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CAPA c Eduardo Sekl 4 bilhdes de pessoas tém um - € o tiram do bolso mais de 200 vezes por dia. Nao por acaso. Entenda como as gigantes da tecnologia usam estratégias da psicologia, da neurologia e até dos cassinos para “ transformar o celular no objeto mais viciante que j4 existiu Den: FUMAR FRA NORMAL. AS pes- ‘soas acendiam o primeiro cigar- ro logo ao acordar, e repetiam 0 esto dezenas de vezes durante © dia, em absolutamente todos os lugares: lojas, restaurantes, escritorios, consultérios, avides (Cinha gente que fumava até no ‘chuveiro).Ficar sem cigarro, nem pensar ~ tanto que ir sozinho ‘comprar um maco para o pai ou ‘a miae, na padaria da esquina, era ‘um rito de passagem para muitas ceriangas. O cigarro estava na TV, nos filmes, na misica, na propaganda (nos EUA, ficou famoso um antincio que dizia: “Os médi- cos preferem Camel’). 30% a 40% da populacao, dependendo do pais, fumava. O cigarro foi, em termos absolutos, a coisa mais viciante que a hu- manidade j4 inventou. Hoje ele é execrado, com rariio,e cenarios assim sio dificeis até de imagi- nar. Olhamos para tris nos surpreendemos a0 perceber como as pessoas se deixavam escravizar, 0s bilhdes, por algo tao nocivo. Enquanto faze- ‘mos isso, porém, vamos sendo dominados por ‘um vicio ainda mais onipresente: o smartphone. Quatro bilhdes de pessoas, ou 51,9% da popu- lagio global, t8m um, de acordo com uma esti- ‘mativa da empresa sueca Ericsson. E 0 pegam em média 221 vezes por dia, segundo uma pes~ quisa feita pela consultoria inglesa ‘Tecmark. © mtimero de toques didrios no aparelho é ainda mais impressionante: sio 2.600, segun- do a empresa de pesquisa Dscout Research, O smartphone jé vicia mais gente, e de forma mais intensa, do que o cigarro. Vivernos grudados em nossos smartphones por- que eles si itese divertidos. Mas o que pouca gente sabe o seguinte: por trs dos icones coloridas ¢ apps de nomes engracadinhos, as gigantes da tecnologia fazem um esforgo consciente para nos manipular, usando recursos da psicologia, da neurologia e até dos cassinos.“O smartphone é tio vieiante quanto ‘uma maquina caga-niqueis” diz oamericano Tristan Harris. E 0 caga-niqueis, destaca ele, é 0 jogo que ‘mais causa dependéncia: vicia trés a quatro vezes ‘mais répido que outros tipos de aposta, Harris trabalhou quase cinco anos no Goo- se, primeiro como programador e depois como GETS Le “especialista em ética de design’: a pessoa encar- regada de garantir que 0s apps e servigos do Goo- gle nao fossem manipulativos ou viciantes. Em 2016, saiu da empresa para criar uma ONG, que se chama Center for Humane Technology e retine programadores alarmados com o impacto da in- diistria da tecnologia. “Estamos colocando toda a humanidade no maior experimento psicologico jé feito, sem nenhum controle. A internet é a maior ‘maquina de persuasio e vicio ja construida’, diz. © programador Aza Raskin. Vocé provavelmente nunca ouviu falar dele, mas Raskin € famoso no Vale do Silicio. Isso porque, em 2006, ele inventou co que viriaase tornar um dos elementos mais fu- damentais (e viciantes) dos smartphones:a “rolagem infinita. Sabe quando vocé vai descendo pela tela € 0 contetido munca termina, pois vai aparecendo ‘mais? Trata-se da rolagem infinita, que torna mais pritico 0 uso do smartphone - mas também mexe coma sua cabeca, “Se vocé nao da tempo para o seu cérebro acompanhar os seus impulsos, sim- plesmente continua rolando para baixo" diz Raskin. Ele nao imaginava o poder viciante de sua criagio, fe. € hoje se arrepende dela ~ tanto que é um dos fundadores do Center for Human ‘Technology. "A pergunta que nés nos fazemos no Vale do Silicioé: | ¢ estamos programando apps ou pessoas?”, Deus sabe o que estamos fazendo com o cérebro das criancas’ afirmou Sean Parker, um dos fundadores primeiro CEO do Facebook, num debate em 2018, *Nés exploramos uma vulnerabilidade da psicolo- gia humana. Eu, Mark Zuckerberg), Kevin Systrom (Criador do Instagram), todos nés entendemos isso, conscientemente,e fizemos mesmo assim’ afirmou, Vocé deve estar pensando: sera que nao tem um certo exagero nisso? Afinal, vocé no controla 0 ‘uso que faz do smartphone. pode tranquilamente deixd-lo de lado, certo? Mais ou menos. Primeiro, vocé provavelmente é bem mais dependente dele oe0 do que imagina (veja na dg. 28 como medi 0 seu uso, € 0 que um editor da SUPER descobriu ao oferir € dificil conter 0 uso do celular. Foi o que cons- pela consultoria Deloitte com 2 mil brasileiros. 30% das pessoas disse- ram que tém problemas com 0 uso excessivo do smartphone, como dif culdade de concentragio ‘ow insénia, e 32% jéten- taram maneirar ~ sem sucesso. Uma pesquisa do Hospital Samaritano de Sio Paulo revelou que oto em cada de moto tas usam celular enquan- to dirigem, embora 93% deles reconhegam que isso é perigoso. E por isso que boa par- te das pessoas estd sem- pre com a cara enterrada para isso: atravessando a rua, na praia, num show, etc. “Esta havendo um sequestro da atengio, da consciéneia, da perspec- tiva de vocé se conectar ‘com o mundo a sua volta. ‘Uma epidemia da distra- $80" diz 0 psicslogo Cris tiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependéncia Tecnolégica do Hospital das Clinicas (USP). Estudos mostram que 0 uso excessivo de smartphone esta ligado a0 aumento das taxas de ansiedade, depressao e déficit de atengao, in- clusive com alteragdes na estrutura do cérebro. s sintomas comecam a ‘se manifestar quando a pessoa gasta mis de trés horas por dia no celu- lar, e nés ja passamos disso: 0 bra- sileiro gasta em média 3hio diarias, nessa atividade, segundo o relatério State of Mobile 2019,da empresa ame- ricana App Annie. ‘A chave de tudo isso est na cha- ada user experience ‘experiéncia do usuatrio’),ou simplesmente UX. Essa rea, que cuida da interacdo das pesso- as comapps, sites e plataformas digi- tais, explodiu nos tiltimos anos: 87% das empresas, segundo uma pesquisa feita pela Adobe, pretendem contratar mais especialistas em UX ~ carreira {que paga os maiores salérios do se- torde software. F uma das profissoes ‘mais novas que existem, Mas a raiz, do vicio em smartphone, na verdade, ébem antiga. Recompensa variavel Burrhus Frederic Skinner era um sujeito espertinho. Na faculdade que ele entrou, a Hamilton College, em Nova York, o trote université- rio consistia em amarrar 0 calouro um poste e deixé-lo ld durante a noite. “B.F’, como se tornaria conhe- ido, teve a ideia de esconder uma gilete dentro do sapato, que usou para cortar a corda. Ele queria ser escritor, mas acabou se formando em psicologia e virou professor da Universidade Harvard, Skinner acre- ditava que todos os pensamentos e comportamentos de um individuo, determinados pelas exp que ele jd teve ~e, por- tanto, podem ser condicionados. Para tentar provar isso, Skinner fez uma série de experiéncias com ratos de laboratério nos anos 1950. Colocou ratos em gaiolas com uma alavanca que, quando pressionada, liberava comida. Mas havia um porém. Ao acionar a alavanca, os animais as ve- zes ganhavam um prémio grande, 2g supen ouruano 2016 ou seja, varias guloseimas. As vezes gamhavam um prémio mixuruca (pou- a comida), es vezes nao ganhavam nada. Skinner fez varios ajustes nessa proporsio, para tentar entender co- mo la influenciavao comportamento de varios grupos de ratos. E ai veio a descoberta: 0s ratos que tocavam a alavanca com mais avidez nao eram aqueles que mais ganhavam gulosei- ‘mas,e sim aqueles que recebiam o pré- ‘mio de forma inconstante. Quanto mais varidvel a programao,e mais incerto 0 prémio, maior eraa compulsdo. Skinner batizou o fenémeno de “programacio varidvel de recompensas”, ‘As maquinas de caca-niqueis fun- ‘cionam exatamente assim. A pessoa puxa aalavancae as vezes ganha mo- ‘edas, outras vezes nada. [sso aumenta ‘0 desejo de continuar jogando.Com 0 smartphone, alégica é a mesma: porque vocé nunca sabe ao certo quantas uni- dades de contetido (posts, fotos, likes etc) ird receber. “Para maximizar 0 vicio, tudo 0 que os designers de apps precisam fazer é vincular uma aga0,do usuario a uma recompensa variavel’, diz Tristan Harris. Quando vocé en- tra no Instagram, por exemplo, pode ooe i ay Aas Porro eter Pry parte detris Pree Peer eed coer Peer ratty pte ere eter y ee ced eet ote [easter etree pence eer en) reer prea n erent eea ey] eee eked pany Poets ‘examinaram 218 pessoas de Pe eat Parner torts Seed receber varias fotos novas dos seus percebemos esse estado de transe AM PE eee amigos; ou nenhuma. No Facebook, como divertido’,diz.o desenvolvedor [Ast St eteents tay pode encontrar novos likes e comen- Nir Eyal no livro Hooked: Howto Build [APT aaeee eae tirios naquele seu post..ounada. Essa Habit-Forming Products ‘Fisgado:como [oe con oeny alternancia maximiza a dependéncia. construir produtos que formam habi- [Seopa juando desbloqueamos 0 celular e tos’, inédito no Brasi). “Isso acontece UU REE Ey Weed eee deslizamos o dedo para atualizar nosso porque nosso cérebro esti programa- [a nee ete eee e-mailou vera foto seguinte numarede do para procurar incessantemente pela social, estamos jogando caga-niqueis _préxima recompensa.” ‘com o smartphone’, afirma Harris, Esse mecanismo funciona gracas Peto Pannen “As recompensas varidveis parecem 4 ago da dopamina. O cérebro libera mantero cérebro ocupado, desarman- doses desse neurotransmissor quando do suas defesas e criando uma opor-_ comemos algo gostoso, fazemos exer- ‘tunidade para plantar as sementes de _cicio ou interagimos com outras pes- novos habitos. Estranhamente, nds _soas, por exemplo. Isso era importante - ourueso 2019 surke 25 durante a evolugio, pois a do- pamina nos recompensa por comportamentos benéficos e nos motiva a repeti-los. O problema que esse proceso pode ser corrompido pela ago de drogas como a nicotina e a cocaina. Essas substancias fazem o cérebro liberar do- pamina mesmo que no haja ‘um comportamento benéfica, O smartphone também. ‘Um detalhe torna esse ci- clo especialmente viciante. Durante muito tempo, pen- sava-se que as descargas de dopamina eram liberadas apés 0 prémio. Mas elas acon- tecem antes. 0 que mostrou © bidlogo Robert Sapolsky, da Universidade Stanford, a partir de um estudo com um macaco. O animal foi treina- do para saber que, quando a Iuz da jaula acendia, ele tinha ‘que pressionar uma alavanca lez vezes para ganhar comida. Eoutras dez para ganhar ma Sapolsky acreditava que o ni- vel dedopaminano cérebro do macaco aumentaria quando ele recebesse a recompensa. Mas, nna verdade, isso acontecia an- tes: quando o macaco viaa luz r."A dopami fa ver com prazet tecipacio do prazer”, de- clarou Sapolsky, a0 comentar © resultado, “Tem a ver com a busca da felicidade, mais do ‘que coma felicidade em si.” O mais impressionante & que, quandoo macaco ganhava a recompensa apenas 50% das vezes, seu nivel de dopamina cera muito maior do que quan- do ele ganhava comida 100% do tempo. A incerteza é extre- ‘mamente viciante. Easempresasde tecnologia sabem disso. "Nés pensamos: como podemos consumir 0 ‘méximo possivel doseu tempo e da sua atencio? Precisamos dar uma pequena dose de dopamina de vez em quan- do, mostrando que alguém gostou ou comentou uma foto, um post ou o que for", revelou Sean Parker, funda- dor do Facebook, 20 comen- tar 0 processo de criagio da plataforma. f recompensa varidvel pura, na veia. Eyal aprofundou essa no- sao, e dividiu a operagao dos aplicativos em quatro fases: gatilho, agéo, recompensa varivel einvestimento, Com co gatilho, os apps fisgam voce explorando emogSes que possa estar sentindo tédio, angiistia, curiosidade). Pode ser um tor- pedo com desconto de viagem ou um e-mail dizendo “Veja © que fulano comentou na sua foto’. Uma vez que vocé more o anzol e executaaacao (clica no link, por exemplo) vem a recompensa variavel: um desconto no Uber, um aplauso para o seu post...ou ges Pe se HUVaRsA ALU Conhega as principais Pane rrermsteer tre Pate sees eee eet een ert 26 supen ouruseo 201% Seerearires peas Peni pomearseareae nada. Com a repetigio desse processo, 0 app nao vai preci- sar mais lancar anzéis. Vocé mesmo passa “investir”nele, ‘0 publicar mais fotos e posts ou adicionar amigos, melho- rando o sistema. preparando co gatilho para outras pessoas. Eassimo ciclo se retroalimen- ta: voc’ fica viciado e ajuda a viciar mais gente. evidente que os apps ‘mais bem-sucedidos tém um elemento vieiante embutido. Nés, designers, somos pagos para fazer um bom trabalho.e ataxade retengio quantos usu- drios wsam opp e se mantémem sua base] éum dos pardmetros »| que utilizamos’ diz AviItzko- Vitch, fundador do UX Salon ‘grupo que promove encontros sobre experiéncia do usuario em Tel Aviv, considerada um 4 novo Vale do Silicio. Avi diz que 0s apps nio sao proje- tados para serem viciantes, mas tém elementos viciantes incorporados. “No jogo Can- dy Crush, por exemplo, osom criaum vicirele nas faz sentir recompensados por jogar bem. Sem o barulhinho, néo é tio divertido.” Outro elemento aparen- temente inocente, mas que explora nossas brechas psi coldgicas,sio as notificagdes. Um estudo de 2014 feito pela Telefénica constatou que as pessoas recebem em média st cit ern comeing Cs ten ae ad er dente een yest pomrereriernarey eoo 635 notificagdes por dia no smartphone. Hoje, esse mime ro certamente é ainda maior Mas, na esmagadora maioria das vezes, o alerta nao indica nada que no possa esperar. E uma noticia sobre o cam- peonato de futebol, um pedido de amizade de um ex-colega que vocé nio vé ha décadas, © video de um gato tocando piano... Nada demais. Mas a adverténcia nos mata de curio- sidade e,20 mesmo tempo, ins- tilao medo de estar perdendo algo importante. As notifica- Ges fazem 0 cérebro liberar cortisol, horménio ligado a0 estresse - que, em seguida, pode ser aliviado pela dopa- ‘mina (disparada pelo contetido dos apps}. Com o tempo, esse Ciclo de tensa e relaxamento se torna altamente viciante. Tio viciante que deu ori- gem aum fenémeno bizarro: a phantom vibration syndrome (sindrome da vibragio fan- tasma), em que a pessoa sen- te o celular vibrar sem que Q aparelho tenha feito isso. E mais comum do que parece. Um estudo da Universidade de Indiana com 290 estudantes constatou que 89% haviam experimentado a sindcome. ‘coisa vai muito além das notificagdes. Se vocé prestar tengo, encontraré manipu- lagies € elementos viciantes tem quase todos os apps, sites > Pemeneemeeerere) outros? O algoritmo escothe pany sierar ssiesnroe pene ree rene eer rod Eerie ron easy ourvsso 2019 sures 27 TOTAIS TERE Cums tela e plataformas. Sabe quando alguém marca vocé muma foto do Facebook ou do Instagram? Vocé no fica sabendo, mas muitas vezes 0 gesto nao foi es- pontineo,e sim sugestio de robds, que mostram a foto para o seu amigo ¢ jd icam quais pessoas ele pode marcar. O mesmo acontece quando enviamos convites de amizade, sem saber que foi um algoritmo que preparou alista, © Gmail e o Twitter, por sua vez, obrigam vocé a puxar a tela para bai- xo, como uma alavanca, se quiser mais contetido - que eles poderiam entregar automaticamente, sem a necessidade desse gesto. Ja o Netflix combina a rolagem infinita com uma contagem regressiva de 10 segundos anunciando © prdximo episddio. E pouco tempo, insuficiente para vocé pensar ¢ deci- dir se realmente quer ver aquilo. Tan- to que, na maioria das vezes, voce no consegue reagir e 0 episédio comega a tocar automaticamente. “Nao éassim por acaso. O inicio automético é uma experiencia projetada’, diz o especialista em UX Ron Sparks, que presta consul- toria sobre o tema para empresas. A contagem regressiva do Netflix nio é uma funglo real;é um truque. “Ela est 14 porque dé uma sensagéo de controle. E isso vicia’, afirma Sparks. Aonavegar pelo YouTube, por exem- plo, vocé acha que ¢ 0 capitao do barco. Mas em 70% do tempo simplesmente segue as recomendagdes dos robs, co- morevelou em 2018 um diretor do site, ‘Neal Mohan, Achamos que escolhemos 0s videos, mas o software escolhe para nds, E isso também pode estimular vicio.*O YouTube vem mudando seus algoritmos para que os usuarios passem © maior tempo possivel na plataforma, -vejam o maior mimero de antincios’, diz Avi Itzkovitch, do UX Salon. Atu- almente, a duracao média dos videos no YouTube ¢ de 13 a 14 minutos, se~ ‘gundo uma andlise de 250 mil canais feita pelo Pew Research Center, nos EUA. Os algoritmos do site favorecem esses videos, pois eles permitem ain- sergao de mais antincios; logo, geram mais receita. Agora vocé sabe por que 0s yourubers costumam enrolar tan- to, em vez de ir direto ao ponto. Eles, € as empresas de tecnologia, querem monopolizar algo surpreendentemente valioso: a sua aten¢ao. A guerra da atencao ‘A atengao é uma vantagem evolutivae tanto, pois permite que o animal con- centre sua capacidade cognitiva (um recurso finito e sempre escasso) em determinada coisa, a partir dai tente ‘entendé-la - podendo se antecipar, ou reagir melhor, a ela. Preste atencio a seus ptedadores, ou a suas presas, € vocé terd mais chance de comer e no ser comido. Atengio é itil para todo animal. Tanto €assim que ela emana do sistema limbico:a parte mais internae antiga do cérebro, que o Homo sapiens compartilha com diversas espécies. ‘A mente humana tem um desejo in- ‘sacidvel de encontrar coisas novas € interessantes,e dedicar atencio a elas. Ea internet é uma fonte pratica- ‘mente inesgotavel de coisas nas quais prestar atencio. Nela, 0 contetido e os servicos costumam ser gratuitos, po ‘seus criadores ganham dinheiro pu- blicando amtincios, que também atrai ro nossa atengao (e somente a partir dai, quem sabe, poderao nos induzir a comprar ou consumir algum produto). Percebeu? A principal mercadoria do Google nao é0 buscador, os mapas ou ‘0 Gmail. Ea sua atengao, que ele coleta ‘erevende. A atencio éa maior riqueza das empresas de internet. Fez fortunas, criou gigantes, mudou o mundo. Por isso ha tanta gente lutando por ela: a loja do Android tem 2. milhdes de aplicativos; a do iPhone, 1.8 milhao. Na lgica econémica tradicional, uma coisa muito disputada se torna mais valiosa. Mas, com a atengio, nfo bem assim. Acontece 0 contririo: as tentativas de conquistar tengo aca- bbam por destrui-la, erando seu valor. Essa ideia foi articulada pelo econo- mista americano Herbert Simon, da Universidade de Chicago, que criow Seu principio central é 0 seguinte: a informagio consome atengao. Logo, ‘quanto maior a oferta de informacao, maior a escassez de atenglo. Eas ten- tativas de inverter esse processo, ofe- recendo informagdo mais atraente ou relevante, 36 pioram o problema: pois Ot UR a ea POCA Da Ce CUR Penn eee Cre Cie ee eee eee ee ie an ied Pen eer core rey eet ester ceed Geneeriernr arionr sa ing, que i Sn Foote i agli elise eet! fore carodo seu, o.app Action determinados apps. beh veerewe nsec Seen s 30 super ourusno 2018 aT) inevitavelmente conso- mem 0 pouco que resta de atengao livre. 1971, quando a internet estava na pré= histéria e o smartphone era coisa de fice? ele, que também era psi cdlogo cognitivo, con- seguiu intuir algo que timulos corroi a capaci dade humana de prestar atengio. Entre 2003 & tes cresceu 43% nos Es- tados Unidos. F mesmo quem nao tem TDAH ja do YouTube. Ela parece estar se esvaindo. E um fenémeno bem percep- tivel. “Empresas como a Apple e 0 Google tém a responsabilidade de redu- it, toenando mals revise. dle Har- Elas poderiam, por receber notificagdes dos s do Android, que se chama s alguns desses apps. Em - antitruste contraa Apple, apps 0 que os tomaria ‘menos viciantes. ‘As empresas até come- garamase mexer, mas de forma timida. As verses ‘mais recentes do Android edo iOS passuem fungdes para medir e controlar 0 tempo que vocé passa no smartphone (veja quadrod esquerda). Mas 0 recurso Digital Wellbeing (bem- star digital’) € compa- tivel com bem poucos modelos de smartphone. *Nésainda podemos fazer ‘mais para colocar 0 con- twole disso nas mios dos xou apenas a sua propria ferramenta, que fica meio escondida no menu de configuragdes do iOS. A empresa (que, procurada pela SUPER, nao quis se manifestar) acabou vol- tando atrés e liberando julho, o governo dos EUA abriu uma investigagao ‘que éacusada de bloquear apps de terceiros. ooo ‘© Congresso americano também acordou,e esté debatendo uma ei para proibir o scroll infinito ea execugao au- tomiticade videos, considerados pro- positalmente viciantes."As empresas de tecnologia adotaram um modelo de negécio baseado no vicio’,afirmou 0 senador republicano Josh Rawiey autor do projeto, ao apresenti-lo, Ele inclui medidas ainda mais drésticas, como limitar 0 uso de cada aplicativo a 30 ‘minutos didrios. Essa lei provavelmen- te serd abrandada pelo Congresso,e talvez nem seja aprovada. Mas outro NY] fator deve forcaras empresasa repen- sar as estratégias viciantes: 0 lucto. ‘Uma pesquisa do Center for Hu- ‘mane Technology com 200 mil usud- rios de iPhone constatou que, quando ooe a pessoa passa tempo demais num icativo, comega a se sentir mal. Facebook, por exemplo, é usado por 81 minutos didrios, em média. Mas 6 gera sentimentos positivos durante 08 primeiros 22; nos 59 minutos se- guintes, a pessoa fica cada vez mais infeliz. No Instagram, s6 os primeiros 26 minutos didrios sio positivos; no ‘WhatsApp sio 30, no Candy Crush, 12 Emalgum momento,as pessoas podem acabar percebendo isso e abandonar os apps, ou reduzir drasticamente seu uso. "No coragao do design viciante, seja ele intencional ou no, esta o capitalismo’, diz Ron Sparks. As gi- gantes da tecnologia, como qualquer utra empresa, existem para ganhar dinheiro, Conforme as pessoas forem percebendo que esto viciadas em seus smartphones, v3o desejar outro tipo de relacio com eles — os aplicativos que oferecerem isso se dario bem. Daqui a alguns anos, talvez olhe- mos para nosso uso do smartphone com a mesma incredulidade que hoje dedicamos a0 tabagismo desenfreado de antigamente (sério que as pesso- as faziam isso”). Mas nao é garantido, Pode ser que tudo continue como est E vivamos como Sisifo da mitologia sgrega,condenado pelos deuses arolar luma peda até oalto da montana (as- sim que ele chegava ao topo, a pedra «aia obrigando-o arecomegara tarefa). Hoje, essa pedra &a telinha que voc’ leva no bolso, Uma tela eterna, cuja rolagem nunca termina. @ ‘ourvaso 2019 supen 34

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