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ANDRES ORTIZ-OSES Escher INTRODUCAO GERAL 1. Antropologia ¢ razo hermenéutica No presente estudo tentamos redefinir as actuais definigdes do homem a fim de esclarecer 0 nosso préprio horizonte, saber por onde andam os assuntos humanos e conseguir uma possfvel compreensao da situacdo actua Trata-se, ao mesmo tempo, de elaborar uma teoria criti ca dos actuais humanismos e anti-humanismos. Antes de passar a este estudo, interessa orientarmo-nos brevemente no mundo do homem, hoje tao plural e com- plicado, pelo menos como sempre. Sendo o nosso estado actual de coisas caracterizado pelo tecnicismo, o homem de hoje é essencialmente funciondrio, um homem apto, pronto para por em marcha a engrenagem da maquina- ria, especialista e entendido nas préprias tarefas por ele mesmo inventadas e parceladas. Mas, pela sua prépria raz4o funcional (técnica: instrumental e intermediéria), o homem actual esta divisus in se et indivisus a quolibet alio: o seu trabalho especializou-se—e por isso 9 seu mundo espacializou-se —, mas complicou-se, desorbitou- -se e, finalmente, plurificou-se. O homem-intérprete («transformador»: técnico) de um mundo em funcées, converteu-se, paradoxalmente, no homem mundano (se- cular) pluriempregue nos exercicios mais diversos e 19 especificos. A maquina, com efeito, mais «econémica», é, por defeito natural (quer dizer, por «naturalidade»), uma coisa mais complicada que as coisas da natureza. Porque a técnica nao é primariamente um instrumento extraido do mundo, mas um modo — desde logo instru- mental e funcional — de entender-se com esse mundo — e, enquanto tal, trazido ao mundo como orgao interpre- tativo —, interessa-nos redescobrir esta mesma proble- mética geral do nosso tempo na quaestio de homine (antropologia). Também aqui, neste recinto consagrado ao homem pelo homem, este perde-se nas suas préprias criagdes (interpretagdes); ¢ dado que cada filésofo cré descobrir a esséncia simples, unitdria e radical do fend- meno humano, a concluséo de semelhante cendrio de projectos e modelos diversos nao pode ser mais mista, plural e, finalmente, parcial'. Os t{itulos do homem so- mam-se aos titulos do homem, e o que para uns nao é sendo um homem sem propriedades (der Mann ohne Eigenschaften, R. Musil), aparece de facto para outros como um homem sobrecarregado de propriedades, entre aS quais se encontra a ultima, quer dizer, a de ser um «homem sem propriedades»*. Teorias e técnicas defini- térias, modelos e andlises, sucedem-se num mecanismo férreo que lima, justapde e segrega. O que para uns é um animal pervertido (Rousseau), € para outros um animal convertido, convertido a Deus * Um excelente’ brevidrio de antropologia é o de M. LAND- MANN, Philosophische Anthropologie (Berlin, 1969, 3. ed.), embo- ra ndo seja mencionada a discussdo, principalmente francesa, da tltima década, entre estruturalistas ¢ dialécticos, que nds * teremos em conta mais adiante. Esta obra contém também uma bibliografia selecta (pp. 201 ss.). Em espanhol, F. ROMERO oferece uma Introduccién a la Antropologia filosdfica em: «. Porque aqui radicam, na biografia da Um interessante confronto entre Wittgenstein ¢ Heidegget € 0 levado a cabo pelo hermeneuta K. O. APEL, Wittgenstei und Heidegger, Die Frage nach dem Sinn von Sein und def Sinnlosigkeitsverdacht gegen alle Metaphysik. Editado em Phi Jahrb., 75 (1967) e em «Heidegger» (edicao de O. Péggeler, Kéln ‘Berlin, 1969). 34 apenas 0 dizivel com claridade e renuncia a falar que, por nao poder dizer-se, mas apenas mostrar-se, ence ao reino do «mfstico». O seu ideal nao é, como Heidegger, dizer o que fica entre-dito na linguagem, mas dizer que fica interdito A linguagem que fale de sj mesma, quer dizer, da sua prépria estrutura légica jmanente. E enquanto em Heidegger a pergunta radical da filosofia ¢ a pergunta pelo sentido do ser, para Witt- tein toda a pergunta ou resposta metafisica carece sentido auténtico; quer dizer, sé pode possuir um sentido m{stico (de valoracio) que fica isento de todo o sentido légico. Mas, 0 que no principio parecia contra-diccdo, fica mais tarde desvelado como con-diccdo. Através duma etapa intermédia, de acordo com a qual ambos os fild- sofos costumam ser designados como Heidegger II e Wittgenstein II’, chegam estes a uma ultima etapa definitiva *. Esta etapa é caracterizada, num e€ noutro, por um desatender qualquer outra consideracido que nao se dirigisse 4 linguagem como 4 sua origem e destino. Tanto © pathos positivista wittgensteiniano como o correspon- dente furor existencialista heideggeriano dio lugar a es a sua linguagem, uma linguagem telegrafica que a) Heidegger IT (cf. Was heisst Denken? lies de 1951- - 4952): 2” sua Setisphilosophie converisse cada ves mais’ maga Logosphilosophie, Na pergunta pelo logos do ser (Parménides) aparece o ser como o logos (Hericlito). A traduglo, portanto, de fas heisst Denken? (Tiibingen, 1954) no é, como se escreveu: Que significa pensar? (Buenos Aires, 1958), mas «Que quer dizer: pensar>». Com efeito, segundo Heidegger, o pensar original traz © ser A linguagem: apalavrao. b)_ Wittgenstein IJ: a sua filosofia «légica» torna-se cada vez mais filosofia do logos. A filosofia é agora uma actividade terapéutica de esclarecimento: uma psicandlise da nossa lingua- ae J. J. KATZ, Philosophie der Sprache (Frankfurt, 1969), 73 ss. * Cf£..M. HEIDEGGER, Unterwegs zur Sprache (Pfullingen, i e L. WITTGENSTEIN, Philosophical Investigations (Oxterd, 35 uma atitude mais préxima e conciliadora. A linguag constitui agora, para ambos os filésofos, o lugar comt de um pensamento mais transparente, porque lingu: tico: a prépria linguagem aparece agora como «praxis» hermeneutizar, pragma vital (Lefensform) e ocupa fundamental (Sorge) do homem. Naturalmente, tant o espirito positivo wittgensteiniano como 0 espirito es; culativo heideggeriano divergem naquilo mesmo interpretam. A «linguagem» heideggeriana é uma ti guagem mondlogo que fala por si mesma, quer dizer, por si e para si (Die Sprache selbst spricht: a prépria linguagem fala). Nao é o homem que interpela a lingua gem, mas é a linguagem que interpela o homem; e nao foi o homem que fez a linguagem, mas foi a linguagem que tornou o homem aquilo que «é». Trata-se, entdo, de ouvir a sua voz, de saber o que quer dizer. E 0 que diz chama-se: o ser. O Ser é quem nos fala na e desde a linguagem; e o que o ser diz, frente ao «ser» classico, nao é algo apto a ser razoado nem representado, mas a ser ouvido, meditado (re-cordado) e apalavrado: o ser é destinagao (Geschick) — que vem de destino (Schlicksal) —e revelacao, palavra original e linguagem universal. Frente a este pensar o ser como 0 logos silencioso da linguagem, a posicéo de Wittgenstein continua a ser muito circunspecta: nem sequer ha a linguagem, mas as linguagens, quer dizer, uma série de jogos linguisticos muito diversos, apenas analogados pelas suas semelhan- gas familiares (Familiendhnlichkeiten). Cada linguagem, em cada contexto e situacdo, diz coisas diversas, e para se saber 0 que diz, ha que descrever os seus usos: como funciona.,A linguagem é, na realidade, uma forma de vida e um jogo publico. Por tudo isto, a linguagem nao é, como em Heidegger, mondlogo, mas didlogo, um did- logo regulamentado convencionalmente de acordo com © seu puro uso diario e, muitas vezes, abuso. Os, diversos Sprachspiele plurais nao permitem falar da linguagem como Sprachspiel, nem muito menos fundamentar os jogos linguisticos das linguagens numa linguagem ut sic 36 considerada como a linguagem pressuposta em toda a compbinacao lingufstica. Frente a Heidegger, para quem a zs é 0 caminho, o caminhar e a hospedaria final, neti wittgensteiniana aparece em ultima instan- a nemo andaimaria, embora ineludivel, e em todo o caso como uma actividade humana, embora relevante. Por isto, e frente ao alemdo, a linguagem, segundo o austriaco, nao pode falar de si mesma; quer dizer, o jogo linguistico nao pode ser ao mesmo tempo lingua- gem do jogo (Spielsprache), mas sim vice-versa‘. 3. Estruturalismo e existencialismo O confronto entre o estilo positivista e pragmatico de Wittgenstein e a atitude transcendentalista e fundamen- talista de Heidegger é apenas um caso — 0 caso tipico — do confronto actual entre cientificismo (Popper) e dia- léctica (Marcuse), ou o que coexiste, referido a lin- guagem, entre a andlise (escola de Oxford) e a herme- néutica (escola de Heidegger: Gadamer). E se do mundo anglo-germanico nos transladarmos ao latino-francés, o actual confronto intitula-se entao: estruturalismo contra existencialismo. Originariamente uma moda, mais tarde um método reconhecido, o estruturalismo francés aparece hoje, com Lévi-Strauss 4 cabeca, como um movimento também ideo- légico, tanto mais paradoxal quanto mais aspecto de indiferenca e de espirito positivo quer mostrar. Trata-se le um movimento reaccionario t{pico frente ao carcomi- .,° Cf. HEIDEGGER, op. cit., p. 152: «,.. das eigentliche Ges- Prach: das nicht iiber die Sprache, sondern von ihr, als von ihrem Wesen gebraucht, sagte». Cf. também 149-150; '200 ¢ ss. WITIGENSTEIN, op cit. especialmente nums. 19, 20, 23, 43, 421, 432, 449, 560; vejase a propésito W. STEGMULLER, Hauptstrémungen der Gegenwartsphilosophie (Stuttgart, 1969), 4 ed., paginas 564 ss. 37 —_ do e decrépito existencialismo — em primeiro lugar, tencialismo francés — , cujas finas andlises da existén humana estavam a ponto de degenerar em individual: romantico, sustentado por um grupo militante em qu s6 se falava de «angustia» e «nausea», «decisdo vital» «liberdade para a morte». Frente a este existencialismo de cunho historicista, o estruturalismo representa o espirito positivo, o regresso desde a existéncia exaltada e a consciéncia exacerbada a estrutura objectiva condicio- nante e ao inconsciente silenciado; numa palavra, o re- gresso da cultura & natureza (Lévi-Strauss). Frente as genealogias sujectivistas do existencialis- mo, o estruturalismo representa uma arqueologia (Fou- cault); e, frente as revolucées frustradas, a andlise das condig6es a partir das quais todo o saber e praxis fica possibilitado.. Assim, fica constituida a luta da razdéo analitica ou naturalista (Lévi-Strauss) contra a razio dialéctica ou culturalista (Sartre), do sistema contra a génese e da ordem contra o devir *. e Embora nfo o parega, também aqui ¢ a linguagem © que esté em jogo. Enquanto que o modelo lingufstico que Lévi-Strauss aplica 4 antropologia é 0 modelo estru- turalista (de Saussure), 0 modelo de Sartre é nitida- mente dialéctico. Segundo Lévi-Strauss, a linguagem (aqui, a lingua, langue) é um sistema de signos com as suas regras inconscientes mas possibilitadoras da fala (parole), e cuja estrutura de pares de oposi¢ao serve de modelo para a antropologia; segundo Sartre, a lingua- Para a discussdo entre LéviStrauss ¢ Sartre, cf. J. SAZ- BON, Sartre y el Estructuralismo (Buenos Aires, 1968), sobretudo 9 capitulo de J. POUILLON, Due metodi a confronto: Sartre e Lévi-Strauss, em «ll Contemporaneo», 12 (1965). Entre nés J. RU- BIO C., resumiu o estado da questio em Qué es el hombre? (Madrid, 1971). Para uma revisao de conjunto, cf. G. SCHIWY, Der franzdsische Strukturatismus (Hamburgo, 199). Para uma visdo critica, cf. P: CAWS, The recent literature of structuralism 1965-1970, em «Phil. Rundschau», 18 (1971). 38. 0 mais vasto constituido: pelo integra Se Eco Sus centro, pela praxis individual, Saha a palavra é mera matéria morta (mot) ay ° ae pratico-inerte. Usando a famosa distingao de pe re: para Lévi-Strauss a linguagem pertence prima- Beeente co nivel (ordem: estrutura) da sincronia, para ca, elo contrario, pertence primeiramente ao des- art (desordem: historia) da diacronia. E, enquanto Pa 2 rimeiro tudo é linguagem, e a_linguagem a x fe) é totalizac&o irreflexa (inconsciente), para oO s eis ‘0 agente totalizador da histéria (a praxis huni é, em ultima instancia, tudo, e nele se inscreve a hinge em—a qual nao é mera linguagem acu obj tivismo estruturalista), mas linguagem paeal oe Nao é pois de estranhar que, enquanto p: eae a histéria e, dentro dela, a praxis humana, ee ae yealidade radical e primaria, para Lévi-Strauss on lidade histérica e individual ja esteja ee ies ee nas estruturas formais que, enquanto c gos ngua gens) inconscientes, dao razao e sentido a todo ie on: tecimento. O ser ea mente (Lévi-Strauss) é aqui om 7 mento do devir e da sua consciéncia (Sartre), e as a néuticas, simultaneamente convergentes ¢_ uae aa que nascem das correspondentes posi¢oes, sao sete an ticas regionais complementares (Pouillon): a oe : jista é uma hermenéutica arqueoldgica e re ucionis cs a existencialista (dialéctica) € uma hermenéutica Hstors cista € totalizadora (sintética). E, enquanto esta wl — persegue a configuracao e a integracao Saas reper - da realidade em vias de totalizagao, aquela consegue ingui énérale , SAUSSURE, Cours de linguistique g (aris, 369, Inte, c. Ill («Object de la Linguistiques), pp. 23 ss Sobre’ Lévi-Strauss vejase, a propésito; La. pensée sauvage (Paris. 1962), ultimo capitulo («Histoire et dialectique»);, em Anthropole- Ble siructurate, (Pars, 19). PP: ropotopia © Lenguaje ¥ sociedad. Serato eR de ta razon dialectica (Buenos Aires, 1963), I, pp. 193-247; II, 246 ss; e L’arc, 30 (1966). 39 desintegracao e refiguracdo da realidade, enquanto da no seu sistema de miltiplos, quer dizer, no sistema di multiplos modos de realizacao (e significagdo) histéri -espacial a descobrir e a reduzir a modelos em cada (cultura). Pois se para Sartre a razéo é sempre consti. tuinte, para Lévi-Strauss a razio est4 sempre constituida q A discussio alema correspondente, entre K. Popper e Th. Adorno, néo €é senio mais uma comprovacgéo da «linguagem», ao mesmo tempo idéntica e diversa, que o homem actual fala. Com efeito, Th. Adorno, membro de honra da Escola de Frankfurt de Sociologia filoséfica (a chamada «Kritische Theorie», de ascendéncia neo-mar- xista), € o representante paradigmatico duma tradicao dialéctica que parte de Platao, passa por Hegel e desem- boca em Marx. O seu espirito critico-social, fundado na razao negativa (negative Dialektik), contrasta com o positivismo de K. Popper que, em nome da razio anali- tica («positiva»), acusa Adorno ¢€ companheiros de historicismo?. Cientificismo e dialéctica sao, Portanto, e aqui encon- tra-se de acordo a critica actual mais Perspicaz™, jogos \ POUILLON remata o seu citado artigo com a seguinte conclusao conciliadora: «LéviStrauss seria légico para consigo mesmo se aceitasse aqui a ideia de uma totalizagdo sem total. zador que Sartre introduz para o final do tinico tomo aparecido da sua critica. Sem dtivida, nao teria o mesmo sentide num ¢ noutro, ¢ as divergéncias néo poderiam apagar-se. Mas nio é indiferente constatar que, por caminhos distintos, ambos chegam a este problema capital: 'o de uma dialéctica descentrada ¢ sem sujeito, condicéo de inteligibilidade da historia, do pensamento, do real», O humanismo apareceria assim de novo’ como ante -humanismo, como uma condenacdo radical, embora mais radical Goaresar_do que disse Pouillon—por parte do estruturalismo, dos human'smos ¢ ‘personalismos flécidos que povoam o nosso mundo. : \, Cf; Kélner Zeitschrift fiir Soziologie (1962-1963). © Cf. P. LORENZEN, Scientismus’ versus Dialcktik, em «Hermeneutik und Dialektik, H. G. Gadamer zum 70. Geburtstag» (Tubingen, 1970), tomo I. 40 “gem—quer sticos da linguagem do homem actual, que apenas um modo divergente. A linguagem da lingua- - dizer, 0 tema lingufstico tratado desde perspectivas— constitui, pela primeira vez, 0 de acordo em falar sobre a prépria linguagem, Enos “tema racional da investigacdo. Trata-se agora de com- render, mais além da linguagem do homem actual, a linguagem do homem sobre o homem. 4. A linguagem sobre o homem: Antropologia ii ‘li de lo par4grafo anterior utilizamos um modelo Be rckcces Spostas - Positivismo- transcendentalismo- cientificismo-dialéctica—que pode enquadrar de re modo relativo e funcional as correntes filoséficas actuais. Outros modelos permitir-nos-iam outra modelacéo e =f truturacdo das filosofias em uso. Recorde-se, por exe! plo, a velha contraposicao entre o empirismo € pragma: tismo anglo-saxénicos e 0 intelectualismo continental Se entre o objectivismo latino e 0 idealismo germanico. Mas estas classificagdes so mais estreitas e sumarias Sea tanto, mais ideoldgicas que a anteriormente formulada. A aplicagao & antropologia do modelo geral anterior nao leva consigo nenhuma extrapolacdo arbitréria ou adaptacao simplista de uma estrutura a outra, mas tra- tase duma tarefa hermenéutica verificdvel. O préprio P. Lorenzen, representante de um cientificismo sberts (versus) & dialéctica, s6 péde dividir o actual estado de coisas nas duas consabidas tendéncias em que ele mesmo Se encontra «versado». A primeira é€ personificada por uma atitude «iluminada> (Aufklérung), e cabe aqui citar Topitsch como herdeiros de um espirito positi- icado no século pelo Circulo de Viena. Frente a este movimento, a atitude dialéctica representa uma tra- icdo cldssica ocidental, religada geralmente aos jie umanistas (e cristaos), e que foi rotulada por Topitsc! de ideologia romantica, a partir da sua posicao raciona- 4 lista negadora de toda a axiologia na ciéncia. Segun ele, sio romdnticos de direita todos aqueles que enco: tram no passado— geralmente mitico ou religioso salvagao do presente; e so romdnticos de esquerda tod os que, com o marxismo a frente, procuram no fut um mundo novo. Pois bem, seguindo a_ sugestao Topitsch, e completando o seu préprio quadro estrutural, caberia conceder a ele mesmo—com a segura aqui céncia de esquerdas e direitas — um lugar central nest; mascarada: na medida em que propde a Verdade di uma Teoria Critica que seja ética, estética e axioldgica, mente neutra—um velho e renovado romantismo mais neutralizado que neutral —, deveré chamar-se wi romantismo do centro, cuja salvacao é esperada do de sencantamento do mundo alcangado com base nw ater-se racionalisticamente ao mito —«presencialista» do facto bruto e da realidade nua, panaceia de um posi- tivismo programatico que nao consegue explicar-se (val rativamente) nem pér a prova as suas préprias convic- ces ideoldgicas ". O homem «positivo» e o homem «idealista» na podiam sendo apresentar-nos, respectivamente, coms projeccao prépria, um homem-objecto que se atém factos e é ele mesmo um facto, explicavel em termo: cientfficos sem se recorrer a uma linguagem filoséfica, e um homem-sujeito que se transcende a si mesmo ni sua prépria histéria, sociedade e cultura. No fundo, é mesmo modelo de oposigées correlativas o que funciona como sistema explicativo simplificador na disputa entre estruturalismo e existencialismo. Pois se para Lévi- -Strauss as estruturas — a estrutura mental — explicam homem que, segundo ele, ha que «dissolver» para chega: analiticamente aquelas, para Sartre, pelo contr4rio, as estruturas implicam o homem, o qual é, como praxis individual, sujeito ¢ responsdvel ultimo daquelas na " Cf. P. LORENZEN, a. c., pp. 5759; E. TOPITSCH, Vont Ursprung und Ende der Metaphysik (Viena, 1958), pagina 309. 42 assassino do homem —as estruturas inertes duma pologia estrutural que reduz o homem-sujeito a ‘objecto indiferente de arqueologia—, o estruturalismo anuncia a morte do homem (Foucault), considerado como um fantasma nascido do dualismo kantiano e aco- Thido por um humanismo simultaneamente quimérico e intranquilizador *. L’existencialisme est un humanisme, segundo Sartre; mas este existencialismo e este huma- nismo séo para Foucault o sonho de uma noite de verao. A «linguagem> estruturalista anuncia, sem mais contem- places, um anti-humanismo que, na verdade, nao é senao um humanismo sem homem nem nome —anénimo — encaminhado a diluir a antropologia do sujeito — quer dizer, do homem como sujeito do conhecimento— numa «entropologia» em que o homem é objecto do seu reco- nhecimento estrutural. Em todo o caso, estruturalismo e existencialismo sé podem ser pensados de acordo com um modelo de correlagGes de oposicio acima descrito: Pols se 0 primeiro motivo procura o que numa dada sociedade fez o homem — ou, como diz Sartre, o que se do homem: as estruturas inconscientes —, o outro ae. Procura_ Sribreeoget © que o homem faz—a ra, a praxis totaliz 6pri ee? p ‘ante que transcende as préprias 0 modelo de inteligibilidade escolhido — sitivis: iganscendentalismo, cientificismo-dialéctica —apresen nos assim como valido, enquanto capaz de nos var a um entendimento e esclarecimento da linguagem —___ 2 Of. M. FOUCAULT, Les mots et les choses (Paris, 1966). Prefécio: «Por estranho que pareca, 0 homer —cujo conhect, Gisnto é considerado pelos ingénuos como a mais velha busca de Sécrates—é indubitavelmente apenas uma brecha na or- das: coisas... No entanto, reconforta e tranquiliza pensar ue o homem no passa de uma invencdo recente, uma figura g.Bem sequer tem dois séculos, uma simples inf'exao no nosso T, € que hé-de desaparecer logo que este tenha encontrado uma forma novas (ed. esp., pp. 89). oe Deste modo, e enquanto o existencialismo denun- oO 43 eee eee rear eager aren aee ears aee eee do homem e sobre o homem. Mas € necess4rio testem nhar aqui mesmo a sua relatividade e limites. Todo modelo, com efeito, é sempre parcial, por simplificador, relativo, por suposto, quer dizer, pelos pressupostos q nele actuam. Estas circunstancias vém ao de cima se, e vez do mencionado modelo geral, escothemos out modelos mais significativos, porque préximos, para antropologia. O que, no modelo escolhido, nos apareci: em contradicao, pode ser, com efeito, considerado enta como em relacio de composic¢ao *. Escolheremos, por estar mais de acordo com a real dade antropolégica que examinamos, e a fim de conseguit um conspectus desde diversas perspectivas, um model nao j4 dual mas triddico, que responda a estrutura t poral do homem-no-mundo: passado, futuro e presente. Em Filosofia, as tendéncias que se conformam a es modelo antropolégico denominam-se, respectivamente: naturalismo, ant¥opologismo e hermenéutica. A natureza, a historia humana ou a linguagem do homem ficam, respectivamente, hipostasiados de um modo metodol gico. Reduzindo a um esquema de inteligibilidade respectivas perspectivas, poderia recompér-se agora seguinte quadro orientador: 1. Naturalismo.—O homem é considerado, com natureza, imerso no seio da Natureza. A compreensao d hhomem radica no seu passado. O homem é o homem qu ® Também o modelo hermenéutico, com 0 qual operamo: no presente trabalho ¢ relative. Mas pode ser considerado com vdlido pela sua tendéncia a uma correlatividade universal, j4 qu nele os pressupostos ¢ regionalismos sao reinterpretados e rei gressados na autocritica (reflexdo) que toda a interpretacd consciente da sua propria interpretacao, diz. Esta «relacdo» fi do modelo hermenéutico um critério auto-regulador da sua ex¢ cuco: tratase de um modelo de correlagGes que define conhecer como interpretar e 0 interpretar como «modelar> (co: preenséo modelar — quer dizer, correlacional; absoluta e relativ —da realidade: Verstehen). 44 foi, ou homem primitivo e natural. Esta concepgao é tipicamente matriarcalista. A este grupo podem associar- “ge as seguintes antropologias: a) Ontologia de Heidegger (II e III): O homem descobre-se como pastor do ser na linguagem que constitui a nossa morada. Antes de. inter- rogar o ser, o homem encontra-se ja julgado pelo ser que fala na linguagem. A antropologia con- verte-se em mitologia e ontologia. Nao € o homem, mas a linguagem, o que propriamente fala: aquele é, se «é» como tem-de-ser, puro ouvinte do ser na linguagem original de que poetas e pensadores cuidam. b) Antropologia estrutural (Lévi-Strauss): Para além do homem e da sua histéria, sao as estru- turas inconscientes, a consciencializar, as que 0 explicam. Por tras do intercimbio e da_desor- dem, por tras das palavras e das coisas, ha que descobrir a linguagem cifrada, 0 cédigo e as regras que dao o sentido as instituigdes e cultu- ras: ultimamente, a linguagem da mente huma- na, idéntica (formalmente) e diversa (material- mente). c)° Metapsicologia e psicossociologia (neofreudia- nas): Mais aquém do homem consciente dorme © inconsciente: este é o que propriamente faz o homem. Trata-se de verbalizar, a fim de aclarar para si mesmo 0 que O insconsciente — estru- turado como uma linguagem (Lacan) — diz do homem. A hermenéutica psicanalitica freudiana ressimboliza os simbolos ocultos, quer dizer, torna consciente, tanto a nivel individual como social, a luta entre Eros e Thanatos e entre gratificacdio e représséo. O esquema da «regres- siva progressdo» tenta dar uma solugdo ao con- flito com base numa dialectizacao integradora 45 de ambos os contendentes; integragdo enten da pela ala direita em pré de uma sublimagi («civilizagéo») de Eros (E. Fromm), e pela al esquerda em pré de uma erotizacdo (desalic nagao) da civilizagao (Marcuse). 2. Antropologismo.—O homem aparece, segundo esta atitude antropologista, como projecto. Deparamo- “nos com uma tendéncia progressista, futurol6gica e utopista—e, na sua vertente intelectualista (culturalis. mo: historicismo), patriarcalista. Podem ser atribuidas a esta corrente geral as seguintes escolas: a) Neomarxismo: O homem, considerado como animal social, est4 constituido pelas relacdes sociais que o fundam (Marx). A compreensao do. homem radica, portanto, na sua realizacao, diri- gida a um futuro melhor (escatologia). A inter- pretacao da realidade diz relacao de verificacao com a realizacao (dialéctica de teoria e praxis). Por isso, toda a teoria, para nao cair em mera ideologia, tem de ser critica (da sociedade) e autocritica (social). Frente 4 abstracta e alie- nada _sintese hegeliana, a sintese marxista nao justifica a realidade com base num sistema de conceitos idénticos (porque identificados) mas, reconhecendo a necessidade de alheamento (Entdusserung) que o homem tem para a sua realizagao, diz que esta realizacao histérica concreta nao tem que ser alienagdo (Entfrem- dung). Esta ultima provém, nao da natureza social do homem — alheamento irremediavel — , como os socidlogos da Escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno, Marcuse), aos quais cos- tuma juntar-se E. Bloch. b) Culturalismo e historicismo: Ambas as filoso- fias, tipicas do século XIX, mas actuantes no nosso século, oferecem-nos a figura do homo progrediens. A cultura, tarefa tipicamente hu- mana na Histéria, emerge do passado e encara o futuro num presente que se constréi com base em ideias e crencas. De Dilthey a Ortega, culturalismo e historicismo encontram nesta perspectiva terra abonada: o homem histérico arranca a realidade muda e estéril da sua insi- gnificancia com base numa simbologia em que aquele subsiste e se reencontra no seu tempo exacto. c) Existencialismo (Marcel, Sartre, Jaspers, Hei- degger I): Na fauna existencialista, o homem nao é um animal essencializado, mas aquele ser a quem calha (acontece) o seu (0) ser (Hei- degger). Agrilhoado e langado ao mundo de que se defende, proveniente de (0) nada e conde- nado a morte, é a decisdo existencial — a decisao de ser o que se €: tempo—a que instala o homem no seu projecto e futurizagdo. Trata-se de comprometer-se com o que a existéncia humana diz: nada e ser, morte e presenga, ima- néncia e transcendéncia, encontro comunicativo e radicago angustiada. 3. Hermenéutica. —Desbloqueado 0 caminho atra- mas da natureza da actual sociedade — alienacao vés das diversas posigées até aqui encontradas A direita remedidvel. Podem citar-se a propésito, como | ©4 esquerda, deparamos com uma atitude universalista e representativos, tanto os humanistas neomar- mediadora, mas desde uma bem definida trajectéria e xistas (revisionistas: A. Schaff, Kolakowski), a | P€rspectiva que daqui em diante compartilharemos criti- que costumam juntar-se os franceses (Garaudy), . 47 camente. Nascida com vocacao de exegese, a herm tica apresenta-se hoje com exigéncias de interpret universal. Proveniente sobretudo da linha do antropol gismo (culturalista-historicista) —humanismo classi Schleiermacher, Ranke, Droysen, Dilthey, Yorck — , neo-hermenéutica actual reviu as suas proprias limita ¢ confinamentos metodoldgicos — método das ciéncias espirito — para conseguir uma critica das préprias c digdes das ciéncias do homem e da natureza, sobretu; com base nas criticas da ontologia fundamental Heidegger I (Ser e Tempo). Deste modo, reingressa historicismo originario da hermenéutica, que é um m -termo, o fundamentalismo imposto pela critica heidi geriana. O homem da neo-hermenéutica aparece, portant aprisionado no «circulo hermenéutico»: sé a partir passado pode entender o futuro, e sé a partir do hoi zonte aberto a um futuro pré-compreendido pode ent der o seu préprio passado. Mas o ponto de insergao passado e futuro e, ao mesmo tempo, o critério de val tizagdo, estéo representados pelo presente impositivo ineludivel de uma linguagem que nos fala e que falami como didélogo vigente (Gespriich: Gadamer). Entender portante, entender-se, e entender-se é entender (0) qu é—que (se) éno-mundo. Deste modo, a hermenéuti ha-de ser entendida como uma filosofia nascida de w situacao dialéctica dialecticamente sustentada. Mas, fret te a escatologias e arqueologias, a sua Posigao € actu lista: pela compreensao original-radical do seu propri presente (horizonte), o homem é capaz de assumir seu passado e de abrir o horizonte do seu futuro, A ati- tude fundamental do homem nao aparece nem como Progressiva nem como regressiva, mas como «ingressiva», quer dizer, integradora. Instalado na linguagem, o homem da hermenéutica aparece como «moderador» (relator) no forum publico da filosofia actual. Antes de este homem-coordenador, tal como nés 0 entendemos e pretendemos, entrar em didlogo, apresen- 48 taremos 2 seguir, brevemente, 0 movimento hermenéuticg 5, O modelo hermenéutico H. G. Gadamer, com o seu livro nao traduzidg Verdade e Método: Fundamentos de uma Hermenéy. tica Filosdfica, de 1960", deve ser considerado como o pai do actual movimento hermenéutico. Este movimento, we na Alemanha é o lugar comum da actual discussag filoséfica ‘8, € representado em Franca por P. Ricoeur que o confrontou com o estruturalismo, o existencia. lismo, a psicandlise e a fenomenologia religiosa—e em Italia por E. Betti". A este quadro que a neohermenéy. tica apresenta haveria que acrescentar as hermenéuticas regionais, das quais as mais relévantes sao a Hermenéy. * Wahrheit und Methode (Tiibingen, 1965, 2+ melhores livros de filosofia aparecidos depois da H. G. GADAMER, filésofo ¢ fillogo, € pouco conhecido em Espanha. Chefe espiritual da Escola de Heidegger e professor na Universidade de Heidelberg, dirige a revista Philosophische Runschau ¢ foi presidente do congresso alemao de_filosofia, Vejam-se também os trabalhos hermenéuticos de GADAMER tecolhidos em Kleine: Schriften (Tiibingen, 1967). i Alem de contribuir para a conexao da Escola de Heideg. er (Apel, Péggeler, Schulz), a actual hermenéutica gadamerian, Oi ja posta em didlogo com as tendéncias mais salientes. Assim: fein Tapnplo, com a Teoria critica (HABERMAS), com Wittgens. tein (APEL), com a. filosofia légico-analitica (KAMLAH-LOREN. ZEN), com ‘a teoria da ciéncia (WIELAND), com a metafisicg (CORETH); vejam-se os materiais reunidos’ na Homenagem a er, Hermeneutik und Dialektik (editada por BUBNER. -CRAMER.WIEHL). thor, Cf P. RICOEUR, .Le conflit des interprétations. Essais dihhermenéutique (Paris, 1969) e E. BETTI, Die Hermeneutik als allgemeine Methodik der Geisterwissenschaften (Tiibingen, 1962), ed.) € um dos Ultima guerra, 49 tica teoldgica e a Hermenéutica juridica". Se a istg acrescentarmos as origens préprias e vastas da ac! hermenéutica, o seu significado e universalidade terag ficado indicados *. As origens da hermenéutica filoséfica, prescindindg dos seus antecedentes propriamente teoldgicos, assim como juridicos, humanisticos e artistico-literérios, remon tam a Schleiermacher (veja-se a sua obra Hermeneutik). Para ele, interpretar é reconstruir um entendimento com parativo (objectivo) e adivinhatério (subjectivo) do texto em questéo. O ponto decisivo radica, porém, no entendimento subjectivo: trata-se de interpretar por congenialidade, tarefa poss{vel e possibilitada pela Razio Universal de que texto e intérprete participam. Por isso, o método propugnado por Schleiermacher é um método simpatético: interpretar é interpenetrar no outro pa " Sobre a hermenéutica teolégica—enraizada na_escol de-Bultmann com Fuchs e Ebeling 4 cabeca—cf. The New Her- meneutic (New York, 1964), editado por ROBINSON-COBB; para a hermenéutica juridica veja-se E. BETTI, Teoria generale della Interpretazione (Milan, 1955). __" Em Espanha, E. LLEDO, discfpulo directo de Gadamer e, como este, filésofo e fildlogo, é 0 representante da neo-hermenéu- tica (cf. Filosofia y Lenguaje, Barcelona, 1970). Frente a esta tendéncia germanica cabe citar, com todo'o direito, como repre sentante sui juris da hermentutica Iégico-analitica anglo-saxénica, J FERRATER MORA (cf. Indagaciones sobre el lenguaje. Madrid, ). 0 autor do presente trabalho levou a cabo uma investigacdo do modelo hermenéutico implicito na obra do espanhol, tam- bém filésofo e fildlogo, AMOR RUIBAL. © resultado ’ desta andlise poderia condensar-se—frente & formulacdo ideolégica «tudo € relativo»—na mais critica: tudo € correlative. Resultado gue encontra o seu fundamento de inteligibilidade na compreen- sao da realidade como relacionalidade (relatividade), cujo sentido é ultimamente dialdgico (lingutstico): a comunicacao da realidade omnimoda (relacionalidade: relato; Seinszusammenhang: Sprach- lichkeit ; cf. A. ORTIZ-OSES, Hermeneutik der Philosophie von Amor Ruibal (O relativismo hermenéutico de Amor Ruibal como filosofia do logos), tese de doutoramento na Universidade de Insbruck, 1971. 50 ité-lo e sabé-lo. Em Schleiermacher torna-se cons- sjente a peculiar tarefa hermenéutica, que nao consiste neramente em 2 0 dito, mas em en-tender o autor ‘melhor do que ele se entendeu @ si mesmo, com base ‘num esforco reconstrutivo das partes a partir do todo, im comodo todo nas partes. - om Dilthey (cf. Einleitung in die Geisteswissen- schaften) o problema hermenéutico alcanga uma centra- io definitiva. Dilthey é o primeiro a distinguir ciéncias natureza e ciéncias do espirito; as primeiras caracteri- zam-se pelo uso de um método causal explicativo, as se- idas por um método psicolégico implicativo (quer r, compreensivo) *. A hermenéutica, como execucaio compreensiva da vida espiritual (animica), constitui-se assim no fundamento das ciéncias do espirto. Porque nas ciéncias do espirito se ausculta o espirito objectivo na sua vida histérica, e porque esta possui uma estrutura auto-interpretativa imanente, a tarefa do hermeneuta é a tarefa do historiador, e este ha-de re-viver (Erleben) a evivéncia» que sustenta a objectivacio do espirito na histéria. Mas ha-de ser Heidegger I (Sein und Zeit, 1928, pardég. 31 e 32) quem, superando o romantismo de Schleiermacher e o historicismo dilthéiano, fundird a her. Menéutica numa ontologia fenomenoldgica de cardcter universal (fundamental). A hermenéutica nao é ja consi- derada como um procedimento especifico das ciéncias do €spirito, mas como o verdadeiro contetido da nova ontolo- gia fundamental. Esta nao é senao uma analitica do ser humano, a qual nao diz por sua vez senao uma herme- néutica (fenomenolédgica) do ser humano como lugar de revelacéo do ser. O «compreender» ( Verstehen) nao é ja um privilégio de certos momentos conseguidos com técnicas especiais, nem uma regio exclusiva das ciéncias -—l * J& Droysen tinha distinguido entre o método das cién- Gi paturais (Erkldren: explicar) e 0 das ciéncias histéricas Werstehen: compreender). 51 do espirito, mas um «Existenzial», quer dizer, a propi estrutura do ser humano, que se caracteriza como co preensdo-do-ser (Seinsverstandnis). Compreender € trang cender as coisas (entes) em direcc¢ao (sentido) ao se (Grund). Mas este Seinsverstiéndnis é, ultimamente, un compreender-se com o ser, quer dizer, autocompreensao a partir do ser. Compreender as coisas, sabé-las, € com preendé-las no horizonte do ser que as acolhe e as «és, e isso sé é possivel com base na pré-compreensdo que o homem possui («é») daquele horizonte, que se aclara historicamente, fenomenologicamente, hermeneuticamer te. Compreender algo € compreendé-lo como algo, que dizer, como pertencente ao ser, o qual, por sua vez, s6 sé revela na propria autocompreensao do ser-no-mundo sempre j& mediado — do homem (Da-sein: homem como lugar [mundo] do ser) *. Schleiermacher, Dilthey e Heidegger concebem, pois, uma hermenéutica da compreensdo humana como auto compreensio do homem no seu mundo (outro, texto). Mas hd uma hermenéutica que nao se concebe como interpretagéo da compreensao humana como tal, mas. como interpretacao da linguagem. Esta hermenéutica da linguagem, comecgada por Platao no Cratilo, recolhida desde a sua propria perspectiva pelo nominalismo me- dieval e posta em evidéncia na Idade Moderna (Vico, Ha- mann e Herder), encontra em Humboldt a sua figura universal. Para Humboldt, a linguagem nao é, propria- mente, nem uma Weltanschauung (cosmovisao: ideolo- gia) nem um Weltbild (concepgao do mundo), mas primariamente uma Weltansicht (panorama do cosmos? mundovisdo) e Zwischenwelt (mundo intermédio media- dor). A linguagem diz, segundo esta hermenéutica lin- guistica, a auténtica.compreensao da realidade; esta compreensio da realidade, simultaneamente objectiva € * Cf. E. CORETH, Grundfragen der Hermeneutik (Friburgo, 1969). Trata-se de um excelente manual de hermenéutica filosé- fica, cuja traducdo apareceu na Herder (Barcelona). 52 pjectiva, realiza-se gragas a forga nativa do espfrito nano, criador e dinamico, que se objectiva e se auto- ntra na linguagem de um modo simultaneamente dual e social. Esta é, portanto, e primariamente, mais enérgeia que érgon e mais forma que substdncia. Dito esquematicamente, e frente 4 concepgao positivista Jinguagem como objecto mediador da realidade ime- diata —objecto de andlise (cf. Locke) —, a linguagem a] em Humboldt como sujeito constitutivo da reali- Bide ‘mediada — sujeito de sintese. Com isto, inicia-se decisivamente a tradigao idealista-transcendental da lin- guagem, continuada hoje por Weisberger e fundida por Heidegger III, frente & qual a filosofia analitica da lin- agem (Wittgenstein), com o seu entendimento positivo ffpresmstico: funcional-operativo) desta mesma, simul- taneamente representa e continua a tradigao empirista anglo-americana ™. 6. A hermenéutica transcendental-existencial de Gadamer No meio deste status quaestionis de uma hermenéu- tica do conhecimento e de uma hermenéutica da lingua- gem”, aparece a figura de Gadamer com caracteristicas Para o problema hermenéutico da relaco entre lingua- gem, pensamento e realidade na histéria da filosofia moderna € contemporinea da linguagem, vejase S, J. SCHMIDT, Sprache Wd Denken als sprachphilosophisches Problem von Locke bis Wittgenstein. Den Haag, 1968. ® Podemos distinguir na verdade as seguintes posicdes! a) Hermenéutica transcendental do conhecimento: conhecer é em Ultima instancia, reconhecer-se (Schleiermacher, Dilthey, Heideg- ger I); b) Hermenéutica transcendental da linguagem: conhecer € reconhecer-se na linguagem (Herder, Humboldt, Weisberger, Heidegger III); c) Hermenéutica imanente do conhecimento: co" ser € conhecer a realidade que nos «é» (Bollnow); d) Herme- néutica imanente da linguagem: conhecer é conhecer primeira- mente a realidade funcional e convencional da nossa linguagem €m uso (ordinary languaje philosophy, Wittgenstein 1). 53. conciliadoras entre aquela posicao proveniente das cig cias do espfrito e esta proveniente do idealismo. representa, pelas duas filiagdes, a tradicio transcendey tal, e tanto a sua pretendida universalidade como os s prejudicada de antemao ao ser entendida, em perigosa circularidade, como 0 «entendivel» sem mais (Sein, das verstanden werden kann, ist Sprache) *. O que para Dilthey era conflito entre o explica cientffico ¢ 0 compreender hermentutico torna-se, Gadamer, decisdo a favor da compreensdo hermenéutica como prévia e fundante—e aqui est4 a novidade — de: todo a compreensao, incluindo a explicativa ou cientifico ® Cf. Wahrheit und Methode, p. 450; veja-se critica desta posicéo por parte de outra posicao cientificista em: L. KRUGER, Uber das Verhiiltnis der hermeneutischen Philoso- phie zu den Wissenschaften, cf. Hermeneutik und Dialektik, 1, Pp. 22-23: keine Sprache wire verstdndlich, wenn nur Sprache verstanden werden kénnte. Cf. também a critica por parte da posic&o légico-analit em KAMLAH-LORENZEN, Logische ropddeutik (Mannheim, 1967), paginas 27 e 149. Perante uns e€ outros —e enquanto préxima de ambas as posigdes — aceitare- mos pela nossa parte a reducao gadameriana da hermenéutica do conhecimento a hermentutica da linguagem; s6 que esta hermenéutica ndo tem que ser irrecus4vel e parcialmente uma hermenéutica transcendental-idealista (Gadamer), nem mera- mente imanente-positivista (ou operacional: Kamlah-Lorenzen). Em todo o caso, uma hermenéutica filoséfica deveria levar a cabo uma interpretagdo da estrutura complexa da linguagem, concebida como transcendente-imanente, objectiva-subjectiva e mediataimediata. A hermenéutica lingufstica em questao seria em todo 0 caso uma hermenéutica estrutural — de que a «estru- turalista» apenas é uma vertente. reducionista—da linguagem, Para a qual hoje sé possuimos materiais dispersos, ainda que va'idos. -A importancia do ultimo Heidegger e do ultimo Wittgenstein acerca desta questao foi salientada magistralmente por K. O. Apel. 54 ralista. E o que em Humboldt era luta dialéctica da em em-enérgeia frente a linguagem-érgon, converte-se Gedamer em declaracéo de direitos universais da iguagern-eniérgeia (ou linguagem como energia do es- ito subjectivo humano) sobre a linguagem-rgon (ou b m como obra [espirito objectivo} material — agem ordindria — ou formal — linguagens artificiais —do homem). A razdo daquela decisdo e desta declara- é clara: toda a compreensao auténtica diz interpre. fo, e toda a interpretacao diz propriamente interpre- tacao de (uma) linguagem. Esta ultima é assim 0 medium e mediacdo universal, necessdria e suficiente, de toda a compreensao e interpretacao. : : . Com estes esclarecimentos ficam prescritas, simul- téneamente, a validade e a relatividade da nova herme- néutica. Imediatamente, e se a compreensao_ é definida em cada caso como interpretacao, a hermenéutica cons- titui-se na filosofia primeira, Mas precisamente por 0 nosso conhecimento ja ser sempre interpretativo, nao se da conhecimento absoluto, mas compreensao perfecti- vel e gradual. Mas, antes de nos pérmos a criticar, mos- traremos o ponto de incidéncia da hermenéutica de Gadamer reduttvel, de acordo com o ja dito, aos seguin- tes pontos: a) O conhecimento propriamente dito diz com- preenséo; compreens4o diz interpretagao e in- terpretacdo diz linguagem, quer dizer, integragao na e pela linguagem. b) A interpretacado ¢ entéo uma transposicao (tra- dugdo) de uma linguagem (texto) para a nossa linguagem. Toda a interpretagiio é, pois, trans- formagao do interpretado para a nossa con-dic- cionalidade. c) Esta transformacao, que induzimos em todo o trabalho hermenéutico, hd-de adaptar-se no en- 55 56 d) e) £) tanto ao objecto (Sache).como ao seu mod de verificac4o. O critério da hermenéutica cont nua a ser a mensuratio ad rem. validos em cada caso da realidade feita lingua- gem, e a julgar de acordo com as regras que 0 jogo imp6e: «sao» esta mesma realidade como tal, quer dizer, como realidade com sentido e Toda a interpretacdo é, enquanto tal, dialécti inteligibilidade. Interpretar é interpretar-se, e quer dizer, objectivo-subjectiva. Mas esta dial interpretar-se é ser interpretado pela auto-inter- tica, longe de opor 0 sujeito ao objecto —e vi pretacéo que a pepe realidade leva a cabo -versa—reintegra a interpretacdo no regi como shistéria linguistica (Sprachgeschehen). g) Interpretacdo €, pois, «linguagem» (Darstellung: ambos sob a direccao de sentido que.a prépri: Ee ene cer oe i meee hi S SOU a 5% s que .a propr (cendrio: terreno de jogo da interpretacao) ™m hist6ria impde enquanto interpretacdo efecti que tanto oa objecto (texto) como o sujeito ineludivel (Wirkungsgeschichte). A Hist6ria & (intérprete: actor) ficam dissolvidos. Interpre- que primeiramente interpreta, desenvolvendo as. tar é, portanto, deixar que a linguagem diga 0 possibilidades e sentidos ocultos, com base na que nos tem a dizer*. dicc4o e reedicéo que o tempo como aconteci- mento humano fundamental impée. Tag, ictéria, sujeito da nossa propria interpre Critica: Hermentatica criicoestrutural da linguagem tagao, acaba por ser linguagem, texto a compro- var, jogo a conjugar, didlogo a realizar. Portan- to, a verdade é um acontecer (Geschehen: suce- A hermenéutica de Gadamer é, pois, uma hermenéu- der) que nos acontece, mas ndo sem a nossa tica filosdfica — e, enquanto tal, quer ser um aspecto uni- prépria colaboragao e acordo verdadeiro («cor- versal ¢ fundamental da filosofia que nés mesmos pres- dato») que pode apresentar a forma privada do suporemos, se bem que de acordo com as criticas feitas des-acordo — que no é sendio um acordo implf- | © por fazer. Quando falarmos de hermenéutica referir- cito — «correctivo» dessa histéria. nosemos A neo-hermenéutica, representada especial- ie : : . mente por Gadamer sobre caminhos heideggerianos, mas A relacaéo radical mediadora (Vermittlung) | de acordo com as préprias restricdes e ampliacdes que entre objecto e sujeito de interpretacao enten- de-se sobre a base de uma critica ontolégica da obra de arte: a obra de arte—como a hist6ria,. como. 0 jogo—é mais sujeito que objecto de interpretacdo. Assim como a essén- cia duma obra artistica radica, em cada caso, como a da histérid € a do jogo, na sua auto. -expressGo e auto-exposicao ( Selbstdarstellung) ou representagdo, assim também as nossas interpretagdes sdo meros orgaos interpretativos assinalamos. Para nés, é evidente que toda a compreensao é uma compreensao hermenéutica (interpretacao) e que toda a interpretagao € interpretacao «da» linguagem. Haveria, Pois, que redefinir a hermenéutica, nao como ciéncia ¢ ——. ™ . Cf. GADAMER, op. cit,, 3+ parte, pp. 361 ss.; para a herme- Réutica da arte e do jogo, pp. 97 ss.; para a hermenéutica histo tcista, pp. 250 ss. e 477 ss. 57 arte do conhecimento (quer o seu objecto sejam ou ideias), mas como interpretacao da linguagem. isso, redefinimos uma mera hermenéutica da compre sdo— que mesmo como «compreensio linguistica» (i damer) apenas se coloca a verdade dessa me: compreensao — como hermenéutica critica da linguage; Pois que interpretar nao é apenas «compreender» o qi a linguagem nos diz— deixd-la falar: Gadamer —, m também atender ao que a linguagem cala, fazé-la fala verificd-la. Pois mais aquém da funcéo mediadora da guagem, segundo a qual objecto e sujeito ficam neutra zados no seu medium linguistico, reaparece sempre novo a correlativa funcgao imediadora, segundo a q «objectivo» e «subjectivo» sdo valores que se disputa um lugar no discurso regulamentado, de acordo com; critério que mundo e homem ao encontro tenham estab lecido in re e restabelegam em cada caso cum re. E o problema da mediagao hegeliana o que grav aqui e que ha-de ser deslocado desde a sua exposit especulativo-transcendental (idealista) A sua reexposi critico-estrutural. Dito numa hermenéutica semantica trata-se de controlar o chamado «circulo hermenéutia da compreensao» — dialéctica implicadora de sujeito objecto (intérprete e interpretado) — , radicando-o, além do seu estatuto abstracto, na estrutura transparei da linguagem. A linguagem —e nao uma mera dialéctia histérica (Wirkungsgeschichte: Gadamer) —é 0 que pode verificar, enquanto linguagem submetida a ling gem (didlogo: critica), a verdade da compreensdo human essencialmente linguistica. A linguagem significa, poi para nés, a interpretagao primeira — mas nao a definiti va, sem mais nenhuma definicao — da realidade e do h mem, entendida de um modo ou outro, mas sempre 0 signo origindrio da articulacéo (linguagem: Sprachlicl keit) nas linguagens daquela (realidade) e de est (homem). e E que toda a interpretacao é, transcendendo a suf prépria autognose, compreensdo «real». Portanto, nal 58 razio histérica, mas razéo hermenéutica — razao fog —capaz de auscultar a verdade da linguagem; 4 nao consiste num mero desvelamento (exitus: suces- (Gadamer) nem num mero acordo (conformidade: coldstica), mas num apalavramento com a realidade, ym consentimento, e néo num mero convénio e€ conve- incia (positivismo) do homem com a realidade de que 4 testemunho e na qual este é antes apalavrado por ela que apalavrador da mesma. A verdade é, entao, ‘anto «mundo» (natureza) como chistéria» (cultura), e ‘go en-tendimento que precede e situa todo o conhecimento é mais compreensao (consentimento, Mit-versténdnis) com a realidade prevista e imprevista que autocompreen- sao, pré-compreensfo (Vor-verstindnis) ou projecto io. Se perante mas também juntamente com a herme- néutica transcendental-existencial de Gadamer, redefini- mos aquela como hermenéutica critica da linguagem (e nao do mero entender), precisamos de aclarar o que entendemos por linguagem. Por «linguagem» entendemos agora ndo apenas o lugar do desvelamento da verdade, a forma que conforma toda a interpretacdo ou a enérgeia que ilumina o espelho do nosso entender, mas também érgon a ter em conta, matéria signata veritate et errore. Juntamente com a mera Sprachtopik de Gadamer con- vém utilizar uma auténtica Sprachkritik (Wittgenstein), e juntamente com a analéctica da linguagem ha que soterrar uma analitica da mesma (Sprachanalytik). Pe- tante a tendéncia esteticista de Gadamer, segundo a qual ha que trazer tudo & linguagem para proceder & sua reve- lacdo, h4 que opér uma tendéncia complementar segundo aqual hd que devolver criticamente a linguagem ao todo da realidade—um silenciamento terapéutico do pensar transcendentalista — para proceder analiticamentt & sua Yerificagao. Se 0 que somos é um «didlogo» (Gespriich: Hélderlin), a verdade do didlogo nao radica num falar Para nao estar calado—onde tudo é simultaneamente 59 verdade e mentira—, mas num falar para calar, 9 algo é mais ou menos verdadeiro e falso™. EM RESUMO: perante o conformismo gadameri em cuja hermenéutica compreender € re-conhecer-se (ou interpretado: Gesprochensein) no espectaculo coy nitario (speculum: jogo) que a Linguagem nos oferece realidade prépria e alheia, uma Hermenéutica estrut tenta desfazer a miragem de um «compreender-se» preensio existencial) dado por suposto (transcendent: com o fim de conseguir, através das brechas abe (critica) da linguagem, uma inter-verificagdo de home: mundo, tanto ao nivel consciente da «fala», como ao nfvt inconsciente da «lingua». S6 assim—e nao ao cont rio—i. é, a partir deste procedimento critico-estrutu: é possivel conseguir a cristalizacio ultima (sentido) Linguagem como estrutura «ldgica» (simbélica: co-re cionante = logos) fundamental que apalavra— deste daquele modo, mas efectivamente — mundo e home! De quo, postea. a * Habermas criticou Gadamer neste sentido, em nome Teoria critica da sociedade: veja-se J. HABERMAS, Der Unit salitéts —anspruch der Hermeneutik, em Hermeneutik und lektik, pp. 98, 100 ss. Para uma introdugao ao problema da analis linguistica, cf. J, WILSON, Language and the pursuit of -ti (Cambridge, 1956). Para uma excelente avaliacao da actual fil fia da linguagem, cf, K. 0. APEL, Sprache und Wahrheit in de gegewartigen Situation der Philosophie, em Phil. Rundsch. (1959), pp. 161 ss. mo se vé, entre uma hermenéutica transcendentalista uma hermenéutica analftica, atemo-nos a uma hermenéutica trutural da linguagem considerada como lugar de articulag (logos) da «transcendentalidade» e da «imanencialidade». 60

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