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Principios do Processo Penal ° René Ane. Dorm Professor de Dirello Penal e Processusl Penal da Universidade Federal do Parans, Membro do Conseiho Diretor do Instituto Latino-americano das Nugdes Unidas para Prevengio do Delito e Tratamento do Detingiente 1. Traduzindo as esperangas nacionais e populares dos novos tempos de liberdade ¢ seguranga, a Constitui declara em seu primeito artigo que a Repiblica Federativa do Brasil, formada pela unifo indissolGvel dos Estados e Municfpios e do Distrito Federal, “constitui-se em Estado Democratico de Direito ¢ tem como fundamentos: J — a soberania; I] — a cidadania; 11? — a dignidade da pessoa humana; IV — os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e V — © pluralismo politico”. E o pardgrafo nico complementa esta prociamagdo de princlpios afirmando que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de represen- tantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituigdo”, Estes dispositivos frontais da Carta Politica de 1988 constituem premis- sas bésicas de um regime politico e institucional fiador das liberdades pd- blicas, dos direitos © das garantias individuais. E caracterizam, também, a Supremacia dos valores humanos diante do conflito com os interesses do Estado. As relagdes entre 0 individuo e 0 poder ¢ a sociedade e o governo, sofreram nes décadas de 60 e 70, os mais graves trégicos desvios nos pafscs da América Latina, quando os regimes autoritérios, liderados pelas forgas militares — com 2 cumplicidade de pessoas e grupos civia — * Comunteacho apresentada no Seminério Preparatério do XIV Congresso da Associacho Internacional de Direito Penal (Asauncho, 1° @ 4 de julho de 1092). Ro Inf, lepisl, Brovilie «300m. 117 jan/mer. 1993 cy sacrificaram os mais generosos principios do proceso penal. Os pafses da América do Sul como Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile foram objeto das mais traumatizantes violéncias ditigidas contra popula- goes indefesas em toda a sua Hisiéria. Os “novos conquistedores”, mu- niciados com a ideologia da seguranca nacional ¢ armados com recursos financeiros e logfsticos dos Estados Unidos da América do Norte, cons- trufram um longo periodo de eclipse do individuo em favor da hegemonia do Estado. A delacao anénima, o seqiiestro, a prisio clandestina e a tortura constituiram faces ocultas da imagem terrivel do poder de fato que negou liberdades, extinguiu direitos e suprimiu garantias em nome de duas co- Junas sobre os quais dever-se-ia erigir 0 novo Estado: a seguranga e 0 desenvolvimento. Dai a caca as bruxas movida contra todos aqueles que, independentemente de sua condico individual ou social, politica ou re- ligiosa, atentassem contra os valores oficiais institufdos pela filosofia ¢ pelos agentes da dominagao. Os principios fundamentais do processo penal foram sacrificados em favor de uma bandeira de justica radical que inflava os exércitos mobilizados contra os alvos da subversio e da corrupgfio. 2. Passados quase trinta anos do inicio daquele movimento de terro- rismo fisico © espirituat, os povos da América do Sul estio vivendo as esperangas de uma ampla revisio em suas estruturas sociais, econdmicas, politicas ¢ culturais. Procurando contribuir para essa revolugiio copérnica da tiberdade, 0 Parlamento brasileiro discutiu amplamente e votou uma Constituigéo que ‘consagra, como objetivos fundamentais da Repiblica, os seguintes: T — construir uma sociedade livre, justa e solidéria; IJ — garantir 0 desen- volvimento nacional; 111 — erradicar a pobreza e a marginalizacio e reduzir as desigualdades sociais ¢ regionais; [V — promover o bem de todos, sem preconceitos, de origem, raga, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminagio (att. 3°). Tal programa de agio nacional deve estar em harmonia com as idéias e as iniciativas adotadas em relacZo a politica exterior. Em conseqiiéncia, a prépria Constituigéo estabelece que a Repiblica Federativa do Brasil rege-se, nas rélagdes ‘internacionais, pelos seguintes principios: J — inde- pendéncia nacional; 1/ — prevaléncia dos direitos humanos; [/f — auto- determinagao dos poyos; JV — nao-intervencio; V — igualdade entre os Estados; VI — defesa da paz; VII — solugdo pacifica dos conflitos; VII — repidio ao terrorismo ¢ ao racismo; IX — cooperagio entre os povos para 0 progresso da humanidade; X — concessio de asilo politico (art. 4.°). Os povos latino-americanos tém sido condenados, ao longo da Hist6ria, & maldigao do separatismo econémico e cultural cujo fenémeno € esti- mulado desde o final do século XV com os movimentos de dominagio marcados pela aventura dos descobrimentos. 9 Ro inf. legis! Brasilia a. 30m. ITT Jon./mor, 1993 Neste ano da graca de mil novecentos e noventa ¢ dois, a Espanha e Portugal, de um lado, e a América, de outro, comemoram os cinco séculos das descobertas, com a primeira viagem de Cristévao Colombo, saindo do pequeno porto de Palos, em 6 de setembro de 1492, coman- dando as caravelas Santa Maria, Pinta e Nina. As trés primeiras terres encontradas foram as Bahamas, Cuba e Hispaniola, dentro daquele novo panorama de progresso dos reincs de Portugal e Espanha, evidenciado, principalmente, pelo Tratado das Tordesilhas, acerca de divisio de mundo pata além da Europa. Passados os quinhentos anos das grandes viagens que revelaram o novo continente para os curopeus fascinados pelas conquistas marftimas, nao existem razées para celebrar com ufanismo as descobertas do Brasit (1500), Argentina (1515), Uruguai (1516) e Paraguai (1520), conside- tadas tais datas em funcio da presenca dos exploradores que aqui che Baram para excrcer a posse ¢ 0 dominio das riquezas naturais em favor de Portugal (quanto av primeiro) c da Espanha (quanto is demais). Nunca, desde © inicio das colonizacdes destas terras ¢ de outras mais da América Latina, 0s seus povas puderam viver a salvo de graves inge- réncias internecionais e de suas intluéncias culturalmente desfiguradores. © Brasil, por exemplo, sempre foi martirizado pela ferocidade econdmica de velhos ¢ novos conquistadores, desde quando Pero Vaz de Caminha es creveu para os reis de Portugal, narrando as virtudes da terra descoberta. “Ha 14 muitas palmeiras, de que colhemos muitos ¢ bons palmitos (...) Até agora nao pudemos saber se hd ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem Iha vimos, Contudo, a wrra em si é de muitos bons ares frescos ¢ temperados”. Existe hoje entre os paises da América Latina uma heranga negativa comum, transmitida pelas administragdes que se sucedem uo longo de muitos anos, como fruto da pirataria internacional e que, apés cinco sé culos de atividade maritima derrubando catavelas ¢ saqueando seus depé- sites, hoje se manifesta nos centros de operagdes econdmicas da Europa ¢ dos Estados Unidos da América do Norte. Este espélio & representado pela impagivel divida externa, pela brutal recessio econémica e pelas trdgicas conseqiiéncias do desemprego, da marginalizagéo e da miséria, Se ao tempo das descobertas eram os indigenas os alvos da violéncia e do esbulho de bens materiais ¢ valores espirituais, hoje sio as imensas Tegides de menores carentes e de maiores abandonados as grandes vitimas desse terrivel e doloroso proceso. Procurando reagir contra o fenémeno da desunido que tanto com- promete o desenvolvimento dos pafses do cone-sul, a Constituigio de 1988 declara que a Repiiblica Federativa do Brasil “buscar4 9 integragio eco- ndmica, polftica, social ¢ cultural dos povos da América Latina, visando a formagaéo de uma comunidade latino-americana de nagdes”. (Parégrafo ‘inico do art. 4.°.) Bh Unt, legist, Brasilia a, 30 n. 117- janfmar. 1993 an ‘Um dos movimentos concretos nesta diregio ¢ caracterizado pelo Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL) reunindo Brasil, Argentine, Paraguai e Uruguai a fim de wiabilizar projetos de interesse comum e construir uma gtande ponte para conduzir estes paises rumo ao desen- volvimento de suas imensas potencialidades ¢ realizagéo do sonho anti- colonialista de José Mart{, o grande poeta e estadista cubano (1853—1895), mais de uma vez exilado pela persegui¢ao politica e que, residindo nos EUA foi cénsul, em Nova Iorque. E justamente da Argentina, Paraguai e Uruguai. 3. Os principios gerais do processo penal assumem nos dias presentes € muito especialmente na América Latina uma importancia relevantissima nfo apenas sob a ética dos direitos e das garantias indivirluais, mas principalmente sob a perspectiva abrangente das exigéncias do priprio Estado Democrético de Direito e das instincias formais ¢ materiais que sc devem integrar para a prevengio ¢ a repressie da criminalidede como objetivos para a melhor qualidade de vida social. Conforme a doutrina,’ os principios gerais do processo penal sfo identificados através da seguinte classificagao: a) Principios relativos a promogdo processual: | — principio da oficialidede; II — principio da legelidade; III — principio da acusago; b) Principios relatives ao pros- seguimento processual: 1 — principio da investigagéo; 11 — principio da contraditoriedade; III — princfpio da audién« IV — principio da su- ficincia; V — principio da concentracao; ¢) Principios relatives & prova: T — prinefpio da investigeggo ou da “verdade material”; TI — principio da livre apreciagéo da prova; III — principio do “in dubio pro reo”; 4) Princtpios relativos a forma: | — principio da publicidade: If — prin- cfpio da oralidade; e Il — prinefpio da imediacao. Em antoldgico texto, Joiio Mendes acentuou que “‘o processo criminal tem seus principios, suas regras, suas leis; principios fundamentalmente consagrados nas constituigdes politicas; regras scientificamente deduzidas da natureza das cousas; leis formalmente dispostas para exercer sobre os juizes um despotismo salutar, que Thes imponha, quasi mecanicamente a imparcialidade. Por isso, todas as constituigdes politicas consagram, na declarag&o dos direitos do homem e do cidadio, o solemne compromisso de que ninguem seré sentenciado sino pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ella regulada. As leis do processo © complemento necessario das leis constitucionaes; as formalidades Processo s0 as actualidades das garantias constitucionaes. Si o modo a forma da realisagao dessas garantias fossem deixados ao critério das partes ou a discrigéo dos juizes, a justica marchando sem guia, mesmo sob o mais prudente dos arbitrios, seria uma occasiao constante de des- 1 Entre outros, FIGUEIREDO DIAS, Direito Processwat Penal, 1° vol., Colmbra Editora, 1979, pp. 115 e segs. se 8 R. Inf. lepisl, Gresitia @. 30 8. 117 jan./mor, 1993 confiangas e surprezas. E essa a azo pela qual, si as legisladores puderam, em algumas épocas, deixaram as penas ao atbitrio dos juizes, nunca dei- xaram ao mesmo arbitrio as formalidades de suas decisces?”. Sobre o mesmo tema é oportuna a adverténcia de Giuseppe Montalbano quando escreveu sobre a reforma processual italiana de 1955, que res- taurou existéncia das nulidades absolutas. Disse efe que “a convalidagdo geral de todas as nulidades, segundo o sistema do Cédigo Rocco (que suprimira as nulidades absolutes hoje restauradas) nada mais traduz que a convalidagao geral de todo o arbitrio e de todos os ertas. Ora, nao € certamente através dos erros ¢ do arbitrio que se procede racionalmente & descoberta da verdade sobre o crime ¢ sobre o réu. Ao reverso, hé insandvel contradigéo entre processo errado e descoberta da verdade. Nao se pode descobrir a verdade através do erro *". 4. © principio da oficialidade se caracieriza pelo carter publico das iniciativas de reaco legal deflagradas contra o delito. O Direito Penal protege os bens juridicos fundamentais do Homem e da comunidade, enquanto © respectivo processo penal constitui um assunto de interesse coletivo © justamente atua em fungao de tal perspective. Resulta dai a necessidade de intervengao do Estado mesmo contra a vontade individual sempre que o delito ofender um interesse geral. O sistema positive brasileiro consagra 0 cardter publico da agéo penal (CP, art. 100 e CPP, art, 24) cuja iniciativa se defere aos particulares em duas tinicas hipéteses: a) quando se tratar de crime contra bens juridicos disponiveis (honra, costumes, por exemplo); 6) quando embora tratando-se de crime que ofende bens indisponiveis, o Ministério Ptiblico nao intenta a agdo dentro do prazo legal (Constituicao, art. 5.°, LIX e CPP, art. 29). A chamada apo privada subsididria, que funciona como excegao & regra geral da iniciativa pdblica, demonstra, portanto, a escolha da prdpria Constituigao, em favor do principio da oficialidade, Existem outras normas que revelam o carater publicistico do proceso penal. A primeira delas se contém no art. 144 da carta Politica de 1988, verbis: “A. seguranca pablica, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, ¢ exercida para a preservacdo da ordem publica © da incolumi- dade das pessoas e do patriménio, através dos seguintes érgios: I — policia federal; If — polfcia rodovidria federal; 111 — policia ferrovidria fe- deral; {V — policies civis; V — policias militares e corpos de bombej- 2 © processo criminal brazileiro, Rio de Janeiro, 1020, Typografia Baptista, de Boum, 8 ed, val. 1, pp. 8 eB, 3 “fl diritto di berth del cittadino ¢ il processo penale”, em Rivista di diritto processuale penale, 1987, p. 297, cit. par José Frederico Marques, Estudos de direito Processual penal, ed. Forense, Blo de Janeiro, 1960, p, 258. lagisl,“Brosilie @. 30m. IF jon/mer. 1993 93 tos militares”. E 0 Cédigo de Proceso Penal dispde que a policia judiciéria seré exercida pelas autoridades policiais, no territério de suas respectivas jurisdig6es e terd por fim a apurasio das infragdes penais ¢ da sua autoria (art. 4°). Sempre que houver um crime de ago publica, a autoridade policial ¢ seus agentes tém o dever juridico de agir ex officio, salvo quando © procedimento dependa de representagio ou requisigéo do ofendido (CPP arts. 5.° € 6.°). Outra regra da Constituigla no sentido de afirmar o principio da oficialidade € a constante do art. 129, 1, que declara, entre as fungoes institucionais do Ministério Pablico, a promogio privativa da agéo penal piblica. © sistema constitucional-processual brasileiro adota 0 cardter oficial do impulso na luta contra as infragdes penais sem perder de vista os casos de legitimacdo dos particulares para o exercicio direto da agio penal, como jé se viu acima, ou para formular a notitia criminis. Esta dltima faculdade € deferida a qualquer pessoa do povo que pode comunicar a existéncia de infragdo penal de que caiba ago publica. Verificada a procedéncia das informagoes, a autoridade policial mandard instaurar inguérito (art. 5°, § 32), Relativamente acs delitos de ago privada, a autoridade somente poderd proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intenté-la (CPP, art. 5°, § 5.°). E importante ressaltar que a oficialidade nao significa 0 monopélio estatal na luta contra o delito, Com efeito, além das instancias formais (lei, Policia, Ministério Pablico, Poder Judiciério, instituigdes ¢ estabelecimentos pensis) devem operar também as instdncias materiais (familia, escola, asso- ciagdes, sindicatos) na conjugacéo de esforgos em favor “da seguranca individual e coletiva. Dentro de tal perspectiva, a Constituigo previu @ criagdo dos Juizados Especiais, que podem ser integrados por juizes togados ou por juizes togados € leigos (jurados) para conhecer e julgar as infragGes de menor potencial ofensivo (art. 98, 1). Trata-se de uma proposta visando democra- tizar as instincias de reago, a0 lado de outras como a formacio dos Conse- thos Comunitérios de Seguranca para apoiar, com equipamentos e recursos financeiros, as agdes policiai ‘Também os meios de comunicagéo podem desempenhar um impor- tante papel neste proceso por meio da publicidade de determinados atos da investigacao policial ou instrugio judicial, além de cobrar o empenho das autoridades € seus agentes na prevencio e repressao aos ilicitos penais. E imperioso, no entanto, salientar que a liberdade de informaco deve respeitar os direitos da personalidade (honra, imagem, intimidede, vida pri- vada, cf. a Constituigdo, art, 220, § 1°) e a presuncdo de inocéncia (Consti- io, art. 5.°, LVID. cry R, Inf, legis! Brasilie a. 30 n. 117 jon./mar. 1993 © principio de pficialidade, portanto, se viabiliza num complexo de possibjlidades democtdticas, para efetivar o preceito da Constituigao, segun- do o qual a seguranga publica além de um dever do Estado, 6, também, “direito e responsabilidade de todos” (art. 144). 5. principio da legalidade existe em varios ramos do ordenmento jurt- dico. No panorama histérico ele aparece como uma das garantias individuais contra os excesses no lancamento de taxas ¢ tributos, como se verifica pela Magna Charta Libertatum (1215, n° 12). & a Declaragdo dos Direitos do Homem e do Cidadéo (26-8-1789), proclama: “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido seniio nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas” (art. 7.°, primeira parte), Na Constituigo brasileira, o principio € exigido para a validade dos atos da administracgo publica (att. 37); para exigir ou aumentar tributo (art. 150, 1); para crimininalizar condutas e impor penas (art. 5.°, XXXIX) e para a privacao da liberdade ou dos bens (art. 5.°, LIV). ‘Assim, 0 principio da legalidade, identificado como a exigéncia de uma lei reguladora anterior ao fato praticado, se meovimenta nos campos de Direito Administrativo, Tributdrio, Penal e Processual. Por outro lado, © principio de legalidade da agdo penal implica no dever imposto ao Minis- tério Publico de requisitar elementos de informacao e:promover a agio penal sempre que houver elementos factuais ¢ juridicos a autorizat o procedimento ‘acusatério, Essa modalidade de conduta funcional € obrigatdria em oposigaa a0 princtpio da oportunidade segundo 0 qual o Ministério Pablico poderd deixar de promover a persecutio criminis em determinadas situagdes, como mos casos dos chamados delitos de bagatela. O princtpio da legalidade do processo tem outra conotaso ¢ outras implicagées. Refere-se ele & exigéncia da forma pré¢stabelecida em Jei para a validade dos atos e termos do processo. A sua consagragéo formal é estabe- lecida na Carta Politica de 1988, conforme o art. 5.°, LIV, ja referido: “ninguém ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro- cess0 legal”. © recente Cédigo de Processo Penal portugués dispde no art. 2.°: “(Legalidade do processo). A aplicagéo de penas e de medidas de seguranca criminais sé pode ter lugar em conformidade com as disposigdes deste Cédigo”. Comentando o referido texto, Maia Gongalves salienta; “Enquanto com © principio da legalidade da ago penal se visava estabelecer o dever de acusagéo em relaggo a qualquer infragdo criminpl, com a conseqiiente rejeigio do principio da oportunidade, com o principio de legalidade do Processo, agora consagrado e posto em destaque entestando o Cédigo, pre- tende-se significar que todo 0 processo, incluindo pprtanto o inquérito, que € uma fase de natureza processual, esté submetida as normas do Cédigo. “Re Inf, lepiat, Broaflig «. 30m. V7 jon Jamar. 1999 © principio da legatidade do processo, agora consagrado, implica um dever, nfo 6 para os agentes incumbidos da sua aplicagio e das normas de pro- cesso penal de natureza extravagante, os quais nfo podero praticar actos processuais fora do previsto no Cédigo, como igualmente para o legistador, no sentido de se absterem de eriar formas processuais ad hoc, extrinsecas a estrutura do Cédigo ¢ pelas quais se possam aplicar penas ou medidas de seguranga criminais” *. © principio da legatidade do proceso penal é, em nosso sistema jurf- ico, uma imposiggo da tei fundamental. E se assim nio fosse, poderia ser aplicado por analogia rio caso concerto, transportando-se-a do modelo portugués para o Cédigo de Processo Penal brasileiro como admite 0 art. 3° deste diploma. Um cotolétio légico do principio ora em exame € 0 prinetpio do juiz natural, ou seja, aquele 6rgio jurisdicional instituido por lei e com a compe- tancia estabelecida ao tempo em que foi praticado o fato. A respeito, dispoe a Constituigéo que “ninguém seré processado nem sentenciado sendo pela autoridade competente”, e, por via de conseqiiéncia, que “'ndo haverd jutzo ou tribunal de excec&o” (art. 5.°, LIT! e XXXVII, respectivamente). Tais declaragdes constituem a reafirmacao do, postulado da jurisdicio- nalizago da pena: nulla poena sine judicio. Como conseqiiéncia, determi- nam a garantia “de que a pena s6 possa ser infligida ao autor da infragéo penal pelo érgio jurisdicional tido como competente, para o fespectivo processo e julgamento, por lei vigorante & época da pratica criminosa ou contravencional” Existe um irfplice significado do principio, como anota Figueiredo Dias: a) em fungao da fonte (s6 a lei pode instituir 0 juiz e fixarlhe a compe- téncia); 4) em referéncia ao tempo (previsdo do juiz e da respectiva com- peténcia jé ao tempo em que foi praticado o fato criminoso que ser4 objeto do processo; e c/*em atencio a uma ordem faxativa de competéncia (com exclusdo de qualquer alternativa a decidir arbitréria ou mesmo discriciona- riamente, com proibigdo das jurisdigdes de excegao °. ‘A desobediéneia aos dispositivos constitucionais e legais acerca da forma dos atos ¢ termos processuais acarreta a sua nulidade conforme as previsdes do art. 564 do Cédigo de Processo Penal. Ao fundo dos preceitos j4 referidos esta o principio geral assim enun- ciado pelo art. 5.°, Il da Carta Politica: “ninguém serd obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senfo em virtude de lei”. ‘4 COdigo de Processo Penal Anctado, Livrarla Almedins, Coimbra, 1991, . 51. Grifos do original. 5 ROGERIO LAURIA TUCCI e JOSE ROGBRIO CRUZ E TUCCI, Cons- tituiedo de 1988 e proceszo, ed, Saraiva, 80 Paulo, 1989, p, 30. § Ob. clt,, pp. $22, 923. 8 R. Inf, logis, Brasilic a, 30m. 117 jan./mar, 1993 6. Pode-se afirmar que, em sua esséncia, o principio da acusagéo se deduz, no sistema positive brasileiro, do principio de isonomia que pressupée @ igualdade de todos perante a lei (art. 5.°, caput). Com efeito, é através da concessio de iguais oportunidades as partes que © processo pode se converter num instrumento eficaz para a epuracéo da verdade material. Desde antigas fontes. 0 principio da acusagdo aparece como etapa de evolucao do proceso penal de um lipo inguisitério para um tipo acusatério, bem como a consideracéo material que esteve na base da evolucéo: a imparcialidade ¢ a objetividade que, 20 lado da independéncia, sto condi- gdes indispensdveis para uma auténtica deciséa judicial. E tal somente ocorreré quando 0 érgao julgador néo tiver © encargo de dirigir a investi- gacio preliminar e deduzir a acusagao, mas cuide, apenas de “investigar @ julgar dentra dos limites que the sio postos por uma dcusagda fundamen- tada e deduzida por um drgao diferenciado (em wegra 0 MP ov um juiz de instrugdo). B precisamente com este contetido que modemamente se afirma © principio da acusagao"'*. Dai porque a conclusio no sentido de que “a acusagdo define © fixa, perante o tribunal, 0 abjeto do processo” (...) “Deve pois firmar-se que objecto do processo penal & 0 objecto da acusacao, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa of poderes de cognigdo do tribunal” *. Segundo 0 art, 129, I da Constitui¢éo brasileira, somenie o Ministério Publico tem legitimidade para promover a agdo penal publica. Esta norma revigorou o art. 3.°, 11, da Lei Complementar n° 40, de 14 de dezembro de 1981 (Lei Organica Nacional do Ministério Publico) ¢ os arts. 100, caput do Cédigo Penal ¢ 24 do Processo Penal, que deferem a0 Ministério Pablico. a atribuiggo para intentar a ado penal péblica, Em conseqiiéncia, devem ser tidos como revogados os dispositivos que permitiam o inicio da acéo penal mediante portaria expedida pele autoridade policial ou pelo juiz (CPP, art. 531 ¢ LCP — Decreto-Lei n.° 3.688, de 3-10-41, art. 17). A Constituigio nio dispde expressamente, assim como fez a Carta Politica de Portugal, que o proceso penal tem “estrutura ecusatéria” (artigo 32., 5). No entanto, esta orientacdo se deduz dos principios gerais adotados no contexto de suas normas, admitindo-se que a principio da acusacao foi recepcionado pela nossa lei fundamental, conforme a cldusuia salvardria inscrita no art, 5°, § 2.°, in verbis: “Os direitos ¢ garamtias expressos nesta Constituigdo no excluem outros decortentes do regime ¢ dos principios por ela adotados, ou dos tratados imternacionais em que a Reptblica Federative do Brasil seja parte”. 7 FIQUEIREDO DIAS, ob, clt., pp. 136, 137. 8 FIGUEIREDO DIAS, ob. cit, pp. 144, 145. tet, tegict. Br 7 pan./mar. 1993 7 om € sabido, existem dois modelos estruturais do processo penal que nngo dos anos (ém procurado se afirmar segundo os estilos de regimes eee ¢ institucionais: o sistema inquisit6rio e 0 sistema acusatorio. O pri- meiro acompanha as organizagdes teocraticas e despéticas, tendo se caracte- tizado como expresso de terror dos Estados absolutistas e dos tribunais do Santo Offcio. O segundo se caracteriza como um processo de partes ¢ remon- ta aos mais distantes marcos da Antiguidade. £ praticado atualmente na Gra- Bretanha e nos Estados Unidos da América do Norte. Este tipo de estrutura permite que 0 acusado se defenda desde 0 inicio do processo. Ja o sistema misto revela um caminho eclético e foi utilizado em organizagdes imperiais € romanas e também nos primérdios do século XVIII em algumas da Alemanha, para surgir depois no Cédigo de Processo Penal francés de 1808. A Constituicdo brasileira adota o sistema acusatério em suas linhas essenciais, mas néio de forma absoluta. Com efeito, garante-se a sutonomia ¢ independéncia dos érgaos judiciais que se limitam a decidir a pretenséo deduzida por um acusador distinto, embora exista a liberdade e o dever judicial de investigacao para se buscar a verdade material. O juiz, portanto, no se conserva em posigao de neutralidade diante do confronto das partes, assim como 4rbitro ou testemunha de um duelo. Também a publicidade dos julgamentos e a motivagdo des decisées judiciais sao asseguradas de modo geral (art. 93, IX), bem como o contradi- torio e a ampla defesa (art, 5°, LV). Porém, tais garantias nfo existem no inquétito policial que geralmente serve de base para a deniincia. 7. Relativamente a0 prosseguimento (ou prossecugao) do proceso, apa- rece em primeiro plano 0 principio da investigagto. Sua posicSo sistemética também é considerada dentro do universo dos principios relativos & prova. O principio da investigagdo constitui elemento integrante da estrutura basicamente acusatéria do processo penal, Ele também poderia chammarse de instrutério ou investigatério, mas tais designagées se vocos na suposigéo de que o principio somente valeria para a fase de instrugio da causa ou que identificasse um modelo de feicéo autorit&ri A sua caracteristica essencial est na autonomia do juiz ou do tribunal p: apurar os fatos, acima ¢ além da vontade das partes. A investigago constitui um fenémeno relativo ao impulso do proce- dimento e também A descoberta dos fatos. Dai a designagao paralela de principio da verdade material. A propésito, a ligéo de Figueiredo Dias: “Por isso se diz que no proceso penal esth em causa, néo a ‘verdade formal’, mas a ‘verdade material’, que hé-de ser tomada em duplo sentido: no sentido de uma yerdade subtraida a influéncia que, através do seu com- portamento processual, a acusaco e a defesa queiram exercer sobre ela; mes também no sentido de uma verdade que, ‘hic sendo ‘absoluta’ ou 8 R. Inf, fogisl. Bresilia a. 30m. 117 jon./mer. 1999 ‘ontolégica’, hé-de ser antes de tudo uma verdade judicial, préctica e, sobre- tudo, aio uma verdade obtida a qualquer precd mas processualmente vélida” *, A procura da verdade material constitui um poder-dever do Estado, pois a justi¢a € um dos objetivos fundamentais da Republica no plano de desenvolvimento da sociedade que deve, ainda, ser livre e soliddéria (Cons- tituigdo, art. 3.°, 1). Além da busca de justia, também a seguranga é um valor ¢ um bem juridico que compée o reperiério dos direitos ¢ das garantias individuais (Constituigdo, art. 5.°, caput). © Cédigo de Processo Penal contém disposigées especificas ao prin- slpio da investigagao (ou da verdade material), no sentido de produzir ow reproduzir a prova como se poder verificar pelas arts. 156, 196, 302 ¢ seu parégrafo Gnico, Reza o primeiro dispositive que a prova da alegagao incumbiré a quem a fizer; “mas o juiz poderd, no curso da instrucéo ou antes de proferir sentenga, determinar, de oficio, diligéncias para dirimir diivida sobre ponto relevante”. O segundo estabelece que o juiz poderd proceder a novo interrogatério do réu a “todo tempo” ¢ o ditimo preceito declara que o juiz podera colher novo interrogatério bem como inquiric testemunhas € 0 ofendido se nao houver presidido tais atos na instrugdo criminal. Uma das bases constitucionais do principio da investigacio (ou da verdade material) se encontra na exigéncia da fundamentagdo das decisses dos Srgios do Poder Judicidrio (art. 93, IX). Com efeito, a prética do ato de motivar a sentenga (CPP art. 381, TIL), por exemplo, obriga o juiz a buscar os elementos de fato e de direito com os quais iré documentar a natureza € 0 sentido de sua livre conviccdo. &. ‘Um dos mais generosos princfpios fundamentais do processo penal é o da contrariedade ou da contradigdo. O seu ambito de agdo vai além dos limites do proceso penal, a fim de garantir os litigantes em qualquer outro tipo de lide, judicial ou administrativa (Constituigio, art. 5°, LV). A natureza contraditéria da instrugdo criminal constitui uma reivindicag3o de justica com base na isonomia entre as partes e desde os tempos antigos procura se afirmar através das {érmulas latinas audiatur el altera pars nemo potest inauditu damnari. A instrugio criminal no sistema brasileiro se desenvolve sob a garantia do princfpio da contradi¢ao, com regras que estabelecem um equilibrio de armas entre a acusecio ¢ defesa, quanto A liberdade pata produzir contestar a prova (indicacao e ouvida de testemunhas, realizacao de perfcias ¢ juntada de documentos), bem como a garantia em favor de uma parte de responder as alegagées da outra (CPP arts. 395 s.; 499 e 500 e CPC arts. 326, 327, 372, 397 € 398, c/e 0 art. 3° do CPP). Tanto a doutrina como a jurisprudéncia se orientam no sentido de que a seguranca do ‘9 Ob. clt., pp. 193, 194. Grifos € aspas do original. 30 en/mar, 1993 contraditério abrange a instrugiio lato sensu, “incluindo todas as atividades das partes que se destinam a preparar o espirito do juiz, na prova e fora da prova, Compreende, portanta, as alegagdes e os arrazoados das partes’?°, 9. A Declaragdo Universal dos Direitos Humanos (10-12-48), declara que toda pessoa tem direito em condigées de plena igualdade, “‘a ser ouvida publicemente e com justica por um tribunal independente e imparcial, para a determinagdo de seus direitos e obrigagdes ou para o exame de qualquer acusagao contra ela em matéria penal” (art. 10). A Convengio de Salvaguarda dos Direitos do Homem ¢ das Liberdades Fundamentais (4-11-50), estabelece em favor de toda pessoa detida ou presa em conse- qiiéncia de uma infragio penal, o direito de ser levada “imediatamente perante um juiz ou outro funciondtio autorizado pela lei para exercer funges judiciais”, e de ser julgada dentro de um prazo razodvel ou a ser posta em liberdade durante 0 processo (art. 5.°, § 3). Assim também © faz, nos mesmos termos, 0 Pacto Internacional de Direitos Civis ¢ Politicos (16-12-66) (art. 9, § 3.°, primeira parte). A Carta Politica de 1988 consagra o principio de que a lei nfo poderé excluir da apreciagio do Poder Judicidrio, lesio ou ameaga de direito (art. 5°, XXXV). O direito de qudiéncia, que pode ser exercido diretamente ou através de representante legal, é uma das garantias fundamentais do individuo e um dos principios basicos do processo penal, iluminado pelas vertentes do Estado Democrético de Direito No processo penal brasileiro, o principio € afirmado em suas duas modalidades. Haverd a presenca diteta do acusado perante a autoridade policial ow judiciéria, quando estiver preso ou comparecer espontaneamente, procedendo-se ao interrogat6rio cuja realizacSo, em tais circunstincias, € obrigatria sob pena de nulidade (CPP arts. 6°, V; 185 ¢ 564, IIL, e, segunda parte). E ocorreré o exercicio indireto do direito de audiéncia quando o acusado comparecer perante a autoridade através de petiguo de seu defensor. No plano constitucional, séo expressamente garantidos: a) O direito de peticao aos poderes publicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5.2, XXXIV, a); 6) o direito do acusado falar perante a autoridade responsével pela sua priséo (art. 5.°, LXIID. A jurisprudéncia tem reconhecido expressamente a garantia da defesa pessoal do imputado durante a realizagio da instrusao criminal, ao lado da defesa técnica, exercida pelo seu advogado. Em conseqiiéncia, os tri- bunais tém anulado o processo quando 0 réu nio ¢ intimado para’ assistir © depoimento das testemunhas. 10 JULIO FABBRINI MIRABETE, Proceso penal. Editora Atlas 8/A, Sho Paulo, 1891, p. 44. 100 R. inf, Vegisi. Brasilia a. 30 in, 197 jon./mar, 1999 Em nosso entendimento. o direito de ser ouvido também integra 0 tepertério dos direitos subjetivos da vitima. A base de tal conclusdo se extrai da norma constitucional proibindo a existéncia de lei que exclua da apreciagio do Poder Judicidrio o conhecimento de lesio ou ameaga a direito (art, 5°, XXXV) e da regra obrigatéria da uudisio do ofendido, sempre que possivel (CPP arts. 6.°, 1V e 201). Afinal, o sistama nfo pode condenar 4 vitima sobrevivente ¢ capaz ao siléncio ¢ ao esquecimento, assim como conta a poesia de Cecilia Meirclles através de seu Romanceiro da Inconji- déncia: “Nunca o escrivéo escreve / 0 que a vitima diz. / Nao tem lei nem justiga / quem nascet: infeliz”. 10. Ao iado do contraditério, a Carta Politica institui a garantia da ample defesa, “‘com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5.° LV, dltima parte). Trata-se de um auténtico principio gerat que milita ao lado de tantos outros com o objetivo de possibilitar aos litigantes, em qualquer tipo de processo judicial ou administrativo, o exercicio generoso da defesa sem as limitagdes de um proceso de tipo inquisiério. A defesa ampla ou plena tem sido assegurada pela tradicao das Cartas Politicas brasileiras, desde a Primeira Repiblice até os dias correntes, com exeegio do periodo em que vigorou a chamada Constituicao polaca, outorga- da mediante o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, que aludia apenas as “necessérias garantias de defesa” (art. 122. § 11, dltima parte). Assim, ora se referindo & plena ora & ampla defesa, 0 principio em anélise j4 constava das seguintes leis fundamentais: de 24 de fevereiro de 1891 (art. 72, § 16): de 16 de junho de 1934 (art, 113, § 24); de 18 de setembro de 1946 (art. 143, § 25); de 24 de janeiro de 1967 (art. 150. § 15) e de 17 de outubro de 1969 (art. 153, § 15). Em seus Comentdrios as Constituigdes de 1967 ¢ de 1969, Pontes de Miranda salienta que ‘‘a defesa, a que alude o § 15, € a defesa em que ha acusado: portanto, a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal ou administrative, ou policial. O principio nada tem com o inicio do processo civil, onde hé réus sem direito ® defesa, antes da condenacio” ™. Certamente para evitar essa interpretagio restrita deu-se ao texto vigente uma redacdo mais afargada visando abarcar todo o “processo judicial” onde haja “acusados em geral” © limite constitucional e legel do principio da ampla defesa no que concerne aos meios, se caracteriza pela vedacdo das provas ilicitas. Declara ‘8 Carta Politica que “sio inadmissiveis, no proceso, as proves obtidas por meios ilfcitos” (art. 5.°, LVI). O Cédigo de Processo Penal Militar (Decreto- Lei n° 1.002, de 21-10-69) permite a produsdo de qualquer espécie de prova, “desde que ndo atente contra a moral, a sauide ou a seguranca indivi- dual ou coletiva, ou contra a hierarquia ou a disciplina militares” (art. 285). 11 Comentérios a Constituipéo de 1967; com a Emtenda n° 1, de 1969, ed. Forense, Ric de Janeiro, 1987, tomo V, p. 235. Grifos dd original. ile 1K tat, bepist 30 jen mer, 1993 E 0 Cédigo de Processo Civil (Lei n® 5.869, de 11-1-73) alude a “todos os meios legais, bem como os moralmente legitimos” como hiébeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a aco ou a defesa (art. 332). Tais disposicdes sio aplicdveis por analogia ao sistema do processo penal, conforme admite o art. 3° do respectivo Estatuto. Sobre 0 tema, Ada Pellegrini Grinover, et . . .diz-se que a prova 6 ilegal toda vez que sua obtencio caracterize violagio de normas legais ou de principios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando a proibigéo for colocada por uma lei processual, a prova serd ilegitima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrério, a proibigao for de natureza material, a prova ser4 ilicitamente obtida”. E, ainda mais: “A prova ileita (ou obtida por meio ilfcitos) enquadre-se na categoria da prova vedada. A prova é vedada sempre que for contréria a uma especifica norma legal, ou a um principio de direito positivo. Mas a vedacdo pode ser estabelecida quer pela lei processual, quer pela norma material (por exemplo, constitucional ou penal); pode, ainda, ser expressa ‘ou pode implicitamente ser deduzida dos principios gersis” Quanto aos recursos no interesse da defesa, o sistema processual os prevé na forma ordindria, especial ¢ extraordinaria. Séo ordindrios: os embargos declaratérios, o recurso em sentido estrito, a apelagdo, os em- bargos infringentes, o protesto por novo juiri e a carta testemunhdve) (CPP arts. 382, 619 e 620; 581 a 592; 593 a 603; 609, pardgrafo tnico; 607 € 608 ¢ 639 a 646), interpostos para o préprio juiz ou tribunal (em se tratando de declaratérios) e para o tribunal de segundo grau de jurisdigao, como o Tribunal de Alcada, o Tribunal de Justiga ¢ o Tribunal Regional Federal, conforme o caso. Também como ordinério a Constituigo admite © tecurso para o Supremo Tribunal Federal em matéria de crime politico (art. 102, II, 6). E especial o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justica (Constituigao, art. 105, III ¢ Lei n.° 8.038, de 28-5-90, artigo 26 ¢ s.). E extraordindrio o recutso interposto pata o Supremo Tribunal Federal (Constituig4o, art, 102, II ¢ Lei n° 8.038/90, art. 26 ¢ s.). O habeas corpus, o mandado de seguranga, o habeas data (Constituicao, art, 5.°, LXVIII, LXIX e LXXII) e a revisio criminal (CPP arts, 621 a 631), pela sua natureza juridica, nfo sao considerados técnicamente como recursos, porém como a¢des. Os dois primeiros remédios sio também reco- nhecidos como “institutos de direito processual constitucional” *. O habeas data € o “asseguramento de acesso as informagdes pessoais do impetrante, constantes de registros em bancos de dados de entidades governamentais ou de caréter pablico, com o fim de retificagio” “4. E a revisio dos processos 12 ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES ¢ MAGALHAES GOMES FILHO, Ax nulidades no proceso penal, Ma- Theisos Editores Ltda., S80 Paulo, 1992, p. 108. 13 ROGERIO LAURIA TUCCT et alii, ob. cit, pp. 128 © 1%. 14 CELSO RIBEIRO BASTOS, Comentdrios & Constituipfo do Brasil, ed. Saraiva, S80 Paulo, 1989, vol. 2°, p. 363. 102 R. Inf. lopicl. Brasilia @. 30m. 117 jen/mor. 1993 findos, embora incluida no Cédigo de Processo Penal entre os recursos {Livro IL, Tit. Il, Cap. VII}. € agdo penal de natureza constitutiva *. Os limites para 0 conhecimento dos recursos em geral sao estabelecides aicavés dos pressupostos de cabimento, como a témpestividade e a legiti- midade, ou de proteguimento, como a submisso & prisio, o preparo etc, 11. O principio da suficiéncia se deduz das reguas dos atts. 92 e 93 do Cédigo de Processo Penal que regulam as chamadas questoes prejudiciais. Estabelece o primeiro artigo que se a deciséo sobre a existéncia da infracdo depender da solugdo de controvérsia que o juiz repute séria € fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curfo da agio penal ficard suspenso até que no juizo civel seja a controvérsia dirimida por sentenca passada em julgado, sem prejuizo da inquiricdo das testemunhas ¢ da reali- zagio de outras provas de natureza urgente. O dispositivo seguinte prevé como jacultativa a paralisagio do processo quando o reconhecimento da existéncia da infragio penal depender de decisio sobre questio diversa da prevista no artigo anterior, da competéncia do juiz civel, e se neste houver sido proposta acio para resolvé-la. O principio da suficiéncia da ago penal tem um fundamento manifesto, que € 0 de arredar obstéculos a0 exercicio do izs puniendi que, direta ou indiretamente, possam entravar ou paralisar a acdo penal‘. Esta é a inter- Pretagio que se colhe o art. 7°, primeiro parégrafo, do Cédiga de Processo Penal portugués: “O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro ¢ nele se resolvem todas as quest6es que interessarem & decisio da causa’. A adogio do principio da suficiéncia em nivel constitucional se de- preende do regime e dos principios gerais consagrados na Carta Politica 08 quais ndo excluem outros direitos e garantias (art. 5.°, § 2.°). 12. A reunio dos termes e atos processuais no mesmo contexte de espaco ¢ tempo é uma das exigéncias essenciais de eficdcin do processo penal. Esta necessidade constitui requisito pera se alcancar a verdade material que € secrificada quando uma parte do processo se forma perante um juiz ou tribunal que nfo iré julger a causs ou quando a distancia no tempo entre um ¢ outro ato da instruco compromete o conhecimento ¢ & interpretagao dos fatos. O principio da concentrocao, surge, portanto, da necessidade de um prosseguimento, tanto quanto possivel, unitériove continuado dos termos © atos processuais. Como pondera Figueiredo Dias", o principio ganha © seu maior e aut6nomo relevo no que toca a audiéncia de discusséo € 1S JOGE PREDERICO MARQUES, Elementos de direito procersua! penal, 6, Furense, Rio de Janeiro, 1965, vol. IV, p. 12; TOWRINHO PILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, ed. Sarnive, Slo Paulo, 1981, vol. 4%, p. 468. 16 Cf. MALA GONCALVES, ob. cit, p. 59. 17 OB. eft, D. 1B. tel, lepil. Brovia 0. 30. fan./mor. 1993 103 julgamento, ligando-se ai aos pricipios da jorma, enquanto corolirio dos principios da oralidade ¢ da imediacao. Pode-se falar numa concentragao especial que induz 4 existéncia de um principio de localizagdo, exigindo que a audiéncia se desenvolva intei- ramente num mesmo local para a colheita da prova e realizacao dos debates (sala das audiéncias) e uma concentracio temporal, no sentido de que, uma vez iniciada a audiéncia possa ela fluir até o seu final © Cédigo de Processo Penal dispde que as audiéncias, as sessdes ¢ 0s atos processuais s¢ realizarao nas sedes dos juizos ¢ tribunais; que os prazos sero continuos € peremptérios, no se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado ¢ que os julgamentos iniciados em dia dtil nao se interrom- pero pela superveniéncia de feriado ou domingo (arts. 792, 798 € 797, respectivamente). 13. Nos termos da Constituigéo, o Poder Judicistio € independente dos demais poderes do Estado ¢ 0s juizes gozam das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade ¢ irredutibilidade de vencimentos (arts. 2.° ¢ 95), Sob outra perspectiva, entre os deveres dos magistrados constam os de cumprir ¢ fazer cumprir, com independéncia, serenidade ¢ exatidéo, as disposigées legais e os atos de oficio, conforme determina o art. 35, I da Lei Comple- mentar no 38, de 14-3-79 (Lei Orginica da Magistratura Nacional). Da conjugacdo de tais garantias ¢ deveres resulta o principio da livre apreciagao da prova, também chamado de principio da prova livre, 0 qual obteve expressa consagracio no art. 157 do Cédigo de Processo Penal: “Q juiz formard a sua conviesio pela livre apreciagfo da prova™. Consiste basicamente 0 principio na liberdade conferida pelo sisteme a0 magistrado para avaliar a prova ¢ extrair as conclusdes que irdo estruturar a sua decisao. Tal liberdade pressupde a inexisténcia de parfimetros que caracterizassem o sistema oposto ou seja. o das provas tarifdrias ou da certeza legal. Conforme a Exposigéo de Motivos ao Cédigo de Processo Penal, “‘ndo serdo atendiveis as restrigdes 4 prova estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao estado das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia de provas: na livre apreciagio destas, 0 juiz formard, honesta ¢ lealmente, a sua conviegao. A propria confisséo do acusado nio constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas séo relativas; nenhuma delas terd, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestigio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito 4s provas constantes dos autos, niio & menos certo que nao fica subordinado a nenhum critério aprioristico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal €, assim, testituido & sua propria consciéncia” (item VII). Relativamente a confissio, o art. 197 do Cédigo estabelece que o seu valor sera aferido “pelos critérios adotados pata os outros elementos de Prova” e que para a sua apreciagio “o juiz deverd confronté-la com as R. Inf. legisl. Brosilia a. 30° n. 7 jan./mar, 1993 demais provas do proceso, verificando se entre ela estas existe compa- tibilidade ou concordancia”. Tal liberdade para o conhecimento, a interpretacdo e a utilizagdo da Prova no dispensa, porém, o magistrado de mofivar a sua decisio. Esta exigéncia de fundo constitucional (art. 93, 1X) é um dos requisitos da sentenga penal (CPP art. 381, 111). Aparentemente a regra do art. }38 combinado com o art. 564, III, b, do Cédigo de Processo Penal constituiria um embaraco ao livre transite do principio ora tratado. Dispde a primeira norma que quando a infragéo deixar vestigios, serd indispensdvel 0 exame de corpo de detito, direto ou indireto, n&io podendo supri-lo a confissio do acusado, E o segundo dispo- sitivo declara a nulidade do proceso por falta do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestigios, ressalvada a hipdtese em que eles tenham desaparecido quando, entdo, a prova testemunhal poderé compen- sarthe a falta, Na verdade, porém, 0 que o sistema exige, sab pena de nulidade do processo. & a realizacio do exame de corpo de delito, ou seja, o levanta- mento do “conjunto de elementos sensiveis do facto criminoso”, na cléssica definigéo de Jodo Mendes ’*. Um dos fundamentos para tal exigtncia se deve & preocupagio de evitar o erro judicidrio diante de precedentes gra- vissimos na crénica do foro". 14. A diivida jamais pode autorizar uma sentenck condenatéria. Esta 6 a firme orientacao da jurisprudéncia alimentada por antigas fontes identifi- cadas com o natural desconhecimento do ser humano frente ao universo dos fatos humanos € naturais. Negando que a divida pudesse reduzirse & “equivaléncia dos racio- cinies contrérios”, Aristételes identificou-lhe as faces distintas: 2) Como estado subjetivo de incerteza; b) Como situagio objetiva de indeterminagao . Em pégina memoravel, o magistrado Souza Neto adverte, com elevacao, que nao se pode condenar em estado de divida; “Nao h4 um principio de tilosofia, um dogma de moral, um cdnone de religiéo, um postulado de bom senso, uma regra juridiea, que autorize um pronunciamento condenatério na divide (...) A justiga s6 vive da prova. So 0 arbitrio se alimenta do 1B Ob. cit, vol. HL, p. 7. 19 Assim como ocorreu no célebre caso dos irmios Sebastiio José Naves © Joaquim Naves Rosa, na cidade de Araguari, scusados de terem assassinado no ano de 1927 0 desaparecido Benedito Pereira Caetano. Obtida a confissio dos réus e provas eircunstaneiais, foram eles condenados & pena de 25 snos & 6 meses de prisio pelo Tribunal de Apelacio de Minas Gerais, em decisiio de 4 de julho de 1939. Muitos anos depois (24-71-1952) 0 “morto” reapareceu ea condenagéo foi anulada condenando-se o Estado pagar uma indenizacho em nce dos prejuizos sofridos pelas réus (em JOAO ALAMY FILHO, O maior erro fudicidrio no diretto brasiletro, Sugestées Literérias S/A, Sto Paulo, 2 ed. 1965). R Uat, lagist, Breaila 2, 30m, 117 jan/mor, 1993 10s monstro da presungéo. A diivida é a certeza dos loucos. Estes sfo julgados, néo julgam”, A doutrina e a jurisprudéncia tém entendido que o princfpio in dubio pro reo tem a sua sede legislativa no inciso VI do art. 386, do Cédigo de Processo Penal, devendo o juiz absolver o réu quando “ndo existir prova suficiente para a condenagio”*'. O principio, porém, é aplicdvel em relacao a outras hipsteses do referido artigo, au sejam: “I — estat provada a inexis- téncia do fato”; “Il — nao haver prova da existéncia do fato”; “IV — nao existir prova de ter 0 réu concorride para a infragdo penal” e “V — existir circunstancia que exelua o crime ou isente o réu de pena”. Prevalece em tais situagdes a regra de que ‘‘a prova da alegaggo incumbiré a quem a fizer” (Céd, de Proc. Penal, art. 156, primeira parte). Compete & acusagao demonsirar a existéncia do fato tipico, ilicito ¢ culpével. A divida, porten- to, em relagao h existéncia ou ndo de determinado fato deve ser resolvida em favor do imputado, Sempre que se caracterizar uma situago de prova dibia, aplica-se 0 principio. Interessante questo decorre da possibilidade de se aplicar a generosa férmula quando a questio seja de direito. O art. 386, 11] do Cédigo declara que o juiz absolverd o réu se “no constituir 0 fato infracdo penal”. Assim a divida acerca da criminalidade ou néo da conduta tipica pode resultar da interpretagio da regra juridica. A propésito do tema, autorizada doutri- na entende que no caso de “irredutivel divida entre o espitito ¢ as palavras da lei, ¢ forga acolher, em direito penal, irrestritamente, o princ: dubio pro reo” (...) “Desde que nfo seja possivel descobrir-se a voluntas legis, deve guiar-se o intérprete pela conhecida maxima: favorabilia sunt amplian- da, odiosa restringenda” *2, 15. A presungao de inocéncia constitui outro principio incidente no campo da prova ¢ com antiga consagragio formal: Declaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao (Paris, 1789, inciso XIII); Declaragao Universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948, art. 11, n° 1); Convengao de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma, 1950, art. 6°, n° 2); Pacto dos Direitos Civis ¢ Politicos (Nova Iorque, 1966, art. 14, n? 2) e Convengao Americana sobre Direitos Humanos (Costa Rica, 1970, art, 82, n° 2). 20 A mentira e o delingiiente, cit. em A tragédia e a let, Rio de Janelro, 1988, D. 5. DL Assim, por exemplo, MIRABETE, ob. cit, p. 486 € os precedentes all tndicados. 22 NELSON HUNGRIA, Comentdrios do cddigo penal, ed. Forense, Rio de Janeiro, 1958, vol. I, tomo I, p. 86. Grifes do original. 106 R. Int. legisl, Brasilia @. 30 a, 117 jan./mor. A Constituigao brasileira de 1988, inspitandose principalmente nos modelos italianos (1947, art. 27, segunda parte); portugués (1976, art. 32, n& 2) espanhol (1978, art. 24, n° 2), recepcionau o principio mediante a seguinte fSrmula: “ninguém seré ccnsiderado culpado até o transito em julgado de sentenca penal condenatéria” (art. 5°, LVIN). A presungao de inocéncia nao se pode opor a medidas cautelares de prisio (em flagrante, temporéria, preventiva, em decorréncia de pronincia ou da sentenga condenatéria recorrivel), das medidas assecuratérias, dos incidentes de falsidade e de insanidade, além da busca e apreenso e autres procedimentos para a colhe:ta da prova: interrogatério. confissio, reco- nhecimento de pessoas ¢ coisas, acareagao, exibigo e juntada de documen- tos. Todos esses atos ¢ os respectivos termos pressupéem a existéncia de jundadas razées quanto 4 ilicitude do fato ¢ 4 culpabilidade de seu autor ‘ou participe e também um paradoxo relativamente a uma presungio de inocéncia que Manzini apodou de “strana assurdita escogitata in Francia”. E dirige a céustica objecdo: “Se si presume Pinnocenza dell imputato, chiede il buon senso, perch dunque si procede contra di Jui”? Ja tivemos oportunidade de afirmar que “a melhor diregdo consiste em fazer da presungo de inocéncia um verdadeiro principio de fundo cons- titucional ¢ que, por isso mesmo, transcende o quadro das presungdes como assunto ordinariamente processual” **, Como conseqiiéncia, o principio deve ser admitido para se garantir au acusado o exercicio dos direitos humanos, civis € politicos enquanto nao forem direta ¢ expressamente afetados pela sentence penal condenatéria, transitada em julgado ou pelas decisdes cautelares. Diante de tal raciocinio, tem-se como revogado © inc, II do art. 393 do Cédigo de Processo Penal que declara, como efeito da sentenca condenatéria recorrivel, ser o nome do rés Jangado no rol dos culpadas ™*, E importante ressaltar que o principio ganha maior eficdcia ao se consi- derer como ilegitima qualquer presungéo de culpabilidade, seja de dolo 23 VINCENZO MANZINI, Tratiato di diritto wrocessuale penale italiano, UTET, Turim, 1967, vol. I, p. 226. 2% RENE ARIEL DOTTI, “Identificagéo criminal e presungéo de inocéncia”, em Revista de direito penal, Rio de Janeiro, n° 19/20, de 1975, p. 58. 25 Este é também o entendimento de MIRABETE, ob. cit., p. 43, indo, porém, ‘mais adiante ao admitir como revogade também o § 1° do art. 408 que sujeita ‘A priso o réu pronunciado. Em nossa optniso, tal pristio proviséria n60 fot elimi- nada pelo art. 5°, LVIZ, da Constituigho. We af legicl, Branitie o. 300 m, WIT fam /mer, 1993 107 ou de culpa stricto sensu, e também quando se assegura ao réu 0 direito de ver a sua causa instruida ¢ julgada dentro de um prazo razodvel ?*, E é neste preciso sentido que dispée a Constituigéo de Portugal: “Todo o argiiido se presume inocente até ao trinsito em julgado da sentenga de condenacao, devendo ser julgado no mais curto prazo compativel com as garantias de defesa’(art. 32, n° 2). 16. Entre os principios relativos & forma, desponta como mais signifi- cativo, 0 principio da publicidade. Dispde a Constituigdo que todos os julgamentos dos érgios do Poder Judiciério sero piblicos (art. 93, IX). Trata-se da consagragio formal, no capitulo inerente ao Poder Judiciétio, do principio da publicidade como aspecto essencial A validade dos atos judiciais quanto & sua forma e um des- dobramento natural do carter comunitario que deve ter 0 processo penal nos regimes democréticos. Relativamente as audiéncias, sessdes e atos pro- cessuais, a publicidade j4 havia sido declarada pelo Cédigo de Processo Penal, ressalvadas as hipéteses da prdtica da justiga a portas fechadas visando prevenir escindalo, inconveniente grave ov petigo de perturbagdo da ordem (art. 792, e § © principio vern reatirmado constitucionalmente no capitulo dos direi- tos individuais e coletivos, com a expressiva redagéo: “a lei 36 poderd restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou 0 interesse social o exigirem” (art. 5.°, LX). Como se verifica, a publicidade € a regra das audiéncias, sessdes ¢ atos Processuais, enquanto o segredo deve constituir a excegdio em casos expres- samente estabelecidos. Discorrendo sobre a garantia da publicidade dos atos processuai Rogério Léuria Tucci ¢ José Rogério Cruz e Tucci salientam que a mesma ndo se traduz na exigéncia da efetiva presenca do piblico ou dos meios de comunicagio aos atos em que o procedimento se desenrola, ndo obstante reclame mais que uma simples “potencialidade abstrata” (como quando, por exemplo, nao se tem conhecimento da data, hordrio ¢ local da realizagZo de determinado ato: a publicidade deste reduz-se, entéo, a um nivel me- ramente te6rico) *7. Parece-snos que a compreensio juridica do yocébulo publicidade, para 08 efeitos da Constituigéo e do processo, néo poderd ser restritiva e, sim, extensiva, 26 FIGUEIREDO DIAS, “La protection des droits de l'homme dans Ia pro- cedure penale”, em Revue internacionale de Droit Pénal, n° 3 de 1978, p. 267. ‘27 Ob. cit., p. 72. 108 R. Inf, legisl. Brosilia 2. 30 9. 117 Jan/mor. 1993 © Cédigo de Processo Penal portugués consagra o principio da publici- dade nos seguintes termos: “‘Art. 86 (Publicidade do proceso e segredo de justiga) 1. O processo penal €, sob pena de nulidade, publico # partir da decisio instrutéria ou, se a instrugao nao tiver lugar, do momento em que 44 nfo pode ser requerida, vigorando até qualquer desses momentos 0 segredo de justica. 2. A publicidade do processo implica. nos termos defi- nidos pela lei e, em especial, pelos ertigos seguintes, os direitos de: aj assisténcia, pelo piblico em geral, & realizago dor actos processuais; b) narragdo dos actos processuais, ou reprodugfo dos seus termos, pelos meios de comunicagio social; ¢) consulta do auto e obtenedo de cSpias, extractos e certidies de quaisquer partes dele. 3. O segredo de justica vincula todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer titulo, tiverem tomado contacto com © processo ¢ conhei nto de elementos a ele pertencentes, ¢ implica as proibigdes de: a) assisténcia & prética ou tomada. de conhecimento do conteddo de acto processual a que nao tenham 0 direito ou o dever de assistir: 6) divulgacdo da ocorréncia de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que ptesidir a tal divulgacdo. 4. Pode, todavia, a autoridade judiciéria que preside a fase processual. respectiva dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento 3 determinadas pessoas do contedido de acto ou de documento em segredo de justica, se tal se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade. 5. As pessoas referides no ndmero anterior ficam, em tode o caso, vinculadas pelo segredo de justica. 6. A autoridade judicidia pode autorizar a passagem de certidao em que seja dado conhecimento do contetido do acto ou do documento em segredo de justica na medida estritamente necessdria A dedu- dio em separado do pedido de indenizagao civil”. Ao comentar o texto, Maia Goncalves salienta que o Cédigo inverteu a posiggo tradicional em matéria de segredo de justiga, pois formulou como regra e sob cominacao de nulidade e publicidade do processo a partir da decisdo instrutéria. E observa que o Cédigo “procuta estabelecer um equili- brio de posicées numa matéria em que A necessidade de se acautelar, median- te 0 sigilo, 0 sucesso das investigagGes, sucede, tantas vezes sem solucéo imperativa da publididade como meio de ga- rantir a verificagfo pelos circunstantes da fidedignidade dos actos a que assistem'” , Na abordagem dos variados angulos do tema, & necessério — mais uma vez e sempre — ter-se em linha de reflexdo as ccnexdes entre Constituico € processo penal. Na expressiva imagem de H. Heskel, o direito processual penal é 0 verdadeiro direito constitucional aplicado e numa dupla dimensio, na abordagem de Figueiredo Dias: “naquela, j4 caracterizada, derivada de os fundamentos do direito processual penal serem, simulteneamente, os alicer- ces constitucionais do Estado, ¢ naqucla outra resultante de a concreta 28 Ob. ct., p. 160. R. Inf. logisl. Brasilio ©. 30m, VT jen/mer. 1993 109 regulamentagdo de singulares problemas processuais ser conformada juridico- constitucionalmente” *, 17. A oralidade exprime o modo originétio da forma pela qual se realizam determinados atos processuais: oralmente, para que se distingam de outros que sao praticados originariamente através da escrita, Na técnica processual o sistema da oralidade consiste na soma de atos praticados boca a boca € que se converte em termo escrito no interesse do registro e da documentagao de atos e termos. Constitui, portanto, a “preva- Téncia da palavra falada, ¢ nao a exclusao da escrita” ™, Os elementos que caracterizam a oralidade sio: a) a identidade da pessoa do juiz, de modo que este dirija o proceso desde 0 seu inicio até 0 julgamento; 5) a concentragao, isto é, que em uma ou mais audiéncias, porém umas préximas das outras, se consiga a reuniéo da prova; c) a irre- corribilidade das decisdes interlocutdrias, evitando-se a cisio do processo ou a sua interrupeao continua, mediante recursos que devolvam ao tribunal © julgamento da decisio impugnada 4, Corolirios Iégicos do principio da oralidade so os tipos de processo sumario ¢ sumarissimo. O primeito foi instituido no Cédigo de Proceso Civil, para conhecer ¢ julgar as contravengdes penais ¢ os crimes aos quais nao for cominada a pena de reclusdo (arts. 531 a 540). E o segundo é previsto pelo Cédigo de Processo Civil (arts. 275 a 281). Os depoimentos das partes ¢ das testemunhas séo reduzidos a termo, constando apenas 0 essencial. Finda a instrugo as partes devem produzir alegagdes dentro do tempo de 10 (dez) minutos ¢ 0 juiz profere a sentenga na audiéncia ou no prazo de cinco dias (arts. 279 e 280). No procedimento sumatissimo, diz 0 ‘Cédigo — que nesta parte também nao esté sendo cumprido — que todos 08 atos, desde a propositura da acdo até a sentenca, deverdo realizar-se dentro de 90 (noventa) dias (art. 281). O Projeto dé Cédigo de Processo Penal (1983) ** prevé as formas do procedimento comum ¢ do precedimento especial. O procedimento comum € ordinério, sumério ou sumarissimo. O procedimento € ordindrio, quando tiver por objeto a apuragao de crime punido com reclusao; 0 procedimento € sumério, quando ao crime for cominada pena de detengio (salvo as hipSteses previstas no sumarissimo); 0 procedimento € sumarissimo, quando se tratar de crime punido com detengao até um ano, de lesio corporal cul- 29 Ob. cit., p. 7. 30 Cf, ELIEZER ROSA, “Oralidade”, em Diciondrio de processo civil, Ria de Janeiro, 1957, p. 278. 31_CHIOVENDA, em Esposigdo de Motives do Projeto do Cédigo de Processo Civil Brasileiro, julho de 1972, ttem n? 13, 32 Projeto de Lei n° 1.655-B, de 1983, publicado na forma de Substitutivo, no Didrio do Congreso Nacional, Secéo I, supl. de 19-10-1984. no Ro inf, legisl, Brosilia 2. 30 n. 117 jon,/mar. 1993 posa, de homicfdio culposo ¢ de contravengio (arts. 206 ¢ 207; 209 a 373; 535 a 540 e 541 a 545). Entre os procedimentos especiais esto os refe- rentes 20s crimes contra a propriedade imateria;, falimentares © julgados pelo Tribunal do juiri (arts. 546 a 506 e s.). A Constituigéo, no interesse de melhor efetivar o direito de acesso & justica, prevé a criagdo tanto pela Unida como pelos Estados, dos juizados Especiais, providos por juizes togados, ou togades ¢ Ieigos, competentes para a conciliaco, o juigamento e a execugdo de causas civeis de mencr complexidade ¢ de “infragdes penais de menor pofencial ofensivo, medi- ante os procedimentos oral e sumarissimo. permitidos, nas hipdteses vistas em lei, a transagio ¢ 0 julgamento de recursos por turmas € juizes de primeiro grau" (art. 98, 1). E na Camara dos Deputados tramita © Projeto de Lei n° 91, de 1990 (ne 1.480/89, na Casa de origem), que dispée sobre os aludidos juizados. Nos termos do art, 61, consideram-se infracdes penais de menor potencial ofcnsivo, as contravengdes penais os crimes a que a lei comine pena maxima nao supericr 2 um ano, exce- tuados os casos em que a lei estabelece procedimento especial (art. 61). As caracteristicas essenciais do processo perante o Juizado Especial sao: a oralidade, a informalidade, a economia ¢ ccleridade ¢ cbjetivando, sempre que possivel, 2 reparagdo dos dancs sofridos pela vitima ¢ a apli- cagdo de pena nio privativa de liberdade (art. 62). © fuizado Especial nfo se confunde com o Juizado Especiai de Pe- quenas Causas, como experiéncia adotada ha alguns anos em varios Estados € que tem competéncia para o processo e julgamento, segundo opgdo do autor, das causas civeis de reduzido vuler eccnémico, nos termos da Lei Federal n° 7.244, de 7 de novembro de 1984. Tais drgios da justiga ordindria foram consagrados pela Corstituigéo de 1988 ao atribuir com- peténcia concorrente da Unio. dos Estados ¢ dos Municipies para ‘egislar ‘a respeito de sua criacio, funcionamento ¢ processo (art, 24. X). Estas cortes informais de justica so presididas por um magistrado de carreira © as audiéncias sio conduzidas por Arbitros desvinculados funcionalmente do Poder Judiciario, Além da instituigéo dos Juizados Especiais, a Carta Politica deferiu também aos mencionados entes a competéncia para legislar conrorrente- mente sobre procedimentcs em matéria processual (art. 24, XI). As previsdes constitucionais e legais no quadro alternativo das instin- cias judicidrias, caracterizam o empenho para tomar a prestegao jurisdicio- nal uma possibilidade de acesso ¢ nao mais 0 ormento da marginalizagdo a que tém sido condenadas grandes legides de seres humano, com “sede ¢ fome de justisa”, 18. Ligado indissoluvelmente a0 principio da oralidede encontra-se 0 principio da imediagao, que se pode definir como a “‘relagao de proximidade Gomunicante entre 0 tribunal e os participantes do processo, de modo tal We taf, legit 30 pen fmer, 1995 “an que aquele possa obter uma percepcio prdpria do material que haverd de ter como base de sua decisio” Todos os movimentos atuais no sentido de viebilizar uma justica mais répida ¢ eficaz tem como um dos pontos de partida ¢ um dos iermos de chegada, o compromisso com a generosa idéia da imediatidade na colheita da prova. Para tanto, um dos rumos necessérios é a adogdo, no proceso penal, da regra da identidade fisica do juiz (CPC att. 132). Em coeréncia com os prineipios da oralidade ¢ da imediagao encon- tram-se as formas do giudizio diretissimo e do giudizio immediato, consa- gtadas no moderno Cédigo de Processo Penal italiano (arts. 449 a 452 © 453 a 458), Ambos constituem modalidades dos procedimentos especiais. © primeiro se caracteriza pela apresentacao, por parte do Ministério Pi- blico ao juiz competente, do preso em flagrante ou em decorréncia de outra medida cautelar ou, quando em liberdade, tiver confessado a auto- ria do ilicito penal. A prisao deve ser convalidada, e o réu citado para se defender, dentro do prazo de 48 horas. © Ministério Pablico pode, ainda, proceder ao juizo diretissimo quando a prisio em flagtante jé foi confirmada. Em tal hipétese, o imputado é apresentado para a audiéncia marcada dentro do prazo de 15 dias contados da ptiséo. No caso de confissio de acusado em liberdade, serd ele citado para uma audiéncia dentro do mesmo prazo. O rito ordindtio estabelecido quando houver conexio com crime sujeito a esta forma processual, admitida a separacéo dos processos se nao houver grave prejuiz0 para as investigagGes. Conforme autorizada a avaliacio™, o juizo imediato — analogamente ao juizo dire- tissimo — € a expressio ulterior da acentuagdo de caracteristicas ucusa- téria do novo proceso penal, indicada pela inexisténcia de, audiéncia preliminar. A investigagéo é mais alargada e a mesma solucdo ocorre quando houver conexdo com infra¢o penal cujo proceso e julgamento deva se submeter 20 rito ordindrio: a separagZo ou a prevaléncia deste. £ elementar, no entanto, que a introdueo nos sistemas. processuais latino-americanos de procedimentos mais ageis visando desburocratizar as insténcias de reagio ao delito, nao se poderd efetivar sem a obediéncia aos principios essenciais de validade do proceso penal como instrumento para a apuragdo de uma verdade material compativel com as garantias © 08 direits fundamentais do seu humano. 19. A superago de {6rmulus barrocas de natureza tormentosa para as partes, as testemunhas, 0 magistrado ¢ outros participantes da relagéo processual como as testemunhas e os peritos, € um dos primeiros pasos para dignificar 0 processo em sua estrutura e no seu funcionamento. Afinal e a0 cabo de tudo € preciso que o proceso penal “‘seja construfdo como um aperfeigoado instrumento de garantia e de justica, para o indi- 33 FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, cit., p. 282. 34 CARLOS EDUARDO ATHAYDE BUONO e ANTONIO TOMAS BENTI- VOGLIO, A reforma processual penal italiana, ed. RY, $60 Paulo, 1991, pp. 92 € 97. 2 R. Inf, legist. Brasilia a. 30m. 117 jan./mar. 1993 viduo ¢ para a sociedade, sem jamais perder de vista as razdes do homem. A exigénea, isto, de que o processo penal seja exatamente um instri- mento ético, feito para o homem”® Em tal contexto de preocupagGes se coloca o assunto dos movimentos de rejorma do procedimento penal e a protepio dos direitos do homem, como o tema n.° 3 para o XIV Congresso da Associagao Internacional de Direito Penal, a se realizar no Rio de Janeiro, em 1994. A introdugiio apresentada por Klaus Tiedemann parte da premissa de que a aplicagio concreta das normas penais gera uma inevitavel tenséo entre as finali- dades de atuacio da justica e os direitos do homem a ela submetidos. Conforme sua exposicao: “... os interesses da sociedade © do individuo entram, com 0 proceso penal, num conflito que nao poderia ser mais agudo em nenhum outro ambito do Direito”, E uma das conclusdes do renomado mestre, com base na observagio em diferentes Repiblicas latino-ameticanas ¢ nas drdsticas mudangas ocorrides no leste europeu, € a de que 0 proceso penal nao pode se desenvolver “a qualquer prego”, mas deverd salvaguadar o respeito aos direitos furidamentais do acusado a fim de garantir uma justica adequada, Nas indicages do questionério proposto pelo relatério do Professor Tiedemann, estdo os seguintes pontos: a) crigens ¢ influéncias histéricas predominantes na realizagao prética do sistema; 6) estado atual da legis- Taco processual penal; c) reformas introduzidas e Projets; d) sujeitos Processuais; ¢) operacionalidade no plano das garantias **, 20. Na polimorfia das vertentes politicas, econdmicas, sociais e culturais que compoe 0 cendrio © os movimenios de reforms em nosso pais, mode- Tam-se 0 conteddo e as formas de um devenir que aguardamos seja harmo- nioso com a grandeza de seu territério, o relevo da nacio ¢ a generosidade de seu povo. A significaggo das leis penais em tal contexto de esperansa € um aspecto marcante da nova ordem juridica estabelecida pela Consti- tuigdo que deve interpretar a vontade popular ¢ definir os interesses do Estado e que, além de instrumento juridico de garantias, deveres e direitos, se caracterize também como um poderoso veiculo de integragéo entre os cidadios ¢ a sociedade frente as miltiplas instinclas de poder. Nos paises em desenvolvimento como o Brasil, os fendmenos da violéncia e da criminalidade, bem como outras manifestagSes ofensivas a valores ou bens de importfncia essencial pata o homem e a comunidade, assumem, freqiientemente, a conformacéo de pfinico quando os habi- tantes dos centros urbanos tocados pela neurose das megaldpoles softem as conseqiiéncias de um difuso e continuc sentimento de inseguranga que 35 ADA PELLEGRINI GRINOVER, Liberdades piiblicas ¢ procesto penal: as interceptagéer telefOnicas, of. Baralva, S60 Paulo, 1976, p. 63. eo Cf. Documenta de Trabalho distriuido pelo giupo argentino da Associa nério preparstério Soomete aP/4-7-1990) . laf, logit, Bresiia 0. 30 na passa a compor 0 repert6rio cotidiano das inquietagdes. Em tal perspectiva, © crime, principalmente em suas expressées mais graves, deixa de ser tum acontecimento distante ¢ emoldurado — assim como um recorte da realidade — para se constituir em episddio de alarmante rotina Porém, néo serd através do terror imposto pelos regimes penis afrontantes da condicéo humana e do processo de cultura ¢ da civilizagio, que poderemos resgatar 0 medo e caminhar rumo ao norte da seguranga individual ¢ coletiva. No lugar do discurso politico do crime, caracteti- zado pela exploragéo dos temas da delingiiéncia e da vitimidade e que tantos dividendos gera na estratégia do panfleto ¢ no usufruto do poder, uma outra atividade, pacienie ¢ fecunda, deve ser estimulada. Ela € tam- bém critica do sistema mas se inspira no entendimento de que a ciéncia © a experiéncia nao se destigam da aventura do Homem, feito de reali- dade e ficgfo, de natureza‘e valor. No quadro do proceso penal se desvendam e se confinam as lutas e os varios tipos de interesse, bem como o prestigio ou o fracasso dos sistemas penais. Nos dias correntes advoga-se com fervor religioso a mudanga de regras de procedimento ainda conservadas com zelo arqueo- Idgico pos instancias formais de controle da criminalidade, porém incepa- zes de acompanhar a realidade social, cientifica e teonolégica que pI siona ¢ dirige as categories responsdveis pelo controle informal da crimi nalidade: familia, escola, associagdes, sindicatos etc. Na antevisio de um novo milénio, o ritualismo do procedimento penal ndo se poderd conservar como uma corrente de atos de martirio que aprisiona o corpo ¢ o espirito das partes e das testemunhas, do ma- gistrado © demais protagonistas da causa penal. E indispensével que o pracesso assente em coordenadas fundamentais indicadas na ligfo de Bettiol (L’avvenire del processo penale). E a primeira delas “riguarda il consolidamento dell’idea democratica nela vita politica” * Sob outra perspectiva, porém vinculada ao mesmo tema, vale ainda considerar que o sistema do processo penal deve se libertar das amarras que the tém sido postas, ao longo de sua Histéria, por muitas teorias e por veriadas priticas, caracteristicas da relagéo processual civil. Sobre tais influéncias opressoras, afirma-se cosrentemente e com muita dose de razio, que a0 proceso civil cabe uma natureza privatistica e a0 processo penal, pelo contrério, uma natureza e uma estrutura publicistica®. Abor- dando o mesmo assunto, Julio Maier salienta que toda a teoria da agio trasladada do Direito Processual Civil é absolutamente falha para solu- cionar problemas no processo penal, além de nao responder ao claro delineamento hist6rico-politico deste ultimo * ‘87 Instituzioni dt diritto e procedura penale, ed, CEDAM, Padua, 1968, p. 229. 88 FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penat, cit., p. ST. 39 “Politica Criminal, Derecho Penal y Derecho Procesal Penal”, em Doctrina Penal, n¢ 2, de 1978, p. 305. 4 R. Inf. fegist, Brasilio 0. 30 n, 117 jon./mor. 1993

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