De que riem os indios?
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Tntrigado pelas gargalhadas dos indios Chulupi ao ouvirem a narrativa de um mito, o antropélogo Pierre Cl
propde levar a sério aquilo que os mitos tém de engragado. O trecho abaixo foi extraido do ensaio “De que riem os
indios”, publicado em A sociedade contra o Estado. A obra, publicada pela Ubu na colecao Argonautas, busca
stabelecer um contraponto ao lugar um tanto solene que a mitologia amerindia passou a ocupar depois da
publicagao contundente dos quatro volumes das Mitoldgicas de Claude Lévi-Strauss.
os mitos podem [...] desenvolver uma intensa impressiio de cémico; eles desempenham as vezes
a funcio explicita de divertir os ouvintes, de desencadear sua hilaridade. Se estamos
preocupados em preservar integralmente a verdade dos mitos, nao devemos subestimar 0
alcance real do riso que eles provocam e considerar que um mito pode ao mesmo tempo falar de
coisas solenes e fazer rir aqueles que o escutam. A vida cotidiana dos “primitivos”, apesar de
sua dureza, ndo se desenvolve sempre sob o signo do esforco ou da inquietude; também eles
sabem propiciar-se verdadeiros momentos de distensdo, e seu senso agudo do ridiculo os faz
varias vezes cagoar de seus proprios temores. Ora, ndo raro essas culturas confiam a seus mitos
a tarefa de distrair os homens, desdramatizando, de certa forma, sua existéncia.Os dois mitos que vamos ler pertencem a essa categoria. Foram recolhidos no ano passado
[1966], entre os indios Chulupi, que vivem ao sul do Chaco paraguaio. Essas narrativas, ora
burlescas, ora libertinas, mas nem por isso desprovidas de alguma poesia, sto bem conhecidas
de todos os membros da tribo, jovens e velhos; mas, quando eles tém vontade de rir realmente,
pedem a algum velho versado no saber tradicional para conté-las mais uma vez. O efeito nunca
se desmente: os sorrisos do inicio passam a cacarejos mal reprimidos, 0 riso explode em francas
gargathadas que acabam transformando-se em uivos de alegria. Enquanto esses mitos iam
sendo gravados, a algazarra de dezenas de indios que escutavam velava por vezes a voz do
narrador, ele mesmo prestes, a cada instante, a perder o sangue-frio. Nés n&o somos indios, mas
talvez encontremos, ao escutar seus mitos, alguma razdo para nos alegrarmos com eles.
Outro mito, que mostra um pouco do humor das narrativas indigenas, é a historia de Makunaima, Recolhido pelo
viajante alemao Theodor Koch-Grimnberg, em 1902, 0 mito inspirou Mario de Andrade a escrever seu romance
mnico Macunaima
O irméo mais velho percebeu que Makunaima andava com sua mulher. Foi cagar, mas voltou do
meio do caminho para espreitar 0 menino. Esperou perto do lugar onde a mulher sempre ia com
Makunaima. Ela veio com o pequeno no braco. Quando chegou atras do morro, sentou a
crianga no chao. Entéo Makunaima transformou-se num homem. Foi crescendo cada vez mais
(0 menino era muito gordo). Depois, ele deitou-se com a mulher e a possuiu. O irmao viu tudo.
Tomou de um pau e surrou Makunaima horrivelmente.
Foto: Claudia Andujar