ao redor de seu pescoco, apresentando sua idade, habilidades e defeitos corporais, acaso existentes, estando o vendedor responsdavel pela correspondéncia; se ele nao se subordinasse de forma alguma, isso seria apresentado por meio de um gorro (pilleus) sobre a cabega do escravo.”® E possivel aferir, pelas constatagdes histéricas acima, a exatidao da descrigao presente no livro “Ha Dois Mil Anos”, inclusive no que toca ao grande tablado utilizado para expor os escravos a venda. Também é possivel constatar, pelos registros histéricos, que o desvio de Saul de Gioras para o corrompido mercado de escravos adéqua-se perfeitamente ao contexto da época. A histérica confirma a péssima reputagao dos vendedores (mango’ , mangones®) que atuavam nessa seara. Alias, foi exatamente isso o que exigiu uma detida regulagao desse Mercado? , a justificar o nivel quase tutelar das regras em aprego, no sentido de proteger os interesses dos adquirentes de escravos. Assim, cumpre averiguar a correspondéncia, com a historia, dos seguintes fatos relatados no trecho em tela: i) o contexto geral da venda de escravos em Roma; ii) a prdatica de dependurar placas nos pescocos dos escravos; iii) 0 uso do barrete de la branca; iv) a pratica de untar de gesso os pés descalcos dos escravos; v) 0 estado de seminudez dos escravos. Como se vera, 0 livro, no trecho em analise, aduz regras de protegéo dos compradores de escravos em Roma que efetivamente existiram. 3. A pratica de dependurar placas nos pescocos dos escravos Nas manifestagdes de Marcus Tullius Cicero podem ser encontradas referéncias a praxe mercantil de se dependurar Nos pescogos nos escravos placas (titulus) contendo determinados dizeres."° Assim como as tabelas que na atualidade aduzem as informacGes essenciais dos produtos, geralmente estampadas nas embalagens, tais placas continham as descricdes basicas da pessoa a venda. Ali eram apresentados dados como a idade, as habilidades basicas, os eventuais defeitos corporais."" De acordo com o Direito Romano, o adquirente encontraria protecdo em face de doencas surgidas e desenvolvidas nos escravos, por meio de clausulas especificas que permitiriam a revogacao da venda.'? A definicao sobre as doengas que caracterizariam esta protegao especial suscitava polémicas e envolvia boa dose de casuismo.'? Reinhard Zimmermann, em criteriosa pesquisa, informa que seria possivel a tutela legal na hipdtese de escravo acometido por doenga no pulmao, na bexiga, no figado, por ataques epilépticos (comitialis morbus) ou por qualquer outra doenga crénica. 0 mesmo se aplicava se 0 escravo era miope, cego, se ele tivesse um tumor ou um pdlipo nasal, se ele tivesse sido castrado de forma que o rgdo necessario para a reprodugao se apresentasse ausente, ou se ele tivesse nascido com os dedos unidos, com prejuizo da utilizagéo das maos. Uma escrava seria taxada de morbosa vitiosa se, devido a uma doenga no Utero, nao pudesse gerar filhos."4 Lei Divina #01 | maio/2013 43 Por outro lado, 0 comprador nao podia se queixar se descobrisse, posteriormente, que 0 escravo possuia defeitos de menor importancia."® A evolugao do mercado de escravos em Roma passou a considerar como vicios alguns defeitos de carater. Assim, tais caracteristicas foram inseridas nas placas informativas, entre os quais podem ser arroladas a existéncia de antecedente de fuga ou a inclinagao do escravo para escapar (fugitivus), 0 cometimento de algum crime ou a propensdo para o suicidio."® De acordo com William L. Westermann, deveria constar em tais placas, ainda, a informacgao sobre o fato de o escravo encontrar-se respondendo por alguma demanda juridica ou a probabilidade de tal ocorréncia, uma vez que os dnus dos ilicitos cometidos pelos cativos eram transferidos ao adquirente.” Reinhard Zimmermann também demonstra a exigéncia dessas informacoes."® A auséncia de informagao prévia de tais dados suscitava a anulagdo da venda.'® De acordo com afirmagées de Marcus Tullius Cicero, todo vendedor que soubesse de qualquer dado desabonador sobre 0 escravo deveria informa-lo previamente ao comprador, como meio de preveni-lo contra danos.2 Pelo que se depreende deste t6pico, conclui-se pela preciso do livro “Ha Dois Mil Anos” ao relatar uma praxe que corresponde a historia romana. 4. Apratica de untar de gesso os pés descalgos dos escravos A regra romana de untar com gesso os pés de determinados escravos expostos a venda encontra confirmagao historica. E 0 que se afere na classica obra Historia Naturalis, de Plinio, 0 ancido?", ou nos textos do poeta romano Juvenal (Decimus lunius luvenalis).22 De acordo com as obras especializadas, esta pratica tinha por escopo alertar aos eventuais adquirentes o fato de que as pessoas que tinham os pés marcados com gesso eram oriundas de outras localidades. Ou seja, cuidava-se de uma marca para deixar fora de diividas a origem dos escravos.” Esse dado era especialmente relevante ao adquirente por inimeros motivos, entre os quais podem ser alinhados o conhecimento da cultura e do idioma do escravo. Neste ponto, 0 livro “Ha Dois Mil Anos” acerta nao apenas porque revela uma regra romana que efetivamente existiu, mas porque demonstra a sua adequagao a peculiar situagao de Saul de Gioras. E necessaria especial alengao para compreender que o autor do romance nao realiza uma explicagao direta de cada uma dessas estranhas praticas que 0 tempo consumiu. Nao obstante, ele revela o conhecimento da finalidade das mesmas por meio do contexto apresentado. No caso especifico, 6 esclarecido que o jovem cativo fora vendido em Roma: “O mogo judeu, na sua juventude promissora e sadia, fora vitima dessas criaturas desalmadas. Vendido clandestinamente a poderosos escravocratas de Roma, em companhia de muitos outros, foi embarcado no antigo porto de Jope, com destino a Capital do Império.”24 Portanto, cuidava-se de um escravo estrangeiro, que precisava ser distinguido dos da praca de venda, por meio da aplicagao de gesso aos seus pés. 5. A pratica de colocar um gorro de la sobre as cabegas dos escravos Conforme ja visto, o livro indica que um barrete de la branca cobria a cabega do escravo Saul de Gioras. Emmanuel, como Lei Divina #01 | maio/2013 a sempre, nao se ocupa em explicar o motivo desta pratica, mas externa sutilmente 0 conhecimento das regras romanas que justificavam a formalidade, por via do contexto da estoria. E necessario recorrer as leis da época para compreender este ponto. Primeiramente, deve-se esclarecer que o substantivo barrete, de acordo com o Dicionario Aurélio, refere-se a “cobertura que se ajusta a cabeca, e que ordinariamente é feita de tecido mole e flexivel”. Interessante notar que a palavra é origindria do italiano barreta. Destaca-se esta particularidade uma vez que em nossas investigagdes foi possivel aferir que o livro emprega algumas palavras raramente utilizadas no cotidiano atual e que possuem vinculagao etimoldgica com a historia romana. Percebe-se, entéo, que o barrete consiste num especifico gorro, que era colocado na cabega do escravo. Este acessério era utilizado quando o cativo apresentava dificuldades em se submeter ao seu senhor”. Cuidava-se de uma garantia para deixar ostensivo aos compradores quais seriam os escravos insubmissos. 0 adquirente nao poderia, portanto, reclamar posteriormente pelo fato de ter comprado um escravo revoltado. 0 livro “Ha Dois Mil Anos” demonstra que a pratica de colocar um gorro de la sobre a cabega do escravo aplicava- se ao jovem Saul de Gioras. Isso porque o mancebo judeu externava claros sinais de sua revolta intima: “Olhos chispando sentimentos de vinganca, la se encontrava Saul, seminu, um barrete de la branca a cobrir-Ihe a cabega e com os pes descalcos levemente untado de gesso. () Nesses pruridos de negocista, continuou a propaganda individual, em face da multidao de compradores que 0 assediava, até que tocou a vez do jovem Saul, que deixava transparecer, no aspecto miseravel, os seus impetos de colera e sentimentos tigrinos: (...) 0 jovem escravo contemplou 0 mercador com a alma esfervilhante de odio e alimentando, intimamente, as mais ferozes promessas de vinganga.”25 Esta evidenciado, dessa forma, que o barrete de la foi colocado em Saul para indicar sua postura manifestamente insubmissa. Neste topico 6 possivel concluir que a obra sob andlise demonstra o conhecimento de regras que realmente vigeram na antiga Roma, tanto do ponto de vista formal quanto de sua especifica finalidade. 6. 0 estado de seminudez dos escravos Por fim, textos da época, como os escritos de Gaius Suetonius Tranquillus elucidam que as roupas dos escravos eram retiradas como forma de permitir a identificagao de deficiéncias fisicas ou de doengas.”’ Os estudos de William L. Westermann demonstram que as regras de identificagao dos escravos foram rigidamente fiscalizadas.?® Nao importava o constrangimento da pessoa vendida, desde que assegurada a possibilidade de verificar a sua adequacao para os fins pretendidos pelo comprador. Isso explica o relato do livro no sentido de que os escravos, incluindo Saul de Gioras, foram alinhados “em miseras condigGes de nudez”.”° Este 6 outro ponto que demonstra a correspondéncia dos fatos narrados no livro com os registros da historia. Lei Divina #01 | maio/2013 7. As fontes historicas disponiveis a época da producao do livro “Ha Dois Mil Anos” sobre a venda de escravos em Roma Sem pretender tecer consideragées mais detidas acerca da metodologia de avaliagao do livro “Ha Dois Mil Anos” sob 0 prisma hist6rico, 0 que se fara em outra oportunidade, cabe apenas adiantar, perfunctoriamente, a avaliagao das fontes que permitiriam a um estudioso dedicado conhecer as regras de venda de escravos em Roma, sob o angulo tedrico e pratico. A respeito das fontes primarias®, foi possivel identificar as seguintes: Edictum Aedilium Curulium de Mancipiis Vendundis, Digesta ou Pandectae, de Justinianus |, De Officiis, de Marcus Tullius Cicero, De Vita Caesarum, de Gaius Suetonius Tranquillus, Saturae XIII, de Decimus lunius luvenalis, Naturalis Historia, de Gaius Plinius Secundus (Plinio, 0 anciao), Noctes Atticae, de Aulus Gellius, De Emptione Servorum, de Rufus de Ephesus, Amores, de Publius Ovidius Naso, bem como textos de Sextus Propertius e Albius Tibullus. Trata-se de obras desconhecidas do puiblico comum, mormente no Brasil rural de 1939, ano em que o livro “Ha Dois Mil Anos” foi publicado. Ainda, estes sao documentos densos, pelos quais somente se conseguiria identificar as regras de venda de escravos sob foco apés estudo dedicado. Equivale dizer que um leigo levaria muito tempo para debulhar o contetido resumidamente apresentado no trecho em aprego. Considere-se, neste particular, que de nossa parte somente foi possivel empreender a presente pesquisa gracas as ferramentas disponiveis na Internet. Jano que toca as fontes bibliograficas secundarias, somente foi possivel compreender a veracidade e 0 sentido dos dados em apreco por meio de obras estrangeiras, escritas em inglés. Com a excecao do citado texto intitulado “Obrigagoes decorrentes da compra e venda consensual romana”, que aduz poucas informagées, de autoria do advogado Ignacio M. Poveda Velasco, publicado em 1988 e republicado em 2011 na colecao Doutrinas Essenciais - Obrigacdes e Contratos, Ed. Revista dos Tribunais, nao encontramos qualquer outro texto em portugués que versasse sobre o assunto, nem mesmo nas obras dedicadas ao ensino do Direito Romano. Todavia, identificou-se uma curiosa fonte secundaria, que consiste no quadro “O mercado de escravos” (Le marché aux esclaves), datado de 1882, do pintor francés Gustave Rodolphe Clarence Boulanger, reproduzido abaixo*": A pintura apresenta elementos insdlitos. Um dos escravos, de tez escura, traz os pés pintados de branco. 0 mais jovem encontra-se com um gorro a cabeca. Podem ser identificadas placas dependuradas ao pescogo de cada escravo, veiculando inscrigdes. Todos se apresentam seminus. A cena se desdobra sob a indiferenga do vendedor romano. Até onde pudemos constatar, 0 quadro acima nunca foi exposto no Brasil. De toda forma, é importante ter em mente que a visualizacao da tela causa igual perplexidade de quem lé o referido trecho do livro “Ha Dois Mil Anos” sem conhecer, com detalhes, as regras romanas de venda de escravos. Alias, neste particular deve-se ressaltar que Gustave Boulanger é especialista em pintura hist6rica.** Pode-se afirmar, portanto, que as fontes primarias ou secundarias que permitem compreender os dados consignados na passagem em analise sao especiais e devem ser estudadas com consideravel dedicacao para que se entenda com propriedade o contexto historico objeto deste trabalho. 8. Conclusdées parciais 0 presente trabalho objetivou a avaliagao de dados histéricos contidos no livro “Ha Dois Mil Anos”, da psicografia de Francisco Candido Xavier. Ele consiste no primeiro trabalho de uma série que pretende avaliar os mais relevantes trechos histéricos da obra que sao, a principio, passiveis de verificagao. Ao final desses estudos, sera apresentado um trabalho conclusivo sobre as possiveis conclusées cientificas e filosdficas deste tipo de enfoque. Foi selecionada uma especifica passagem deste livro, que trata da venda do jovem judeu Saul de Gioras, enquanto escravo, no mercado romano. Assim, avaliou-se algumas descrigdes faticas contidas neste trecho, quais sejam, 0 contexto geral da venda de escravos em Roma, a pratica de dependurar placas nos pescogos dos escravos, 0 uso do barrete de la branca, a pratica de untar de gesso os pés descalgos dos escravos, 0 estado de seminudez dos escravos. Demonstrou-se, entao, que ha correspondéncia destes fatos com registros historicos confiaveis. A obra apresenta, portanto, conhecimento a respeito dessas especificas regras de venda de escravos em Roma. Além disso, demonstra que o seu autor conhecia a finalidade de cada um desses inusitados procedimentos. Em seguida, ponderou-se que as fontes primarias ou secundarias que permitemcompreenderosdados consignados na passagem objeto deste trabalho sao especiais e devem ser estudadas com consideravel dedicacao para que se entenda com propriedade o contexto historico apresentado. E possivel concluir, pois, que os dados apresentados no livro “Ha Dois Mil Anos” sao passiveis de serem cotejados com registros historicos. Designadamente, conclui-se que esta obra merece toda consideracao no que toca a apresentacao das regras de vendas de escravos em Roma. 9. Bibliografia ABRAO, Janete. Pesquisa & Histéria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; BOSTOCK, John; RILEY, H.T. The Natural History Of Pliny. London: Henry Bohn, 1857; DAVIS, William Stearns. A Day in Old Rome: a picture of Roman life. Cheshire: Biblo-Moser, 1961; FAGAN, Garret G.; MURGTROYD, Paul. From Augustus to Nero: an intermediate Latin reader. Cambridge: Cambridge University Press, 2006; GILISSEN, John. Introducao histdrica ao direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2000; HUGHES, Helen M. The Historical Romance. New Yourk: Routledge, 1993; MOORE, Philip S. The Development of Mediaeval Venality Satire. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1963; PALMER, Allisson Lee. Historical Dictionary of Romantic Art and Architecture. Plymouth: Scarecrow Press, 2011; PEABODY, Andrew Preston. Ethical writings of Cicero : De officiis, De senectute, De amicitia, Scipio's dream. Boston: Little Brown and Company, 1887; RACKMIAN, Harris. Natural History. London: Harvard University Press, 1952; SAWYER, George S. Southern institutes; or, An inquiry into the origin and early prevalence of slavery and the slave-trade: with an analysis of the laws, history, and government of the institution in the principal nations, ancient and modern, from the earliest ages down to the present time. With notes and comments in defence of the southern institutions. Philadelphia: J.B. Lippincott & Co., 1859; SEYFFERT, Oskar. A Dictionary of Classical Antiquities Mythology, Religion, Literature & Art. London: Swan Sonnenschein and Co., 1901; THOMSON, Alexander. The Lives of the Twelve Caesars by Gaius Suetonius Tranquillus. Charleston: Forgotten Books, 2008; VELASCO, Ignacio M. Poveda. Obrigacées decorrentes da compra e venda Lei Divina #01 | maio/2013 51 consensual romana. In: Doutrinas Essenciais - Obrigagdes e Contratos, Vol, 5. Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011; WESTERMANN, William L, The Slave Systems of Greek and Roman Antiquity. Philadelphia: American Philosophical Society, 1955; WITTGENSTEIN, Ludwig; RUSSEL, Bertrand. Tractatus Logico-Philosophicus. New York: Cosimo, 2009; ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Oxford: Oxford University Press, 1996. 10. Referéncias e Notas 4 Tradugdo livre de: “Everything that can be said can be said clearly.” (WITTGENSTEIN, Ludwig; RUSSEL, Bertrand. Tractatus Logico-Philosophicus. New York: Cosimo, 2009, p. 53.) 2 que se pode constatar pelas seguintes “anotagdes intimas de Emmanuel”, publicadas pela Editora a guisa de prefacio da obra: “Se a bondade de Jesus nos permitir, iniciaremos o nosso esforgo, dentro de alguns dias, esperando eu a possibilidade de grafarmos as nossas lembrangas do tempo em que se verificou a passagem do Divino Mestre sobre a face da Terra. (...) - Agradeco, meus filhos, 0 precioso concurso que me vindes prestando. Tenho-me esforcado, quanto possivel, para adaptar uma historia tao antiga ao sabor das expressdes do mundo moderno, mas, em relatando a verdade, somos levados a penetrar, antes de tudo, na esséncia das coisas, dos fatos e dos ensinamentos. (...) Para mim essas recordagdes tém sido muito suaves, mas. também muito amargas. Suaves pela rememoragao das lembrangas amigas, mas profundamente dolorosas, considerando 0 meu coragao empedernido, que nao soube aproveitar 0 minuto radioso que soara no relégio da minha vida de Espirito, ha dois mil anos. (...) Permita Jesus que eu possa atingir Os fins a que me propus, apresentando, nesse trabalho, nado uma lembranga interessante acerca de minha pobre personalidade, mas, tao somente, urna experiéncia para os que hoje trabalham na semeadura e na seara do Nosso Divino Mestre.” (XAVIER, Francisco Candido. Ha Dois Mil Anos. Rio de Janeiro: Federacao Espirita Brasileira, 2002, p. 8,9). “Romance histérico, com as suas ligagdes tanto com a ‘histéria’ eo romance, @ um género no qual dois sistemas de mito operam: os episddios arquetipicos do romance, que em si sao parte do sistema semioldgico descrito por Barthes em Mitologias, e a apresentacao da historia. Esses sistemas funcionam ao mesmo tempo, as vezes apoiando e confirmando, as vezes prejudicando, as mensagens do outro.” Tradugao livre de: “Historical romance, with its links with both ‘history’ and the novel, is a genre in wich two systems of myth operate: the archetypal episodes of romance, which in themselves are part of the semiological system described by Barthes in Mythologies, and the presentation of history. These systems operate concurrently, one sometimes supporting and confirming, sometimes undermining, the messages of the other.” (HUGHES, Helen M. The Historical Romance. New Yourk: Routledge, 1993, p. 13). i XAVIER, Francisco Candido. op.cit, p. 42-48. 5 Tradugdo livre de: “The lads stood in line on raised stones, stripped almost naked and with white chalk on their feet as a token that they were for immediate sale. (...) one ill-favored youth was standing with a tall felt hat on his head. That implied he was being sald ‘as is,’ without the least warranty.” (DAVIS, William Stearns. A Day in Old Rome: a picture of Roman life. Cheshire: Biblo-Moser, 1961, p. 128, 129.) 5 Tradugao livre de: “(...) the slave was placed on a platform, with his feet whitened with chalk or gypsum, if he had just come across the sea, and with a label round his neck, showing his home, age, abilities, and bodily defects, if any, the vendor being responsible for the correctness; if he would not bind himself in any such way, this was shown by placing a cap (pilleus) on the slave's head.” (SEYFFERT, Oskar. A Dictionary of Classical Antiquities Mythology, Religion, Literature & Art . London: Swan Sonnenschein and Co., 1901, p. 591) 7 «These slave-dealers were termed mango, or venalitius.” (SAWYER, George S. Southern institutes; or, An inquiry into the origin and early prevalence of slavery and the slave-trade: with an analysis of the laws, history, and government of the institution in the principal nations, ancient and modern, from the earliest ages down to the present time. With notes and comments in defence of the southern institutions. Philadelphia: J.B. Lippincott & Co., 1859, p. 70). 2 ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Oxford: Oxford University Press, 1996, p. 311. «Economically, one of the most important articles sold on the market were slaves. Slave-traders (mangones) were notoriously ill-reputed people, and thus one had to be particularly careful in one’s dealings with them. Warranties relating to the quality of slaves sold by way of stipulation seem to have been so common that the aediles curules felt called upon to regulate the matter comprehensively and to make certain remedies available in their edict, The Digest still preserves the wording of this part of the aedilitian edict: “Qui mancipia vendunt certiores faciant emptores, quid morbi vitiive cuique sit, quis fugitivus errove sit noxave solutus non sit: eademque omnia, cum ea mancipia venibunt, palam recte pronuntianto, quodsi mancipium adversus ea venisset, sive adversus quod dictum promissumve fuerit cum veniret, fuisset, quod eius praestari oportere dicetur: emptori omnibusque ad quos ea res pertinet iudicium dabimus, ut id mancipium redhibeatur (...)” (ZIMMERMANN, Reinhard. op.cit., p. 311). De acordo Ignacio M. Poveda Velasco, “Visando reprimir as fraudes cometidas pelos vendedores (em geral, estrangeiros) contra os compradores de escravos ou de animais, os aediles curules, desde época provavelmente anterior a0 sec. ll. a.C., vieram em auxilio destes estabelecendo normas nas duas rubricas do seu Edito: de mancipiis vendendis, sobre a venda de escravos; e de iumentis vendendis, sobre a venda de iumenta, animais de sela e carga.” (VELASCO, Ignacio M. Poveda. Obrigagoes decorrentes da compra e venda consensual romana. In: Doutrinas Essenciais - Obrigagées e Contratos, Vol. 5. Sao Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, p. 111). Lei Divina #01 | maio/2013 EX i) PEABODY, Andrew Preston. Ethical writings of Cicero : De officiis, De senectute, De amicitia, Scipio's dream. Boston: Little Brown and Company, 1887, p. 211. “The individual slaves wore a board on which the vendor was required to inform potential purchasers of everything that could be classified as morbus or vitium. (...) There is no standardized human being; everybody has some or other characteristics which may possibly be classified as a ‘defect’.” (ZIMMERMANN, Reinhard. op.cit., p. 311, 312.) 12 «Under the Roman law purchasers of slaves were protected in case of the development of a serious sickness in the slave by a clause which made the sale revocable, or permitted an action for partial restitution, if morbus or vitium should appear in the slave." (WESTERMANN, William L. The Slave... op.cit., p. 99) For the jurists the definition of what constituted a sickness which might invalidate a sale was a difficult problem. In general it was defined as one which would affect the slave's efficiency, which might be an intermittent or recurring ailment such as fevers, agues, or gout, in case these afflictions were severe enough to affect the work of the slave badly. In the stave sales known from Roman Egypt a traditional Egyptian or old Semitic clause appears in the documents of sale which defined those sicknesses which might render the sale invalid. This clause appears in the form that the sale was not revocable except in case a skin infection or epilepsy should manifest itself. In a Byzantine slave sale the statement of the Roman law regarding concealed sickness (morbus) and vitium, is combined with the specific eastern phraseology which protects the purchaser against epilepsy and leprosy. It is highly probable that the pamphlet entitled De emptione servorum written by the physician, Rufus of Ephesus, of the time of Trajan, dealt with the methods of detecting such hidden diseases and weaknesses of slaves at the time of purchase." (WESTERMANN, William L. The Slave... op.cit., p. 100). No mesmo sentido, vide ZIMMERMANN, Reinhard. The law ... op.cit.,, p. 312. 147IMMERMANN, Reinhard. The law ... op.cit., p. 313. 18 ZIMMERMANN, Reinhard. The law ... op.cit., p. 313. ae “Hardly anybody could have been called healthy or normal under those circumstances. Yet, the lack of some of these vitia animi was so crucial to the purchasers that they usually asked the vendor for a specific assurance to that effect. The aediles curules therefore placed them on the same level as morbi and vitia and made the vendor declare a certain number of character defects, too: whether the slave was a runaway (fugitivus), a person with the habit of roving about (erro), or somebody who had perpetrated a capital crime, who was prone to committing ‘suicide or who had fought wild beasts in the arena.” (ZIMMERMANN, Reinhard. The law ... op.cit., p.314). 17 “Under the Roman law the edicta of the curule aediles contained a section de mancipiis vendundis which required that the placard placed about the slave’s neck should state any serious sickness from which the slave was suffering and whether he Was a runaway or had a tendency to wander away. The vendor was also required to make a statement if any slave offered for sale were subject to a civil charge involving a possible action for damages because the liability for such delicts was transferred to the new owner along with the potestas over the slave. According to the peregrine law of Egypt, although the slave, not the dominus, was liable, the warranty that the slave was not subject to legal action at the time was nevertheless inserted in the affidavit of the vendor or embodied in the deed of sale.” (WESTERMANN, William L. The Slave .. Op.cit., p. 99) 18 “Besides these, there was one other flaw which had to be displayed on the board if the vendor wanted to avoid liability, even though it was neither a physical nor a character defect: whether the slave was still burdened with noxal liability (noxa non solutus). If he had committed a delict, his master was liable: he could either pay the damages as if he had himself been guilty of the delict or he could surrender the slave (noxae deditio). However, liability attached to the person who was master at the time when the noxal suit was brought: noxa caput sequitur. Hence it was extremely important for the purchaser to know whether acquisition of the slave exposed him to possibly far-reaching delictual claims by third parties.” (ZIMMERMANN, Reinhard, The law ... op.cit,, p.314.) 19

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