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Exmo. Sr. Presidente da Comissão de

Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Deputado

Assunto: Contributos para os Projetos Lei 87/XIV (PS); 107/XIV (PSD); 110/XIV
(CDS-PP); 114/XIV (BE) e 52/XIV (PAN)

Data: 28 de janeiro de 2020


N. Refª: 02/DIR/2020

A Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF)


vem este apresentar os seus contributos para os Projetos de Lei Nº 87/XIV (PS); Nº
107/XIV (PSD); Nº 110/XIV (CDS-PP); Nº 114/XIV (BE) e Nº 52/XIV (PAN).

Começamos por referir que os Projetos de Lei (PL) em epígrafe não diferem
significativamente dos já apresentados na legislatura anterior, pelo que iremos
reforçar os argumentos constantes no nosso anterior contributo aos PL Nº 1209/XIII
(CDS-PP), Nº 1190/XIII (PS) e Nº 1182/XIII (PAN), apresentados na XIII Legislatura.

Devemos igualmente referir que neste momento, após a discussão da Petição Nº


530/XIII/3 (sobre a introdução da presunção jurídica da residência alternada), no dia
15 de novembro de 2019, onde inclusive foi anunciada a apresentação de novas
iniciativas legislativas sobre a matéria, só faz sentido a APIPDF se pronunciar sobre
a essência dos PL atualmente em discussão no Parlamento. Assim e de acordo com
Parecer do Conselho da Magistratura sobre os PL aqui em análise, estamos perante
a consagração, ou não, da residência alternada como regime preferencial. O
mesmo Parecer refere que o PL do PSD estabelece a residência alternada como
uma possibilidade mas evidenciando a mesma como o regime mais adequado, o do

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CDS-PP apenas como mera possibilidade, o do BE como a solução mais adequada


desde que cumpridas determinadas condições, tal como o do PAN, regime
preferencial, se também cumpridas determinadas condições (interpretação nossa) e
finalmente o PL do PS propõe a introdução da residência alternada como regime
preferencial.

A APIPDF entende que perante a atual discussão (e já não sobre a presunção


jurídica da residência alternada) que a melhor solução para se cumprir direitos
fundamentais das crianças é a introdução do conceito da preferência da
residência alternada e entre os PL que o propõem, a redação realizada pelo PS
é a que melhor dá resposta ao fim a que se destina.

Posto isto, entendemos que um PL que estabeleça no ordenamento jurídico um dos


princípios que no Direito de Família e das Crianças mais se aspirou nas últimas
décadas, deve aprofundar a sua exposição de motivos, até porque tal terá
consequências na doutrina e jurisprudência subsequente. Assim, voltamos a indicar
a fundamentação que se encontra na Petição em prol da residência alternada para
crianças de pais e mães separados ou divorciados e em um artigo do 1º peticionante
da mesma, intitulado “Em defesa da residência alternada e do superior interesse da
criança – um contributo para a discussão”. Saliente-se que essa fundamentação é
baseada em estudos de diferentes áreas do conhecimento científico, muitos deles
com uma visão multidisciplinar e que servem de alicerce a qualquer sugestão de
alteração legislativa, fundamentação essa que deve ser sempre a base de qualquer
política pública.
Posto isto, vamo-nos centrar nos contributos que podemos dar para a reflexão sobre
o articulado jurídico e a exposição de motivos contidos nos PL Nº 87/XIV (PS);
107/XIV (PSD); 110/XIV (CDS-PP); 114/XIV (BE) e 52/XIV (PAN):

1. Como a APIPDF já expressou várias vezes, temos o entendimento que é


fundamental a alteração da legislação no sentido de se adequar à

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Constituição da República Portuguesa (CRP) e aos instrumentos jurídicos


internacionais, tais como:

• Igualdade entre filhos/as: artigos 13.º e 36.º, n.º 4 da CRP;

• Igualdade entre progenitores (pais e mães): artigos 13.º, 36.º, n.ºs 3 e 5, e


68.º, n.ºs 1 e 2 da CRP; e artigo 18.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da
Criança (CDC);

• Inseparabilidade dos filhos/as dos progenitores (pais e mães): Artigo 36.º, n.º
6 da CRP; e Artigo 9.º, n.º 1, da CDC;

• Superior interesse da criança: subjacente ao artigo 69.º da CRP e proclamado


no artigo 3.º, n.º 1, da CDC, é princípio orientador da regulação do exercício
das responsabilidades parentais (artigo 4.º, alínea a), da Lei de Proteção das
Crianças e Jovens em Perigo; artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo
Tutelar Cível; artigo 1906.º, n.º 7, do Código Civil).

• Resolução 2079 (2015) do Conselho da Europa, que insta os seus Estados


membros, no ponto 5.5, a “introduzir na sua legislação o princípio de
residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos
de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo
em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas
necessidades e interesses;”.

Devemos ainda acrescentar a necessidade de adequação do Direito de Família e


das Crianças às chamadas políticas públicas de terceira geração. A exemplo
disso é a exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 91/2009 sobre o regime
jurídico de proteção social na parentalidade no âmbito do sistema previdencial e
no subsistema de solidariedade, onde claramente se associa os direitos da
criança e a garantia do seu bem-estar à igualdade de género:

“O novo regime de proteção social elege como prioridades o incentivo à natalidade e


a igualdade de género através do reforço dos direitos do pai e do incentivo à partilha

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da licença, ao mesmo tempo que promove a conciliação entre a vida profissional e


familiar e melhora os cuidados às crianças na primeira infância através da atribuição
de prestações pecuniárias na situação de impedimento para o exercício de atividade
profissional.”

Tratou-se de uma arquitetura política que sustentava as licencias parentais no


âmbito de políticas sociais, de família e de igualdade de género. Ora, se em 2009
não existiu controvérsia sobre esta lógica, sustentada na Ciência Social, como
política que atua sobre os pais e mães na entrada para a parentalidade
(sabemos que quanto mais envolvido estiver o pai nos primeiros tempos de vida
da criança, maior a probabilidade de existir envolvimento paternal continuado ao
longo da vida da criança), com claros benefícios para as crianças e com uma
eficácia sustentada no tempo, a mesma lógica pode e deve ser aplicada em
outros momentos do ciclo de vida familiar, como no divórcio ou separação
conjugal. Assim, esta alteração legislativa não produzirá resultados imediatos
(como alguns apontavam, em especial negativos, aquando das alterações de
20081), mas antes irá contribuir de forma gradual e sustentada para um maior
envolvimento parental de ambos os pais e mães, levando consequentemente a
uma diminuição dos conflitos parentais, tal como já aconteceu em outros países2.

Com estas referências pensamos que fica claro que a atual legislação que versa
sobre o exercício das responsabilidades parentais promove a desigualdade,
especifica apenas um modelo de residência, a residência única, e assim como a
reprodução de estereótipos de género contrários ao superior interesse da
criança, que só pode ser assegurado por um envolvimento parental
tendencialmente igualitário.

1 vide Parecer da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas sobre a Lei do Divórcio de 2008 (Decreto 232/X)

2 Veja-se o exemplo da Suécia que possuí 25% das crianças com pais e mães separadas e apenas 2% têm
disputas em tribunal (Bergström, et al., 2013) e residências alternadas acima dos 35% (quando estavam em
cerca de 4% em 1995); ou da Bélgica que em pouco mais de duas décadas a residência materna desceu de 80%
para 53% (Sodermans, Matthijs, & Swicegood, 2012); ou ainda a Austrália, considerando também os regimes
com “amplos convívios”, depois da reforma de 2006, a residência alternada já atinguiu 53% (Studies, 2019).

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2. Posto isto, cumpre sugerir aos/às Exmos/as. Deputados/as que nestas


iniciativas legislativas tenham em conta a mesma lógica que esteve na base
da elaboração da sugestão de alteração legislativa, que consta na já referida
Petição, a saber: residência alternada como regime preferencial;
existência de critérios normativos orientadores, sem prejuízo de outros;
planos parentais ou outros instrumentos de apoio à reorganização da
vida da criança. A nossa sugestão de alteração legislativa sustentou-se
nestes três pilares e com uma lógica muito clara: explicitação de conceitos
jurídicos, como por exemplo, do próprio conceito de residência alternada, de
forma a não dar espaço a interpretações dúbias; estabelecimento de critérios
normativos orientadores sobre a fixação da residência alternada em vez de os
deixar à doutrina e à jurisprudência; abertura da legislação para a adequação
da residência alternada ou da residência única a cada caso concreto através
dos planos parentais. Assim sendo, parece-nos útil que seja acolhido nos PL
em causa, em especial nos do PS e do PAN, não só a definição de residência
alternada (que está intimamente ligada aos tempos que da criança com cada
um dos pais e mães), mas também uma clarificação do que é em concreto o
regime preferencial, como o mesmo pode ser afastado e ainda os já referidos
critérios orientadores. Sugerimos, assim, que seja integrado no 1906º do
Código Civil a seguinte redação sobre estes conceitos:

Residência alternada Entende-se por residência alternada, o exercício


conjunto das responsabilidades parentais por ambos
os pais e mães, quanto aos atos de particular
importância para a vida da criança, e o envolvimento
parental tendencialmente simétrico de cada pai e
mãe, quer nas atividades e responsabilidades
parentais do quotidiano quer no tempo de residência
com filhas e filhos.

Critérios orientadores Na determinação da residência alternada, o tribunal

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terá em conta, pelo menos, os seguintes elementos,


sem prejuízo de outros que considere relevantes:

a) O superior interesse da criança;

b) As necessidades físicas, psicológicas,


afetivas, emocionais, sociais e
materiais da criança;
c) O acordo entre pais e mães e, na falta
deste, a necessidade de recurso à
mediação familiar ou a outro tipo de
acompanhamento/apoio familiar e/ou
parental;
d) O manifesto interesse de pais e mães
quanto ao envolvimento parental;

e) A adequação dos termos do plano


parental, em particular das
modalidades de alternância de
residência acordados entre pais e
mães, às necessidades da criança e
ao envolvimento parental de cada um
dos pais e mães;
f) A disponibilidade manifestada por cada
um dos pais e mães para promover
relações habituais da criança com o
outro e o cumprimento dos termos do
plano parental;

g) A vontade manifestada pela criança,


de forma livre;

Plano Parental 1. Entende-se como plano parental um plano de

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natureza familiar e patrimonial, acordado


entre pais e mães e judicialmente
homologado ou, na falta de acordo,
estabelecido pelo tribunal, que estabelece
pelo menos os termos da partilha entre pais e
mães do tempo de residência com filhos e
filhas e das atividades, custos,
responsabilidades parentais, convívios com
outras figuras com que tenham relações
afetivas significativas e formas de resolução
alternativa de litígios.

Regime preferencial 1. Entende-se por residência única com


exercício comum das responsabilidades
parentais, a fixação excecional da residência
principal da criança com um dos pais ou
mães e da residência secundária com o
outro, nas situações em que necessidades
especiais da criança, combinadas com
circunstâncias pessoais e sociais de um
deles, não permitem a fixação da residência
alternada.

2. Entende-se por residência única com


responsabilidades parentais exclusivas, a
fixação excecional da residência da criança
com um dos pais ou mães, sem regime de
contactos ou com um regime de contactos
sem pernoitas, limitado na duração e
frequência e vigiado. A excecionalidade deste

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regime aplica-se a situações de negligência,


abuso sexual ou violência parental e
doméstica em que os interesses da criança e
a sua integridade estão em risco.

3. Merece-nos igualmente um comentário sobre a necessidade expressa em


alguns dos PL a referência à pensão de alimentos. Reconhecemos que a
fixação de alimentos devido a menores em situação de residência alternada
se possa justificar, conforme iremos fundamentar abaixo, no entanto, temos
algumas reservas quanto à formulação proposta nos diferentes PL sobre essa
fixação. Entendemos que tal necessidade de especificação da pensão de
alimentos em situação de residência alternada das crianças se deve antes a
uma ideia, errónea, que esta última serve para os “pais não pagarem” a
mesma e não à verdadeira razão, a qual deve olhar para as necessidades
materiais das crianças em face do regime de tempo da criança com cada um
dos pais e mães e os diferença de rendimentos entre estes. “Este argumento
reproduz um estereótipo quanto ao exercício da parentalidade, de um pai
desinteressado pela criança e apenas preocupado com questões materiais.
Ora, este argumento esquece a convergência de género quanto aos cuidados
à criança que se tem observado (Bianchi, 2000), inclusive em Portugal
(Cunha & Atalaia, 2019). O casal de duplo emprego é uma realidade
generalizada em Portugal e as diferenças de tempos nos cuidados às
crianças não são o que eram há 30 anos (Perista, et al., 2016). Assim, numa
situação pós divórcio/separação, tem-se observado que os pais querem
manter uma relação diária significativa com os seus filhos/as, o que implica
partilhar direitos e responsabilidades parentais (Lund, 1987; Kruk, 1992)”
(Simões, 2018).

Portugal é inclusive um país com caraterísticas sociais particulares, nestas


matérias, estando ao nível de países como a Dinamarca, a Suécia e a França.

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Como podemos observar na tabela seguinte, Portugal é dos países onde


existe menor assimetria entre mulheres e homens na função de cuidador/a
(2,4h/por semana) e mesmo abaixo da média dos 18 países analisados no
que concerne ao trabalho doméstico (Cunha & Atalaia, 2019):

Ora, colocando de lado a ideia errada que existe um comportamento


generalizado de pais que não querem pagar a pensão de alimentos, em
resultado do seu pouco envolvimento parental3, voltamos a lembrar que no
contexto da residência alternada há um conjunto de necessidades materiais
das crianças que têm necessariamente que ser asseguradas por ambos os
pais e mães, pelo que, recorrendo à figura do plano parental, torna a fixação
de pensão de alimentos numa exceção (já que o plano parental iria prever a
forma de divisão dos custos com a educação, transporte, atividades
extracurriculares, férias, saúde, etc.). Não se optando, na letra da lei, pela
figura do plano parental, que contemplaria de forma fundamentada a

3
A tabela demonstra que, antes pelo contrário, existe um envolvimento parental significativo dos pais
portugueses nos “trabalhos de cuidar”.

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existência ou não da pensão de alimentos, deve-se então ter em atenção ao


articulado adotado de forma a explicitar a excecionalidade da fixação de
alimentos no regime preferencial. Ou seja, apenas haveria lugar à obrigação
de alimentos devido a menores em situações onde os rendimentos dos pais e
mães sejam significativamente dispares, e, portanto, podem colocar em causa
o bem-estar material da criança numa das residências.

Sugerimos assim a seguinte redação para cada PL que faz menção a esta
questão:

Projeto de Lei Articulado original Articulado proposto

Projeto de Lei nº “9 - O exercício das 9 – O exercício das


110/XIII-4.ª (CDS-PP) responsabilidades responsabilidades
parentais em regime de parentais em regime de
residência alternada não residência alternada
prejudica a aplicação das não exclui a
disposições sobre possibilidade da fixação
obrigação alimentar de alimentos devido a
impostas por lei.” menores, tendo em
conta os recursos
económicos dos
progenitores, as
necessidades da
criança e os tempos da
mesma com cada um.

Projeto de Lei n.º “6 - O tribunal Esta proposta não


87/XIV/1ª (PS) privilegia a nos merece
residência alternada reparo, na medida
do filho com ambos em que refere que
os progenitores, se deve ter em

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independentemente conta todas as


de mútuo acordo condições
nesse sentido e sem relevantes e de
prejuízo da fixação acordo com a
de alimentos, doutrina e
sempre que, jurisprudência está
ponderadas todas já clarificado que
as circunstâncias deve-se ter em
relevantes, tal conta as
corresponda ao possibilidades dos
superior interesse progenitores e as
daquele.” necessidades das
crianças.
No entanto, a bem
da clarificação
legislativa, deverá
ser considerada a
alteração do Artº
1905º do Código
Civil para prever a
possibilidade de
ausência de
pensão de
alimentos no
modelo de
residência
alternada.

“6- O Tribunal deve


Projeto de Lei n.º “6- O Tribunal deve
decidir pelo modelo de

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114/XIV/1.ª (BE) decidir pelo modelo de residência alternada da


residência alternada da criança com cada um
criança com cada um dos dos progenitores,
progenitores, sem independentemente da
prejuízo da fixação de fixação ou não de
prestação de alimentos alimentos devidos a
impostas por lei ou menores, sempre que,
decorrentes de acordos ponderadas todas as
de regulação das circunstâncias
responsabilidades relevantes atendíveis,
parentais anteriormente este corresponda ao
estabelecidos, sempre superior interesse da
que, ponderadas todas as criança.”
circunstâncias relevantes
atendíveis, este
corresponda ao superior
interesse da criança.”

Na medida em que os PL Nº 107/XIV (PSD) e Nº 52/XIV (PAN) não se


referem explicitamente à questão dos alimentos devidos à criança talvez seja
de considerar nos mesmos a assunção de que à partida não se justificará
alimentos em situações em que o tempo da criança com ambos é equitativo,
salvo se existirem diferenças significativas quanto às possibilidades de cada
um dos pais ou mães.

6. Sobre a questão da violência doméstica e a residência alternada.

A APIPDF, na linha da Resolução 2075 (2015) do Conselho da Europa,


sempre defendeu que a residência alternada não se aplica em situações

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comprovadas de violência doméstica e/ou abuso sexual. Por isso, na sua


sugestão de proposta de alteração legislativa contida na Petição em prol da
Residência Alternada, a APIPDF não apresentou nenhuma alteração ao Artº
1906º-A do Código Civil (Regulação das responsabilidades parentais no
âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em
contexto familiar), alargando até o âmbito de proteção subjacente ao artigo,
ao acrescentar, na sua sugestão, a fixação da residência única com o
exercício exclusivo das responsabilidades parentais em “situações de
negligência, abuso ou violência parental em que os interesses da criança e a
sua integridade estão em risco”.

Na verdade, tendo em conta a prática dos/as magistrados/as e advogados/as,


a especificação no Código Civil somente dos crimes de violência doméstica e
abuso sexual leva a que os tribunais apenas se centrem nos mesmos,
esquecendo os maus tratos e negligência parental (Calheiros & Monteiro,
2000) e outras situações que podem ser contrários aos interesses das
crianças.

Assim, entendemos que a legislação atualmente em vigor é suficiente para


prover à proteção de crianças e jovens, devendo antes pugnar-se pela sua
correta aplicabilidade. Aliás, caso contrário, estaríamos a contribuir para a
redundância jurídica e multiplicação de normas que dificultam a aplicação das
mesmas.

Sublinhe-se que o mencionado artigo 1906.º-A do Código Civil, introduzido


pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, contém um mecanismo que obsta
diretamente à residência alternada ou a qualquer outra possibilidade de
exercício comum das responsabilidades parentais, mesmo que menos
igualitária, se tiver sido decretada medida de coação ou aplicada pena
acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou se estiverem em
grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de

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outras formas de violência em contexto familiar, como maus-tratos ou abuso


sexual de crianças.

De qualquer modo, nesta matéria, alertamos para que não seja acolhida
qualquer iniciativa que não garanta o princípio da presunção da inocência
(consagrado no n º 2 do art.º 32.º da CRP) e ainda o princípio do direito ao
contraditório. Assim, sempre defendemos, nestas circunstâncias, que cabe ao
juiz a decisão, na sequência de avaliação da situação em concreto. De facto,
não são compatíveis com o Estado de Direito Democrático mecanismos
automáticos legais que, na prática, afastem a residência alternada (ou o
próprio exercício comum das responsabilidades parentais) como regime
preferencial, por exemplo, após denúncia de violência doméstica ou abuso
sexual, sem que tenha havido qualquer investigação; sem que tenha existido
qualquer análise de risco ou ainda o nível/intensidade do alegado
comportamento violento (psicológico ou físico); ou na ausência de análise do
contexto dessas denúncias (como seja, no decurso de um conflito pela
fixação da residência da criança entre pais e mães e o seu histórico já
documentado). Qualquer opção legislativa de exclusão da residência
alternada sem consideração da realidade específica ignoraria de forma
categórica a presunção de idoneidade de qualquer um dos pais ou mães, a
análise de risco de cada caso em concreto e a presunção de inocência,
contribuindo, por um lado, para dificultar a identificação do que são conflitos
parentais e do que é violência doméstica (que exigem intervenções
multidisciplinares diferentes) e, por outro lado, para premiar alguns pais e
mães que, menos comprometidos com o bem-estar da criança e do próximo,
encarassem a falsa denúncia como um meio fácil de afastar a residência
alternada.

Posto isto, sugerimos apenas que o artigo 1906º-A do Código Civil, referente
à “Regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de
violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar”,
seja integrado no 1906º, revogando consequentemente o primeiro, ficando

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salvaguardado os interesses das crianças nesses contextos e dando


coerência ao texto legislativo.

7. Sobre a preocupação da ausência da análise casuística:

A APIPDF não pode deixar de tentar esclarecer os Srs./as Deputados/as


sobre a falsa ideia de que qualquer regime preferencial significa afastar a
análise casuística. Ora, não só juridicamente tal não está impedido nos PL em
causa, como, tal ideia, ignora por completo a realidade social das famílias. De
facto, a análise de cariz mais sociológico “tende a estar arredado da
regulação das responsabilidades parentais, sendo muitas vezes preterido a
favor de noções psicologizantes e particularistas da família, expressas na
ideia, hoje em voga, de que “cada caso é um caso”. Contudo, não existem
famílias, crianças, pais ou mães a viver em vazios sociais e culturais. As
próprias noções de família, maternidade, paternidade e coparentalidade são
construções sociais. Mais, são, na verdade, realidades culturais, ou seja, são
configuradas pelas normatividades, valores, práticas e significados que,
coletiva e individualmente, atribuímos à reprodução humana e aos laços,
relações e papéis sociais que se tecem em torno dela, em cada tempo e
contexto socio-histórico. É o conhecimento sobre as dimensões sociais e
culturais da parentalidade e da família que permite perceber que as lógicas de
funcionamento e as experiências de cada família são simultaneamente únicas
e iguais às de muitas outras, seguindo padrões sociais. Isto acontece porque
as práticas e relações familiares estão ancoradas na relação entre a cultura e
as condições materiais de uma sociedade, e a singularidade identitária,
relacional e do percurso de vida de cada pessoa que constitui e cimenta cada
grupo familiar. Na verdade, é esta natureza simultaneamente individual,
intima, relacional, material e social que leva a que seja na família, e não tanto
noutros contextos, que homens e mulheres interpelam e recusam papéis
sociais e hierarquias pré-definidas e fomentadoras de desigualdades entre

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sexos e gerações, substituindo-as pela negociação parental e conjugal, pela


igualdade entre sexos e pela proximidade afetiva entre gerações, novos
ingredientes da vida familiar que mudaram as formas de tecer as relações
parentais” (Marinho, 2017).

Assim sendo, sem se excluir qualquer análise casuística a nível processual, a


verdade é que as políticas públicas não se fazem caso a caso, mas para
todas as famílias e crianças, em função de determinadas tendências sociais
que se observam. Cada criança e família será mais bem protegida e
reorganizada no pós-divórcio/separação se a legislação apontar o caminho,
sem prejuízo da família da criança seguir outro, sendo pouco provável que tal
aconteça, tendo em vista as mudanças sólidas que temos observado nas
práticas, dinâmicas e atitudes familiares em Portugal nos últimos 20 anos.
Assim, continuar a deixar a interpretação da letra da lei à subjetividade dos/as
magistrados/as é contribuir para a manutenção da atual situação, que, como
sabemos, não tem contribuído para a diminuição dos conflitos parentais, nem
de convívios amplos com ambos os progenitores, em especial, em situações
de desacordo. Tal deve-se a uma multiplicidade de razões, a saber: a falta de
consenso legal sobre o que é efetivamente o superior interesse da criança; o
poder discricionário dos/as juízes/as e procuradores que deixa espaço para
idiossincrasias discriminatórias; a manutenção do conceito de superior
interesse da criança como critério orientador tende a refletir mais uma
presunção em favor da residência única, bem como de relatórios técnicos que
demoram um tempo não adequado ao tempo das crianças; perante dois pais
ou mães adequados os magistrados/as não têm nenhum critério legal de
orientação para a tomada de decisão; a subrepresentatividade dos interesses
da criança em face da retórica do seu “superior interesse”, na “arena dos
tribunais”. Assim, sem excluir a análise casuística, o decisor, nesta fase
histórica do Direito de Família e da Crianças, necessita de critérios
orientadores que o guiem na tomada de decisão, sendo que o regime
preferencial da residência alternada é aquele que melhor preenche não só os

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melhores interesses da criança, como aponta o caminho para o envolvimento


parental mais igualitário entre pais e mães.

8. Sobre a preocupação da aplicação indiscriminada do regime preferência da


residência alternada

Como forma de contribuir para a solidez da tomada de decisão do legislador a


APIPDF entende que é relevante munir o mesmo de uma série de informações que
desmistifiquem a ideia que os decisores judiciais vão aplicar de forma cega o modelo
de residência alternada sem terem em conta as situações em concreto. Como
sempre afirmamos, um regime preferência é sempre um ponto de partida, um guia
orientador não só para o decisor judicial, mas igualmente para pais e mães.
Mas comecemos pelos próprios pais e mães, já que na sua maioria não recorrem
aos tribunais para regular o exercício das responsabilidades parentais. Apesar de já
existir uma tendência para uma maior igualdade nos cuidados às crianças entre
mães e pais, a verdade é que existem igualmente contextos de constrangimentos e
negociações no que concerne à divisão dos tempos nos cuidados às crianças.
Exemplo paradigmático dessa situação são as licenças parentais iniciais partilhadas,
onde se observa uma diferença entre a motivação de gozar estas licenças e os
constrangimentos (profissionais, familiares e de género) que se colocam, em
particular aos pais homens, para o seu exercício efetivo (Leitão, 2018). Assim, não é
de esperar que exista uma opção exponencial por parte de pais e mães pela
residência alternada, mas antes um aumento gradual e sustentado pela mesma4, tal
como tem acontecido com as licenças parentais partilhadas ou pela observação que
fazemos das reformas legislativas em outros países. Em países em que se optou por
reformas legislativas semelhantes a esta também não se observou nenhum aumento
exponencial das residências alternadas, nem uma aplicação indiscriminada do
modelo a todos os casos (aliás, assumir isso trata-se de passar um atestado de

4
Entre 2010 e 2017 as licenças parentais iniciais com bónus passaram de 20,7% para 34,2% das licenças
parentais iniciais gozadas (Instituto de Informática e Estatística da Segurança Social)

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incompetência à priori em relação aos magistrados/as e procuradores/as). Se


olharmos para o caso sueco, onde as diferenças entre mulheres e homens quanto
aos tempos nos cuidados são semelhantes, podemos observar que desde 1974 o
Estado tem apostado em políticas públicas direcionadas para um maior
envolvimento parental de pais e mães, sem que isso se traduzisse em imediato num
aumento de residências alternadas (Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, &
Bergström, 2018):

Percentagem de crianças suecas de pais e mães divorciados ou separados em residência alternada

O mesmo se verificou após a reforma legislativa australiana em 2006, onde


passaram de 9% de crianças em residência alternada em 2002-2003 para 17% em
2014-2015 (Smyth & Chisholm, 2017)5. Chamamos à atenção para o efeito maior
que esta reforma australiana teve nas decisões de mútuo acordo entre pais e mães
do que em decisões judiciais. Observou-se que as decisões de residências alternada
por parte dos tribunais mantiveram-se relativamente estáveis entre 2006 e 2014,
entre os 9-13%, em contraste com os acordos realizados por pais e mães e
homologados que passaram de 16,5% em 2006 para 26% em 2016 (Keogh, Smyth,
& Masardo, 2018), mostrando uma consistência no seu aumento. Isto confirma, mais
uma vez, a nossa posição, de que a alteração legislativa quanto ao regime
preferencial insere-se no âmbito de uma política pública.

5 A percentagem que anteriormente apresentamos quanto à realidade australiana teve em conta também os
regimes alargados de “visitas”.

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Mas se observarmos melhor a reforma australiana e as suas dinâmicas na


população de pais e mães separados ou divorciados, constatamos que o número de
pais e mães que recorrem ao tribunal são apenas 3% (ainda que 16% dos que não
recorrem ao tribunal usam os serviços de resolução alternativa de litígios) e destes
apenas em 39,8% das situações o juiz/a decide pela residência alternada (Day,
2019). O quadro seguinte, de 2014, mostra-nos os tempos da criança com cada um
dos pais ou mães, apenas 8 anos depois da implementação da referida reforma,
observando-se uma multiplicidade de rearranjos familiares e uma clara tendência
para a criança conviver mais tempo com ambos:

Fonte: (Kaspiew, et al., 2015)

Semelhantes resultados verificaram-se em França desde 2002 e na Bélgica desde


2006 (Vanassche, Sodermans, Declerck, & Matthijs, 2017).

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Após esta breve explicitação, parece-nos que o legislador pode e deve optar pelo
regime preferencial, com a segurança que tal norma será aplicada com
ponderação, por parte de magistrados e sendo cada vez mais a melhor a opção
escolhida por pais e mães para as suas crianças.

9. Em suma, tendo em conta que a residência alternada se dirige à esmagadora


maioria dos pais e mães6, a sua idoneidade não pode ser colocada previamente
em causa com base na existência de comportamentos excecionais muito
censuráveis. A exceção não pode fazer a regra, sob pena de comprometer o
direito de todas as crianças a terem um envolvimento parental mais igualitário. Os
comportamentos de violência doméstica e abuso sexual infelizmente existem e
devem ser energicamente combatidos e reprimidos, mas de modo certeiro, com
um mínimo de “danos colaterais”, ao mesmo tempo abrangendo os que estão
efectivamente envolvidos e excluindo a possibilidade de sanções cegas e injustas
para cidadãos cumpridores que apenas desejem participação mais igualitária na
vida das crianças. A APIPDF sugere adicionalmente que se aproveite esta
iniciativa legislativa para alterar algumas questões jurídicas adicionais:

a. Substituir a designação de “menores” por crianças, visto que a o artigo


1.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (na tradução aprovada
pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 8 de Junho)
define como criança ”todo o ser humano menor de 18 anos” e
cumprindo igualmente o previsto no artigo 4º da Lei nº 4/2018, de 9 de
fevereiro;

b. Substituir o termo progenitores por “pais e mães”, englobando, assim,


os casais do mesmo sexo e pais e mães que adotaram crianças,

6Reconhecendo que as denúncias não traduzem a totalidade das situações de violência doméstica,
de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna de 2018, a taxa de incidência de denúncias
por mil habitantes é de 2,5.

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conformando-se, assim, de alguma maneira, com a linguagem do Artº


64º da CRP;

c. Eliminar a palavra “guarda”, visto que o vocábulo não foi usado na


alteração de 2008 ao artigo 1906.º do Código Civil, embora continue a
subsistir em alguns artigos deste código (como o artigo 1907.º, n.º 1) e
em legislação subsidiária.

d. Incluir o Artº 1906º-A no articulado do 1906º, de forma a evitar


redundâncias jurídicas, tal como já fundamentado.

10. Para finalizar, solicitamos que sejam ouvidos/as especialistas de outras áreas
do Conhecimento, além do Direito, como da área da Psicologia, da
Sociologia, entre outras.

Referências

Bergström, M., Modin, B., Fransson, E., Rajmil, L., Berli, M., Gustafsson, P., & Hjern, A.
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http://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2458-13-868

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definição social dos conceitos. Sociologia, Problemas e Práticas, pp. 145-176. Obtido
de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-
65292000000300007

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Fransson, E., Låftman, S. B., Östberg, V., Hjern, A., & Bergström, M. (2018). The Living
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Indicators Research(11), 861–883. doi:https://doi.org/10.1007/s12187-017-9443-1

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Keogh, E., Smyth, B., & Masardo, A. (2018). Law reform for shared-time parenting after
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http://igualdadeparental.org/profissionais/discurso-de-sofia-marinho-na-
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dinamicas-e-praticas-sociais-em-coimbra/

Perista, H., Cardoso, A., Brázia, A., Abrantes, M., Perista, P., & Quintal, E. (2016). Os Usos
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Centro de Estudos para a Intervenção Social e CITE – Comissão para a Igualdade
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Simões, R. (2018). Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança –


um contributo para a discussão. Obtido de Família com Direitos:
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