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CAPITULO VII COMPORTAMENTO EMOCIONAL Existe grande concordéncia na proposi¢do de que emogio e motivacdo esto estreitamente relacionados. Assim, se definirmos estado motivacional por um mpulso ou “drive” que impele 0 organismo a alguma agio que visa a satisfagZo de objetivos ou resulta em ‘aumento ou diminuicao de um conflito, a emogio seria a conseqiiéncia de um comportamento motivado, quer tenhaounfio cumpridosua finalidade. Na visio de alguns autores, entretanto, a motivagdo é apenas mais um dos componentes da emogio, ao lado dos componentes endécrino, autondmico, sensorial ¢ motor. De fato, a experiéncia emocional nao é um fenémeno unitirio, varia de pessoa para pessoae € 0 resultado de varios even- tos. No caso mais simples a emogao se expressa por um ato motor, de natureza motivacional, desencadeado por sensagées provocadas por estimulos sensoriais do meio onde seencontra o individuo. A emogio, entretanto, pode incluir um conjunto de pensamentos ¢ planos sobre um evento que ji ocorreu, est ocorrendo ou que vai aconte- cere manifestar-se através de expressbes faciais caracte- risticas. Ao lado disto, podem ocorreralteragdes endécri- nas ¢ autonémicas importantes, tais como garganta e ‘bocasecas, sudorese nasmios eaxilas, aumentodos bati- ‘mentos cardiacos e da respira¢io, rubor facial, tremores cas extremidades e, dependendo da intensidade da expe- rigncia emocional, incontinéncia urinéria ¢ intestinal ‘Uma das definigdes mais simples de emogiorefere-se a manifestacao de reages psicomotoras, geralmente acompanhadas de alteracdes neurovegetativas em res posta a um estfmulo ambiental. Se atentarmos para esta~ dos como amor, raiva, alegria, culpa, medo ete. observa~ remos que,além de serem estados emocionais,eles pouco tém em comum, Umaiias teorias gerais das emogies su tenta que o elemento comum ligando todas as emogdes & {que elas representam alguma reagio a um “evento refor- ador” ou a sinais reforgadores condicionados. Os refor- adores podem atuar como estimulos recompensadores {porexemploalimento, seo animal esté faminto, edguase ele esté com sede) ou punitivos (um estimulo doloroso, por exemplo). No primeiro caso, 0 estimulo “apetitivo” aumenta a probabilidade de emisséo futura de respos ‘coma qual a apresentacao do estimulo é contingent. No segundo, o estimulo "sversivo" diminui esta probabili- dade. A qualidade espeeffica de uma emogio particular resulta de dois fatores: 0 tipo particular do evento reforea- dor envolvido e o conhecimento prévio pelos individuos destes eventos. Com base nisto, o medo, por exemplo, ‘pode ser um estado decorrente de um proceso punitivo u, ainda, um estado que leve um individuo ou animal a executar uma tarefa para terminar, escapar ou evitar um determinado estimuloaversivo. O medo também pode ser ‘uma forma de reagiio emocional a ameaca de punigdo, onde punigo pode ser operacionalmente definida como ‘uma reduc da probabilidade futura de ocorréncia de ‘uma resposta especifica como resultado da apresentagio de um estimulo para aquela resposta, 7.1. ASPECTOS EVOLUTIVOS ‘Segundo Darwin, dado 0 carter evolutivo do com- portamento emocional, a sua compreensio no homem depende, em grande parte, do estudo do comportamento de outros animais (Fig. 7.1). Os fundamentos do estudo cientifico da biologia das emogbes esto delineados no livro "A expresstio das emogGes no homem e animais” publicado em 1872, onde Darwin, aborda a origem ¢ 0 desenvolvimento dos prineipais comportamentos emo- cionais em homens e animais. Para Darwin as expres ses emocionais podem ser compreendidas com base em 8s prin. 1) Principio da utilidade dos hdbitos — Os animais cexpressam o significado de suas emogGes aos outros ani- mais através de alteragdes comportamentais caracteristi- cas. S80 intimeros os exemplos desta situagio. Ranger dos denteseexibigdo das garrasacompanham oataque is presas. Retragio das orelhas na iminéneia de um ataque defensivo expressa autopreservacio. Os chimpanzése os homens franzem as sobrancelhas indicando desagrado. Obocejo pode indicar tensdo, e um meio-sorriso susten- tado pode representar temor em resposta a um constran~ gimento. Exisie obviamente um componente genético no curso da evolucdo das expressies faciais derivando um significado para os outros individuos. Assim, a retraco dos labios sobre os dentes pode indicar medo, enquanto a exposigio dos dentes pode expressar raiva. A seguir, reproduzimos um relato impressionante sobre o medo, feitopor Darwin, quese constitui numa das mais comple- tas descrigies psicobiolégicas de um estado emocional, existentes na literatura: "CO medo € freqiientemente precedido pelo espanto, ¢ se assemelha tantoa este, que ambos despertam instinti ‘mente os sentidos da visio e da audi¢ao, Em ambos os casos. os olhos € a boca ficam totalmente abertos & as sobrancelhias se levantam. O homem amedrontado, aprin- cipio, fica como umaestitua, imévele sem respirar,ouins- tintivamente abaixa-se, paraescaparaobservagio, Ocora- lo bate ripida e violentamente, de modo que palpita ou bate contra as costelas; mas é bastante duvidoso se ele tra- bbalha mais eficientemente do que o habitual para enviar ‘maior quantidade de sangue a todas as partes do corpo, ‘uma vez. que a pele torna-se instantaneamente pailida, como durante uma vertigem incipiente, Entretanto, esta palidez da superficie do corpo provavelmente devida,em sande parte ou exclusivamente, a0 fato de 0 centro vaso- ‘motor ser afetado de modo a causar a contragao das arte~ riolas da pele. A maneira como a pele ¢ influenciada pela sensagio de medo intenso s¢ reflete na forma impressio- nante e inexplicivel com que a transpiragio imediata- 119 Comportamento Emocional Fig. 7.1 - Expresso de emogies em animais segundo Darwin. A ¢ B:posturas de ameaga representadss por pélosericados,caudalevantadas «© exposigio dos dents (principio da utilidade dos habitos).C e D: Posturassubmissas em cles e ratos contrastando com a postura sdeameaga (antitese).(Reproduzido de Gray, 1987, com permis ‘mente brota dela. Esta exsudagdo € ainda mais surpreen- Gente, na medida que a superficie permanece fria, dat 0 termo suor frio, mas a seguir as glindulas sudoriparas so convenientemente excitadas para a agdo e a superfi- tomma-se aquecida, os pélos da pele ficam eretos € 08 miisculos superficiais tremem; juntamente com a aco alterada do coragdo arespiracdio se acelera. As glindulas salivares funcionam irregularmente; a boca torna-se seca, ubre e fecha com frequencia, Tenho também obser- vado que sob medo leve ha uma forte tendéncia a boce- Jar. Um dos sintomas mais marcantes €0 tremor de todos ‘os miisculos do corpo, sendo este freqiientemente visto nos Kibios. Por este motivo, e pela secura da voz toma-se rouca ou indistinta, ou pode falhar completamente 2) Antitese — Nesta condigao, dois estados motiva- cionais opostos em prineipio (por exemplo, comporta- mento agressivolcordialidade) também se expressam de forma oposta. Unta situacao comum em virias espécies, incluindo o homem, & oposic20 entre o olhar fixo (sig nificando dominancia e iminéncia de um ataque) € 0 olhar para baixo (significando submissio). 3) Agdo direta do sistema nervoso central —Diz res- peito aos ajustes fisiolgicos que esto envolvidos em uum determinado estado emocional, que so preparaté- rios para o estabelecimento de um curso apropriado de 120 ago. A maioria dos ajustes envolve o sistema nervoso autOnomo eo sistema endéerino. ‘As memsrias emocionais associadas a0 medo condi- cionado sao observadas em muitas espécies animais. ‘Uma vez estabelecida a memsria de um evento aversivo clase tomarelativamente permanente. Os genes determi- znam express6es comportamentais defensivas similares dentro das espécies e Fungdes defensivas parecidas atra- vvés das espécies porque os sistemas neurais de defesa esto preservados ao longo da evolugdo. Assim, compor- tamentos espécie-especfficos para fugir ou evitar 0 pre~ dador ou os estimulos que ameacem a sobrevivéncia do ‘animal apresentam caracteristicas comuns ao longo da escala evolutiva. Sem divide, a identificagto dessas res- ppostas em vertebrados sugere que 0s circuitos cerebrais para esta forma de medo sao similares em diversas espé- cies animais. Em razio disso, sabemos hoje que compor- tamentos de medo so mais eficazmente modificados através da caracterizaedo e do controle das respostas emocionais aos estimulos aversivos do que através de procedimentos voltados para a eliminacao da meméria emocional, Portanto, respeitadas as caracteristicas das espécies, os resultados de estudos destes comportamen- tos em animais inferiores podem ser titeis para a com- preensio da neurobiologia do medo no homem, Neste contexto, a biologia molecular torna-se muito impor- tante na medida que precisamos conhecer como os genes contribuem para.as diferengas das reagbes dedefesaentre individuos aos mesmos estimulos aversivos. Algumas pessoas so excelentes em detectar perigos & sua volta ‘enquanto outras nao Ihes do importdncia. Diferencas de comportamentos de medo entre individuos so, em larga ‘medida, devidas & variagdo genética. Uma melhor com- preensio dos mecanismoscerebraisem estudos com ani- mais pode levar os pesquisadores & descoberta de novos ‘ratamentos de distirbios da ansiedade em homens, tais como ataques de pinico ¢ fobias. 7.2. AJUSTES FISIOLOGICOS DAS EMOCOES Os ajustes fisiol6gicos das emogbes serdo aqui des- critos de forma pormenorizada porque a compreensio destes fatores serd muito importante para o entendi- ‘mento de algumas teorias propostas para as emogdes, particularmente a teoria da adaptacio geral de H. Selye, como veremos mais tarde neste Capitulo. 7.2.1. Respostas imediatas Os principais sinais fisioldgicos das emogGes so decorrentes da estimulacdo do sistema simpstico, parti- cularmente da medula supra-renal. O simpstico € ativado emiodasas situagées de alertae prepara oorganismo para ‘uma acdo de emergéncia como fuga ou luta. Estas altera- Ges caracterizam-se pelo aumento da pressio arterial € freqiénciacardiaca, permitindo que ooxigéniosejabom- eado mais rapidamente; contragdo do bago, liberando hemcias para o transporte de oxigénio; redistribuicio do suprimento sangilineo da pele e visceras para o cérebro e misculos; dilatactio dos brénguios ¢ aumento da ventila- 40 pulmonar; dilatagao das pupilas paraaumentara acui- Gade visual, ¢ estimulagao do sistema linfitico a fim de aumentar 05 linfécitos circulantes com vistas a reparar anos aos tecidos. A liberago de adrenalina da medula ‘adrenal mimetiza todos os efeitos da estimulacao simp tica e também resulta em um aumento do metabolismo & daliberagio dos estoques de energia. Tudo isto ocorre em ‘um tempo de segundos minutos. Nas condigdes de vida ‘moderna, este processo pode ser mais prolongado, uma ‘ver que as situagGes de perigo nio esto sempre associa das 3 fuga ou Juta e sempre levamos algum tempo para raciocinar sobre as possiveis conseqiiéncias decorrentes Cortex cerebral <> Hipotalamo Respostas corporais rd. As respostas emocionais so regulalas peo sistema nervoso simpitico. ativacio deste sistema ocorre de tdependente do estimulo emocional e como resultado de comands originados no cérebro, Segundo Cannone Bard 0 comportamento emocional éelaborado inteiramente no cet ro endo requer que as espostas corporaissejam primeizo “Tidas" polo cérebro antes da expresso da emogdo como sugeido por James-Lange. Aénfase exagerada dada a lilama pores ‘eoria foi, posteriormente, eduzida por evidéncias obtidas em Vérios outros estudos, 7.4.3, Teoria da ativagio de Lindsey Esta teoria procura explicar as reagdes emocionais através de uma ativacdo cortical seletiva. Esta ativagio seria originada no sistema ativador reticular ascendente (SARA), aonde os impulsos somiticos e viscerais que ‘chegam ao SNC seriam integrados (Fig. 9.4, no Capitulo IX). O hipotélamo, segundo Lindsley, seria a sede prima- ria da organizagio da expresso emocional, mas destaca 0 papel essencial do SARA no reconhecimento dos impul- 0s geradores das emogdes. Um papel regulador deste sis- tema sobre o comportamento emocional nio pode ser des- cartado, uma vez que, como veremos no Capitulo 9, animais com lesdes do SARA tomam-se sonolentos, apé- ticose no-emotivos. Uma falha desta tearia foi ade con- ferir um papel exagerado ao SARA como regulador do comportamento emocional. Hoje sabemos que estruturas ‘como o hipotélamo contém seus proprios sistemas de ati- vacdo. 7.4.4. Teoria cognitivo-fisiol6gica Esta teoria concilia as teorias de James e Cannon na medida em que propde que a experiéneia emocional derivademecanismos periféricosecentraiseintroduzum novo elemento: a cognigtio. As respostas fisiolégicas que ‘ocorrem durante as emogdes (sudorese, taquicardia etc.) informam o eérebro que existe uma ativaco do meio 125 Comportamento Emocional interno. Dependendo do contexto fisico e social em que ela ocorre e também da nossa experiéneia passada em lidar com essas sistuagdes ns rotulamos este estado emocional como medo, amor, alegria, raiva ou tristeza, A interpretagio cognitiva ou arepresentaca0 no cére~ bro do que ocorre nos meios interno e externo durante uma situacZo particular que vivenciamos, associada a mecanismos de memsria, determinam 0 nosso estado emocional. 7. ‘Teoria de Papez Em 1937, J. W. Papez levantou a hipétese de que as estruturas do lobo limbico constituiriam o substrato neural das emogdes. O conceito de sistema limbico deriva da idéia de um lobo limbico (do latim limbus, “margem"), um termo introduzido por Pierre Broca para caracterizar os giros corticais filogeneticamente primi- tivos que formam um anel em tomo do tronco cerebral. Nesta época, o conceito de lobo limbico incluia o giro para-hipocampal, o giro do cingulo, o giro subcaloso (continuacdo antetior ¢ inferior do giro do cingulo) € 0 c6rtex subjacente a formacao hipocampal. Mais tarde, Papez foi influenciado por experimentos que sugeriam que 0 hipotélamo desempenha um papel critico nas emogies e pela noedo de que as emogGes tém um com- onente cognitive e, portanto, a experiéncia subjetivads ‘emogiio requer a participacdo do cortex, enquanto que = expresso das emogdes recruta circuitos hipotalmicos Circuito de Papez foi arespostaa pergunta de como 98 centros corticais superiores comunicam-se com « hipotélamo. De acordo comeste esquema, as influéncias corticais so enviadas para o hipotdlamo através de pro- Jegdes do giro do cingulo para a formagao hipocampel (Fig. 7.6). O hipocampo processa a informagao que chegae a projeta via fomix para os corpos mamilares do hipotélamo. Ohipotélamo, por sua vez, fornece informa- ‘ges ao téilamo através do trato mamilotalamico e daf 20 giro docingulo. Do cértex do girodocingulo, a atividade neural representando os processos emocionais passaria a outras regides corticais onde “acrescentaria um colorido éemocional a outros processos psfquicos". A idéia de um circuito neural no cérebro como base anatémica das emogdes ganhou fécil aceitacdo, sobretudo devido a pre~ dominancia do pensamento freudiano na década de 30. gue ja sinalizava a importancia de processos cerebrais na expresséo do comportamentoemocional. Assim, anogio de que as emogdes ¢ instintos eram gerados em estrutu- as mais primitivas do sistema limbico, e que a experién- cia subjetiva e a consciéncia dependiam do cortex. casava-se bem com a psicologia freudiana. Trato mamilotalamico ! Nucleos talamicos anteriores 1 1 ¥ Fig, 7.6- Circuito de Pape2. Asin ludacias campal. A informagio processed ogirodocingulodaincegracio doco Giro do cingulo Corpos mamilares Formagao hipocampal so dirigidas para hipotélamo através de conexdes do giro do cingulo a formayiohipo- hipocampo desce pelo fomnin aos corpos mamilares do hipotilamo. O hipotiamo informa ;portamento emcional através de projegses joe formam sinapses nos nicleostalémicosante riores. Conhecidas conexdes anatomiofuncionais com o septo, amigdal ¢drea pré- ENTRADA] .x2ECEAS 45 REDUZEM Fig. 7.12- Osistema de inibigio comportamental proposto por Gray (1987). A inibicdo comportamental pode ser conseqiiéncia da ativacio

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