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éuma extensao do olho... Pignatari sobre McLuhan Marshall McLuhan inspirou a admiragdo de grandes nomes, como Haroldo de Campos ¢ Décio Pignatari Reproduzimos aqui o capitulo “Mensagem e Massagem de Massa”,* do livro Contracomunicagao, de Pignatari, que trata dos conceitos mais relevantes desenvolvidos por McLuhan. ‘Marshall McLuhan, “o profeta das comunicagdes”, veio do setor das letras, formado que é em Literatura Inglesa, Canadense, destacou-se nos meios literdrios de vanguarda dos Estados Unidos, nos inicios da década de 50, gragas a estudos sobre Mallarmé, Joyce e Pound, estudos esses ainda hoje dignos de consulta, Passando & abordagem dos meios de comunicagao de massa, publicou A noiva mecdnica (The Mechanical Bride) e A galéxia de Gutenberg (The Gutenberg Galaxy), mas foi com Understanding Media, agora traduzido em portugués com 0 titulo Os meios de comunicagio como extensdes do homem, que chegou ao nivel dourado dos best-sellers ~ contrariando, alias, os prognésticos pessimistas de seu proprio editor, que o considerou um livro “dificil”, por conter 75% de informagdo nova... Passando da capa dura para a capa mole, o livro vendeu ds pampas e foi ganhando fama na proporgdo mesma em que provocava polémicas. Chegou afinal as revistas ndo especializadas (a revista ‘Newsweek, por exemplo, dedicou-Ihe um artigo de capa) e certas expresses suas, como the medium is the ‘message (0 meio é a mensagem) acabaram entrando para o acervo critico-cultural dos tiltimos anos. © Meio é a Mensagem/Massagem O livro de McLuhan tem 0 condao de irritar, particularmente, os intelectuais e artistas de “linha francesa”, os alienados da linguagem e os ansiosos do chamado “contetido”. Para eles, parece ébvio que 0 que conta, na TV, num jomal ou numa revista, é a chamada “mensagem’, Nao conseguem pensar o mundo sem a pritica constante da separagdo entre forma e fundo, embora nao se sintam muito a vontade nesse mister mutilante diante de certos fenémenos onde ele se torna bastante inoperante, tais como um poema, uma geladeira, a estrutura do étomo, o amor, ‘uma pega musical, uma casa ou um automével. Por esta razo, ndo percebem que McLuhan é um estruturalista — um estruturalista pragmético, canibal, americano, e no um estruturalista semdntico e sistemitico a la europeia. Por isto, também, ndo percebem que Understanding Media é uma brilhante e original defesa de arte na era do consumo, da eletrénica e dos vos espaciais. Pode parecer estranho, mas quem ja se esforgou por compreender certos fendmenos de linguagem (ndo de lingua) que se manifestam em certos poemas de Pessoa, Drummond ou Jodo Cabral, esta ‘melhor preparado para entender este livro do que aquele que, num poema, busca apenas 0 “eonteido” “mensagem. Como meio € a mensagem, ele quer significa que, assim como “nose pode separaro dangarino da danga”, como diria Yeats, também nao se pode separar a mensagem do veiculo que a transmite. A “mesma” rmensagem, transmitda por dois veiculos diferentes, nfo nem pode sera mesma: ua logea estrutural e oefito que produz no receptor so diversos. A ilusdo de que se trata da mesma mensagem nasce da légica linear inerente nossa cultura escrita, & nossa tradigdo livresca, cuja tendéncia é a de s6 encontrar significado nas coisas que possam ser “traduzidas” em palavras, Posteriormente, em livro e disco, McLuhan desenvolveria uma variante de sua formulagio: o meio é a massagem, para significar que os meios se desenvolvem e se transformam pelo constante atrito entre eles. Convém lembrar, nesta altura, que, por meios, ele entende tanto a roupa como o dinheiro, 0 gravador ou a TV, Meios Frios e Quentes Se nao existisse a TV, o assassinato do presidente Kennedy teria desencadeado uma explosio de firia popular nos, Estados Unidos — afirma McLuhan. Isto porque a TV & um veiculo “frio”, um meio de “baixa definigdo”. Pela maior dispersio de seus pontos, a reticula do televisor ndo permite o delineamento nitido das imagens, como se pode observar nos planos gerais e na preferéncia pelos primeiros planos, a semelhanga da estrutura dos mosaicos (para MeLuhan, a TV é um vefculo audiovideotictil). Em consequéncia, o telespectador tende a “preencher” as imagens, participando muito mais intensamente da natureza do proprio veiculo. A TV “esfria” o animo do telespectador, dando-Ihe, em contrapartida, uma consciéncia em profundidade, nao linear, dos fatos e fendmenos. Pela mesma razo, os programas ao vivo ¢ a improvisagdo so mais adequados a esse meio, que repele as posturas rigidas ou pessoas falando de maneira formal (Iendo um discurso, por exemplo). Em oposi¢a0, uma fotografia normal é um veiculo “quente”, de alta definigdo, que permite pouca participagao do espectador. Dai a bobagem de se elogiar a imagem de um televisor, dizendo que “parece uma fotografia”. Segundo 0 canadense, quando isto ocorrer ~ se ocorrer —a TV se tera transformado, deixando de ser TV. Outros meios “frios”: meias femininas de malhas largas, roupas “brutalistas” de textura rude, a caricatura, um poema, um carro compacto, um semandrio noticioso. Outros meios “quentes”: 0 livro, radio, roupas € maquilagens s6 para a vista (¢ ndo para o tato), a valsa, um semandrio itustrado, A Volta 4 Tribo Estamos chegando ao fim da Era Gutenberg, ao fim da hegemonia da palavra escrita, para entrarmos na Era da Instantaneidade, que é a era da eletricidade e da eletrénica, da recuperacao e integragio da sensibilidade e, quem sabe, da Consciéncia Universal... Os meios so extensdes do homem: a roda sdo os pés em rotagio, a palavra falada © a mtisica so extensdes do ouvido, a palavra escrita e a fotografia sio extensdes do olho, a escultura é uma extensio do tato (extensdes hapticas do homem), o perfume uma extensio do olfato etc. A audigdo, o tato, o olfato ¢ 0 paladar so mais “inclusivos”, mais “frios”, do que o sentido da visio, que tende para a alta definigdo, O cédigo alfabético ¢ uma extensdo altamente fragmentada e especializada do olho, Trata-se de unidades “insignificantes”, desligadas de conjuntos fonéticos (letras), que se compéem linearmente em unidades maiores, significantes (palavras ¢ frases). O cédigo alfabético tende a traduzir todas as coisas numa uniformidade linear geral e exclusiva, em prejuizo da natureza inclusiva dos demais sentidos, com todas as suas riquissimas gamas e corespondéncias (sinestesia), como se pode observar nas culturas ¢ pessoas pré-letradas. Vai dai que o cédigo alfabético fragmentou ¢ destruiu a tribo, gerando desniveis de repertério (que deixou de ser comum a toda a sociedade), 0 individualismo, 0 militarismo, o nacionalismo e a produgio industrial em cadeia de montagem, fenémenos esses que se criaram ou se ‘manifestaram mais claramente apés a invengo da imprensa. Destribalizada e narcotizada pelo novo meio —e desprezando as seculares ligdes adverténcias “integrativas” de seus artistas — a sociedade humana (a ocidental, especialmente) teve de esperar pela eletricidade e pela televistio para poder dar inicio a um lento processo de retribalizagao ¢ integragdo social, onde todos possam exercer papéis ¢ nao oficios e empregos especializados tio- somente, Estamos, pois, assistindo ao fim da era das especializagdes mecénicas, fragmentadas, de velho estilo (fruto da indastria mecdnica do século pasado) e vamos entrando na era em que o melhor especialista € aquele que mais coisas conhece fora do campo de sua prépria especializacdo — consequéncia da industria eletrdnica de nosso século. Assim como nosso sistema nervoso central integra todos os sentidos instantancamente, o circuito elétrico integra instantaneamente os meios e os homens. Arte como Antiambiente Os media em sucesso ¢ em atrito criam um ambiente irritante, quase abrasivo, especialmente agora, quando sentimos que 0 implosivo, o integrado ¢ o sintético se chocam com o explosivo, o fragmentado ¢ o analitico. Para neutralizar a pressio do ambiente, que produz o stress e a irritagdo, urge um antidoto, um contra-imritante, A arte & esse contra-itritante, esse antiambiente, pois ela previne e prepara a sensibilidade para as mudangas ¢ os efeitos causados pelos novos meios de comunicagio, extraindo dos préprios meios os meios com que criticé-los € compreendé-tos, ou seja, os meios com que criticar e salientar os desmandos provocados pelas novas tecnologia, amaciando os seus efeitos de hipnose e alienagio. Poderiamos mesmo dizer que, em relagao a tecnologia, a arte exerceria uma funedo de metalinguagem, uma funcdo da consciéncia critica, “Os artistas so as antenas da raga” — jd dizia 0 grande poeta Pound. Embora tenha proferido um curso sobre Teoria da Informagdo e da Comunicagio, em New York, no ano pasado (ficou surpreso quando uma aluna brasileira, Silvia Ferreira, que frequentava 0 curso, Ihe disse ja ter aprendido tudo aquilo dois anos atrés, na Escola Superior de Desenho Industrial, da Guanabara), Marshall MeLuhan nao formava ‘boa opiniao da Teoria da Informagao, em 1964, data da primeira edigao deste seu livro: acusava-a de perder-se em itens ¢ tépicos despidos de maior importincia. Mas isto ndo impediu que a sua nogao de meios de baixa definigao (fiios) e de alta definigao (quentes) derivasse diretamente de nogdes basicas da referida teoria, Os meios de baixa definigdo so meios mais redundantes, com taxa de informagdo mais baixa, ¢, portanto, mais ambiguos ¢ mais abertos a interpretagio e A participagao; com os meios de alta definigao, o contrério é que se da. Os primeiros implicam um repertério mais baixo ~ e audiéncias mais largas; os segundos implicam repertérios mais altos —e audiéncias mais reduzidas, © mais curioso, porém, & que o slogan que o tomou famoso—o meio é a mensagem —é uma transposigao direta, para o estudo dos meios de comunicagao, de uma das afirmages fundamentais de Nobert Wierner, 0 pai da cibemética, segundo 0 qual 0 organismo é a mensagem, vale dizer, a estrutura é a mensagem. No entanto, o nome de Wiener ndo vem citado uma tinica vez, em todo o livro. * PIGNATARI, Décio. “Mensagem ¢ Massagem de Massa” in Contracomunicagio, 3 ed. Sao Paulo: Atelié Editorial, 2004, pp. 69-74,

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