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Mario Pedrosa Otilia Arantes (org.) Copyright © 1998 by Mario Pedrosa Vedigio 1998 Pedicio Mreimpressio 2004 Dacios Internacionais de Catalogagio na Publicagao (CIP) c Pedrosa, Mario, 1900-1981 Académicos © Modernos : Textos Escothidos IIL / Mario Pedrosa ; Otitia Arantes (org.).~ 1. ed. 1. reimpr. ~ Sio Paulo: Editora da Universidade de Sio Paulo, 2004. ISBN 85-314.01266 1 Arquiteira~Brasil Historia 2, Arquitetura~Critica 3. Arte—Brasil—Histéria 4. Critieade Arte TArantes, Oia, IL Titulo, 97-5720 CDD-709.81 Indices para catilogo sstematico: 1. Arte Brasileira : Histéria e critica 709.81 2. Brasil : Arte : Hist6ria e critica 709.81 Direitos reservados i Eduspy~ Editora da Universidade de Sio Paulo Av, Prof, Luciano Gualberto, Travessa J 374 6 andar ~ Ed, da As 105508-00 - So Paulo ~ SP = Brasil Divisio Comercial: tel. (Qxx 11) 9091-4008 / 9091-4150) SAC (Owx11) 3091-291 1 = Fax (Osx) 3091-1251 sera br/edusp ~ email: edusp@edu usp.br ria ~ Cidade Universitiria wed in Brazil 2004 10 0 depasito lega SUMARIO Este volume... a u Preficio = Oud Fiori PARTE I ~ Da “Missiio” d Semana de Arte Moderna 89 Da Missio Francesa ~ seus Obsticulos Politicos . 4) Amoedo, Li¢io de um Centenario 115 Visconti diante das Modernas Geragdes 2.2.0.2... 2. eo _ 119 Semana de Arte Moderna... cee 135 PARTE I = Dos A nonce 5! Impressbes de Portinari .. 0... coos eevee eee eee 155 A Missa de Portinari 0. Soe cece 163 Um Novo Di Cavalcanti. Lasar Segall . Ismael Nery, um Encontro na Geragio . A Paisagem de Guignard ......... Djanira ... Franz Weissmann, um Caso Fayga Ostrower A Experiéncia de Ivan Serpa............ Despedida de Livio Abramo ...... eee eee rer 225 Cicero Dias, ow a Transigio Abstracionista oo... 1... 229 PARTE Ill ~ Das Bienais as Neowanguardas.......« soe 239 O Momento Artistico Grupo Frente. .... Paulistas e Cariocas. Charoux, Artista Concreto. Volpi - 1924-1957 .. O Mestre Brasileiro de sua Epoca A Pintura Brasileira na Bienal 283 Lygia Clark ou o Fascinio do Espago so. ..s.eeesseeeeseseeeees 287 Fayga ¢ os Outros . Franz Weissmann, Prémio de Escultura Serpa, Mostradespedida ......... bee eee veeeeee 301 Iberé Camargo ... Bruno Giorgi Felicia, Escultora. 331 A Pintura de Ianelli 335 341 Os Projetos de Hélio Oiticica wees Mira Schendel .........6 666.000 cece scene ees 345, ‘A Obra de Lygia Clark - - 347 Arte Ambiental, Arte PésModerna, Hélio Oiticica 355 Da Dissolucio do Objeto ao Vanguardismo Brasileiro 361 Do Pop Americano ao Sertanejo Dias.......- bev eveeeees cess 367 PARTE IV - Arquitetura Moderna e Internacionalismo ....- eevee. 878 Regionalismo e Formas Classicas ...... wees 375 Arquitetura Moderna Brasileira... 379 Introducao 4 Arquitewra Brasileira 383 Reflexdes em Torno da Nova Capital .... 389 A Obra de Arte = Cidade Planejamento, Arte © Natureza Crescimento da Cidade Brasilia, a Cidade No A Espera da Hora PI SUMARIO 405 = 407 ait 423 ESTE VOLUME sobre Pensando bem, achei que a melhor maneira de abrir uma coletin jo Pedrosa Académicos ¢ Modernos, de um critico tio fora de esquadro como M seria comegar por onde a rigor tudo comega neste pais, pelas missdes culturais Sobre ela estrangeiras. Refiro-me, no caso, a Missio Francesa, Mario Pedrosa deixou uma tese inédita apresentada em 1955 a cadeira de Histéria do Colégio D. Pedro I - Da Missdo Francesa: Seus Obstdculos Politicos — e, para variar, altamente is ou nao. Inde- polémica, na contramao de todas as verses consagradas, ofici pendente do acerto maior ou menor de sua interpreta io hist6rica (alias, bastan- te convincente € muito bem documentada), interessa-nos, antes de tudo, 0 fato de colocar, de saida, © problema das influéncias externas na nossa historia da arte, A seu ver, a presenca daquel artistas franceses no Brasil de D. Joio VI inicio do Império bem poderia ter contribuido, como muitas vezes se disse, para sido interromper uma tradicao local que mal e mal se esbocava, portanto te uma forca desintegradora, ao mesmo tempo que, inegavel, apresenta- va caracteris ‘as que favoreciam igualmente a cristalizacdo do repertério iconografico de um Brasil que se renovava'. Além do mais, também nao seria facil discernir, nela, a melhoria real no estado das artes do si nples retrocesso, sem falar no atrelamento institucional ao arbitrio do poder constituido. ssim por 10 dilemas conhecidos € recorrentes na historia diante. nossa arte, do Moder- 1. Cf, também a proposite: “Arq. Moderna Brasileira”, acerca do livro de mesmo titulo de Henrique Mindlin, publicada neste volume. tetura ACADEMICOS E MODERNOS nismo As neo nguardas, passando é claro, pela Abstracio. As seccdes deste tere ro volume foram concebidas em fungao das ctapas desse proceso de pro- messas © desenganos, bem de acordo com a propria marcha recalcitrante da modcrnizagao brasileira, & observagio da qual o Critico nunca deixou de ajus © seu ponto de v a hora mais explicita de empenho politico. ta, desde a prime Ao final do livro, culminando o debate, a Arquitetura Moderna no Brasil, em especial em se capitulo conclusivo, tanto quanto do projeto construtivo brasilei- ro: Brasilia, sintese das artes. Por isso mesmo, também, momento decisive de constituicio de uma cultura regional dentro de uma linguagem internacional e, quem sabe, universal. De qualquer modo, por sua dimensio coletiva, uma obra de modo enfit de ante a colocar, mais do que qualquer ou co € concreto, 0 fico da forma artistica em nosso ti problema do envolvimento social espec mpo ~ como se sabe uma das preocupacdes centrais na critica de Mario Pedrosa’. Assim, ao reunir num s6 volu seus escritos sobre arte brasileira, fui obrigada a selecionar, no vasto material coletado, priorizando aqueles inéditos em livros, os mais representatives da posigio do Autor © que, portanto, de alguma forma, respondessem a essa questio basica, que por sua vez se desdobra em outras tantas, como, por exemplo, as relativas as imposicoes da matéria local, © que se traduzem imediatamente por: arte nacional ou internacional? realismo ou abstracao! moderna € dotada de Mario Pedrosa dira que, num certo sentido, 96 a arte ral e simté uma vocagio ur “a, na medida justamente em que foi se depuran- do abandonando sobrevivéncias anedéticas € histéricas'. Ao se desvincular dos valores em crise ou em vias de superacao, a arte teria atingido algo como uma “linguagem do absolute”, em que tudo puro € essencial, Essa, a grande utopia dos Modernos ¢ que move toda a obra critica de Mario Pedrosa, inclusive sua avaliacio de conjun sente, Até o instante em 0 da arte brasileira — passada ¢ pr que a dimensio da crise que se estava vivendo (década de 70) pareceu-the inviabilizar um tal autonomia da aparéncia estética, quando muito, quem sabe, hibernando juntamente com a si tese_prometida da “hora plistica”. Contudo, ante mais de 30 anos, foi esta a deste du Arte Moder Nesse clima de opiniao, especialmente nas décadas de 50 e 60, acreditava sua aposta: a mesma dos grandes mestres da ulo. Mario Pedrosa que © Brasil, como outros paises de mesma trajet6ria histérica, em 2 Cf. “A Espera da Hora Phistica” que encerra este volume, Om Mario Pedrost sobre a Arquitetra Moderna Brasileire encontrase no livro organizado por Aracy Amaral para a Editora Perspectiva (1981), Das Munis de Portinani aos Espacas de Brasilia 3. “Arte Moderna, Fenomeno Internacional”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13.02.60, is completo conjunto de textos de ESTE VOLUME fase de amadurecimento cultural e nao apenas de desenvolvimento material, sem grandes tradicdcs consolidadas, portanto permeavel a todas as formas de novida- de, haveria de atingir o estigio de “cultura orginica”, fazendo a devida triagem na sucess ssem, de modo a criar uma auté; a arte do de ismos que por aqui apor nacional, Esti claro que sem cair no “atoleiro do nacionalismo” *. Ou seja, por mais que advogasse a causa de uma grande arte sintética € portant universal, coincidéncia absolut: nem por isso Mario Pedrosa imaginava v tre o proces- so de internacionalizagao € 0 de maturagao cultural, embora reconhecesse que, em se tratando de um pais novo, esse segundo momento era de qualquer modo devedor do primeiro ~ daquele estigio de “civilizagio-oasis” (como o definira, valendo-se da conceituagao histérica de Worringer), visto ora como foco de Jo de uma cultura viva que vai se ajustando ao meio e iceversa, ora como ato de coloni lismo explicito; ora como ponto de partida de um processo de modernizacio, ora como pura importacdo de modismos ¢ revivals ;alternadamente, sora € quisto ameacador. Como declarou, no calor da discussio gerada pela vaga nacionalista daqueles anos: 0 importante mesmo é que se aborde “o problema em seu conjunto”, de modo aver “em que medida o elemento 1 \cional ou regional pode participar no sentido de © proceso de internacionalizagio da arte moderna”®. Era em parte esse © mote basico da critica de Mari fundir e unificar ou diversificar ¢ diferenci: Pedrosa naquele periodo, inclusive ao recapitular a maneira pela qual chegaram ao Brasil o Barroco, 0 Neoclassicismo, as ligdes da Escola de Paris ou o Expressionismo e, mais recentemen- te, a Abstracao ou a Arte pop (posmoderna, como ele ja a denominaya). Fo que se pode constatar ao longo deste volume que inclui ensaios de diferentes épocas: do primeiro estudo sobre um artista brasileiro — “Impress6es de Portinari”, de 1934 - aos iiltimos, da década de 60. E preciso lembrar que apés © seu longo exilio, no Chile € em Paris, pouco voliou a escrever ou a opinar sobre a arte mais recente, inclu aquela produzida no Brasil. (O. BBA) 4. °O Brasil nos Temas do Co textos citados, ef. também resso de Varsivia”, Jornal do Brasil, 10.02.60. Ai série publicada no mesmo jornal, desde 1957, sobre o assunto: acional” n dos dois “Arte = Fenémeno Internacional” (16.06.58); nal” (20.01.60); “Regionalismo ¢ Formas Plisticas” (03.02.60, pel 5 , Linguagem Inte I" (17.02.60); “Ainda o Problema da Internacionalizagao da Arte” (28.10.60); “Internacionalismo e Uniformidade” (01.11.60) “O Brasil nos Temas do Congresso de Varsovia”, op. cit Internacional-Regio- PREFACIO 1. “Condenados ao Moderno” Sabemos que Mario Pedrosa era antiimperialista convicto mas te1 nia ignal- mente 0 nacionalismo. Também nio cra ctapista. De acordo com uma de suas formulas preferidas, sobretudo quando se tratava de definir a civilizacao do pais numa $6 frase: estévamos “condenados ao moderno” porque nao estévamos con- denados a reproduzir em nosso futuro o pasado dos mais adiantados numa corrida que poderia na a nossa, nem da humanidade, Por outro lado, suas 10 se Icituras, especialmente trotskistas, Ihe ensinaram que uma onda modernizame, talvez inevitavel, pod muito bem agravar relaces arcaicas de dominagio. O mesmo valendo para a dimensio estética! Para Mario Pedrosa, portanto, a preponderancia do influxo externo — que se espelha com maior nitidez em “civilizagbes-oasis” como a nossa (como veremos adiante, uma de suas chaves interpretativas da nossa formacio, inspirada nas teorias de Wortinger) parte indescartavel do proceso cultural de um pais nideca por definicao. dependente, nao € algo que nos diminua ou mesmo en; Sendo assim permanente o descompasso, 0 que interessa é 0 seu funcionamento 1. Este prefiicio em parte retoma © adapta passigens de meu livre Marie Pedrosa: ltinerdrio Critica, Sao Paulo gente da obra de “Dados Biogrificos’, ao fim daquele volume. 1), 1991, Para ama avalian js abran. ‘0 volume desta sé bem Mario Pedrosa cf. o "Prefiicio” do prim 16 ACADEMICOS E MODERNOS atual, cujo desfecho é unpre incerto: nefasto quando atalha experiéncias locais penosamente claboradas', mola propulsora quando desmancha fantasias em tor no de falsas tradicdes, elas mesmas remanescentes de antigas sposicoes ultra- marinas. A Ital da atrasada gerou o Futurismo, que a Rissia ainda mais au adotou - num € noutro lugar houve acertos notaveis i ntes. congruéncias grit Jomo 0 atraso é expresso de um movimento mundial ¢ nao atrofia individ cabe ao critico — como era ficar © modelo conyicgao de Mario Pedrosa = ver pelo qual se combinam tais elementos descompassados que ora asseguram a forma moderna importada um funcionamento produtivo, ora, no podendo andar juntos, decretam a faléncia do arremedo. Ve © Barroc . Nas yezes que o men ase, para come¢ jona, quase sempre a tanto o abrasile para efeito de argumentagao ad hoc, Mario Pedrosa en to da matriz, portuguesa ¢ as continuidades que dai se seguem, quanto o fato bruto toques: rear na “vanguarda” por assim dizer, el ramen- a808 € as injuncdes da colonizagao que nos permiti nao brotou espontaneamente do solo nacional em virtude de algun sexto sentido bras leiro pai as grandes rupturas artisticas, O que faz o Critico recorrer aquela arte da col6nia tanto para tomila como paradigma de civilizacdo-oasis, quanto para sugerir que um proceso de aculturagio acabou ocorrendo e cobrar, se nao fidelidade, a0 menos uma certa coeréncia com um tal pasado, Por exemplo, “a vellia edificacdo portuguesa”, posta de lado no s culo XIX pelo neoclassicismo = é 0 que afirma a do catélogo & exposigéo Anjuitetura Brasileira, Do Barroco & Brasilia, no Museu de Arte Moderna de Téquio*, Ou seja, no fundo, a Missio Francesa ter impedido consolidacio de um processo pelo qual a civilizagio 4 ape isso, ela vinha também interromper uma atualizacio que possivelmente nos seria portuguesa comecava a ganhar aqui contornos de cultura local. Mas nio © as melhor assegurada vi Portugal, que entio (justamente por ter ficado para tras) se aproximava do Romantismo inglés, que depois triunfaria em todo o Continente. Essa interpretagi 10 do neoclassicismo que a pretensa Missio Francesa teria wazido para o Brasil est4 exposta na ja citada tese apresentada por Mario Pedrosa, mas que 0 chegou a defender nem publicar’. Como indicado no titulo do lembrou Roberto Sch panhia das Li 3. Publicada no Jornal do Brasil, sob 0 31 de m: rz em “Nacional por Subt (Que Horas Sié?, Si Paulo, clras, pp. 29-48). alo “Introducao 3 Arquitetura Brasileira” (28/24 ¢ 30/ jo de 1959) e republicado em Dos Murais de Portinari aos Expacos de Brasilia, Sie Paulo, Perspectiva, 1981, pp. 321-35. 4. Cf neste volume PREFACIO. trabalho, o Autor concentra-se sobretudo na emarant day de de intrigas politi- cas, trocas de favores ¢ outros arranjos menores entre franceses emigrados, portu- mesmas sinecuras, gueses encastelados em privilégios ¢ brasileiros interessados nas em nome do aprime s. A tese re ramento espiritual do pa é a versio original consagrada daque am a criacao da Escola de Belas-Arte fatos que retard © descaracterizaram em parte a funcio atualizadora de uma “missio cultural”, mesmo improvisada como aquela, de fato nao exatamente uma misao, antes um grupo de ex-bonapartistas que se refugiaram por aqui (feitas as ressalvas de praxe a alguns raros talentos verdadeiros como os da familia Taunay). O que nos imeressa por agora é a discussio paralela, conduzida nas entrelinhas. Um exem- plo: Franga, via com entusiasmo os Aratijo Porto Alegre, en io em viagem pela Gltimos momentos da agonizante hegemonis fi cultural usa no Brasil. O jovem e cl discipulo de Debret ¢ da estética davidiana imaginava abrirse para as belas- artes no pais um futuro radioso, antevia (nas suas pal ras) um Rio de Janeiro que “se enfeita com ornatos de uma outra Atenas’, pensava nos dignos intérpre- tes nativos que a arte dos David e dos Pere “galerias, arcadas ea © os Be ia entre nés, sonhava com er encontrar renas”, eclipsando os monumentos inspirados pelos Le Brun se 0 devancio de Po ini. O que ocorrer' c tornasse realidade to Alegre plena? Sem falar no disparate de um Rio de Janeiro greco-romano (embora tudo a frente, fosse postico na colonia), Mario Pedrosa observa que Portugal ji passa que os pintores portugueses daquele tempo, longe de serem insignificantes (“um estres france- nage! Sequeira resiste, e com 1, 10 confront com qualquer dos ses da Mi comecavam a beber na Inglaterra as fontes de uma nova inspiracao que ia, pouco tempo depois, ganhar, contra o neoclassicismo ¢ contra ha do romantismo em Pari David-Ingres, a bat . Dessas mesmas fontes ia, mai tarde, dentro do coracao da grande metrépole, jorrar uma nova revolugio estéti- Nao deixa de ser um mérito tirar proveito de um vinculo tradicional de dependéncia, como a de Portugal em relagao a Inglaterra, como também € familiar -Jo implicita de que diversifiquemos nossas fontes de abastecimento cultural, Mas o recado de Mario Pedrosa vai mais além, nele nao s6 ainda ecoa uma antiga palavra de ordem modernist, mas aflora a conviegdo de que ja corriamos por um caminho proprio, “orginico”, incompativel com a intomissio nos”, neoclassica: “os nobres davidi ta, “vinham alterar o curso da nossa ister Lisboa verdadeira tradicao artistica [sie], que era barroca, vi ‘Trés anos depois, no catilogo citado, da exposicio de Toquio, volta a bater na mesma tecla, referindo-se aos noves edificios que passaram a ter colunatas € frontoe teiramente classicos, como “uma arte fria, nportada”. Obi 7 ACADEMICOS E MODERNOS que nao ocorreria a Mario Pedrosa utilizar um tal chavio nacional-modernista itetura Nova no Brasi para repudiar a introducio da Arq “racionalista” de Corbusier — longe de nosso Autor profissdes de fé tradicional: em particular o purismo tas on revivalistas. Ele se mostra tio reticente em relacdo ao artificio revivalista “pseudocolonial ou neocolonial”, como o fora em relagao ao neoclassicismo de importacao, Pais sem tradi¢ao, ao incorporar e fazer a sua arte barroca portugue- sa, € como se, com ela - “a arte de ‘vanguarda’ da Europa de entio", tivesse também importado uma vocaca a0 novo. io permanente pi clagio tanto Como se pode ver, Mario Pedrosa avanca significativamente em a0 idedrio modernista quanto as interpretacdes de cunho culturalista, fundadas no mito das tés racas ou na tio decantada “alma” brasileira, mes mo quando chega a referir de passagem a questio étnica ou um certo jeito de ser brasileiro, uma certa sensualidade... O que leva, por exemplo, a repudiar vee ntemente uma expressio como “humanidade brasileira”, adotada certa feita, j nos anos 50, por Di Cavalcanti’, adivinhando ai nada mais nada menos do que resquicios de um nacionalismo perigoso ¢ que redundara justamente no integralismo verde- amarelista, Ao cont rio, € em geral na historia que Mario Pedrosa vai buscar as condigées que propiciaram o aparecimento entre nés desse novo, Embora na maior parte das vezes ndo chegue a claborar 0 quadro nos detalhes, alguns s, No entanto, o obrigarao a fazé-lo de forma mais explicita ~ € 0 caso justamente da Nova Arqu etura e, em especial, de Brasilia. Sobre o surgimento da nossa Arquitetura Moderna, por exemplo, foi, que eu saiba, o primeiro, talvez © tinico, a nao s6 associar estreitamente o éxito da importacao desta arquiteuura a fungao catalisadora da Revolu de 30, mas a avribuirlhe a lideranca das awwalizacdes culturais que se consolidavam. Ao mesmo tempo, considerando- se 0 carater pouco revolucionario da Revolugio de 30 e a natureza do regime politico que acabava de se instalar, 0 fato da oficializaco progressiva dessa arqui- tetra ge contradigdes que Mario Pedrosa evidentemente nao deixa de regis- tar, enfatizando alias os disparates & conflitos das duas “modernizacbes”, ora litGrias, es ora cont complement respeito das importag amos, diz ele, comentando um sa que nos referi texto de Lewis Mumford sobre questoes ligadas aos re mos: © neoclas- sicismo chegava quando © pais ia se wansformando em nacio independente e comegava a se integrar de Norte a Sul ~ afinal se tratava de ma linguager universal, como vird a ser o racionalismo de Corbusier ¢ da Bauhaus, numa outa ‘avalcanti", CE. neste volume: “Um Novo Di PREEACIO. fase, de surto de industrializagao © modernizacao". Ha, contudo, uma diferenca hrasica neuw registrar: aquele era, na su alidade geométric de “grande comodi- de para a dominacio dos colonizadores” = sho de Mumford, formas. i expres coloniais propriam nte ditas, exportadas prontinhas ~; ja a arte e 3 arquitetura moderna tém na sua pureza uma outra dimensio, universal, que accna, com sua autonomia formal para uma realidade outra, futura, 1 pica, representando por- anid tanto “a primeira expressio antecipatéria da marcha da hu de para afinal enquadra se numa s » historia”. Assim, o regional € negado, num caso, como forma de dominacao, no outro, como forma cma ncipatéria. Ea propésito deste Ailtimo acrescenta, num texto da mesma época (1960), ainda motivado pela leitura de Mumford € no clima de debate provocado pelo tema proposto por ele proprio, r Mario Pedrosa, ao Congresso Internacional de Criticos de Art capital da Polénia, sobre ) problema da relae 1 da arte mode » entre as diferentes tradicoes nacionais e 0 cariiter interna ob a bandeira do funcional, acima de tudo, adotamos entio o lisino arquitetnico que domina 0 mundo Nasce dele toda uma geracio de dificul de sintaxe internacional. E um processo de cristalizagao de formas arquitetonicas brasileiras, quer dizer, regionalizacio, Esta é que é a verdadei efa do espirito criador dos arquitetos € artistas brasileiros nos di em pensar que Brasilia sera um dos fatores mais decisivos para que essa cultura regional desabroche, enfim, plenamente, em nosso pais, dentro da linguagem internacional, através da qual ‘0s homens de todos os quadrantes € horizontes se entenderao, na fraterna € existen- pvo internaci pn arquitetos que s6 pouce a pouco, € com muita ade, vai mostrando acentos prosédicos, idiotismos vernaculares no contexto s de hoje. Teimo cial imtercomunicagio que 96 a Arquitetura, a Arte podem dar* Na esteira de Mumford, Mario Pedrosa acreditava que 0 processo de “adapta- &o de uma cultura a um determi nado meio particular é longo € complicado, & um cariter regional em pleno florescimento é 0 tltimo a emergir™. Mas quem de fato Ihe fornecera a chave do enigma, posto justamente pel: »bigua apoteose da nossa Arquitetura Moderna, que culmina em Brasilia, sera um estudo de Worringer a propésito da arte egipcia, em que adota enfim 0 conceito de “civiliza- cdo-oasis"”. Brasilia nao faria sendo reproduzir, ainda na dos ma ver, 0 parad 6. Publicado neste volume sob o titulo “Regionalisma ¢ Formas Chissicas” Jornal do Brasil, Rio de Janciro, 19.04.58, ional-Regional", Jornaf do Brasil, Rio de Janci do, Homem, Arte em Crise, pp. A958: p. BU 9 Idem, p. 50. 10. Cf. “Reflexdes em torno da Nova ¢ ‘ado em Mune », 20.01.60, Republi neste volume. lo ACADEMICOS E MODERNOS, reiterados transplantes artificiais que ocorreram ao longo do nosso proceso de colonizacio, Vejamos como mobiliza tal conceito para a interpretacao do arrema- ile te final do projeto modernizante on consteutivo bi 2. A Nova Capital-Odsis Ao aprese © tel do Congresso de Varsévia, Mario Pedrosa chega a afirmar que © processo de internacionalizacao crescente da arte contemporanea € mais visi cl na Arquitetura Moderna, Justamente objeto de discussio do co gresso anterior da AICA no Brasil: Brasilia — Sintese das Artes (tema que também fora indicado por Mario Pedrosa). O que se pode dizer & que, de fato, foi a polémica gerada pela Nova Capital que induziu o Critico a tentar formular algo is. como uma teoria geral sobre as nossas importagdes cult >= 1 ntimero de reflexdes ambivalentes acerca do tema tanto quanto do projeto em Brasilia em construga ~ deve ter sugerido a Mario Pedrosa um bom andamento. O tamanho das inquietagdes pode ser medido pela magnitude das esperancas insufladas pela industrializacio acelerada dos anos 50. A adesdo entu- siasmada ao projeto de Liicio Costa vinha temperada pela diividas de quem conhece 0 seu pais: “Que diabo de cidade podera sair de um meio como o Ora, a sabedoria de Lit mente pressentida por todos “no invélucro: modernis Costa consistiu em aceitar a contradicgéo 1Sa- no” da concepgio de Brasilia. Alids, a deixa the vem do modo pelo qual © proprio arquiteto interpre- tou a solucio que encontrou para o plano-piloto: ponderando que a concep¢io urbanistica da cidade nao seria decorréncia de um planejamento regional inexis- funda jado da regi como os tempos estimulavam a imaginacio dos grandes recomecos, atribuiulhe o cariter de um “ato deliberado de posse”, mas no sentido de um gesto “aind Jo da ci tente, mas a causa dele, tomou ao pé da letra ade, que dari “ensejo ao ulterior desenvolvimento plane desbravador, nos moldes da tradicao colonial”, de modo que a solugio procurada “nasceu do gesto primario de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em um Angulo reto, ou se . 0 proprio sinal da cruz”, Ficava assim, na opinido de io Pedrosa, estilizada a incongruéncia do programa, evitando-se com audacia © meio-termo € 0 ecletismo, abrindo caminho para 0 “reconhecimento pleno de PREFACIO. \cia colonial”, “a moda cabralina”. quea solucdo possivel ainda era na base da exper intencdo ostensiva, deliberada, em forma de um emblema 4 segune afia nacio- sta: a contingéncia épica de um elemento central da iconog nal, a caravela do descobrimento que da sentido ao ato de fundacae, com o risco na “forma de um avido” a “pousar docemente” sobre o Planalto Central. Imagem otimista, sem divida, como quer Mario Pedrosa, sugerindo desbravamento e pioneirismo, coragem de engenheiro flechado rasgando estradas na mata virgem, de piloto do Correio Aéreo Nacional aterrissando em clareira aberta na selva, sob pi © olhar aténito de indios ¢ caboclos s mas também mont gem moder- uciros; . ora afirmativa, como um certo Portinari, ora dissonante, como no tpi t ngendo alatide, ou parddica, como na cartola de Rui Barbosa, pregando civis mo na Senegimbia, Aid 10 a Mario Pedrosa como a repeticao do gesto de nossos antepassados que para ca na aridez do cerrado cenv ja de uma capital “plantads aparece portan- iliza- a ou c “wansplantaram” sua cult curopéia, nao tendo encontrado cult co que devesse ser preservada, O Brasil, como a América, nao passava de um imenso viveiro de formas importadas - tal qual um “oasis” no meio do deserto mo Ma (que podia ser a nossa mata virgem). Por isso mes io Pedrosa prefere falar de civilizagio, dado o seu cardter antinatural, e nao de cultura, que resulta contrario de uma relacao organica entre o homem e a natureza (ele retoma aqui a oposicao estabelecida por Frobenius ¢ adotada pe Worringer). O termo “civili- zagio-oasis" enfeixaria assim o arco dessa mitologia da condi Q ‘io colonial, da qual silia ainda faz parte — nao apenas por se instalar li longe em meio a terras ridas, mas por se afastar daquelas Areas onde se desenvolve 0 “processo vital” de identificacao da histéria natural ¢ da histéria cultural € politica do Brasil. Como se vé, a abundancia do oasis pode se tansformar em algo nefasto ©, a0 usar esse conceito, nosso Critico tem em mente essa outra dimensio: o insulamento de uma civilizagao desenraizada. Estaria assim sintetizada, nesse conceito, a ambigii- dade mesma de nossa modernizacao. divida, hd uma certa desproporcio entre disciplina egipcia para vencer pela técnica os obstaculos de uma natureza adversa ¢ a nossa formacao. tural, Mario Pedrosa estava evidentemente nte disto. “O egipcio nao se entre- ando Wortinger, acrescenta: “No. ga A natureza, domina-a pela técnica’, di rel Brasil, nem nos entregamos 4 natureza, nem a dominamos. Estabeleceuse um modus vivendi mediocre”. Mas ficou a deixa para o que Ihe convinha ressaltar: junca tivemos pasado nem rastro por tas de nds”. Observago otimista, no vezo modernista de converter 0 negativo em positivo, 0 atraso como plataforma para um salto & frente. A América no era e is entre desertos, mas era tamente uM, ACADEMIOOS F MODERNOS. simplesmente nova, isto é “um lugar onde tudo podia comecar do comeco”. E comet ar tudo de novo é sinal dos novos tempos, a modernidade em pessoa. Se antes nos d :primia tudo 0 que havi de postico em nossa civilizagio mim a teoria do oasis vinha reabilitar os sucessivos enxertos que nos faziam estar d la page. (Forcando um pouco a nota, seria o caso de lembr que, naqueles anos de 50, 0 espirito do tempo corria a favor das importacées que ajudassem a queimar etapas, como se dizia, da indiistria automobilistica a arte abst a.) A mata virgem era um convite & tabula ra a das vanguardas, © a imitac&o quase um privilégio. Assim, os colonos que desembarcaram no Novo Continente puderam transplantar, por assim dizer intatas, suas formas culturais mais adiantadas, como se tratasse de uma transplantacio de oasis [...]. A América se fez com essas transplantacdes macicas de culturas vinda de fora: que estilo, que forma de arte foi imedia nsplantada para o Brasil mal deseoberto? A iltima, a mais “moder. na’ vigorante na Europa ~ 0 barroco. E na parte ingles do norte? O que se vi u nente ali foi n renascimento desembocando, sem tardar, no neockissico. Foram eles, assim, Ii em na, de revivalem revival, isto €, de modernismo em modernismo. E Sbvia a intencdo de polemizar com o gosto rewogrado dos nacionalistas, mas ao mesmo tempo, por outra parte, a de demolir 0 mito de uma civilizacao organica que o modelo europeu nos impingira € que, embora conservador, servia de argumento a uma certa esquerda. Como nao nascemos naturalmente, mas pela irrupeio artificial e exégena de comunidades urbanas, estamos “condenados ao modern”, isto é, a desenvolver um “formiday' cl poder de absorgio de quais- quer contribuigdes culurais, por mais complexas ¢ altas que sejam". Modernos de nascenca, banimos de vez 0 espirito conservador “que s6 admite a evolu: hist6rica como fruto espontineo € organico de fatores naturais € da tradigao” ¢ Cendrars ensinava aos De volta aos bons tempos euforicos em que BI: seus amigos paulistas como se transformarem em modernos, j que de qualquer modo estavam destinados a sé-lo? Nem por sombra. Tanto é verdade que Mario Pedrosa, ao mesmo tempo em que parece raciocinar nos velhos termos do imagi- nario modernista, logo muda de rumo, relativizando nossas conquistas ¢ transfor mando a “civilizacao-oasis” numa etapa colonial a ser superada. Assim, apés terse vangloriado de nao termos passado, admite na frase seguinte, consternado, que desconhecemos as “formidaveis vias de penetracao dos vethos impérios”, ¢ mais, 12. “A Cidade Nova, Congreso da AICA de 1959, p nos Anais do Congress, pp. 810 © 165-167. Republicado em Dos Murais de Portinari aos Espacas de Brasilia, pp. 355-363: p. 358. intese das Artes”, intervel PREFACIO. se no conhecemos “num pasado remoto, essas indestrutiveis vias caleadas de lajes” por onde passaram legides romanas ou incaicas, tampouco dispusemos até ferrovia, cuja malha agora do proprio emblema da modernidade oitocentista. foi aos poucos recobrindo tanto as vastidoes atrasadas da Riissia czarista quanto as burguesa norte na, Diante dos merica pradarias sem fim da jovem reptiblica ntervalos-desertos” a ser yencidos, se quisermos estirpar o estigma colonial dos micleos isolados uns dos outros, Mario Pedrosa parece reabilitar a nogao de cultura organica, s6 que agora entendida como ctapa subseqiente — alis, para o Autor, esse € um proceso natural em todos 0s povos: a civilizacao de oasis, a0 criar form homogéneas ¢ sélidas, la etapas. E bem verdade que em masse, para as geracdes vindou habitat. $ m pois se desdizer, lastima a lentidao com que vamos queimando as arios pontos do territrio nacional essa fase foi vencida ¢ os “0% is” acabaram por se wansformar em centros de irradiagio, deixando de ser ilhas isoladas para constituir uma trama de interrelagdes nao is puramente geograficas, embora ainda de pouca densidade social € cultural. Segue-se 0 arremate: “assim, a cvolucio histrica j4 comega por ai a ser condicio- nada pela terra. Quer dizer, a civilizacio se vai naturalizando, enquanto a adapta- do A terra se torna orginica, criando r: izes bastante para permitir brotos culturais autéctones”. Nao deixa de ser estranha esta adesio sem mais as teses culturalistas por parte de um militante de formacio marxista, seguramente uma concessio a um certo gosto tedrico local que o afasta da chave do problema em pauta, ou seja, 4 correspondéncia entre forma cultural © maturacio social, Brasilia, em todo o caso, ha de repor inevitavelmente a questo das relacdes so ¢ de poder. Ainda um dado importante ¢ mais uma manifestagdo da persistente ambigtida- io Pedrosa de da nossa moderni: pe alastraram a civilizacio burguesa pela Europa, nem as modernas estradas de cdo, tanto quanto do sentimento dividido de Ma © temos as ferrovias que ante a vocagio moderna do pais. E verdade que 13 rodagem norte-americanas, por onde trafegam ~ outro fetiche modernista — os automéveis, mas temos em compensacao “algo novissimo: linhas aéreas de comu- nicacio”, Voltamos & teoria do oiisis, do enxerto ultramoderno? Nao, justamente lar, retomando a sio as incongruéncias desse fato que nosso Autor pretende assina imagem sugerida pelo plano-piloto de Lacie Costa: um aviio pousande suave- nao Ihe mente na aridez do Planalto Central, uma paisagem que a primeira vist concer 1c, mas que a maquina de voar veio despertar de sua aparente letargia pré- hist6riea, acordéta para o reencontro com o seu destino moderno, queimando as : ao contario da e apas fixadas pela mentalidade conservadora. Mas ha um poré irradiagao “orginica” das estradas de ferro ou asfalto que varam © territério criando izes, as ultramodernas linhas aéreas *saltam apenas” € nao “penetram”. 28 ACADEMHCOS F MODERNOS. Noutras palavras, 0 meio mais avancado de comunicacao vem reforcar © perpe- tuar a fase colonial dos oasis; é dificil pensar, neste caso, em uma civiliz: dio que vai se naturalizando, brotando como planta original do lugar. Podemos acrescen- tar, dentro do mesmo quadro de raciocinio, que @ imagem da aeronave pairando sobre 0 chio nistico da ex-coldnia, hoje pais subdesenvolvido, também sugere as do ao nossas modernizacdes pelo alto, como que suspensas no ar, desmoron menor tranco do pais antigo, porém real, Assim, rebaixado tal tipo civilizatério A condigdo de fase colonial pretérita, as div justamente cla ainda obedeceria 4 mesma concepe Jas voltam a pairar sobre Brasilia, 0 estopim de todas essas idlas ¢ vindas, pois de civilizagao-isis, porém em um momento em que © pais ja teria superado a fase colonial. O que o leva a perguntarse se nao seria paradoxal pensar uma capital fora das areas onde se formaram os primeiros rebentos de uma cultura autéctone. Assim, de trampolim, ou de platafor modernidade, 0 oasi ia de lancamento de noss parece-se trans- formar cm quisto ameacador: “nao é paradoxal destinar-se tal ‘colonia’ de fabr ca ‘io ultramoderna a ser a cabega dirigente do pais, a sede de seu governo [...] afastada das areas onde se desenvolve 0 processo vital de crescente identificagao entre sua historia ‘natural’ ¢ . O earater contadi- 1a historia cultural € politica? torio, imaturo e anacrénico — como caracteriza um tal programa — adviria dai a nova capital nio se a mais do que ums “casamata impermeavel aos ruidos exter- nos, aos hoques de opiniio”. Mas, num certo sentido, nio foi sempre assim Nossas sucessivas modernizagdes conservadoras corre! am sempre por este tilho: de um lado, as camadas impenetraveis ¢ ultramodernas dos dominantes, do outro lado do abismo, a multidao dos despossuidos amarrados pelas mesmas relagbes sociais de antanho". Inconformado, Mai io Pedrosa se volta para a solucao de Liicio Costa e a visio utépica que a anima, O arquiteto fez pousar o avido, chanfrando mais uma ver na “Na . queime as terra, 4 moda cabralina, o signo da cruz, confiando exatamente no qué esperanga de que a vitalidade mesma do pais, li longe, na periferi ctapas, ¢ venta de encontro a capital oasis, plantada em meio ao Planalto Cen- tral, ea fecunde por dentro”. Noutras palavras, Lacio Costa projetava para um futuro no qual todos confiavam ¢ que nio haveria de ser apenas brasileiro. Posta m em pel aloasis, ¢ com els spectiva utépica, ficava reabilitada a capi outra a tipologia da civilizacio-oasis, tomada em sua derradeira acepcao, a que superpde oasis © utopia: “Quando se faz uma cidade nas condicgées de Brasilia, 13. CE “Reflexdes em torno da Nova Capital” M4. Mbidem. PREEACIO partindo do nada, a mil quilometros de distancia do litoral, € preciso no minimo reconhecer um ensaio de utopia”. Lembremos que a hora desenrolava-se, en- Lio, sob o signo do Plano: plano de metas, plano-piloto (do urbanismo a poesia coner A) ¢, na esfera internacional (o proceso acelerado e por vezes raumatico de descolonizacao correndo paralelo ao welfare state nos paises centrais), a ordem cra subordinar a nova expansao capitalista de preferéncia menos a realidade do que a ideologia do planejamento, que a esquerda por seu lado pensava tornar um fato novo. Embalado por esse espirito, Mario Pedrosa chegou a ver em Brasilia “um eco do antigo espirito mercantilista do rei colonizador, mas, na sua realidade profunda, embora nao int to de amente explicitada, « motriz € 0 esp utopia, o espirito do plano, em suma, 0 espirito de nossa época”™, Com esse tiltimo curto-circuite Mario Pedrosa completava a recapitulagae neomodernista de nosso destino de civilizacio-oisis: varando © tempo, a capit is da antiga cold corria ao , fecundada pelas novas técnicas construtiv: encontro da utopia da nova e1 Logo, logo, entretanto comegarao a se acumular as “nuvens sobre Brasilia”, Sera entdo um dos primeiros a prenunciar a tempestade adi “casamata” ¢ “um estado-maior abrigado em cavernas subterraneas blindadas”, que se aproximava: a ditadura". As imagens utilizadas ja no texto de 1957: ifrado no nao estariam a anunciar um futuro que o velho militante desenrolar dos f hora, incluide Brasilia? 1s daque Ha momentos todavia naqueles escritos de uma época quase visionaria, em que Brasilia, além de figuracao exemplar, € quase um pretexto para se discutir & entronizar o papel da arte na reconstrucio do mundo, que de qualquer modo ja sido, € isto a bem dizer estava em andamento (é bom lembrar que na mesma ¢ estava no ar neo-surrealista do tempo, Marcuse ressuscitava a utopia estética de Schiller, ela mesma ora um sucedineo, ora a antecimara da Revolucao Social). Assim, em 1967, intitula significativamente um artigo de *A Espera da Hora Plistica”, no qual, relembrando temas do Congresso de 1959, volta a sonhar com a funcao quase demiiirgica da arte, disciplinando a ciéncia ¢ a expansio tecnolégica do mundo gracas ao espirito de sintese que Ihe atribuira o Movimen- to Moderno em seu niicleo constitutive, embora ja entio nao alimentasse mais Cidade Nova, Sintese das Artes’, p, “Brasilia, a Cidade Nova", Comunicacio apresentada publicada no Jarnal do Brasil, Rio de Janeiro, 19.09! Portinari aas Espacos de Brasilia, pp. 34555; 17, CE. “Nuvens sobre Brasilia", Jornat do Brasil, Rio de J Mnrais de Portinari aos Espacns de Brasilia, pp. 18, 0 > Congreso da AICA, 1959, Republicada em Dos Murais de 21.0 58, Republicado em Dos 2 ACADEMICOS F MODERNOS. ilusdes quanto aos destinos da utopia que foi sua e em grande parte de Litcio Costa, diante da verdadeira capital, totalmente s ntonizada com um pais que em principio cla deveria ajudar a subverter, 3. Dos Modernistas aos Concretos O center rio de Amoedo serviu mais uma vez para Mario Pedrosa expressar sua moderna intolerancia pelos academicismos ¢ aparentados, incapazes de pe mitir qualquer achado original. Pintor mediocre, mesmo nos desenhos mais bem realizados, nado soube demonstrar mais do que uma capacidade de “a nilacdo”, sem nenhuma inventiva, Um pouco mais jovem, porém, bem mais ousado e d la page, Visconti, a0 contrario, teria sido o grande pintor da ruptura, ou se se quiser, da transi¢io ao modernismo, embora os jovens artistas, mais preocupados em buscar s inspiragdo na Europa, nio tivessem se dado conta de quanto poderiam ter aprendido com esta pintura que ji aculturara as ligdes de ultramar e que poderia télos poupado de algumas transpos es chapadas que redundaram tam- bém num certo “academismo modernista”. Num artigo de 1950, “Visconti diante das Modernas Geragdes””, Mario ileira (a seu ver, Pedrosa de fato data de Visconti nao s6 0 inicio da paisagem b hiber acrescentando que o verdadeiro marco divisério de nossa pintura nio se encon- nando desde Fi anz Post), mas o real primeiro capitulo da pintura no Brasil, uava em Almeida Junior - a quem atribuia apenas uma mud nea nos temas °—, porém na apa aliada 4 uma técnica convencional, a Cabanel bili- ente dispon dade flutuante do remoto Visconti. Nao custa muito atinar com as razdes desta variacio de perspectiva ¢ a ntever quais mudancas no edificio em construcdo acarretaria ess substitui¢ao de pedra fundamental. A data do texto apenas realga a década em que se desenrolou a polémica ¢ finalmente vitoriosa instalacio da arte abstrata no Brasil, da qual Mario Pedrosa, como sabido, foi de longe o mais importante te6rico € promotor institucional. Era natural que neste momento de hegemonia da abstracio ¢ seus derivados, que era alids internacional, o vezo da referéncia nacional explicita estivesse com o seu prestigio fortemente abalado. Além do mais, o projeto moderno tal como Mario Pedrosa 0 entendia naquela 19, Publicado neste volu 20. Sobre este ponto de vista de Mario Pedrosa, compartilhado com uma certa eritica, ver meu igo em co-autoria com Paulo Arantes: “Moda Caipira”, em Discurso n° 26, Sao Paulo, 6, pp. 33-68. PREFACIO. quadra envolvia uma concepcio de vanguarda bem mais abrangente do que simples liberdade de experimentagio artistica ou atualizaga 0 nacional, algo como uma utopia inchusiva (da subversio da ordem social 4 ¢ nancipacao dos cédigos perceptivos da sensibilidade), na qual, por certo, haveria lugar para a experiénei do “home 1 brasileiro”, porém sem 0 antigo privilégio de foco exclusive. Compreen- agens de Visconti de-se, portanto, que tenha retido no lirismo coloristico das pais sobretudo a prevaléncia dos problemas realmente pictoricos, em lugar dos lite Fios ou sociais. Nestes termos, nao precisou forcar muito a mio atribuindo ao retardatirio Elyseu Visconti a primeira revelacao entre nés da “bidimensionalidade inexoravel do retingulo", podendo exagerar no sentido cont io, quando por vezes desconfiava do rumo se algumas pesquisas modernistas. As quai alta, no artigo em questio, para reencontrar o filio perdido n segunda leva modernista, mais voltada para a natureza e suas estruturas ambien- © ritmo das marinhas e paisagens de Panceui; as estilizagdes ¢ composicoes abstratas de Cicero Dias; o pincel torturado de Guignard; ou mesmo a tristeza plangente da paisagem cabocla paulista, descoberta pela invencivel melancolia egall, enquanto Livio Abramo teria transposto para suas gravuras os elementos formais fisiondmicos dessa mesma paisagem. Acreditava entio Mario Pedrosa que, sendo a arte moderna cada vez mais um fendmeno inter- nacional, 0 que se poderia definir como bra is do que os “elementos atmosféricos, coloristicos ¢ formais de nossa natureza”, Nao se pode encarar obvi mente tais afirmacdes como um convite regressivo ao puro contato original com a natureza virgem, ou como apologi do naturalist da representac a da paisagem, mas, pelo contririo, a redescoberta desta enquanto um construct — resultado de uma mediacio formal, uma experiéncia a um tempo afetiva € inte- lectual, filtrada pela organizacao das forr as, E nada mais sintomatico do ponto de vista do Critico, a época, do que a avaliagao ~ saio ~ da pintura de Portinari, que teria evoluido da .0 mesmo fase brodosquiana, ainda animada por algum sentimento do ambiente da terra roxa de sua pequena cidade natal, para temas antes sociais ¢ literarios do que pictéricos, O juizo que mantém entao parece ir na direcdo oposta Aquele formu- lado, ha mais de quinze anos, no balanco critico que fez da obra de Portinari por ocasido da primeira mostra do pintor em S de procurar a esséncia interior da forma, a unidade estrutural da composicao, 0 contetido material (social) se perdeu™'. Alias, acreditava, naqueles idos de 30, que a arte neste volume: “Impresses de Portina ACADEMICOS B MODERNOS avalete — eram a ¢ pictorica ~ a pintura a dleo € 0 quadro de pressio maxima arte burguesa, 2 qual se devia contrapor a “grande arte sintética, presidida pela arquitetura, que foi perdida com o inicio da era capitalista” ¢ tal como a recupe- ra > da escola mexicana. Vé-se Wa a moderna pintura mural, especialmente no hist que aderia, como todo o mundo na época, A voga mur: porém muito reti- cemte diante de um certo “realismo” ou didatismo na arte®, era antes o ideal Le utépico de uma grande arte sintética — reafirmado por ele vigorosamente, nos anos 50, a0 tomar 0 partido da arte abstrata ou da arquitetura moderna — 0 que verdadeiramente o atraia nos mexi Alguns anos mais tarde, is de Portin i para Washington, teria ocorrido uma curiosa convergéncia entre ambos: Portinari adotara 0 mode- lo proposto, sem proselitismo e seguramente m; s proximo de Picasso do que de quciros, como registra Mario Pedrosa; enquanto este se afastava um Rivera ot cada vez mais de toda arte com finalidade social explicita ¢ alheia 4 construgio nao v plastica estrita, passando mais no tema a sede do poder de comunica- cao da obra e de sua forca ativa, que deveria pelo contrario emanar da verdade interna da forma, bem r atrai no is profunda e complexa. Em 1942, 0 que o de seu pintor de Brodésqui é 0 que passa a cham ntinaturalismo” ou “super- realismo”. A seu ver, Portinari teria atingido a maturidade e, quem sabe ajudado pela distancia americana em que se achava, soubera por em perspectiva a facili- dade do tema nacion: “Jamais, ira vista, e1 c isso se depreende logo A pri n nenhum outro momento de suas realizagoes , se sentiu ele mais livre, mais mur desimpedido, mais disposto a fazer ginasticas téenicas mais perigosas ¢ deforma- ces mais violentas. Estas foram composicdes executadas com um profundo sen- timento interior de liberdade”. Assim, intensifica posigdes, multiplica sinais geométricos, aproxima cores irreconciliaveis, destré perspectivas, funde planos, “reduzindo formas a abstragio criadora’, € tudo isso “em troca de um aceno de univer slidade™". Portanto, a relacio dos planos, a disparidade das figuras, os contrastes de cores ¢ tons ete. 0 io brotam de uma liberdade meramente composi- tiv: |. mas antes interpretativa dos temas propostos. E severas ao painel Tiradentes, no qual as incongruéncias na composi¢: om Os smos argumentos que, alguns anos mais tarde (1949), io decorreri- am justamente da perda daquela ousadia em transpor a realidade conjuntur desta série: Politica das Artes. Ver a respeito o primeiro volun “Portinari - de Brodésqu is de Washington”, Bolstim da Unido Panamericana, Washington, mar, 1942, Republicado em Arte, Necessidade Vital, Rio de Janeiro, Livraria da Casa cto Estudante, 1949, pp. 4473, € em Dos Murais de Portinari aos Espacos de Brasilia, pp. 7- pp. 18:19, aos M PREFACIO . Se isso Ihe valeu o desafeto do fi Mario Pedrosa, um ano antes chegara a afirmar, a propésito da Primeira Missa: histérica para o plano da “verdade artistica”™ pintor, € preciso lembrar que, do mesmo modo, sempre fiel as suas convicgdes, “trata-se de uma das realizagdes mais pungentes da arte brasileira de todos os tempos”, Um elogio tao enfiitico se deve av fato de que, novamente, como na série de Washington, Portinari, fugindo 4 interpretagao naturalistica 4 Victor M com sua paisagem tropical, bichos ¢ indios seminu: elles ¢ A “suposta” realidade histérica, tanto quanto ao pitoresco da cena teria transformado a Primei- ra Missa num ato de “conquista cultural”, sem alegagdes patristicas, mas reforgan- do o carater artificial do episédio, através do abandono da cor local, do vitralesco da matéria como se fora o interior de um: igreja, e assim por diante ~ numa 10 de n ‘a de contras- traducio pictérica de seu contetido simbélico. Que ele al tar, no mesmo texto, com “os excessos pueris das Lagrimas de cimento armado dos retirantes”, Tracos que sio reencontriveis no painel sobre Tiradentes, ¢ 6 este lado de Portinari que sobressai (talvez com uma certa injusti¢a em relagio 4 obra como um todo) no ensaio de 1950 sobre Visconti, Mais tarde dira, enfatico, que, desde a exposicio do pintor, em 1954, no Masp, nao acrescenta mais “nenhum problema plistico novo ou pelo menos sério™®. Nao esquecamos que ja viviamos sob a hegemonia plena da arte abstrata, da qual Portinari, apesar da boa vontade de Mario Pedrosa e n ver em alguns de seus murais ¢ telas um esforgo por converter, num ato de “pura criagio”, © “phistico no abstrato dentro da matéria pictérica”’, na verdade sempre se manteve muito distante, Assim, se acompanharmos a fortuna critica de Portinari na obra de Mari Pedrosa, daremos em parte com 0 verdadeiro fio condutor da sintese encarecida ha pouco ~ “a hora plastica” que parecia se apr =, Alu, da qual, ali recapitula a nossa arte local. Sendo vejamos 0 que diz dos “modernistas”, trinta anos depois da “Semana”, Comega por ir buscar em depoimento do proprio Mario de Andrade a explicacio do fato, para enfatizar novamente a dimensdo internacional da arte alias moderna - 0 modernismo provinha “de um t faclo de espirito universal”, q io de ia surgido aqui “até com algum atraso”. Um movimento, portanto, que “ fora. Mais uma vez, de Paris.” Discorda porém que se tra propriamente de m march: “importagio”, pois era antes um “movin 24. Cf. neste volume: “O Painel de Tiradentes” Publicado neste volun 26. Ch “Dentro € fi Bienal”, Diério Carioca, V4. Portinari aos Espacos de By 4; p. 50. CL, “De Brodésqui aos Murais de Washington”, pp. 19 ¢ Cf. neste volume: “Semana de Arte Moderna’. 45. Republicado em Dos Muais de silia, pp. 47-2 20 wo ACADEMICOS E MODERNOS Como todo 6 mundo, vé em Anita Mall ti e Victor Brecheret 0 estopim deste “espirito novo" entre ds. Porém, ao contririo das interpretacdes correntes sobre © Movimento Modernista, Mario Pedr 1 di um peso muito grande as artes a uma revoada literdria a mais, plisticas, sem as quais corrfamos o risco de assist Acredit ele que ha uma grande diferenga nesse fato, o de 0 movimento partir “de uma experiény a psiquica, de uma viven ;a magica preliminar: 0 contato com a pint ra moderna”. A revelagao “instantinea” € ao mesmo tempo “global” do problema da arte ¢ da criagio contemporineas 86 teria ocorri Jo porque os mestres modernistas se educaram através da pintura e da escultura — © que hes deu “uma nocao menos abstrata ¢ puramente verbal dos problemas estéticos em jogo ¢ uma compreensio mais direta, mais fisica ¢ concreta do meio ¢ da nature- zac wolvente, € do que nesta € aquela sio os Componentes mais importantes que adotando como valores que exigem caracterizacio € expres 0”. A contraprova disto \eabar “as formas mais superficiais ¢ estreitas do nacionalismo nos dias de hoje a mais foram as figuras pouco entrosadas com as artes plisticas que imbecil ~ a forma politica”, Ao contrario foi a consciéncia do “internaci modernista” revelado de imediato nas Ma tes plasticas que levou os outros, como io de Andrade, ao “nacionalismo embrabecido”. Estabelecendo um elo direto entre a descoberta pelos europeus do valor artistico das culturas arcaicas € © pensamento universalista e primitive de Mario de Andrade ou 0 primit ismo posterior de Oswald, Mario Pedrosa relembra que ‘a os modernistas: com um olho em foi este o impulso inicial que abriu a porta pa m assim “sua carta de naturaliza Paris puderam redescobrir 0 Brasil — obtiver brasileira”. S6 mais tarde este “ramo regional do universalismo moderno degene- diversas costumeiras ra em nacionalismo politico, civico, patridtico sob as xifrinadas”, Refere-se ao “verde-amarelismo” e ao indianismo do grupo Anta que acabou por “coagularse, desta vez como produto importado mesmo da Europa, . A outa corrente teri num movimento exclusivamente politico totalitaric mantido fiel aos postulados do pensamento intuitivo e criador: Tarsila . a primeira a encontrar a correspondéncia perfeita entre as aprendidas em Paris € a iconografia igénua do interior caipira, num grafismo simples de orna- mentacio popular sobre um fundo de cores chapadas ¢ bidimensionais, mas numa impostacio que guardava algo como um “otimismo escolar” (na expressio de um « ico francés); Di Cavalcanti . cuja pintura na mesma €poca era, ao contrario, feita de “acentos soturnos ¢ violentos como um ronco de cuica”, nem alegre, nem decor tiva ou bonita, modernista quase que por “osmose”, sem langar mio das Ailtimas técnicas em suas telas atravancadas de personagens suburbanos, se anteci- pa as “concepcées puramente rurais ¢ virgens dos varios Brasis literdrios que se PRERACIO. sucederam desde entio”; ou outros que no tive am como ponto de partida de sui I, Portinari, Cicero. Dias, ¢ comeg inspiracao diretamente a Semana — Lasar Se; ignard, Goeldi, Ismael Nery ¢ Pancetti (mas este € os outros de sua geracdo ja m a evoluir sob outras influéncias) Contudo, sio as sutilezas tonais, as cores wopicais, a atmostera de nossa paisagem, suas modulacdes cromaticas — que nao podem ser simplesmente con- fundidas com a cor local ~ que vio conduzir a nossa pintura para as regides mais puras da realidade pkistica, isto é, da aparéncia estética propriamente dita, “longe do chao onde faze 108 as nossas andangas” € cujo significado, alids, pode ser mais dev va verdadeir facilmente des internacior ifrado nos grandes mestres da pint \guarda, aos quais volta sempre nosso Critico quando quer defin natureza da arte, ao menos da arte moderna”, Aliis, € antes com esta grande “tadicio moderna”, em especial no que ela te 1 de retomada das expressoes mai esponti- m sabe sintéticas das manifestacdes artistica neas, auténticas e qu \s ptimitivas ~ de Gauguin a Mondrian ou Calder -, que Mario Pedrosa pretende estar reatando na batalha em prol da arte abstrata no Brasil, Em suma, nossa irresistivel vocacio sim dizer um moderna — uma condenagio que absolvia, como vimos ~ era por a ready-made achado na Europa. E isto mesmo quando os artistas em questio nao tinham consciéncia dos vinculos que os atavam a uma tal linhagem. Veja-se, por exemplo, a extraordina- ria anilise que faz do mestre-artifice-artista Volpi, por ocasido de sua retrospectiva no MAM do Rio de Janeiro em 1957; “Nos longos anos de trabalho honesto € fic turalmente, sem saber como, por todas as fases te na profissio, passou, na da pintura moderna, do impressionismo ao expressionismo, do fauvismo ao cubismo, até 0 abstracior smo”, com “seus xadrezes ardentes € diagonais fasci- nantes do seu ‘concretismo” sui generis™, Apesar do apelative “mestre brasileiro por exceléncia” ¢ da independéncia que mantinha em relagao a Escola de Paris que dominou o nosso modert ara as smo, Volpi teria trazido a p tura brasileira p em ao mesmo tempo “mode preocupagdes plisticas mais recentes numa linguag: ‘abou fazendo a unanimidade dos dois nae uni rsal™'. Nao por acaso Volpi partidos, o localista ¢ o universalista: com efeito, nao ha composicio sua, por mais lo abstrata, que bem observada nio remeta a alguma reminiscénc |, sem que, no izagao dos dados Ant, EM Momento algum, sua abstragdo seja mera est imediatos da experiéncia. Compromisso ou solucio? Seja como for, o problema os volumes 2 € 4 dest me: “Volpi, 1924-1957". leiro de Sua Epoca”, 29. CE. em espee 30. Cf. neste vol 31. “O Mestre Br série au 2 ACADEAUICOS FE MODERNOS, 4 real, € mais adiante veremos Mario Pedrosa 4 procura do nexo organico entre arte abstrata ¢ cultura material do pais, descartando o simples alinhamento ideol6- . COMO se Costuma faze gico com os program ao se as de modernizacio do p justapor abstracio ¢ desenvolvimentismo dos anos JK. Talver se possa dizer que Mario Pedrosa, que estreara na critica yoltado para a arte empenhada de Kathe Kollwiv. ¢, num certo sentido, Portinari, ao retomar essa atividade de for ma regular, em 46, apds o seu retorno do exilio de quase dez anos, por assim dizer pulou uma etapa da nossa arte, aterrissando diretamente ualizacio colaborou no Brasil alinhado de posguerra ¢ para cujo processo de intensamente — ser s, também do © modernismo um capitulo que ficara yi para cle proprio, que portanto ja o reinterpreta de um ponto de vista bastante distanciado € ferrenhamente inte: nacionalista. Acreditava entao que a funcio da arte era reeducar a seq bora sibilidade, compassando-a com a modernidade, ¢ mantendo desta uma saucivel autonomia critica capaz de, a0 mesmo tempo, subyerterthe a ordem e faze islumbrar os horizontes longinquos da utopia nos, A tese — Da Naturea Ajetiva da Forma na Obra de Arte® ~ e parte dos eseritos entio publicados visavam justamente encontrar um fundamento cientifico ¢ universal pa io Pedrosa na arte at uma tal experiéncia®, Como se vé, a aposta de M: abstrata (ou concreta, como sempre preferiu chaméla) e as pesquisas tedricas no Ja tém um embasamento muito real: no fundo é a mesma aposta no poder regenerador da arte feita pelos artistas de vanguarda no inicio do século, Deseartando a acusac o feita pela critica segundo a qual seria uma arte meramente “decorativa’, expressio de um ponto de vista super! I, procara justifica Ja nos seguintes termos: ntes harmonizi-la, arranci-la de seu desespero © de suas contradigées trigicas, Ela visa interpreti-la em funcao do mundo natural, antinatural ou hipernatural criado pela ciéncia © a técnica © que a enquadra. Seu empenho consiste exatamente em acabar com a terrivel dicotomia da inteligéncia ¢ da sensibilidade; em fundi-tas de novo como quando 6 homem tomou pela primeira ver consciéncia de seu destino e de seu ser a parte. [...] Os préprios concretistas, ageométricos ou construtivistas, procuram trazer ao munde reatualizar no plano da mentalidade hodierna, um modo de conhecimento abandona- do pela civilizagao ocidental; eles querem rejuvenescé-to, por meio de simbolos novos, de formasintuigdes ainda nao conhecidas, de origem imaginaria ou extraperceptiva™. Com efeito esta arte nao visa ente a 32. Publicada no segundo volume desta série 33. Sobre tudo isso ver © nosso “Prefa SH. *Problemitica da Sensibilidade II", idem, p. 277. rina ¢ Pereepciio Estética, pp. VO5-177 a0 volume 2 desta série PREFACIO. Todos nds que est futuro, progressis todo. Qu pensivamos. Uma arte que se pretend: da modernidade como forma de lutar por uma nova civilizag mos ligados 4 arte moderna a viamos como uma arte do nheira da nova arquitetura, pensando o homem como wn 1 lua por Brasilia, era na arte moderna que al, universal, levantando os problemas a, compa ndo estivamos no auge Ocorre, reconhece, que “a avalancha do mercado barrou nosso otimismo”, otimismo que vinte ou mesmo dez anos antes nao era incompativel com as mudancas tecnolégicas € culturais que se acumulavam, Entio, curiosamente, ainda arrumava jeito de confiar & arte pésmoderna a tarefa, quem sabe, de por ordem no caos reinante, prolongando em parte aquela universalidade que entre- vira na na efémer: rguitetura Nova, ~ Esper ! Logo havera de convir que esta a. Autodestrui mesma arte era a primeira a desvirtuar este novo pa arte € dos artista: que se di em espetaculo - ato moral gratuito, tes um horizonte cultural rebaixado até o seu grau zero, como é da natureza das fases terminais®, 41. By a Roberto Pontual, Jornal do Brasil, 24.03.80. 42. Cf. “Discurso aos Tupiniquins ou Namba", em Politica das Aries, pp. 333-340, trevista 37 ACADEMHO0S # MODERNOS, emp: Tha com as investigagdes do mestre historiador, em ponto de documen- tacio € esforco interpretativo’. Antes de entrar na parte demonstrativa de nossa tese, a saber, a impossibilida- de ou pelo menos os obstaculos politicos que se apresentavam a que a “missio francesa” pudesse vingar tal como a queriam os seus promotores ¢ idealizadores vamos iniciar 0 nosso modesto trabalho dando a sua versio historica, por assim di er oficial, ou melhor classi ras de A. a, que a que se deduz das obras de isi Taunay sobre 0 assunto, sobretudo sua recentissima A Missdo Artistica de 1816, magnifica edicio do Patrimonio Historico e Artistico Nacional, de 1956, que cao da Re » $6 atualizada como ampliada com novos materi reproduz a velha public jista do Instituto Histérico © Geografico Brasi- leiro, de 1911, mas ni se considerag6es, a seguramente o dobro do primeiro trabalho. Concorrem também para fundar essa versio clissica as obras de Morales de los Rios ilho, sobretudo, para 0 caso, 0 seu Estudo Artistico, A iniciativa da “missio francesa” de 1816 se deve a Antonio de Araujo € Azevedo, que, sucedendo ao Conde de Linhares nos negécios puiblicos, teve idéia de fundar uma academia ou escola de ciéncias € artes. Para esse fim, encome: dou ao Marqués de Marialva, 0 representante do governo de Portugal em Paris, O Marqu Marialva, diplomata de alto prestigio social em Paris, consultou entao “Alexandre “contratar na ropa, em 1815, um grupo de artistas ¢ artifices de Humboldt, que ji conhecia a América, a respeito dos propésitos do Conde da Barca. Humboldt 0 apresentou a pessoa a seu ver mais adequada para solucio- nar o assunto, Joaquim Le Breton, secretirio recém-demitido da Classe ou Acade- mia de Belas-Artes do Instituto de Franca, do qual também se vira excluido”*. 4. °O Eusino Artistico no Brasil”, por Adolfo Morales de los Rios Filho, ‘Terce Historia Nac 0 Congresso da ffico do Brasil, 1942 A Missio Artistica de 1816, nova edicao revista e aumentada, public 16 Nacional, Mi Fo, 1956, Para facilidade da citacio, toda ver 4} nar essa obra, onal, Anais, 8° vol, Instituto Histérico e Gee jo da Diretoria do ura, Rio de Jan no correr deste trabalho tivermos de Patriménio Hist6rico © Artis rio da Educat joss referencia serd apenas a Missdo, DA MISSAO FRANCESA — SEUS OBSEACULOS POLFTICOS ia de belas- do de um francés que para ela foi nomeado diretor; a conseqiiéncia € que varias estabelecida uma academi tes, mas na base de um relatério ap: ona pessoas Ihe tiveram de ficar infinitamente gratas, por terem sido nomeadas, € outras apenas de se consolar por nao terem sido agregadas. Os que mais sacrifi Gi os fizeram para o beneficio de todos foram justamente os mais maltratados 0 0 autor dessas injus pessoalmente ou nos membros de sua familia; co: as ji aalusio do filho nao existe, absterme-ci de designilo pelo nome”. E clara a¢ do velho mestre a possiveis injustigas cometidas por Le Breton ao pai e a familia. Uma das queixas é certamente a da designacio, afinal, de um estranho, sem maior competéncia para 0 cargo, como Pedro Dillon, para secretario da futura institui¢o. Pode-se mesmo divisar nas linhas de Hipélito uma certa queixa por no ter sido o prop ‘etor da Escola. paio Da nova relacio, que acompanhou o decreto de 1820, nao somente Le Breton nado consta mais, morto que fora a 9 de junho de 1819, como também deixa de figurar como “secretario da Academia e Escola Real” o Sr. Pedro Dillon, que viera com os missiondrios de Le Breton. Pedro Dillon foi, com efeito, incor porado ao grupo no Havre, onde se achava em vias de embarear para o Brasil a negocio (Ensaio Artistico). E. ai teria mesmo emprestado dinheiro a Le Breton para cobrir parte das despesas da viagem, sob a promessa de virem também a ser aproveitados os seus servicos na instituicio que se ia fundar e dirigir"", Outro portugués vinha tomar o seu lugar, o padre Luiz Rafael Soyé, conforme a relacio datada de 25 de novembro de 1820, assinada por Tomaz Antonio de Vilanova Portugal, designando os lentes e empregados na Academia ¢ Escola Real. Também nao consta dessa relagio o nome de Simao Pradier, ausente em Paris desde os inicios do ano anterior, onde se encontrava na qualidade de graveur de sa Majesté et pensionnaire, conforme os recibos que encontramos na correspon- déncia do Marqués estribeiro-mor para o Brasil e a lista de pagamentos do pessoal da embaixada de junho a dezembro de 1819", Afirma Taunay que Pradier partira gr 05 quadros histéricos ¢ os retratos reais de Debret” (Missdo, p.172). O professor para Paris porque jé “descrente do éxito da missio” € “sob o pretexto de var Morales de los Rios corrobora essa versio, escrevendo ter Pradier regressado a 0 Tau Le Bris, por Hipati ay ¢ Ferdinand Denis, Paris, 1822, pp. nada com gravuras segundo desenhos feitos no Brasil por Hipoli 10. Maler, no oficio 20 Duque de Richeliew em que comunica a préxima fundagio da Acade- mia, com a lista dos nomes contemplados e suas respectivas f nome do es, ao chegar 20 tain Pierre Dillon”, un alva, 1818. Correspondé Arquivo to Itamarat ACADEHOOS F MODERNOS. além dos surradores de peles ¢ curtidores, Pilité e Fabre. Apesar de todos os empenhos em que se trouxesse para o Brasil sobretudo gente de oficios praticos ¢ mestres e professores para “o desenvolvimento da indistria © da agricultura’, a Escola, mesmo na versio provavelmente mesquinha que the dava Henrique Jo: da Silva, reduzida como diz Debret a “um curso de desenho no qual se alterna- vam o estudo da figura com o da arquitetura”, era, realmente, desta ver, s6 do que entio se chamava de “belas-artes” (de preferéncia com maitisculas), apesar de seu nome hibrido, conforme pas ¢1 de los Rios Filho, E de de “plisticos”. Os artifices € artesiios, “cansados de esperar © evidéncia com tanta nitidez 0 professor Morales faziam parte artistas mesmo, os que hoje chamariamos io das atividades para que ti ham sido contratados, se empregaram na indiistria particul cont buindo, de maneira eficaz, para o progresso da mesma. Ainda existem no Rio de Janciro muitos Fabre, Pilité € Level que sio seus descendentes” (Morales de los Rios Filho, op. cit., p. 70). Ali ‘a suplementar ao decreto real designava como “pensionirios de dese- nho e pintura” (sem falar num leigo em matéria de arte, o secretirio portugués, padre Luiz Rafael Soyé) os que “para contrabalangar a injustica” feita aos france- ses, segundo Debret, foram admitidos “com metade dos vencimentos do nosso”. ues de Sa (embo- 10 fossem outros documentos )'*, José de Ci 1 ¢ Francisco Pedro do Amaral, ¢ dois franceses. Estes vieram a Esses eram cinco, todos artistas: trés nacionais, Simplicio Rodriy jal como da Silva ni ra seu nome esteja na lista o} tentes, 0 seu autografo uito legivel ¢ isto aria qualquer teima lcancar notoriedade, ¢ embora ca chegados posteriormente aos da Missio, ficaram com eles muito ligados: Mare Ferrez, pensionirio de escultura, e Zeferino Ferrez, pensionario de gravura. Dissemos que da nova relagio dos empregados da Escola s6 faziam parte, com excegio do cargo administrativo de secretario, artistas. Nao, havia um que era professor de mecanica, Francisco Ovide. Debret, de Paris onde escreveu sua obra magnifica sobre 0 Brasil, anos depois dos acontecimentos, quase todos mesquinhos em que se viu envolvido, a contragosto, afirma ter sido Ovide ig mente excluido do novo projeto. Esta asser¢io nao é verdadeira, pois Ovide, engenheiro mecanico, permanece lista do pessoal remunerado do estabeleci- mento até sua morte obscura para os fins de 1834. Somente em 1831, quando a situa ‘io politica do Brasil havia mudado inte mente, apés os acontecimentos de 7 de abril, é que os professores da Academia, 16, Laudelino Freire reproduz, em Um Sécuio de Pintura, fasciculo 1, p. 47, 0 autografo dese pintor. DA MESSAO FRANCESA - SELIS OBSTACULOS POLITICO, membros ¢, sobretudo, a nomeacio de um diretor que niio fosse estrangeiro” (Le Brésil, tomo M1, p. 36). . filho de Nicolau ai, as voltas, em pais estrangeiro, pte a atitude isen E realmente su deste joven preend| Antonio Taunay. Na hora mesma em que o com as intrigas e invejas de um meio necessariamente atrasado € mesquinho, se sentia ultrajado no amorproprio ao verse prete: ido por um obscuro pintor reinol, apenas chegado de Lisboa, para a direcio da Academia, que eraa razio de ser de sua presenga aqui, veio ele dar 0 seu ptiblico beneplicito 4 nomeacao de Henrique José da Silva para aquela direcao. De tudo o acima exposto, a despeito da verdade que possam ter as acusagdes que se levantam contra um consul francés, como Maler, ou contra um pintor portugués como Henrique José da fautores do mel Iva, para apontitos como os principais, ncdlico desfecho da brilhante colénia de artistas franceses que para c4 vieram, deduz-se que causa 1 e sobretudo de ordem politi mente diretor de s mais profundas de ordem soc aug ram para esse desentace. Le Breton nao pode ser efetiva- nenhuma Escola ou Academia de Belas-Artes, pois nenhum. estabelecimento desta ordem funcionou, apesar dos decretos reais, nem enquan- to aqui viveu, nem ainda muito tempo depois de sua morte. Para qu uma Escola de Belas-Artes viesse a estabelecerse ¢ funcionar, de modo mais ou menos normal, 4 maneira das instituigdes francesas contemporaneas, foi necessi- toda uma época de transicao transcorresse até o rio que toda uma époc fim, ¢ as amarras pol teria antes de passar da fase regencial, da fase de “reino unido”, nao para a fase politic -as ¢ os lacos culturais com Portugal afrouxassem. O Brasil imperial luso-brasileira, mas para a fase imperial pura, em que o ritmo penduls r sob que vivia Pedro I descambou definitivamente para 0 outro lado do Atlintico. Henrique José da Silva podia ser, como era, uma alma intrigante ¢ um pobre homem de numerosa prole, apavorado de perder 0 emprego, embora nao fosse a dade, a mediocridade escrachada de que falavam os franceses, seus adversarios. “Os figurantes desse belo tentimen artistico, os personagens desse verdad ro sonho da Renascenga” que era “a Academia de Belas-Artes ideada pelo rei, por um genti-homem faustuoso € por um estadista afeigoado as cousas do espirito” tinham, como reconhece Oliveira Lima, 0 grande historiador de D, Joao VI, no Brasil de 1816 em diante até a entrada do segundo quartel do século, de ser ye “votados ao abandono” (op. cit, p. 59 oF ACADEHODS E MODERNOS. parte do texto do decreto®, este se caracteriza pelo equivoco, pela maneira habilidosa e cheia de rodeios com que justifica o estabelecimento de um instituto ado por Francisco Solano Consta cio, histo- ou academia de belasartes, classit riador contemporineo”*, de “vio ridicule” numa cidade onde apenas existiam nocdes elementares das artes tite! © do desenho. A ambigiiidade comeca pelo titulo ~ Escola Real das Ciéne’ tes ¢ Oficios. Ela deveria ser ao mesmo tempo academia de belasartes, seu objetivo fundamental ~ pois foi ideada p. 1 aprovei- os eminentes artistas laureados ¢ afeitos aos servicos da pompa e da gloria imperial napolednica, em Paris ¢ alhures, ¢ que a conjuntura politica desfavoravel no seu pais tornavam disponiveis © dispostos a uma aventura como a em que se empenharam, em janeiro de 1816, ¢ mais uma espécie de lice de artes € oficios € bor logia, indistria e comércio”. O estudo das Belas-Artes, diz 0 me de faculdade de ciéncia, ou Laboratorio experimental para “a agricultura, minera- mo, se faz neces- sirio aos habitantes do Brasil, mas com a ressalva imediata de que é “com aplicacio © referéncia aos oficios mecanicos, cuja pritica, perfei¢io e utilidade depende Das Bel iuralmente. Em que, cabe a pergunta, o aprendizado de um oficio mecanico jas-Artes, dos conhecimentos teéricos daquelas artes”, De que “artes’ qualquer, 0 de tanoeiro, marcenciro ou latoeiro, iria precisar do que pudesse ensinar um Debret, “um pintor de historia”, o género da arte erudita considera- do, entio, pelos valores académicos da época, como “o mais elevado"? Que poderia ensinar a um jovem aprendiz de serralheiro um nobre artist jd velho em anos € em seu métier, todo de delicadeza ¢ de desinteresse, como Nicolau Anto- nio? E quanto ao Sr, Le Breton, ja entao Solano Constancio considerava “mais que indtil” a escolha de um diretor unicamente proprio para fazer pomposos relatérios anuais, como se pratica em Franga (op. cit). Alias, esses oficios também dependeriam “das difusivas luzes das ci cas ¢ exatas’. neias nau is, Nao have do ainda quaisquer condigdes para a organizagao ¢ funciona- mento de tio complexa entidade cultural, cientifica, artistica e artesanal, urge ~ Barca é cumpridor das promessas ¢ generoso — nao deixar ao desamparo em terra ignara ¢ desconheci © sem qualquer aproveitamento de sua “capacida- de, habilidade e ci éncia’, “alguns dos estrangeiros beneméritos” que vieram buscar “a real ¢ graciosa protecdo”. E como fazé-lo? Dando-lhes uma pensio razoavel, “mesmo enquanto as aulas daqueles conhecimentos, artes € oficios 23, Ese decreto tem sido wanser fica sera palavra exat 10 com virias incorreedes. A palavra “estatistica”, que tudo do texto oficial (ver nota 7) tem sido constantememte alterada para “estitica” (Oliveira Lima, Silvestre Ribeiro}, ora pa 24. Ver Francisco Solano Constincio, Histiria do Brasit, desde seu Descobrimento por Pedro Alvares Cabral até a Absicagéo da Imperador D. Pedro I, Baris, 1938, tl. DA MISSAO FRANCESA = SEUS OBSTACULOS POLITICOS Exaltando 0 ato de D. Joao de dara ‘olhida aos da colénia francesa, O Investiga- dor, como um espécie de vozeiro oficial da Corte Portuguesa em Londres, escre- ve, bombasticame fe, esquecendo por um momento quem era Le Breton: “A aquisicio de um homem, como M. Le Breton, é com efeito de grande valor; ¢ este sibio, tio conhecido na Europa, dara decerto tanto lustre ao novo Instituto Académico do Rio de Janeiro, como ja deu ao antigo Instituto de Franga. ri, pois, sumamente proveitoso que se dé a maior extensio possivel a este iluminado sistema de conyite a povoadores estrangeiros. A par dos homens sibios, © mui distintos artistas, como os que acabam de ser recebidos no Rio de Janeiro, é igualmente mui titil ¢ até necessario, que se convide € se receba a inumeravel ao dis multidao de artifices ¢ de cultivadores que Europa” (Setembro de 1816) Meses antes, contudo, 0 seu rival lusitano, que formava no campo da oposi- jamente emigrando da cao a Corte no Rio, O Portugués de 10 de maio, com ar de quem esta particular- mente informado, escrevia: “Esta em cami ho (sabemos ns) da Franga para o Brasil o ilustre M. Le Breton, com uma diizia e meia de titeis artifices que dali foram convidados com prémios e promessas. M. Le Breton, membro mui distinto do Instituto Nacional, aonde foi presidente da classe de Belas-Artes, é um si io de muito proveito, € a proporcio julgamos 0 mesmo dos seus companheiros da fortuna, porém, quem nos diz que eles podem 10 Brasil frutificar?” Aqui, o oposicionista de ma vontade para tudo que viesse da Corte do Rio de Janeiro levantou uma diivida que iria permanecer. Historiadores, comentaristas, viajantes que falaram sobre a Missio refletiram, sempre, sobretudo os contemporaneos, as incertezas sobre seu carter e objetivo. E que nas rodas oficiais, palacianas, as indecisoes, a falta de clareza quanto ao seu aproveitamento ainda eram maiores. E 0 mais tipico a esse respeito € 0 célebre padre Luiz Gongalves dos Santos, 0 Perereca E 0 memorialista palaciano cortesio por exceléncia, tudo na Corte de D. Joao € perfeito ¢ maravilhoso, mas as suas Memérias sio um repositério indispensavel de informagdes quanto aos atos |. No dia 26 (de irios Franceses, € © preocupagdes dos grandes do reinado de D. Jodo no Bras marco) chegaram a este porto “para residirem nesta Capital, vi ebre por ele pronun- ciado na sessio magna do Instituto de Franga, a que pertencera 0 compositor, Esta inf o parece exata, Na Secao de Obras Raras da Bibl do Ttamarati encontram-se exemplares da biografia por mim mencionada, A “extensa biografia” de Haydn de que fala Eduardo Prado é precisamente o livro acina citado. Por entretanto, se vé que nao se trata senio do elogio fiinebre pronunciado por Le Breton. na sessio do Instituto de Franca. E, alias, © que diz o seu tradutor andnimo, no prologo. apontamentos ministrados por Neukomm, ampliagio do elogio fi pteca Ni 9 ACADESUCOS F MODERNOS. de uma profissio que ha cingiienta anos estava proibida®. As diferencas de dit rito publico, afinal, eram abolidas com a lei de 16 de dezembro do mesmo ano. “Com isso, fieava inte’ Jo colonial”, nos diz men 1 sepultado 0 velho pas: Handelmann em sua Histéria do Brasil. Eo Brasil 1 a, entio, pela fora das coisas, obrigado a reorganizarse interiorment a fim de que se tornasse r mente um Reino autonome. A época foi caracterizada por uma atividade febril. “Em todos os ramos de servicos do Estado houve criacdes novas e ampliacdes do que e sti instituicdes de toda espécie, que até entio faltavam ao pais, foram adotadas, desde a primeira imprensa régia € a fabrica de pélvora ao Banco Nacional do Brasil, ainda em 1808, & Academia Militar, 4 Aula de Cirurgia, nos moldes, segundo Spix ¢ Martius, das escolas de cirurgia do reino da Bav ra, a Aula de Comércio®, A nossa Escola Real das Giéncias, Artes ¢ Oficios, ou Acade- mia de Belas-Artes ou outra qualquer designagao que fosse, entrava nesse plano geral de reorganizacao e criagao. Como o Conde Linhares, 0 Conde da Barca também era fértil em planos, sobretudo da ordem desse que criou em agosto de 1816 para aproveitar os artistas franceses eminentes, aqui A mio, embora fossem importantes, solenes, ilustres demais para as necessidades de uma pequena cida- de sem recursos 0s mais comezinhos nao s6 para as necessidades de uma metré- pole imperial, a que fora alada, como para o simples viver cotidiano de um homem médio comum. E a propésito, os dois consp permissio pa Cordilheira Andina, ¢ em lugar de malsiné uos exploradores bavaros, dos primeiros a obter devassar os nossos sertées € florest da até os confins, aos pé ver os primeiros curopeus a exaltar o clima dos wépicos jo, como de uso, fizeram na época as consideragdes mais judiciosas, “Uma nova institui¢ao, a Academia de Artes, nos dizem eles, se deve principalmente ao finado ministre Aratijo, Conde da Barca, que recebeu quase toda a sua educacio em paises estrangeiros, Enquanto a Europa viu na fundacio de uma tal instituicdo uma prova aparentemente irrefragavel do rapido progress do novo Estado, evidente, depois de maior exame, que cla nao esta, presente- mente, de modo algum daptada As necessidades do povo, ¢ por conseguinte nao ncia maior. Varios art pode exercer ainda qualquer influ tas franceses, pintores de historia e de paisagem, e+ ultores, gravadores ¢ arquitetos, ¢ 4 frente deles Le Breton, antigo secretirio da Academia de Belas-Artes de Paris (que, entretanto, 29. Tratase da profissio de ourives. “Dai em diante, subsistiram apenas a extracio dos diana tes, até o ano de 1832, ¢ a do patrbrasil, como monopélio extraordi (Handeimann, ep. cit, p. 739) 30, Travels in Brasil, Spix e Martius, e Handelmann, op. ci io do governs DA MISSAO FRANCESA~ SEUS ORSTACULOS POLETICOS se ia erguendo. Conhecemse as rixas crescentes que surgiam entre soldados brasilciros ¢ soldados lusos. O principe Maximiliano, cujas simpatias politicas sto naturalmente as que se podiam espe de um homem de sua estirpe, nos diz do estado social do Rio de janciro, qui ndlo aqui esteve: “A classe que tem precedén- cia sobre todas as ouu em toda a extensio do Brasil é a dos Portugueses da Europa (portugueses ou filhos do Reino); vém a seguir os brasileires ou portu- iros); os mulatos” cte."*. gueses crioulos, de origem mais ou menos pura (brasil Em outra passagem, observa que a diferenga entre “os soldados vindos da Europa depois de ter servido na Espanha sob Wellington, e os que nao sairam do Brasil, salta ao primeiro golpe de vista, Os primeiros tém uma atitude perfeitamente mnilitar; os outros sto amolecidos pelo calor do clima: 0 exercicio acabado, man- dam negros levarthes as armas para a casa” (op. cit., p. 36). Nenhum ato concor- rew mais, talvez, para agucar as rivalidades entre “filhos do reine hos da terra” € aumentar as dificuldades para a conservacio da uniio entre os dois reinos do que a convocacio, desta vez feita pelo proprio governo do Rio, de tropa’ regulares portuguesas, as que © Principe Maximiliano distinguiu pelo seu porte militar, para vir guarnecer as pracas militares no Brasil. Por toda parte onde 1) for ver mais freqiientes, entre as topas nacionais, preguicosas ¢ desengoncadas, am, cada aquarteladas os conflitos surg como nos mostra o principe curopeu, ¢ as portuguesas, aguerridas, orgulhosas do apuro ¢ superioridade militares € suspeitosas dos brasileiros por quererem se ver livres delas. Esses militares, nos conta Handelmann, “oth m com desprezo para os brasileiros ¢ quase ni maradas; [...] essa 10 OS queriam considerar como ca presuncio chegou a tl ponto que o general portugués Vicente Antonio de Oliveira apresentou formalmente uma proposta 4 corte, para que, por lei, a graduacio dos brasileiros fosse limitada ao posto de capitio ¢ que se reservassem todos os postos de oficiais superiores Mas i nham, zelosamente, nos seus postos “como um resto do pela re; ais rasgatlos propositos de fidelidade e ent os portugueses natos” (op. cil, p. 743). Divisio Auxiliar sustemtava os burocratas portugueses que se manti- ntigo const gimento téne colonial”, por passiva era, apesar de se iasmo pelo rei € sua politica americanista, a cimplice de fato senio consciente dos revoluciondrios portugueses, dos constitucionalistas do velho Reino. Os revolucionarios constitucionalista s portugueses nao conseguiam esconder ias em relac 10 a0 Brasil. Os homens da ‘orte do Rio de Janei io francesa de 1821, 34S. A.S, Maximilien, principe de Wied-Neuwied, Voyage au Brisil, wadu chp. 9 s ACADEMICS F MODERNOS E evidemte que 0 moco exagera. Ha, entretanto, dois pontos na citacho que conven ressalt O primeiro é quando ele diz que com a chegada da equipe francesa 0s monumentos “dos Bernini sei fio eclipsados”. Os nobres davidianos vinham alterar 0 curso da nossa verdadeira wadi tistica, que era a barroca, pros que talvez qualquer outro povo curopen da época, Os melhores pintores portu- Sequ com vantagem, a0 confronto com qualquer dos mestres franceses da missio ~ ja inda muito mai via Lisboa, Os portugueses estayam imos dessa tradicao do res gueses daquele tempo ~ e nao eram nada insignificantes: ut comegavam a beber 1 Inglatert as fontes de uma nova inspiracdo que ia, pouco tempo depois, ganhar, contra o neoclassicismo ¢ contra David-Ingres, a batalha do romantismo em Paris, Dessas mesmas fontes ia, mais tarde, dentro do coracio da grande metrpole, jorrar uma nova revolucio estética, muito mais profunda, alias, do que 6 neoclass ismo: a revolugao impress pnista, Mas isto fiea para outra ane’ ido. O outro ponto é a questa da presenga de Silva no Rio de | », pouco franceses se depois da morte de Le Breton © quando os ar agitavam para colocar na direcio da escola encruada o nome respeitivel do veterano da colonia, Nicolau Antonio Taui ay A versio dos amigos de Silva é que ele veio espontaneamente de Lisboa. Nosso ja conhecido articulista do Didrio Fluminense de janeiro de 1828, que nao sem verdadei a modéstia se encobria sob a capa de “o inimigo das imposturas que comprometem”, inform: do aparecime to do pintor portugués naquelas altaras te forma: “Falecendo Le Breton em 1819, no no Rio de Janeiro da segui no seguinte chegou a esta Corte 0 Sr, Her ‘onhecido que José da Silva, | ntor assaz por seu talento ¢ producio na cidade de Lisboa, a solicitar um despacho para seu fi Portugal © quanto era abalizado em pintura e desenho este insigne artista, 0 sitonio de Vilanova ho; e chegando ao conhecime ?) do Exmo, Sr. Tomaz 4 convidou a ficar nesta Corte, oferecendo-lhe o lugar que escolhesse na Academia, a Diretoria das aulas, vaga por falecimento de Le Breton. Como nao se achava adel ara S. M. que sendo conveni nomeado o lente de desenho escolheu esta . € entio lavrouse o decreto ente de 23 de novembro de 1820, no qual orde: entrar em efetivo exercicio algumas das classes dos estudos da Academia € Escola Real das Belas-Artes, ay mandava entrar em efetividade” etc. Morales de los Rios aceita a versi » era umn completo desconhecido em sua t ascido em Lisboa em 1772, foi diseipulo de Pedro Alexandrino, um dos mestres de maior prestigio da pintura portuguesa contem- pordnea, O Conde A. Reczynski, no seu livro Les Arts en Portugal, Paris, 1846, sob muitos aspectos ainda atual, falancdo com a maior isen¢ao dos pintores portugue- ses contemporancos em compara¢io com os da Priissia, sua terra, ao referirse a DA MISSAO FRANCESA ~ SEUS OBSTACULOS POLITICOS outro portugués, Pedro Alexandre Cavroé, elevado a categoria de arquiteto, apesar de ter sido marceneiro de profissio, conforme o acusa o préprio Grandjean de Montigny", & nomeado em janeiro de 1825 para o posto de arquiteto da Casa Imperial. E, finalmente, um jovem engenheiro fran . chegado ao Brasil bem depois da missio, com outra bagagem ¢ sobretudo outra historia politica, Pierre Joseph Pezerat, se torna, cedo, o arquiteto particular de D. Pedro I (Morales de los Rios, Ensino Artistico, p. 104). WV Como ja vimos, Taunay atribuiu sempre ao consul-geral francés, coronel Maler, a culp a principal pelo nao-seguimento do decreto real de 12 de agosto de 1816, Maler era um intrigante, era mais realista do que o rei, seu amo, pois ao que visava era “dar ao seu governo as arras de seu fervente bourbonismo” Ja dissemos e procuramos demonstrar que as dificuldades encontradas aqui, no Rio, pelos componentes da colonia artistica chegada pelo Calphé, sob 0 co- mando de Joaquim Le Breton, tém causas mais gerais, mais profundas do que a simples ma vontade ou ojeriza on édio pessoal de um diplomata francés que aqui se achaya na ocasiiio, contra o chefe reconhecido da miss dio. Havia uma incompa- tibilidade manifesta entre os artistas que vieram, todos bonapartistas fervorosos, principalmente o seu guia, € a realidade de uma corte ainda apavorada com as idéias revolucionarias que ainda agitavam a Franca, mesmo depois da queda de ndo os Bonaparte, e comecavam, alias, a espalhar-se pelo resto da Europa, mini préprios paises vitoriosos sobre 0 Corse Depois da imigracao do Ancien Régime que encheu o mundo de nobres france- ses ¢ vitimas da tormenta revolucionaria de Franca, inclusive aqui no Rio, onde uma pequena colénia de nobres franceses se instalaram pelas matas da Tijuca, como nos conta entre outros Hipélito Taunay em obra aqui ja citada, 0 desenlace da crise revoluciona ia, a primeira capitulacdo de Napoledo, seguida do episédio romanesco dos Cem Dias, reabriram as portas da Franca para uma nova leva de emigrantes, desta vez nao mais fidalgos e aristocratas, mas ex-sans culoties, jacobinos ¢ bonapartistas, em grau maior ou menor de participacao politica nos aconteci- mentos, O proprio cénsul-geral Maler, antes de diplomata, foi soldado das hostes 40. Ver também 0 Didrio Fluminense de janeiro de 1828, 89. ACADEMHOOS E MODERNOS. fora també rregado pelo governo portugués de reclamar a devolugae de nen muitos objetos preciosos que de Portugal haviam sido levados pelas topas de Junot. Algumas dessas coisas voltaram, entre essas a Biblia dos Jeronimos, que Luis XVIII se viu obrigado a comprar 4 Duquesa de Abrantes. Outras, porém, por la ficaram (Iistéria de Portugal, t. ML, p. 31). Foi nessa atmosfera que Le Breton procurou o Marqués de Marialva. Taunay mesmo, ja no seu artigo de O Jornal, de 21 de novembro de 1923, © diltime de uma sé je que escreveu entéo para responder ao st. Laudelino Freire, escreve: “Dos papéis que trouxe a ptiblico res da salta 0 seguinte: € possivel que a id partida para © Brasil de uma coldnia de artistas franceses em 1816 haja sido de Le Breton, Também possivel que Le Breton haja sabido de qualquer pl no do governo portugués acerca de uma fundacdo artistica no Rio em que pudesse encaixarse e assim tenha ido ec ‘0s préstimos ao embaixador, Nao quis este, contudo, tratar do caso pessoalmente, incumbindo a Francisco de Brito, um de seus secretaries, de o fazer, receoso de comprometer a palavra de seu soberano”. Em Missdo, ele diz mais ou menos a mesma coisa. Marialva, na primeira abordagem de Le Breton, aceitando a idéia do secreti- perpétuo com muito boa vontade, pois vinha ao encontro da se suas propri » a frente, de ‘©, com Antonio de Ai da vontade da Corte do Rio de J estimuls ‘a 0 Brasil de cientistas ¢ profissionais de toda espécie, a a emigr cdo pa fim de aqui ajudar na edifieag: Jo do“ ovo Reino”, no trepidou em dizerThe que clhes a autorizado para tanto, Ihes oferecia aquilo que © govel seriam todos muito bem acolhidos, Recusando-se, entretanto, @ pag: Jo esta passagens, por da no do Rio poderia dar em abundancia: terras e sesmarias. A primeira id wansferéncia pa ra o reino portugués na América era a de uma imigracao de todo uum grupo de homens, ilustres ou nao, que ali pretendiam viver, Marialva, segun- do relata Brito no oficio ao Marqués de Aguiar, nao quisera comprometerse, ¢ pedira a » Sr. Le Breton uma lista com os nomes das pessoas desejosas de viajar A primeira démarche de Le Breton junto ao embaixador, logo depois de Waterloo, se deu quando na Franca campeat Bo! Nimes, Avignon, Toulouse ete, E © que se chamou de “terror branco”. partistas em muitas partes foram massacrados, como em Marselha, em aa hora da desforra, Ja velho e moderado pelo lon experiéncias, a tltima das quais f ser enxotado do poder em quinze dias por Napoleao, desembarcado da Iha de Etba, perto de Cannes até inundar Paris, com apenas 700 homens que vio engrossando como uma cheia 42. Taunay relata 0 fato em Missao ¢, ai O Jornatde 8 de novembre de 1923, DA MISS4O FRANCESA - SEUS OBSTACULOS POLITICOS un Devemos, em geral, insi 1 esse espirito de retorno a todos os franceses Que se encontram no est ‘0, sempre que © comportamento deles ai seja recomendivel © possa fazer honra a sua nacido”, Esta era, em tracos gerais, a politica que os cOnsules franceses deviam adotar para com os patricios que estivessem, por esta ou aquela razao, fora do pais. E afinava bem, sem dtivida, com 0 espir 10 de moderacio do proprio rei Luis XVII, q ndo passara em seu pais ainda ocupado a fase da “epidemia das vingancas” ou do “terror branco”. Mas de ordem geral, 0 chanceler entregava a Maler, em quem depositava inteira ‘agdes as instrucdes do Duque de Richelieu nao fiearam ai. Depois dessas indi confianga, o cuidado de as traduzir na pratica. Deixava, com efeito, ao critério deste o tratamento a ser dispensado aos novos emigrados. Esta parte final de suas instrucd wes nunca foi publicada, Eila: “Essas obser > gerais: E agora a vos, Senhor, que cabe fazer a aplicacio delas © dar interesse maior ow menor aos franceses que estiverem em vossa residéncia, conforme procurem mais ou menos tornarse merecedores dele”. Vejamos, agora, a atitude do proprio gabinete no Rio em relacio a partida dos nossos viajantes. Brito, ainda no segundo oficio de 9 de outubro, a propésito dos varios individuos desejosos de partir, diz de Nicolau Antonio Taunay: 0 cola de be asartes. Nada Ihe prometera, chefe aspirava a ser professor de uma ¢ forma ainda o contudo, a legacio”. Relativamente aos projetos de Le Breto encarregado de negécios, Marialva Ihe fizera ponderacées mu to pertinentes artes, sobre a utilidade ou nao, no Rio daqueles tempos, de uma escola de bel: Ma pa Sua Alteza Regente, sendo tao ilumir m cede ial , de luxo, dey ° a ponderara a Le Breton que “as artes libers os liteis € necessé 5.4 economia interior do pais, mas que o govern de ado quanto protetor da industria e das artes liberais, the assegurava a benevoléncia do soberano para artistas foragides, que iam buscar de tao longe o seu paternal amparo”. Marialva era claro: o governo de Sua Majestade nao tinha muita necessidade de profissionais das “artes liberais e de luxo”; dava prioridade “as diteis ¢ necessirias A economia interior”; em todo sendo magnanimo o principe regente, ¢ protetor das artes liberais, cle, Ma assegurava a Le Breton “a benevoléncia do soberano para artistas foragidos” vindos de gt partir um quimico, Taunay, 0 engi Jo longe. Por sua vez, Brito “refere-se com grandes gabos” a Pradic can de Montigny; entretanto, preferiria ele, também, “ver ador, © a Grandj nheiro mecanico, ¢ um agricultor botanico, ”. Para estes, como ja vimos mais atras, “estava mesmo disposto a contri- buir para a sua passagem”. Que os outros, se quisessem, fossem por conta pro= pria. “Em todo caso, para ressalvar a responsabilidade” (é 0 proprio A. E. Taunay meira que assim se exprim : pois foi o ilustre mestre quem nos revelou pela p 99, los ACADEMICOS E MODERNOS artistica. Felicita Brito pela “maneira direita” com que se conduziu neste negécio, sem se Comprometer nem com © governo francés nem com os artistas, p. 17). Com efeito, D. J condoléncias pela morte da rainha, conta Maler em oficio ao Duque de Richelien, (Missao, io, audiéncia ao corpo diplomatico que the f¢ jevar de 28 de marco de 1816, em conversa com este Ihe pediu a opinido sobre a coldnia de artistas franceses que vém estabelecer-se no Brasil, Respondendo “em termos gerais”, diz Maler ao rei que s6 podera aprecié-los “na medida em que se conduzirem como bons franceses devem fazé-lo, que s6 a esse titulo me serao adiveis € recomendaveis, quaisqu er que sejam, ali iis, os talentos que possam ter” (Correspondéncia Diplomatica, ltamarati). Maler, representante do governo legitimista em Franga, nao estava interessado nos talentos desses homens mas no comportamento que pudessem ter aqui. A passagem do oficio de Aguiar acima ado, em que Brito é felicitado por ndo se ter comprometido com os artistas om Mi De qualquer modo, 0 estado de espirito desses homens que embarcaram para a nem com o governo francés, se reporta vez & conversa do r uma longa travessia, entio ainda qu se uma séria aventura, fugidos dos desastres que as artistas, mais sensiveis ¢ entusiastas que os demais, escreveram ao Cavaleiro politicos de inermes, se revela na cart sua patria, de que se sentem vitima Brito, em Paris, para agradecer os obséquios recebi los. Exultam. E declaram-se amparados “pela munificéncia do rei, secundad pela caridade solicita e ge sa de seus ministros”. Esses artistas ndo chegaram aqui “convidados” formalmente pelo governo de Sua Majestade. Vieram por conta propria, precipitados pelos acontecimentos politi- cos que 0s envolveram, com a complacéncia neutral da embaixada em Paris. Nao cram intrusos, entretanto, Havia no ara idéia de constituir por aqui uma colénia de personalidades eminentes, artistas, engenheiros etc. para ajudar no “desenvol- vimento industrial ¢ cultural” do novo pais. O governo foi avisado da vinda deles. Esperow-os com a benevoléncia costumeira do préprio D. Joao nesses casos € a M: formulado por Le Breton, com a inteira aprovacio de Antonio de Araujo, nio solicitude de um fidalgo de largas vistas como 0 Conde da Bare: so projeto vingou. Nao aceitamos a explicacao correntemente dada de que, se o mesmo nao do projeto, 4 importincia, qualidade € [....* um capitao francés a assumir compromissos Wo vagos ¢ indeterminados, vingou — quanto aos méritos mesmo pois faltaria aos seus deveres”, Seria ultrapassar as instrucdes que tinha. E exigia uma explanagao por escrito que fixasse um de! ino qualquer mas dentro dos © Lacuna no original, Dado © contexto fazia referéneia a atu perseguticéesa Le Breton, (N.O.) > de Maler © possiveis DA MISSAO FRANCESA ~ SEUS OBSTACULOS POLITICOS que Bonaparte escapara de pr York, que para tanto prepararam um navio armado, € com tropa composta na sua de ofici mento oculto, O navio conseguira escapar vigil anta Helena par a América, A fuga teria sido tes em Nova te © muitos franceses emigrados, reside parada por José Bonapa majo: emigrados, capitaneados pelo Marechal Grouchy, ¢ com arma- Jincia dos consules de Franca & Inglaterra ¢ chegar @ ilha tornada lendaria, Acabaram introduzindo-se na itha, il aram trazendo o grande homem para os E com papéis tomados a forca a um navio . € assim desembarcaram, Apode- rando-se de Santa Helena, los Unidos. A Gazeta daqui, também, nos da noticias da colonia de emigrados ame ders bro de 1816, cla informa da estada ali de José Bonaparte, como ele vive, sem canos que € por todos con 7 de dezem- ja a mais importante. Com efeito, ostentacao, tendo posto de parte todos os seus titulos. E conhecido come o Sr, José Bonaparte, freqientando varias sociedades da cidade, embora sé visite fran- ceses. O Marechal Grouchy ¢ 0 General Lefebvre (0 mesmo que escapou em condigdes sensacionais do seu pais, onde foi condenado a morte e denunciado como implicado numa conspiragio), em companhia do Sr. José Bonaparte, vi ram para Filadélfia, diz 0 nosso reporter da Gazeta, Lacepede ¢ Chaptal, 0 velho amigo de Le Breton, célebres naturalistas, ¢ outros membros do Instituto (toda a gente com quem convivia Le Breton) estao interessados, gracas a recursos que trouxe) ram de Franga, em comprar terras para dar gritis as familias francesas necessi- tadas (do jornal de Leyde, diz a Gazeta). 1 de D, Joao VI com 0 velho Tomaz Antonio de Vilanova Portugal, parte da qual foi publicada por Melo Moraes", uma carta do Conde dos Arcos, datada de 26 de janeiro de 1817, em resposta a outra confidencial do fiel confidente de D. Joao, em que o missivista remete as tiltimas noticias recebidas dos Estados Unidos. Po clas, ficou ele sabendo que “o ex-rei José houvera, no sei por que contratos, a propriedade de um grande terreno sobre a margem de um rio, i concorreriam os oficiais emigrados de sua i no Mississipi; © que p com o projeto de ajustarem o plano de ev assegurando- pr de cavala me o portador destas noticias, que era um oficial instru ia, no exército ia, que cle tinha ouvido muita mbuco oferece- veres dar por certo que Perna ia excelentes circunstincias a favor de quaisquer movimentos que se intentassem , Brasil Histéricn, 1864). 1 peculiaridade de ter sido eserita para salvar Bonaparte da Iha de Santa Helena” (Melo Moraes A carta do Conde dos Arcos tem a sing antes de estourar 0 movimento revolucionario de Pernambuco. De 1816 em dian- 46. Brasil Histirico, 1864. 109 14 ACADEMICOS E MODERNOS, NOTAS BIBLIOGRAFICAS Este trabalho se funda em: a. Correspondéncia Diplomética (Franga ~ D. Joao VI; Portugal et Brésil, Archives des Affaires Etrangéres, Paris, copiada por Alberto Rangel; Papéis Avulsos) Arquivos Historicos do Iamarati. b. Correspondéncia Intima ‘Tomaz Antonio de Vilanova Portugal ~ D. Joao VI (Segio de Manuscritos da Biblioteca Nacional). Parte desse arquivo foi impresso por Melo Moraes em Brasil Historica, 1* série, 1864, ¢. Colegées dos jornais da época do Rio € de Londres: O Portugués, O Investigador ; Correio Brasiliense, Gazeta do Rio e Didrio Fluminense. d. Nos autores, memorialistas ¢ historiadores, de preferéncia contemporaneos da Missio. es que tém tratado especialmente da Missio. £ Nos historiadores especializados sobre a época, do Brasil e de Portugal, contempora- e. Nos autos neos € do século passado, g- Em Coletinea dos Documentos Oficiais da época; revistas especializadas de nossos dias. h. Deuse também particular atencio aos estudos, monografias ¢ memérias sobre a Con- vengao, © Diretorio ¢ © Império napolednico. VISCONTI DIANTE DAS MODERNAS GERACOES Elyseu D'Angelo Visconti era, por assim dizer, até sua recente retrospect do Museu Nacional de Belas Artes, quase um desconhecido das modernas gera- des. E, no entanto, tratase de um dos raros, rau mos mestres da pintura brasileira. Eis um pintor que trouxe auténtica contribuigio para a historia da nossa pintura. A maioria dos mestres consagrados do passado 0 sto, em grande parte, por complacéncia, por euforia de nosso patriotismo tupiniquim, resultante do inevit vel relativismo histérico com que até ontem julgivamos todo esforco, todo produto cultural, na ciéncia ou na arte, saido do meio nacional, em forma- cao ainda ¢ inculto, sem tradigGes. Entéo toda aptidao nativa para o desenho, a muisica, as abstragdes da ciéncia ou da filosofia eram saudadas por um coro de acl magdes entusidsticas € sem senso critico. Visconti é, no campo pictérico, o primeiro talvez a poder ser julgado sem as atenuantes desses segundos critérios, dispensada a escala do relativismo historico, Mas como todos os outros premiados de seu tempo foi também consa- grado em vida. Na realidade, como os demais, em fun¢io de triunfos escolares e académicos. Apenas Visconti ndo se conformava com esses éxitos. Mais importante do que tais glérias - na maioria de papel dourado — era sua profunda consciéncia artistica. Ja era ento uma personalidade que se procurava, que sentia 0 apelo de uma missio. Desdenhou, por isso, 0s galardées oficiais, as palmas académicas € 0 * Corio da Manha, 01.01.50 ACADEMICOS E MODERNOS, Para os que conheceram ¢ admi alvez ainda © ara mo pintor em scu tempa que mais avulte na sua obra seja o figurista ou o decorador do Municipal. Para nés outros, porém, ¢ cremos que para as modernas geracdes, as quais pela primeira ver entraram em contato com o Conjunto de sua producao, avulta incontestavel- mente o paisagista. Se a figura humana e a paisagem sie como que constantes alternadas de toda a sua vida nem por isso a contribuicdo de ambas se iguala. Onde os dois gén se combinam, a tendéncia é para a figura ser absorvida na paisagem. Nao falai nos exercicios pré-rafaelitas e botticelescos, depois dos nus e academias do da carreira, Sao meramente vu ‘a transicho para o desenvolvimento do proprio pintor, O encanto pelos arabescos da primeira Renascenca, sobretudo dos flor tinos em torno de Botticelli, é uma re: a0 das formulas académi- cdo ap 4s, a que teve de se submeter como principi Be tc, Os arabescos clegantes de icelli consti 1em uma licao de liberdade, para o artista, cansado dos truques do claro-escuro ¢ de um modelado ja mecan Ele tem a primeira revelacio do bidimensionalismo inexoravel do re Jingulo. A licdo coloristica dos venezianos, nao a pode assimilar, sendo muito mais tarde, em Paris, mas ja sob a técnica infinitame: ambiciosa e sabi te mais comples a do cromatismo impressionista. Visconti nao é um plastico, é um sensualis ‘a da cor, Seu desenho é insignificante. Pelo linearismo botticelesco ¢ pré-rafaclita, ele libertou a mao, aligeirou seus desenhos € tomou coragem pa ra fazer incursdes pela tela toda. Nas suas primei- ras ob tes de travar conhecimento com os florentinos do Quattrocento, os fundos de sua composicio eram nulos (Ay Duas Irmas, 1894/A Governanta, de S. Sebastido, Giuventit, Oreddes, os detalhes, sobretudo de fundo, ja todos tratados, 1897: Rrcanto de Madrid, 1897 etc.). Nas figuras tio admirada na époc Jo mais interessantes que a frieza do conjunto, feita de clegan| © amane mento aprendidos € pobre de forma, Depois, 0 progresso consistiu em cuidar do quadro todo com 0 mesmo amor € fiélo vibrar, por inteiro, como uma caixa de ressonincia, de luz € cor, Mas isto s6 0 consegue, depois de vencidas ¢ assimiladas, no fando do subconsciente, a li > do impre a técnica do divisionismo de tons, quando ja amadurecido como artista. E entio nos da suas paisagens mais felizes, A tendéncia é para a subordins maior das figuras 4 luz, as cores, quer dizer, pintura. ‘Tome-se, por exemplo, uma de suas primeiras telas; As Lavadeiras, 1891. Obra de mocidade, come se vé. O tratamento é 4 moda entio prevalecente. O desenho anguloso impessoal; feito 1 a iluminacio naturalista, atelier, © quadro t tons surdos. Os verdes, se bem que ja denotando certa sensibilidade, estio muito longe daquela riqueza tonal, daquele brilho que virio depois. As figuras estio ali VISCONTI DIANTE DAS MODERNAS GERACOES, artista esta livre dos temas solicitados do exterior, das encomendas pablicas ow privadas, e pode, enfim, dedic se por inteiro Is questdes que mais de perto o is se distin- tocam, os problemas finais de sua criagio. A pintura para ele no n gue de sua vida externa; é a suprema expressio de seu proprio eu, Ele concentra Se no seu atelier, no seu reeanto, no seu quintal, Nao perde mais o contato com a natureza, cujos segredos ~ naquilo que the diz 3 sensibilidade de pintor - devassa. Rodeia se apenas dos seus, ¢ alguns amigos intimes, prolongamento da propria familia. Recusa retratos de encomendas. E retratista agora por afetividade fami- liar. E em meio ao turbilhdo, a revolucao dita modern . 120 injusta para com ele, ps6 de se nao se perturba, nem perde a serenidade. E que ja esti seguro n meios artisticos, mas sobretudo de seu destino, de sua missio como artista, Raros so os que podem alcancar essa altitude, Principalmente no Brasil. Mt ara dos Deputados que por assim dizer ps falam no neo-realismo de sua na fase, Mas em que se demonstra ria esse neo-realismo? No painel da € foi ditado, ja que o primeiro cartio nao foi aceito? Ou em alguns retratos, como 0 do irmao, nos quais os fundos sio entretanto tratados 1 te, isto &, pelos toques coloridos justapostos? odo. Este Sao essas coisas produtos colaterais na obra viscontina des se peri se caracteriza pela luminosidade crescente das paisagens, palpitante nas cinzas brumosas da atmosfera. Se os retratos, entretanto, nado se harmonizam com as preocupacdes do paisagista de polis, todo entregue A captacio do ar vaporizado da serra, os auto-retratos, em compensacio, se ajustam com as mesmas preocupacdes luministicas. Os retratos, sobretudo de amigos ou mes- A volta aos tons escuros, a procura das tintas mo dos filhos, se destacam pel tadicionais da carne, Nos auto-retratos, porém, ¢ em alguns retratos da espo- sa, a veia lirica coloristica prossegue desimpedida. Parece que, em se tratando de si prprio, de sua prépria efigie, ndo se acanha em tratéda com a mesma matéria pictorica dos fundos. E assim ele inwoduz na carnagao do rosto os elementos multicolores nao encontrados na natureza fisica nem na tradicio do io género. Concebendo a propria face como simples problema pictérico, teme realcar o conflito dos tons naturalistas das c nes com os toques do rtificialismo 1 © maximo de intensidade cro- ninoso, O que importa é obte ‘a dos tons mpresta, assim, as carnes de certos auto-retratos, ique: los, sobretudo os verdes © rosas. Delacroix ja empregara proce: sO semelhante nas decoracées para o Senado ¢ a Camara francesa. Portinari tam- bém se w los ¢ das mesmas harmonias em verdes zou desses toques contrasta © s belas da st das cabecas ma Missa (Edificio do Banco da psas para algun Boa Vista). Veri mos agora que, ja muito antes, Visconi SEMANA DE ARTE MODERNA a, era medonho de feio. A ‘mou-se, a parentela mexeriquei- ra correu 4 casa protestar contra a “perdi¢ao” do filho, Mario subi para o quarto “com vontade de botar uma bomba no centro do mundo”. Depo A escrivani- nha, tira de la um caderno e escreve, diz cle, “o titulo em que jamais pensara, Paulicéia Desvairada’, Era © “estouro” que chegara, depois de quase um ano de angiistias interrogativas. Assim Paulioéia Desoairada nasce ainda do impacto produzi- do pela obra de Brecheret. E é © segundo escindalo preliminar da Semana. Brecheret, confessa o poeta, fora o “gatilho que faria Pauliciia Desvairada estourar”. Gracas a esse contato, desde os primeiros passos, com a plastica moderna, ida, uma vis ismo brasilei io puderam os literatos ¢ poetas do moder fo ter, des global do problema da arte ¢ da criacdo contemporiinea, Educaram-se através da pintura ¢ da escultura modernas. Sem esse contato, sem essa iniciacao preliminar, © movimento, delimitado ao campo da literatura, poderia nao ter tido a universa~ lidade que teve nem a profundidade de sua tomada de conhecimento com o meio cultural, social ¢ geografico brasileiro. Poderia ter terminado como outros movimentos literarios precedentes, inclusive 0 romantismo, que tem com ele uma escola literaria confinada maiores analogias. Teria talvez acabado como mai rbolistas do Rio. num pequeno grupo isolado, como o dos tas ¢ poss imbo A pintura ¢ a escultura alargaram extraordinariamente 0 campo de visio e de interesse dos promotores da Semana, ¢ deram aos melhores uma nocio menos abstrata € menos puramente verbal dos problemas estéticos em jogo © uma compreensio mais direta, mais fisica ¢ concreta do meio e da natureza envolven 1, € do que nesta € naquele sio os componentes mais importantes € permanentes como valores que exigem caracterizacio e expresso. Sem a contr buicdo direta, primordial das artes plisticas, o movimento modernista nio teri: marcado a data que marcou na evolucdo intelectual ¢ artistica do Brasil. A sua propria orientacao nacionalista, de descoberta e revelacao do Brasil, nao teria lido a raizes com que se assinalou, istematizacao, a profundidade, a busca de Desse clima € que surgiu provavelmente a idéia de Raizes do Brasil, 0 penetrante livro de Sérgio Buarque de Holanda. E a verdade & que foram as figuras de menos contato com © campo das artes phisticas as que, na inevitavel bifurcacio n do nacionalismc ulterior do movimento, tom: formas mais superficiais © a streitas € nos dias de hoj @ mais imbecil ~ a forma poli Por paradoxal que possa parecer, foi pela consciéncia do seu *internacionalis mo modernista”, na expressio de Mario, que o movimento chegou ~ outra expresso de Mario — ao seu “nacionalismo embrabecide A arte moderna foi uma reacao ao ideal naturalista tradicional na cultura do ocidente € a proclamacio da autonomia do fendmeno artistico, até entiio forcado a 139 M4 ACADEMICOS F MODERNOS, os preceitos ideolégicos estratificados, o seu Brasil é antes um motivo, ou a pequena sensagio que em Cézanne provocava © surto criador, do que uma abstracao ideolégica, convencional e civica e fria, Esse Brasil direto ~ natural, antiideolégico — guarda uma pureza inicial q r, © Pancetti nas suas marinhas, ¢ Heitor dos Prazeres na sua pintur sila também iria tentar reproduzir, que Guignard iria captar nas suas paisagens esmaltada, que €, como bem disse Lourival Gomes Machado, “a primeira investida, > campo da pkistica, dessa enorme cultura criada pelos negros da grande cidade”. © movimento modernista, depois de estrondar dentro ¢ fora do Teatro is, entrou de Bi Municipal de Sao Paulo, com o olho em Pa il a dentro pelos fundos. O primitiv ismo foi a porta pela qual os modernistas penetraram no Brasil © @ sua carta de naturalizagao brasileira. A vitoria das artes areaicas historicas e protohistéricas € a dos novos primitivos contemporineos facilitaram a descober- ta do Brasil pelos modernistas. Foi sob a sua influéncia que nasceram, logo apés a ana, os movimentos do “Pau-Bra il” ¢ do “Antropofagismo”, E assim os mode ‘0 no precisavam ir, como seus émulos e peus supercivilizados, as latitudes exdticas da Africa e da Oc nia para revigora forcas em fontes mais puras ¢ vitalizadas de certas culturas primitivas. virando-se para dentro do pais, de costas ao mar, o lider intelectual do moder nismo teve a nogae de um Brasil caboclo, diferente do da capital, primario e redutivel na su dade fisica, ca paz de The dar mot 0 para conjugar o cultural © © instintivo, Mas esta fusio paradoxal de elementos contraditérios nao se fez apenas por obra de uma personalidade original, pois se ela marcou a acdo ¢ a obra de Mario de Andrade mbém marcou a outa grande figura do movimento, Oswald de Andrade. Este foi mesmo 0 teérico € criador consciente do primitivismo brasileiro. E como era natur 1, esse primitivismo, esse brasil rismo de bodoque ¢ beigo furade, Oswald tev Oswald de Andrade, dele a revelagao em Paris. uma viagem a Paris, do alto de um atelier da Place Clichy —umbigo do mundo = descobriu, destumbrado, a sua propria terra” (Paulo Prado, Poesia Pau-Brasil). Oswald descobre, como Cabral, © Brasil, Na sua falacdo seca, entrecortada, em frases de arrancos e estacatos, Oswald define o Brasil, da Colonia, “sociedade de naufragos eruditos”, até o Século XX, quand: “os homens que sabiam tudo se reformaram como bebés de borracha”. E agora “o lirismo em folha. A apresentacao dos materiais”. *: ra construgao brasileira no movimento de reconstrucio geral. Poe: Brasi Que querem esses primitives vindos de Paris? Oswald responde: perspectiva de out a ordem que a visual”, “O correspondente do milagre em arte. Ea sabia preguica solar, A rez: . A energia silenciosa. A hospitalidade. SEMANA DE ARTE MODERNA jf pelo viver coletivo cristalizado da cultura citadina, Nesse sentido, cle as concepcdes ainda puramente rurais, virgens, dos varios Brasis literdrios que se sucederam desde entao, Tarsila do Amaral a primeira transcri¢ sil para a pintura, Sua missio é restaurar a iconografia ingénu: do interior caipira, wansplantando-a a tela, E pela primeira ver 0 modernismo encontra no Brasil a correspondénc 1 perfeita entre as novas técnicas aprendidas ¢ os motivos inspiradores da artista. Tarsils ‘os nativos. proximase do gosto ingénuo, caboclo, ¢ da arte dos santei Cabethe a honra de ter realizado entao a pintura tecnicamente mais moderna do pais. Para revivificar na tela 0s santos dos oratérios casciros ¢ as estrelas douradas dos seus céus azuis, 0 roxo Kinguido dos mana ‘is © 0 branco dos jasmins, 0 encarnado dos vestidos roceiros, os batis de flandres com suas decoracées riso- nhas, 0 recorte das folhas de bananciras, as linhas cruzadas das bandeirinhas de papel de seda sob 0 teto carinhoso de telhas vas, € desses estoques de elementos do viver popular, em poesia ¢ em festa, conservar as qualidades de pureza e lirismo, Tarsila tinha de ater-se ao bidimensionalismo irredutivel do retangulo. E a.artista, jogando para o lado os processos € truques da pintura tradicional, todos destinados 4 o ficui de volumes no espaco, traga os contornos de epresentac: seus icones com uma linha clara ¢ limpida, num grafismo simples que procura seguir o arabesco caprichoso da ornamentacio popular, enquanto 0 fundo da tela é dividido em zonas de cores chapadas, em que um azul puro encontra um rosa, € um verde denso de bananeit € contrastado pelo castanho escuro da pele negra. Um critico de arte frane . referindo-se a uma exposicio de Tarila e 1926, em Paris, classificou a sua pintura de “otimismo escolar”. Eis o que ninguém podia dizer da pintura de Di Cavalcanti na mesma época, feita ja de acentos soturnos € violentos como um ronco de cuica. O estado mental de Pau-Brasil, enw . A realidade da vida e anto, pouco dur mo inf dos tempos espanta o lir ntil, fresco, otimista, que o caracterizava. Oswald de Andrade com outros se desgarram do tronco modernista inicial e, com Tarsila como principal intérprete, penetram mais a fundo no Brasil, para atualizé-lo mas conservando as suas raizes, as rudezas na selvageria, em suma. E a ivas, a sua antropofagia. O brasileiro tem de assimilar as conquistas da cultura e da civilizagao, pois tais s ne Jo as conting do tempo, mas que ao menos isso se faa A bruta, ferozmente. O selvagem, 0 bi asileiro, pode elevarse a cultura, desde que conserve as qualidades birbaras das origens bugre e africana. Ele digere a civilizacio como, segundo a lenda, 0s selvicolas comeram o Bispo Sardinha numa praia deserta do Brasil abralino. Tarsila entra € (0 mama nova espécie de expressionismo simbé- da fase anterio lico que contrasta com a maneira lirica, decorati As suas figuras 19 A MISSA DE PORTINARL Enfim, a composicao li © © que cumpre agora é conservitla. Trata-se sem diivida tes da arte brasileira de alguma de uma das realizagdes mais puja todos os tempos. Aversa » de Vitor Meirelles é nitidamente naturalistica, subordinada 4 supos- ta realidade hist6rica, a detalhes pitorescos da natureza, com indios espantados em volta, macacos ete. Em Portinar osta realidade historica nao existe. Tampouco preocu- se ele com as descrigdes da carta de Pero Vaz, com © pitoresco intrinseco 4 P cena, paisagens ¢ personagens coloridas, mataria tropical densa, selvagens nus ou seminus, de cocares ¢ penas, bichos. Esse despojame to de que se pode chamar a naw 7a libertou-o também de suas preocupacées secundirias, como de cor local, luz natural ou ambiente etc. Tendo jogado fora todo esse lastro de pseudoproblemas pictoricos, 0 artista iu pa celebrado ficou concentrow-se no ato mesmo da missa. Toda a atengao conv as persona- gens que participavam do sagrado ritual. O local em que este por isso mesmo perfeitamente delimitado como se fosse paleo, com sua luz prépr um sistema s6 de iluminacio, nem sua solucio se fazer uniformemente, de , artificial © distribuida pelo soberano arbitrio do artista, Dai nao haver acordo com as regras tradicionais. rie Esse por assim dizer artificialismo de iluminagao © conjunto um ter cenogrifico, de teatro, Quer dizer, de representagio, de algo inteiramente vista separado do meio natural ambiente. E.a primeira missa nao era, do ponto de haver de mais ant al, de m: nho ao Brasil cultural, tudo © que podi intacto, selvagem, fetichista, pagio daqueles dias? Amis na terra virge sa de Portinari é um ato de conquista cultural, de plantagao de semente ». Aquilo tudo vem de fora; é um enxerto de civilizacao erista em 140 ha arvores, ndo ha morros nem bichos . Eis por que nao ha indios, iparem da ceriménia que s6 estrangeiros, brancos de outros mundos, talvez de outra espécie, estio realizando. Aquela missa ainda é coisa de brancos. © pintor concentrowse de tal modo sobre © rito sagrado que suprimiu inclusive a terra, o solo espinhento, indspito, barbaro onde os estrangeiros de- sembarcaram, Nao se vé na tela um palmo de terra nua. Revestiram-na de uma pavimentacio artificial, uma espécie de soalho, de tacos de madeira envernizada, ou pedra talhada, I © chao polido ja de um templo catdlico, Sobre esse pavimen- to, armouse o altar com os seus degraus hierarquizados, Nao ha linhas reta S na natureza; em compensacio, no painel de Portinari quase nao se encontram linhas curvas. Algumas destas, sobretudo as acess6rias (dorsos, pernas, cabecas) a verem-se de perto, transformamse em lados miniiscu- 165 170 ACADE ‘OS E MODERNOS composicio resistiu ao clareamento natural da tempera, depois de seca, mantendo- se dentro da escal . Foi um de mestre. tonal escolhida pelo artis prov nte-se nesta obra uma confluéncia maior entre o proprio temperamento mm do artista © suas “idéias” pictoricas. Ninguém ignora as influéncias que Picasso exerceu sobre Portinari, como alias continua a exercer sobre quase todos os anha a artistas modernos mais mocos da Franca aos Estados Unidos, da Ale Iuilia, Este painel de Portinari é a demonstragao final de que 0 nosso pintor n pertence 4 familia picassiana. Alias, esta foi sempre a nossa convicgao. Ele n precisa das muletas do génio espanhol para caminhar. Ao contrario. Quando the da as costas, como pintor, é quando Portinari mais obedece a suprema lei do rtista, isto é, A sua propria personalidade. A Primeira Missa nos mostra um Portinari em pleno dominio de seus recursos. iste painel & uma stimula port naresca; do que ele pode € do que nao pode, ou nao deve, Para sua realizacio, © nosso pintor manipulou em suas maos poderosas repos em moda, com certa faceirice, abandonadas preocupacées com os valores. Mas todas as técnicas da Escola de Paris, a partir do posimpressionismo, € at nem por isso deixou de dar asas as préprias inclinagdes, aos seus gostos instintives las cores, das largas - © amor das be reas coloridas, das harmonias felizes, a Bont ric rd, dos grandes espacos, das poderosas figuras modeladas, da maté Certos detalhes meramente descritives ou deliberadamente expressionistas, vindos de fases anteriores, oriundos de solicitagdes extrapictéricas chocam mais em obras como o painel do Banco Boavista do que em outras mais antigas. Se, por exemplo, ha um detalhe dispensivel na Primeira Missa € a bandeira com quel uma gr € responder tanto @ tinica mancha vermelha nitida do conjunto, um chapéu da ande cruz vermelha. Aquele tom para nio amolecer demais a composicio, segunda figura ajoethada a direita, como a lista da mesma cor da tinica do sol alizado Jo no lado oposto, nao precisava nem concretizar-se, signo jit tio b com a bandeira da Cruz Vermetha. Mas como ja estamos longe dos excessos pueris das kigrimas de cimento armado da série dos retirantes! O mestre brasileiro nao carece de truques para i por-se ou ser compreendi: do, Ele esta agora diante do caminho que ainda tem de percorrer, sozinho. E tO deve mesmo caminhar sozinho. A solugio que acaba de dar a um género hi co como o da missa é a prova de seu poder criador, Resolutame! te, ele suprim uma série de problemas falsos, como o da luz natural, da realidade historica ete Foi © seu direito, E apresentou a su mais longe, suprimiu a natureza do tema que devia transpor para a tela, Era solucdo de modo magistral. Em seu predecessor, a missa era ao ar livre. Era espeticulo também para os estranhos. Em Portinari ela se celebra no recothimento interior, sob a luz artif ACADEMICOS E MODERNOS € que © retingulo dado a Portinari € por demais particularizado nas suas proporcé es | ara prestar-se facilmente a qualquer tema, Talvez, por sso mesma seja do ponto de vista estrutural mais propicio & pura decoragio arquitetonica do que ao género épico, ao drama herdico ou mistico, para o qual maior campo no se tido da altura é uma vamtagem: pert te um acento mais pronunciado sobre 0 eixo vertical. No painel de € aguazes tudo se estende desmesurada a os lados. nente pa sse ince ra como © artista tratou a cena do pveniente ressalta logo da man patibulo. Assim, teve ele de dar a forea uma posicae secundaria nos planos de fundo, ¢ um tratamento de cenirio, sem vigor nem dramaticidade, O artista foi obrigado, pe igtidade dos espacos para a altura, a projetar Tiradentes enfor cado em perspectiva, todo reduzido a um bonequinho de barro informe, Dir-se estar projetado dos bastidores, E uma soluco que obriga o espectador a aceitar a ilusio Gptica, 0 drompe Toei, No entanto, nao ha em si mesma forma mais dh amit ca, mais plasticamente rica e sugestiva do que a eruz ¢, no caso, a forca, A cena do patibulo na praca ptiblica com a multidio em volta poderia ter sido um dos momentos culminantes do dr Tal como esta em segundo plano, é um pormenor, um acessério, uma ilustracio. Como, porém, Portinari tem a vocagio do pintor, conseguiu nos fundos, por irés da forea (caixto banal, paupérrimo pictorica ¢ plasticamente), uma das partes mais felizes de sua tela. Referimo-nos ao fundo esquerdo da segund » do painel, em rosa, cinza, azul, branco, onde a multidao rigorosame: da, com mulhe- te alinhada para uma festa ou para res elegantes ocupando as primeiras filas, assiste ao suplicio do heréi, E étimo trecho de pintura, ¢ ha mesmo ali uma atmosfera de festa yeneziana pela cor ea alegria comunicativa, Infelizmente toda essa cena é um detalhe de fundo de pano, O modo como Portinari a realizou, com aqueles pontos rosas, laranjas, marrons, figurando cabecas € cabecas a perder de vista, mostra a qualidade desse pintor, seu amor das belas cores € dos tons felizes € otimistas. Por outro lado, é um pedago de painel que se casa perfeitamente ao seu destino de mural. O comprimento desproporcional da tela em relacao a altura diminuta forcou também, de algum modo, o abordar do painel por partes, por episédios, por passagens, © @ conseqdente aprec jacdo isolada de cada grupo, um a pos outro, minhar descritivo, de com prejuizo da visio de conjunto que se perde, nese ¢ cena em cena. O assunto i natures: severissima adaptacio estrutural da parede. © Colégio de Cataguazes é um edificio moderno, em que o vidro te mo decorativo. Ele devora os papel nao s6 eminentemente funcional ¢ vos, reduzi mo a aparéncia de solidez das estruturas para valorizar a claridade e Por ele, desm chase a separagio dos espacos exteriores & (© PAINEL DE TIRADENTES Na Primeira Missa, 0 mestre brasileiro evitou o sombreado classico, recor- rendo ao processo de iluminacao de cubistas ¢ faturistas. Para fugir as condi- cOes naturais de iluminagao que s6 dao um aspecto do objeto, o cubismo procurou defini-lo por efeitos deliberados de luz ¢ sombra, colocando o objeto sob nova claridade arti de natureza geométrica. O pracesso foi utilizado tico agora pelo nosso pintor para defin as figuragdes ¢ 0 retalhamento cromé das superficies do quadro. Fazendo uso arbitrario de luzes ¢ sombras clarearam 0 cubistas as elevacdes superpostas, os planos, ecoes, perfis do objeto. Com o desenvolvimento, porém, da invencao, obtiveram eles aquela espécie de fogo de as das obras modernas. Dessa artificio visual que tanto encanto waz a mui descoberta do acaso nasceu 0 sombrear por pequeninos prismas, cubos, esferas, segmentos que produzem um calcidoscépio vibrante em todas as relagdes imaginaveis de luz ¢ de sombra. Portinari usa dese recurso na arrumacio de seus pequenos planos coloridos, ‘os quais dio uma reverberacao extraordinar. a as figuras, recortadas por vezes em figurino. Esse é um elemento decorativo de grande poder de irradiagio. Por isso, ¢ de simbolicamente tristes, sombrias, refletem antes uma im- certas cores, ape: pressio de alegria e vigor. Nessa irradiacao até certos tons azuis se tornam quentes, ntes de encontro a tons amarelos ou verdes. ¢ alguns chegam mesmo a ser dissor Assi estar tristes ou desesperados, apresentam ao contrario uma fachad atitude deveriam im, certos grupos, que mesmo subjetivamente ou pel sorridente € festiva, devido A beleza dos tons e do arabesco, criando uma trama decorativa. Por exemplo, os grupos do centro do painel que ladeiam a carreta com 0 corpo de Tiradentes, nos planos intermédios, com mulheres erguendo os bragos € escon- dendo o rosto, no convencem: a impressio que se tem é de prazer. O drama, a tragédia s6 se exprimem em certos detalhes, como o do grupo de duas mulheres ajoelhadas em segundo plano, Também é inteiramente destituido idade, & de puj nga 0 conjunto final, ncipado. ‘epresentando 0 povo ema um epilogo sem forga, pois é tratado como cartaz, tanto nas cores como no no cartaz do desenho. As préprias correntes partidas mais parecem letras escri que grilhoes. Pode sas € de grandes ambi ecer severa demais a nossa apreciacio. A obra de proporgdes ime ées. Portinari nao é um pintor qualquer. E um grande nome. E a prova é terse arrojado nessa tarefa com coragem € entusias- mo dignos de admiracao, Oxala a iniciativa do mecenas de Cataguazes tenha imitadores, pois dessa m: ito mundial da arqui- neira poderemos completar o asvel: uma pintura tetura moderna do Brasil com um complemento indisps mural & sua altura. Is UM NOVO DI CAVALCANTI Di Cav desistindo de ir a Veneza como membro da comissio honorifi anti publicou ontem uma carta que dirigiu a Cecilio Matarazzo, ‘a nomeada pelo Ministro da Educagao. Di da suas razdes para a desisténcia, invocando altos ‘argumentos de patriotismo ¢ sen: do Estado, quando este nao os tem bastantes para o ensino, Também se sente dade. Nao quer gastar os parcos dinheiros inibido de viajar para a Europa, s6 pelo prazer de passear em Venera. Esse velho e glorioso boémio deu assim para falar numa linguagem austera como a de um senador da Repiiblica. Quanto a mim, essas rages no convencem, pois nao haveria no Brasil quem pudesse censur: Jo por essa vi agem, mesmo de recreio & Europa, com passagem paga pelo Estado. Quantas pessoas insignificantes pas- seiam diariamente pelas capitais européias © americanas as custas dos cofres piiblicos sem proveito nem para elas nem para o Brasil?! Di Cavalcanti é um dos raros sujeitos neste pais que pode merecer desses favores ofic para ninguém, E que uma viagem dele pelos lugares sagrados da velha arte italiana nao sera nunca em vio, Se o tom de homem de Estado que Di Cavalcanti usa na sua carta soa is sem desdouro estranho, o contetido dela é também paradoxal, Esse produto tipico da rive gauche de Paris, que € 0 nosso pintor, resolveu fazer profissio de fé nacionalista. Nacio- nalista quase rubro, jacobino, Ele quer “colocar a vida artistica” do Brasil “na realidade nacional, procurar dar-lhe vida tirada da propria seiv: |, dar sua * Tribuna da Imprensa, 22.03.52. LASAR SEGALL, GADO NA FLORESTA, 1939 LEO 5/ TELA. 65 X 60 CM ISMAEL. NERY, UM ENCONTRO NA GERACAO Valéry, na sua Iniroducio a Leonardo da Vinci, explicava que pintar, para seu heréi, era uma operacao que requeria todos os conhecimentos, € quase todas as técnicas: yeometria, dindmica, geologia, fisiologia. Como se sabe, Leonardo foi o modelo escolhido por Valéry para representar, em sua vida, em suas atividades & em sua pintura, 0 homem universal que concebia. Leonardo podia ser tudo. Todas as atividades mentais cabiam dentro do contexte de sua personalidade. Dai resullar que, ao proclamarse Leonardo um gr nde pinte no se define o perso- nagem em toda a sua complexidad . Ele ultrapassa sempre a categoria dentro da sim como uma porta pela qual se cntra para devassar outras s para um horizonte de virtualidades. E na verdade, comparada a obra a de Leonardo com a de alguns outros dos grandes pintores de seu tempo, mantém-se ela em qualidade, em profundeza, em sugestdes para um m ndo a explorar, embora se reduza na escala, nas proporgdes, no acabamento, na realiza Essas reflexdes me vinham a4 mente quando, faz dias, depois da tormenta io de obs lade e de mor eleitoral, dei com uma expo: que muito conheci n: um artista de cujo encon' > pessoal resultou para mim um dos grandes momen- tos daquela mocidade. Refiro-me a Ismael Nery. Nos idos de vinte, sua casa de * Jornal do Brasil, 04.12.66, Republicado em Dos Murais de Portinari aos Exparas de Brasilia, pp. 211-215,

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