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INDEXADO REVISTA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL RBDPro Fredie Didier Jr. QD ctor iam ss 100289 [R bras. Dir. proc. ~ RBDPro | Belo Horizont. n7i| p.1-238 | juliset.2000 | Exercicio tardio de situagGes juridicas ativas. O siléncio como fato juridico extintivo: renuncia tacita e suppressio Fredie Didier Jr. Professoradjint de Diteito Procesaal Civil da Liniversidae Federal da Bahia. Mestre (UFBA), Doutor (PUC-SP) e Pis-Doutor (Universidade de Lisboa), Advogado e consultarjuriica Daniela Bomfim ‘Advogada. Mestranda em Diseito Piblico pela UFBA. Sumirio: 1 Sintese da causa ~ 2 Primeiras consideragdes - 3 Primeiro ‘momento: andlise do.caso sob o aspecto da vontade exteriorizada pelo titular do direito (afirmado) ~ 3.1 O negécio juridico na teoria do fato juridico ~ 3.2 As formas de exteriorizacdo da vontade como elemento fatico dos atos juridicos em sentido amplo (dentre os quais os negécios juridicas) - 3.3. 0 siléncio como exteriorizagao de vontade, pressuposto fatico de negécios juridicos ~ 3.4 O caso sob consulta. Configuragso da rentincia tacita, Com- portamento negocial concludente ~ 4 Segundo momento: anélise do caso sob 0 enfoque da situaco da confianca da consulente = 4.1 A incidéncia do principio da boa-fé nas relagbes contratuais ~ 4.2.0 caso sob consulta. A. suppressio. A situagio de confianga da consulente ~ 5 Conclusa0 1 Sintese da causa ‘Trata-se de acio ordinéria ajuizada por A. LTDA. contra A. S/A por meio da qual se requer (i seja certificada obrigacao de pagar quantia no valor de R$102.775,56 (cento e dois mil setecentos e setenta ¢ cinco mil e cinquenta e€ seis centavos), a titulo indenizatério, haja vista suposta ocorréncia de danos decorrentes da ruptura desmotivada ¢ unilateral de relacio contra- tual de transporte de mercadorias; (i) seja certificada a obrigacio de pagar quantia no valor de RS689.109,68 (seiscentos e oitenta e nove mil cento e nove reais e sessenta ¢ oito centavos), decorrente do inadiimplemento de obrigacio estipulada no contrato; ii) seja certificada a obrigago de pagar a quantia de $192.447,05 (quatrocentos € noventa e dois mil quatrocentos e quarenta ¢ sete reais e cinco centavos), em razao da incidéncia de juros moratérios por forca do inadimplemento contratual; (o) seja certificada a obrigacio de pagar a quantia de R§3.557.984,99 (trés milhGes quinhentos ¢ cinquenta e sete mil novecentos e oitenta e quatro reais e noventa e nove centavos), como indeni- zasao pelos lucros cessantes em razo da ruptura contratual. Alegou a autora que, em 1°09.1984, as partes (em verdade, as suas antecessoras) celebraram contrato de transporte de mercadorias, por meio do qual as concordaram que os transportes das mercadorias vendidas pela ré seriam feitos pela autora, que, por sua vez, assumia 0 risco de eventual perecimento da coisa durante © transporte, mediante a contraprestacéo 1 bras. Dir pro. RBDP, Holo Horizont, an 1 7, p. 1-28 jl. 20 correspondente a 0,25% sobre o valor das mercadorias transportadas no més, Vale dizer: o prego do transporte seria pago pelo cliente, que, por sua vez, poderia exigir que o transporte fosse feito por outrem, Sustentou que, em 1993, a ré nao permitiu mais que a autora realizasse o transporte das mercadorias, deixando de informa-la do cronograma de car- regamento. Em face da ruptura contratual, alegara que sofrera danos emer- gentes e lucros cessantes. Demais disso, alegara que a contratante deixou de efetuar 0 pagamento correspondente a 0,25% da mercadoria mensalmente transportada, conforme houvera sido pactuado. Em sua defesa, a demandada alegou (i) a ocorréncia da prescrigio, por forca da incidéncia do art. 178, §10, IIL, do Codigo Civil de 1916, que previa © prazo prescricional de 05(cinco) anos quanto a exigibilidade de direito de receber juros ou quaisquer outras prestacbes acessorias pagdveis anualmente ou em periodos mais curtos, 0 que, segundo a demandada, se verificaria no caso dos autos; (i) a ocorréncia da prescricao por conta da incidéncia do art. 178, §6%, I, do Cédigo Civil antigo, segundo o qual o prazo prescricional para seja exercida a pretensdo material concernente a direitos decorrentes de contrato de seguro era de um ano; (iii) em razao da auséncia de previsio quanto & possibilidade ou nao de resilicao contratual, a ré informou 4 autora seu interesse em extinguir a relagao contratual; (iv) existia um negécio nao formalizado por meio do qual se acordara que a r¢ iria incluir o equivalente a 0,25% na mercadoria a ser transportada. Veio sentenca aos autos julgando antecipadamente os pedidos, nada obstante 0 requerimento de producao de provas, por considerar que (i) “a alegacdo de quitacao nao pode ser comprovada oralmente”, no que concerne a0 pedido de certificagao de pagar quantia em razao do inadimplemento contratual; (ii) a demandada afirmou genericamente a auséncia de dano por forca da ruptura contratual, deixando, inclusive, de aduzir os motivos do rompimento; (ii) a verificagao da extensio dos danos poderia ser feita quando a sentenca fosse liquidada. Considerou, ainda, a nao ocorréncia da prescrigao no caso dos autos, ja que nao incidira 0 art. 178, §10, IIL, do entao Cédigo Civil, jé que a obri- agao descrita no contrato se trata de obrigagio auténoma, e nao acesséria. tratar-se-ia de suporte fatico concreto do art. 17 do revogado CC. De outra parte, nao incidiria no caso o art. 138, §6°, IT], do CC-16, pois néo seria contrato de seguro. Na sentenga, afirmou-se que restaram incontroversos nos autos: (i) a existéncia do contrato — valido e eficaz; (ii) a obrigagio de pagar os 0,25% do valor da mercadoria transportada; (iii) a exclusividade do transporte; (iv) a ruptura contratual nao motivada, Em sua fundamentacéo, a sentenca considerou a ruptura contratual um. ato abusivo e, pois, ilicito, jé que a contratante o fez por meio de uma forma abrupta, sem aviso prévio e sem o consentimento da outra parte. Dessa forma, cettificou-se o dircito de a autora ser indenizada pelo rompimento contratual pelos danos materiais sofridos (danos emergentes ¢ lucros cessantes). bes Die pros“ RBDP 2, Belo Horizont, ano 11.7, p18 14 joe 2010 sesso tndo de tangs juridicn ativasOsilenl como fat juriico et No que concerne a alegacao do inadimplemento contratual © 0 consequente pedido de receber @ quantia correspondente, considerou-se que a demandada deixou de alegar 0 pagamento nos termos estabelecidos no contrato, ¢, ainda, que a tese de que 0 0,25 % era acrescido na carga trans- portada (em natura) ¢ inidénea para afastar a responsabilidade da ré. Dessa forma, certificou-se o direito de receber quantia concernente a 0,25% do valor das mercadorias transportadas de 1°.09.1984 a 30.05.1998. Foi interposto recurso de apelacao, alegando cerceamento de defesa, em face do julgamento antecipado dos pedidos, razao por que se requereu © provimento do apelo para decretar a nulidade da sentenca. Demais disso, que fosse, eventualmente, provido o recurso para, reformando a sentenca, julgar improcedentes os pedidos formulados na peca vestibular. Por fim, € ainda em carater eventual, que fosse provido o recurso para que, reformando a sentenca parcialmente, a correcio monetéria incidisse apés a propositura da acio e 0s juros, a partir da citacao. Negou-se provimento ao recurso, sob os seguintes fundamentos: (i) houve ruptura unilateral e injustificada do contrato; ii) nao se sustenta a tese de que o percentual de 0,25 % deveria ser entregue em mercadoria; (iif) nio houve prova de pagamento, que s6 poderia ser comprovado documental- mente; (iv) nao se verificara a prescricdo, no caso dos autos; (2) configurado, 6 fato juridico da responsabilidade civil, ha o dever de indenizar pelos lucros cessantes, a serem apurados em posterior liquidacao. Foram opostos embargos de declaragao pela demandada/apelante, acolhidos parcialmente apenas para expressamente ultrapassar 0 argument de ilegitimidade ativa Foi, entio, interposto recurso especial, tendo como causa de pedir vio- lagio a literal disposigao de lei, quais sejam, (7) violacio aos arts, 3°, 295, I, e 371, 1, do CPC, haja vista que a autora nao & a titular do direito afirmado & cerlificado; (ii) violagao aos arts. 178, §10, IIL e 178, $6, I, do Cédigo Civil de 1916, os quais teriam incidido no caso em tela, (ii) violagao aos arts. 138 e 205 do Cédigo Comercial antes vigente, jé que 0 termo para a incidéncia de juros & corregao monetéria seria a data do recebimento da notificacao judicial. Demais disso, o recurso especial teve como causa de pedir a existéncia de dissidio juris- prudencial (art. 105, II, c, CF88) no que conceme a solucao atribuida a casos de pedido de certificacao de direito de receber quantia decorrente de prestagao de servigos documentada em notas fiscais emitidas por terceiros, Foi também interposto recurso extraordinério, tendo como causa de pedir a violagao ao art. 5%, LV, da Constituigao Federal. O recurso especial foi parcialmente admitido no juizo a quo, apenas no que concerne & violagio ao art. 178, §6°, I, ¢ §10, Ill, do CC-16. O recurso extraordinario no foi admitido. 2 Primeiras considerag6es Consulta-nos A. S/A acerca da existéncia atual das situagdes juridicas ati- vas (afirmadas pela autora) de receber as quantias equivalentes a 0,25% do valor bras Die. pros -RBDPrm, Belo Horivonte ano 8-71, p. 189214, ult, 2010 192. Freie Didier Je, Dania Bors das mercadorias por elas transportadas de setembro de 1984. a maio de 1993, por forga da cléusula quarta do instrumento contratual de fls. 31-32 dos autos. E 0 que se passa a analisar. Aaanilise, por sua vez, serd feita sob dois enfoques diversos, mas nao necessariamente excludentes entre si Em um primeiro momento, verificar-se-4 se 0 comportamento omissivo da transportadora pode ser caracterizado como uma declaragao técita de vontade elemento de uma rentincia. Em um segundo momento, analisar-se-A se, independentemente da vontade da transportadora, ter-se-ia configurada situacao de confianga da consulente idénea a justificar a incidéncia do principio da boa-fé. 3 Primeiro momento: analise do caso sob o aspecto da vontade exteriorizada pelo titular do direito (afirmado) 3.1 O negécio juridico na teoria do fato juridico ‘© mundo juridico é formado pelos fatos juridicos, que so os fatos da vida qualificados (como juridicos), por forca da incidéncia da norma juridica. © fenémeno de juridicizagdo ocorre quando se verifica a suficiéncia do suporte fatico concreto, vale dizer, quando 03 fatos da vida so correspon- dentes (para que se possa fazer jus & concepcao de “sistema mével”, preferi- ‘mos, aqui, utilizar a expressdo “correspondentes”, e ndo “coincidentes”) aos pressupostos previstos abstratamente na hipétese normativa (suporte fatico abstrato da norma). Sobre o fenémeno da juridicizagio, é célebre a metéfora utilizada por Pontes de Miranda: “para que os fatos da vida sejam juridicos, é preciso que regras juridicas — isto é normas abstratas — incidam sobre eles, descam e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os “juridicos””.! E mais adiante: “ocorridos certos fatos-contetido, ou suportes facticos, que tém de ser regra- dos, a regra juridica incide. A sua incidéncia é como ada plancha da maquina de impressao, deixando a sua imagem colorida em cada folha”? Como se vé, as nogoes de fato (da vida), suporte fatico e fato juridico nao so coincidentes. Os fatos (da vida) pertencem ao mundo (dos fatos) e, para que sem no mundo juridico, é preciso que sejam qualificados (como juri pela incidéncia normativa. Veja-se: todo fato juridico é também fato da vida (0 contrario nao é correto afirmar), razao por que 0 mundo juridico esta con- tido no mundo da vida. Acexpressio “suporte fatico” reflete, em seu significado, duas facetas: (i) suporte fético hipotético ou abstrato, que é a hipdtese fatica prevista na norma juridica; (ii) suporte fatico concreto, caracterizado pela configuracio, no mundo dos fatos, dos elementos previstos abstratamente.’ O suporte fatico abstrato é um conceito do mundo dos pensamentos, na medida em que TMARANDA, Franco Cavalcan Ponte. uk ee pride So Pa Revit do Teun 195-1 6 > MIRANDA, Trade de dot priv op. tet pT » MELID, Maree Bares rsd ura plano da exist, 12 ed, Sto Palo Saraiva, 23 p20 bras Di proc RBDP re Belo Horizonte ano 18,171 p. 189-24 jist 2010 seri tadio de suages judicas ats O sino como ft urdcoextintvrreninca ticita,. 198 € elemento das proposigées juridicas, mas ndo coincide com o fato juridico, sendo-lhe, inclusive, prévio no fendmeno juridico. (O suporte fatico concreto é um conceito do mundo dos fatos,* mas nao corresponde ao conceito de fatos (da vida). Como afirma Marcos Bernardes de Mello, “entre 0 fato (real), ou seja, 0 fato em si mesmo, e 0 suporte fatico hao elemento valorativo, que os qualifica diferentemente”® Esta diferenga também ¢ realgada por Karl Larenz, ao distinguir as nogies de “situagio de fato em bruto” e “situagdo de fato definitiva” (oenun- ciado fatico). Na premissa menor do silogismo da determinacao da conse- quéncia juridica (’S é um caso de P”), “S” nao seria a situacao de fato bruto ( note-se que também esta seria resultado de alguma interpretac3o), mas, sim, um enunciado fitico construido pelo intérprete, a partir das possiveis proposicdes juridicas aplicaveis no caso.* Veja-se: a valoracao nao esta apenas no substrato fatico abstrato (rea- lizada pelo legislador), mas na construcao do substrato fético concreto, que seria decorrente de um julgamento (valorativo) dos fatos. Nao se interpretam apenas 0s textos normativos (para que se “reconstruam” as normas), mas também os fatos, para que se construam os respectivos enunciados faticos (substratos faticos concretos), a luz do caso particular, e para que se verifique a sua correspondéncia com a hipotese abstratamente prevista. [sso porque os fatos sao também devem ser vertidos em linguagem, logo seus signos devem ser interpretados para que se “construam” os seus significados. Pois bem. Os fatos juridicos (em sentido lato) podem ser classificados em razaio do elemento ceme (nuclear) do suporte fatico, assim entendido como aquele “que determina a configuracio final do suporte fatico e fixa, no tempo, a sua concrecao”.” Os elementos nucleares do suporte fatico influem diretamente na existéncia do fato jurilico. Nesta classificacdo, ha os atos juridicos em sentido lato, aqueles cujo suporte fiitico tenha como elemento nuclear a exteriorizacdo consciente da vontade humana, O ato juridico em sentido lato 6 género do qual sao espécies 0 ato juridico em sentido estrito eo negécio juridico. Em se tratando de ato juridico em sentido estrito, a vontade humana (exteriorizada) é elemento do suporte fatico, mas ela nao atua quanto aos efeitos decorrentes do ato juridico (vale dizer, nao atua quanto ao plano de eficdcia do ato, mas apenas quanto ao seu plano de existéncia). Cuida-se de efeitos preestabelecidos pela norma, efeitos necessarios. Praticamente inexiste possibilidade de escolha da categoria juridica. Em se tratando de negécios juridicos, a vontade é elemento relevan- te quanto a existéncia e quanto a eficécia do ato juridico. Nas palavras de Marcos Bernardes de Mello: MELLO. Torito juris: plano da eit. 2. opi p38 MELLO, Toi do tour: lana da eto: ed os P68 LARENZ, Kao eta da oni ii, 3 iso. Funda Caloute Gulbenkian. 391 59 ‘MELLO. iors dour plana da extent. 1c op ct pe, 1 bras Dir pro.“ RED, Belo Horizont, an 1.7, p. 189-214, jot 200 194 Freie Didier, Dane Bomsim [..1odireito nao recebe a vontade manifestada somente como elemento nuclear do suporte fatco da categoria que for escolhida pelas pessoas, mas Ihe reconhece, dentro de certos parimetros o poder de regular a amplitude, o surgimento, a permanéncia e a intensidade dos efeitos que constituam a contetido eficacial das relagdes juridicas que nascem do ato juridico.* ‘Como se viu, 08 negécios juridicos (como atos juridicas em sentido late) si0 fatos juridicos cujo elemento ceme do suporte fatico éa vontadle humana exteriori- zada (o que pressupée, certamente, a sua consciéncia). Sem exteriorizagio de von- tade humana, nao hd negécio juridico nem tampouco irradiacio de seus efeitos. 3.2 As formas de exteriorizagdo da vontade como elemento fatico dos atos juridicos em sentido amplo (dentre os quais os negécios juridicos) Sobre a “exteriorizacao da vontade”, como pressuposto fatico dos atos negociais, Pontes de Miranda afirma que abrangeria a manifestagao da vontade {atos de vontade adeclarativos) ¢ a declaragao de vontade, que poderia ser, Por Sua vez, expressa ou tética. Note-se que algumas manifestagdes seriam tao proximas das declarages que poderiam ser consideradas juridicamente como declaragies. Bis a licao do autor: Alguns atos adeclarativos (manifestacdes simples de vontade) estio tio préxi- ‘mos das declaragoes de vontade que se tém, juridicamente, como declaragbes de vontade ticitas..Ticito, a, significa “silente”, “calado”, sem seindagar se houve ato, ou nao, Os atos volitivos adeclarativos sio sem declaragao, posto que mani- festem vontade; 0s atos, de que falamos, tém declaragao de vontade silente, — ou porque a regra juridica, como a propisito da revogacSo (re-vocatio) dos testamentos pela destruigio, ou da revogacéo do mandato (att.1709 e 1316, 1), tenha dito que como ‘deciaragio’ le vontade de determinado contetido se devera considerar, ou porque, segundo as circunstaneias, o que deixa de falar sabia que se teria por decaracio de vontade de determinado contetido o seu silencio. No ato volitivo adeclarativo, o ato é inclicio de vontade, talvez de vontade de negécio; na declaragio de vontade ticita ou pelo silencio, ainda 0 6, mas hao plus da declaragao de vontade, embora sem palavras.? Assim, poder-se-ia imaginar uma linha de gradacéo entre a manifes- taco de vontade, a declaracao tacita de vontade e a declaragio expressa de vontade, sendo certo que os trés niveis de exteriorizacio da vontade pode- ram compor 0 substrato fiitico concreto do negécio juridico (salve quando, no aspecto formal, se exija a declaracao expressa), Marcos Bernardes de Mello identifica as declaragdes tacitas como “manifestagdes de vontade”. Exteriorizagées poderiam ser manifestagoes (exteriorizagées ticitas) e declaragées (exteriorizagées expressas).”” MELLO Tera deja jt plano da exist, 12 eo ct P4818. MIRANDA, Franco Cavazanl Ponte Tt de dee pind So Paul: Revista dos Tbunals, 195. tlp.se, MELLO. Toi doo juriin: plano da extn. 120 op. ip 141-142 Ras Diz proc -RBDPv, Bolo Horizont, ano 1.7, p- 189214, uf 2010 195 Exerc tri de suases urs tas. 0 silencio como ato frie extn: renin tc Paulo Mota Pinto vale-se da dicotomia declaragao técita/declaragao ‘expressa no sentido que costuma ser atribuido a dicotomia manifestagao/decla- ragio (como o priprio Marcos Bernardes de Mello), ressaltando que a diferenca, nesse particular, seria apenas terminolégica." Nega 0 autor a doutrina dos negocios sem declaragao (os chamados negécios de vontade), mas, como ressalta, adota um conceito amplo de declaracao, Para ele, os casos apontados como “atuages de vontade” seriam pressupostos faticos de atos juridicos em sentido estrito ou seriam declaracies taticas, como pressuposto do ato negocial.”” A controvérsia reside, portanto, em questoes terminologicas, em razao de adotar-se um conceito restrito ou amplo de declaragao. Nao devemos, aqui, per manecer nela. O que se deve atentar ¢ 0 seguinte: conpiem os substratos fticos dos negocios juridicos ndo apenas as chamadas declaragies express de vontade, mas tannbém as declaragies tcitas/manifestagdes de vontade ( isso ndo mais se questiona, atualmente). Adotando a concepcao ampla de declaracdo de Paulo Mota Pinto, dis- tinguem-se as suas modalidades (expressa ou tacita) em razao da configu ‘sao de relacdo entre manifestante e manifestado, contrapondo a manifestacio por simbolo e por sinais." Segundo o autor: © simbolo tem uma dimensdo semantica constante, uma identidade objectva, conservando a sa base convencional nos diverscs contexts em que insere. E, por isso, menos ambiguo, menos equivaco, mesmo seo significado se precisa se precisa dlfinitivamente apenas na stuacdo concreta...] inal no tem sequer uma reagio semantica constant, devendo sua capacidade sigrifiatvaintiramentescrcans ‘ncias semantcas em que se inser. Aa sinal pode, po convengé, ser atrbuido um significado sendoemspregue para finales expressivas — ou melhor comosimbolo [Normalmente, no consent, porém, lagbes pré-esabelecdas, dependendo a ragio entre manifestantee manifesta totalmente das crcunstinciasambientais" Os fatos (da vida) sao significantes. Esto inseridos no contexto lin- guistico. Carece de utilidade pensar em um mundo pré-linguistico (na “coisa em si”, sendo mesmo questiondvel que esta exista). A linguagem é o cami- nho percorrido entre significante e significado. A lingua, por exemplo, é uma espécie de linguagem, mas nao é a tinica. Signos e sinais so significantes, cujos significados serao reconstrui- dos no caso concreto. Distinguem-se, todavia, pela existéncia ou ndo de uma relagio semintica prévia, dentro de determinado “jogo de linguagem”. Quanto aos simbolos, haveria uma fungio semantica preestabelecida (mas nao definitiva); uma concepgao prévia convencional do seu significado que pode ser confirmada ou, infirmada no processo do compreender, no caso concreto. Em se tratando de sinais, inexistiria uma relagao semantica prévia, de forma que o seu significado, naquele jogo de linguagem, sera construido por forga da “moldura das circunstncias”."” {7 FRzamente na doutsna que emproga expresso maniksagSocm sentido cit’ nat-e raquentomente ums “vein entre distingo devlaroo/mantestaio ea separa dclraci acaespresn porte is ‘Simple tanspongdo de desgnaybes" (PINTO, Paulo Mote Chari tae ccomperieniocmddenewonegace Jar Lisoe:Almedina, 195 p52). 1» PINTO, Dera tt compoteer conden wo ugh fri, ep cis p- S43 te. © PINTO. Desaace tit sompotamont ole mei ria pe PSI INTO. Declrt tecnportaments conclude mo ni ride op. cs p51 "PINTO, Dear competent soem mgr pcs PSU bea. Dir pros. - RED e, Halo Horizont, ano 18 71, p. 18-24 juliet, 2010 196 Free Didier Je, Daniela Brat Nesse contexto, se a vontade é exteriorizada por meio de simbolos, cuida-se de declaracdo expressa; se por meio de sinais, declaracao tacita. Note-se que os conceitos de simbolos e sinais nao sdo absolutos, mas relat vos. E bem possivel que determinado fato seja simbolo em uma dada situacao_ © sinal em outra, O que se deve observar é a existéncia ou nao de alguma relagio semantica preestabelecida. Apenas, no caso, sera reconstruido 0 sig- nificado do manifestante, por meio da interpretacao. Nesse sentido, por exemplo, como se verd, nem sempre o siléncio sera sinal (como poderia concluir-se, em um primeiro momento). Acaso the seja atribuido um contetido significativo prévio, tratar-se-d de simboloe, portanto, de declaragao expressa de vontade. Nao ha relagao necessaria entre declaragao expressa (simbélica) ¢ alin- gua (verbal ou escrita). As declaragdes expressas podem ser gestuais, como corre com a linguagem dos surdos-mudos e a comunicagao em morse." De outra parte, a exteriorizacao de vontade por meio de signos linguisticos nao sera sempre declaragio expressa.”” Em sintese, hé declaracao expressa quando o fato significante tem um contetido semantico, naquele contexto de linguagem, preestabelecido. Ha declaragio tacita, por sua vez, quando, inexistente (ou praticamente inexistente) ‘uma relagdo semantica antecedente, de forma que o juizo acerca de sua existén- cia ede seu contetido depende de forma decisiva das circunstancias do caso. Anogao de declaracao tacita é uma evidente manifestagao do pensa- mento tipolégico, ao quial se refere Karl Larenz, ja que os tipos se concretizam pela “imagem fenoménica global” decorrente do conjunto de notas distinti- vvas (08 sinais) que podem estar presentes em grauss distintos." Cuida-se da nogao de “sistema mével”. Importa verificar se, globalmente, as circunstan- cias faticas conduzem a configuracao de uma vontade exteriorizada, ‘Veja-se que as circunstancias ambientais terao também espaco na inter- pretagao dos simbolos (da declaragao expressa). A diferenca est também, pois, no grau de necessidacle de sua andlise. Ainda algumas consideracées Primeiro, para que componha o suporte fatico de qualquer ato juridico em sentido amplo, deve-se verificar a consciéncia da exteriorizagao da von- lade, quanto (i) & vontade em si mesma, ou seja, 0 contetido da vontade exte- riorizada e (ii) a vontade de exteriorizar/declarar, expressa ou tacitamente.” Se inexiste consciéncia, inexiste vontade exteriorizada, nao se verifica a suficiéncia do suporte fatico do ato juridico (em sentido lato). A consciéncia 6 esséncia do proprio elemento nuclear fitico, quer se trate de declaracao expressa, quer se trate de declaragao tacita (ou manifestacao). INTO: Devoacio cts ecomportantnd outudnt no mei jardin oct p18. " "Aepalavras outros soolo 36 revel na sua fatcaao normal para deaagio express, ps em east ‘dear tet faconam como mero sial” (PINTO. Dera Line smpoioman coals mie uri p19) LAREN nid d init, op, p82. "Nese senido Mores Becrares de Mell: “pus tensporesuporte icy scented ato juridco a eeroiacio ‘avontJehi de ser craclets, de mosagucaguce que s decir ou maniesta deve sber que ea Svar Imoststando cam ase seni prop (MLD. Hove date: plana dawson, 1p pal) bras Dit pros. - RDP, Belo Horizonte ar 1 v7 189-214 jul/st. 2010 xeric tudo de situs juriicasativas, Oslin como fate urdcoexativs rena its. 197 A inconsciéncia da vontade exteriorizada nao se confunde com eventual vicio nela verificado. A inconsciéncia significa inexisténcia de exteriorizacio da vontacle e, consequentemente, nao verificagio da suficiéncia do suporte fético do fato juridico. Estamos, pois, em seu plano de existéncia. O vicio na vontade exte- Fiorizada, como 0 erro ¢ 0 dolo, conduz a deficiéncia do suporte fatico (suficien- temente configurado). Estamos, no plano de validade, do ato juridico em sentido lato: 0 ato existe, mas ¢ defeituoso, podendo ser decretada a sua invalidade. Ressalte-se, ainda, que, quando se exige a consciéncia da vontade, nao se exige que a parte tenha ciéncia e a intengao de praticar determinado ato juridico. Por exemplo, quando alguém entra em um dnibus, certamente nao pensa tratar-se de um ato negocial (contrato de transporte), mas haa conscién- cia de entrar no dnibus para ser transportado” Isso € muito importante notadamente quando se trata de verificar a cons- ciéncia de uma declaragio técita de vontade. Nao se exige a intencaode praticar determinado ato juridico, mas, sim, 0 conhecimento das circunstincias faticas levadas em consideragao para que se verifique a declaracao (ou manifestacao) e seu contetido. Quando se renuncia tacitamente a um direito, nao se exige que a parte conhega tratar-se de um negécio juridico unilateral. A consciéncia da vontade exteriorizada (por meio de declara¢ao tacita) significa 0 conhecimento das circunstincias envolvidas, como a existéncia do direito e 0 seu nao exer- cicio deliberadamente. Nao se pode considerar que alguém que desconhecia ser titular de um direito tenha exteriorizado vontacle como elemento fatico da rentincia. O desconhecimento da titularidade do direito 6 circunstancia que, no caso, obstard a verificacao da mencionada declaracao de vontade. Segundo, ser “expressa’” ou “ticita” & uma questo de forma da exterior zagao (declaragao em sentido lato) de vontade e, como afirma Marcos Bemardes de Mello, ¢ elemento completante do ato juridico (em sentido lato). Vale dizer: ‘embora nao se trate do seu ceme, cuida-se de elemento que o completa, sendo, pois, essencial a suficiéncia do suporte fatico concreto:" Dai porque se ha dedaragao, tacita, quando se exige declaragao expressa, nao ha a formagao do ato juridico, 3.3 O siléncio como exteriorizacao de vontade, pressuposto fatico de negécios juridicos Costuma-se associar 0 siléncio & auséncia de conduta. Certamente que o siléncio da natureza assim o 6, desde que se cuide de fato independentemente do ser humano — e, portanto, sequer teria rele- vancia juridica. Ocorre que, como aqui jé se disse, carece de razao imaginar fatos isolados da atividade humana e que sejam, pois, pré-linguisticos. Note-se que, quando o siléncio da natureza & compartilhado pelo homem, ha o silén- cio humano. O siléncio humano é sempre conduta. Pode ser inconsciente ou consciente. O siléncio de quem dorme ou de quem esta em coma é uma con- duta inconsciente. O siléncio consciente é exteriorizagao de vontade e, como tal, pode ser relevante para as relagdes inter-humanas, 0 que justifica a sua regulacao pela comunidade juridica wo pla da ens. 12. pci. 1. 2 MELLO. Tris ft rn: plano da estonia Led opp, [bras Dit pros. -REDPro, Belo Horizonte ano 18 n.71p 189214 jal. 2010 198 Freie Didier, Dania Bonin Etimologicamente, “silencio” significa calar. Nesse contexto, 0 siléncio, em si considerado, seria um ato negativo em relagao ao falar, sendo, conse- quentemente, a abstencao de falar. Em verdade, o siléncio — no sentido que aqui se pretende referir — vai além da sua etimologia: mais do que wm nao falar, significa um nao se manifestar, um nao agit. Nesse sentido, segundo Miguel Maria de Serpa Lopes, se agio é “a manifestacdo exterior de um ato de vontade”, a omissao é a sua antitese, “por se tratar da auséncia de um certo movimento corpéreo que se nao realiza certamente porque 0 individuo se recusa a levé-lo a efeito”. No seu sentido objetivo, continua 0 autor, “a omissao, 0 siléncio, o ‘non fare’ correspondem Aquilo que da aco forma o momento material, auséncia da atividade, da ati- vidade que foi omitida”.” Note-se que 0 autor se refere & “atividade” como conduta positiva, e nao como conduta em sentido lato. Miguel Maria Serpa Lopes também acentua 0 valor sociolégico do siléncio: “agir ou no agir, uma vez que essa acao ou omissio, consciente- mente levada a efeito, envolva interesses de mais de um individuo, deixa de ser um ato indiferente ao ambiente social’. Em assim sendo, o siléncio como exteriorizagio da vontade humana (fato da vida em sentido amplo) pode ser “recortado” da sucessividade das relagdes do mundo para compor nticleo do suporte fatico (abstrato) de normas juridicas, Em outras palavras, o siléncio consciente é exteriorizacio de vontade @, como tal, pode compor o suporte fatico de atos juridicos em sentido amplo, do qual sao espécies os atos juridicos em sentido estrito e o negécio juridico. Veja-se que, em alguns casos, apesar de configurar-se o siléncio (con- duta humana), ele nao sera niicleo do suporte fatico do fato juridico (em sen- tido amplo), mas, sim, conduta causal a uma determinada situagio fatica. Cuida-se dos atos-fato juridicos caducificantes, como a prescricao. Nesta, ¢ elemento do suporte fético a situagao fatica clecorrente da inagao do titular de um direito durante certo lapso de tempo, sendo irrelevante o siléncio (conduta anterior) como exteriorizagao da vontade. Veja-se: o siléncio nao deixa de ser conduta, nem exteriorizagao de vontade, mas ele nao sera elemento do suporte {fatico, tal como ocorre com qualquer ato-fato juridico — é 0 fatofevento resuil- tante da conduta voluntaria que é apreendida pelo Direito.” Mas, aqui, nos cabe analisaro siléncio como exteriorizagao da vontade valo- tada pela comunidade juridica e, portanto, previsto como elemento do suporte fatico de atos juridicos em sentido lato, Nesse contexto,osiléncio pode configurar-se ‘como comportamento negocial e como comportamento nao negocial. ‘LOPES Migue Mara Spade. Osi camo nmin dele Rice ae Fret Hast 16 p16. ‘LOPES. O ioc come manfstacio de voto. cl, p37. Resa o aor que no pot deta nindarienle [psolginaantsedesparec pata scomprecnder sie postvae negative, dent alse cat) "act" Oato postive, como ato negative abo consuem dus diver ahs entero de neers psiqicm at proprio concstualoent tne ie ot), Eootes"@ sito emo manitas de sot op cits pe 139140, Sabre os tos ats juriicosenina Marcos Bermardcs de Malla: “Eevkente que situs tic ria pela ‘onduta constitu uma muanga permanente no mando, passin a ineges-sdetntvamente sem que hae osuibildode de, simplest ser desconsderada como (oun ert posel ws ata, exclusion de ont} [Com esse watamento, em cerca cost a naturees das cles tesalas a conan tes 30 ‘to ato resultant sem se dar mae sgnfcinta 3 vontade de eliza, A essa expect Pontes de Miranda “denominator jardin, com o que pociradetacar > mlagio esenll quieter ate humane faa ‘equ decor” (MELLO. Tor doa ures plano daexsenca, 12 ed pe. 10), bas. Dir proc - RAD Pro, Holo Hovizonte, ano 18m 7p 189-214, ule. 2090, veri tai de stuagie jriicaafasO sino como fate uridcoenintv: renin iita,. 199 Como comportamento nao negocial, o siléncio pode ser elemento fatico de atos juridicos em sentido estrito, licitos ou ilicitos. Por exemplo, o crime omissivo ¢ ato juridico ilicito em cujo suporte fatico se encontra uma conduta omissiva daquele que tinha obrigagao de agit. Como comportamento negocial, 0 siléncio ¢ elemento do suporte fatico de negécios juridicos, razao por que, como exteriorizagéo de vontade, tam- bém ird ser relevante no que conceme a escolha da categoria juridica eficacial €.a08 efeitos irradiados. Nesse sentido, Paulo Mota Pinto: {..]siléncio pode ser meio para uma verdacira ceclaracao negocial — um sinal declarativo ou “meio declarative”. Tratar-se-a, entao, de um comportamento negocialmente eficaz, “modelador de efeitos” segundo o seu significado, e cuja cficécia & apenas reconhecida pelo direito objectivo.®* De outra parte, o siléncio pode, no caso concreto, configurarse como declaragao tacita (manifestacio) de vontade ou declaragao expressa de vontade. Nao hi relacao necesséria entre siléncio e declaragao tacita de vontade. Isso por- que, como aqui jé se disse, deve-se averiguar, no caso, a existéncia de um con- teiido semantico prévio atribuido a inagao. Se existente, tratar-se-d de declaracao expressa de vontade. Imagine-se, por exemplo, que as partes convencionam que o silncio de uma delas significa a aceitagao de uma proposta contratual ou que se convenciona, em uma reuniao de condominio, que © ato de nao levantar a mao (silencio em sentido amplo) importa votar pela nao aprovag3o do que posto em votagao. Nesse sentido, mais uma vez, Paulo Mota Pinto: [.-Josiléncio pode ser equiparado por convengio das partes a um elemento de ‘uma linguagem. Nestes casos, a omisséo poder encontrar-se entio numa rela- fo directa com um significado, pelo que a resultante declaragio sera expressa, para 0s efeitos em relacdo aos quais isso possa ser relevante.” O silencio € fato e, como tal, seré objeto de interpretacéo para que se construa 0 enunciado fatico — substrato fatico concreto de determinado fato juridico (em sentido lato). Vale dizer: a verificagao do elemento concreto “decla- ragio de vontade” ¢ o seu contetido seré precedida pelo proceso do com- preender, quer se trate de declaragdo expressa, quer se trate de declaragao, na primeira, O processo do compreender, entretanto, sera distinto (i) quanto a existéncia ow inexisténcia de um contetido semantico prévio e (ii) 0 grau de relevancia da consideragao das demais circunstancias ambientais. Aqui, entra a nogéo de nexo de concludéncia em sentido estrito como critério de interpretagao para que se atribua ao siléncio o sentido de declaragao tacita de vontade. Retornaremos a este assunto ainda neste primeiro momento. Sobre a interpretacio da declaracao silenciosa, Paulo Mota Pinto: “o que se interpreta nao é apenas uma omissao, e sim todo 0 comportamento global da pessoa em causa”. PINTO. Beta ce comportamento concent mega, o. ct ps 8. ® PINTO. Devlagi tice comportamento concert no mee are, oc 83 » PINTO. Del le omportnto concent oes ard, oe. 1 bras. Die pro.“ RBDPro, Helo Hovzont, ano 16 m7, p. 18.214 jst. 2010 2007 Freie Di jr, Dail Romi Uma ultima consideracao. Dispde o art, 111 do Cédigo Civil: “o siléncio importa anuéncia, quando as circunstancias ou 0s usos autorizarem, e nao for necessaria a declaragio expressa de vontade”. De logo, pode-se afirmar que o mencionado artigo era desnecessirio. Nao se precisa de texto expresso de lei para que se reconhega que o silencio pode ser exteriorizacao de vontade relevante juridicamente. Ocorre que nem sempre 0 contetido desta vontade exteriorizada sera de concordancia, anuéncia. A declaragao silenciosa pode, por exemplo, ser elemento fatico da rentincia (negécio juridico unilateral) € 0 seu contetido sera de abdicar de dada situacdo juridica ativa. 3.4 O caso sob consulta. Configuragao da rentincia tacita. Comportamento negocial concludente Estabelecidas as premissas a partir das quais o presente caso ser pri- ‘meiramente analisado, vamos adiante. Em setembro de 1984, a consulente (em verdade, a sua antecessora) celebrou um contrato com a.A. LTDA. (dita “contratada”), por meio do qual se estabeleceu (i) que o transporte das mercadorias vendidas pela contratante seria realizado pela contratada, salvo em caso de exigéncia do cliente em sentido diverso e (ii) que a contratada seria responsavel pelo perecimento da mercadoria transportada, tendo como contraprestacao 0 pagamento pela contratante de 0,25% sobre o montante de mercadorias transportadas no més. pagamento do mencionado valor deveria ser realizado até o dia 10 do més subsequente ao do transporte correspondent. E 0 que se depreende do ins- trumento contratual de fls. 31-32. Note-se que as partes nao celebraram um tipico contrato de transporte, que éessencialmente um contrato bilateral oneroso, por meio do qual alguém, se obriga a transportar coisas ou pessoas mediante retribuicao (contrapresta- sao) — art. 730 do CC. Bilateral, porque ha dependéncia reciproca entre as situacdes jurfdicas ativas (direitos) e passivas (deveres/obrigagbes). E certo que, em se tratando de contrato de transporte de coisas, a obri gagao de pagar o frete possa ser, de comum acordo, transferida ao destinaté. rio.” Ocorre que néo menos certo & que a exigéncia do “comum acordo” pres supée a vontade exteriorizada, de forma que nao se admite um contrato por meio do qual se obriga genericamente terceiros sequer ainda conhecidos. Se considerassemos 0 contrato em anlise como um contrato de trans- porte, deveriamos também considerar que cada transporte executado seria precedido por uma novagao subjetiva da obrigagao de pagar o frete (mediante © consentimento do destinatario), o que seria um absurdo. Ora, os contratos sao fontes de obrigacdes que sao irradiadas para que sejam cumpridas. Vale dizer: é 0 adimplemento 0 modo natural de extingao das obrigagses, e nao a novacio. Pensar em um contrato que tem como fim a extingao de obrigagies pela novacdo é contrario & légica do nosso sistema. Dai porque ¢ mais coerente considerar que, no caso em analise, 0 con- lato de transporte seria celebrado casuisticamente entre transportador ® GOMES Orlando, Contras. 26, eR de fant: Fens: 2007p. 378. bras. Dir proc -REDPr, Belo Horizonte ano 16m 7p. 189.214, ule. 2010 tacit, 201 xeric tadio de stages juridicas atas. sino como ft jardin exit ren destinatério, cabendo a este o pagamento do frete. Veja-se que (i) a0 cliente, como expresséo da autonomia da vontade, caberia expressar vontade no sen- tido de contratar ou nao contratar (esta declaracao poderia ser tacita); (ii) 0 cliente poderia celebrar contrato com outra transportadora; (iii) destinatario © transportador poderiam proceder & “negociacao de fretes” (clausula IIT do instrumento contratual). Poder-se-ia, aqui, sustentar que a transportadora contratada deveria obedecer rigorosamente aos precos estipulados pela contratante (cléusula III do contrato). Ocorre que, na medida em que essa mesma cléusula prevé a possibilidade de “negociagio” do prego entre cliente e transportadora, a pro- osicio contratual inicial deixa de ser em certa medida eficaz. Vale dizer: dela nao decorria a obrigacao de adotar o preco estipulado pela consulente, jé que Ihe era possivel pactuar preco distinto. ‘Ao que parece, a primeira proposi¢ao contratual aqui referida tinha como efeito o estabelecimento de “preos maximos”, de forma que se teria obrigado a contratante a nao propor valor superior a titulo de frete aos clien- tes, como forma, inclusive, de salvaguardar uma boa imagem entre a consu- lente e seus clientes. E nesse sentido a eficacia da primeira proposigao decor- rente da clausula TIT do contrato. Esta obrigagao de nao fazer, sim, decorria do contrato de fls. 31-32, mas ela nao se referia a qualquer contrato de transporte especifico ja celebrado — 0 que parece ser intuitivo. Em se tratando de obriga- do de nao propor preco superior, pressupunha futura proposta e, portanto, eventual, futuro e novo negécio juridico bilateral Imagine-se, por exemplo, que o destinatario — conhecendo 0 “teto” estabelecido — propusesse o pagamento de valor a ele superior (sabemos que isso, na pratica, seria dificil de ocorrer). Poder-se-ia dizer que nao poderia a transportadora aceitar? Acreditamos que nao. Ainda que se considere, eventualmente, que, no momento da formacao do contrato de transporte (casuisticamente, e ndo 0 contrato de fls. 31-32), seria relevante a vontade exteriorizada da consulente (também quanto a determina- 0 do contetido do seu efeito), isso em nada interfere as conclusdes a que che- gamos: ()) 0 contrato colebrado em 1984 nao era um contrato de transporte, vale dizer, 0 seu objeto nuclear nao era o transporte de mercadorias em si; (ii) este contrato nao se confunde com os pactos celebrados antes de cada transporte entre transportadora e cliente (ou entre transportadora, expedidora e cliente). Pois bem, O contrato celebrado entre a A. S/A e A. LTDA. foi contrato atipico misto, composto por dois niicleos. No primeiro, irradiavam-se, como obrigagdes respeetivas, de um lado a obrigagao de a A. LTDA. estar disponivel para a realizagao de dado trans- porte, acaso assim 0 cliente o desejasse, segundo cronograma encaminhado pela A. S/A; do outro, a obrigagao de a A. S/A nao sugerir ao cliente qualquer outra transportadora (obrigagio de nao fazer) — em outras palavras, se 0 cliente (a quem caberia pagar o frete) nao se opusesse, o transporte deveria ser feito pela contratada, Estas seriam as obrigagdes principais deste niicleo bras Dir pro, -RBDPr, Bao Horizont, ane 18 7, p 189-214, jul 2010 202 Fredo Die J, Daniela Bowen do contrato, Como visto, havia também a obrigagao acesséria da contratada de nao propor preco além daquele estipulado pela contratante. No outro nticleo, irradiaram-se as obrigagoes de a contratada suportar qualquer dano ocorrido na mercadoria durante o transporte e dea contratante pagar 0 equivalente a 0,25% do valor da mercadoria transportada. De logo, cabe ressalvar que sequer seria necessario que as partes pac- tuassem que a transportada seria responsavel (objetivamente) por suprir eventuais danos na mercadoria transportada. Cuida-se de efeito legalmente preestabelecido, O art. 750 do Cédigo Civil prevé que a responsabilidade do transportador tem seu termo inicial no momento que a coisa Ihe é entregue e ‘© seu termo final no momento de entrega ao destinatario ou de seu depdsito em juizo, se este nao for encontrado. Demais disso, se cabia ao cliente pagar o frete do transporte, cuidava-se a venda (na relagao vendedora/cliente) de uma venda “free on board” (cléu- sula “FOB"), razao por que a responsabilidad da vendedora existiria até o momento de entrega da mercadoria a transportadora. Assim, nem mesmo no que concerne a relaco com o cliente, conseguimos imaginar uma hipétese de responsabilidade solidaria entre vendedora e transportadora. Nada obstante, é certo que a finalidade da cléusula quarta do contrato pressupunha uma obrigagao solidaria entre vendedora e transportadora em face do cliente para que, uma vez verificado 0 dano, fosse ele integralmente indenizado pela transportadora, eximindo-se a vendedora de qualquer even- tual dever de indenizar, no sentido la constante. Ainda que se admita que existia a obrigacio da consulente de pagar 0 equivalente a 0,25% sobre o valor da mercadoria transportada e 0 correspectivo direito da parte adversa de receber esta quantia, ter-se-ia formado, no caso, a rentincia (negécio juridico unilateral) tendo em seu suporte fitico concreto a exteriorizacao (declaragao) tacita de vontade do titular do direito renunciado. A rentincia é um negécio juridico unilateral por meio do qual se extin- gue uma situacdo juridica ativa titularizada pelo renunciante. Como negécio juridico, a vontade exteriorizada nao apenas compée o suporte fatico, mas ¢ relevante ao menos para a escolha da categoria juridica. Como unilateral, nio provoca a correspectividade de efeitos juridicos. consequéncia juridica da rentincia a extingdo de situagao juridica prévia, e nao uma obrigacao de renunciar. Pode-se, inclusive, dizer que a vontade exteriorizada é, nesse sentido, performativa. Se houve vontade exte- riorizada de renunciar, incidiu a norma juridica, irradiou-se 0 seu respectivo efeito: a extingao da situagao juridica. E pressuposto da reniincia a exteriorizagio de vontade, que pode ser expressa ou tacita, Como regra, nao se veda que uma declaracao tacita com- ponha 0 substrato fatico (concreto) do referido negécio. © ordenamento, inclusive, em algumas hipsteses, prevé expressamente a sua admissibilidade, tal como ocorre com a rentincia & prescrigao (art. 191 do Cédigo Civil) Como aqui jé se disse, a existéncia da declaracao negocial tdcita e 0 seu contetido ¢ decorrente da interpretacao dos fatos.” Assim como ocorre na 3 "Ress eid PINTO. Declare compolament conden no ngciojuriy p ci, p. 748 bras. Dir proc “RDP, Belo Horizonte ano 18, n.7p. 188-214, ulset 200 "xeric tani desitugSes juridicns ativas.O iknco como fo juridicoentintvorenncatcita. 203, “expressa”, afirmar a existéncia de uma declaragao de vontade negocial é um julgamento (valorativo) para que seja construido 0 seu enunciado no jogo de linguagem juridica, a partir de seus sentidos juridicamente possiveis. A declaragio expressa decorre da interpretacao de simbolos (de uma lin- ‘guagem convencional). Ha ai uma relacao entre significante e significado, ambos ‘compondlo a nogao de signo, Sendo certo que este caminho entre significante e sig- nificado sera percorrido no caso concreto, por meio da interpretacio, nao se pode negar a existéncia de um contetido semantico inerente ao proprio significante, Na declaracio técita, nao ha simbolos de uma linguagem convencio- nal. Ha sinais que, globalmente considerados, conduzem a conclusao de uma declaragao de vontade. Esse significado é decorrente de um juizo de inferén- cia a partir das circunstancias concretas. Certamente, este juizo de ilagao nao pode ser ilimitado, A partir disso entra a nogio de “concludéncia” — que “significa que se pode tirar uma conclusio a partir de algo”. Esta apresenta duas facetas: (i) a concludéncia pode ser entendida em sentido amplo como caracteristica em certa medida de toda declaracao negocial, que seria sempre uma conclusio acerca do significado declarative a partir de um determinado comportamento e (ii) em sentido estrito, apenas para as declaragées tdcitas, como um limite objetivo ao juizo de inferéncia dos sinais para concluir a existéncia e 0 con- tetido de uma declaracao de vontade.™ Nesse sentido, Paulo Mota Pinto: [.-]ailagio€ aqui realizada.a partir dos chamades “factos concludentes”, Estes sio aqueles factos a partir dos quais, de acordo com o critério interpretativo, se pode concluir uma declaragdo técita — podem, portanto, ser toxios os que se devem considerar do ponto de vista hermeneuticamente relevante, seam eles positivos ou negativos, desde que se sirvam para constituir uma “impressao do destinatétio” no sentido da existéncia de uma declaragao tacita e que nio se trate de simbolos integrantes de uma linguagem (pois entio a declaragao seria expressa)." Veja-se que os fatos concludentes — a partir dos quais se pode concluir a existéncia e o contetido da vontade exteriorizada — podem ser positivos e negativos. Afinal, como ja visto, o siléncio (em sentido amplo) pode ser juri- dicamente relevante. Entre 0 comportamento concludente no contexto concreto e a decla- ragdo técita, ha, pois, um nexo de concludéncia, decorrente de um juizo interpretative, em que sao relevantes “factores de tipicidade social e factores juridicos”.¥ No juizo de concludéncia, sao relevantes critérios gerais praticos, como a icleia de incompatibilidade do comportamento com significados con- trarios a declaracao, sempre & luz do contexto negocial O juizo de concludéncia é norteado também por critérios normativos, por meio dos quais se adota um padrio normativo de conduta para avaliar ¢ 2 PINTO. Dela ite comportonenta couctadone no mgs aie op. it p75. ® PINTO. Decora tae comport colt nsec iin fe. PART ® PINTO. Delay tec comportancis sonladete no ects urd oF % PINTO. Dectaras tc compote sole wo nici fc 2 768 Rms Dir pro. KBDPr9, Helo Horizont, na 1.7, p. 18-24 jst 200 204 FrotieDisier J, Daniela Borin compreender 0 comportamento do agente.® A adogao deste padrio normative de conduta como critério da interpretacao é manifestacao da fungao interpre- tativa do principio da boa-fé (boa-fé como norma, e nao como fato)."* Nesse contexto, tem-sea “imagem juridicamente relevante” daquilo que poderia ter sido compreendido pelo destinatario. Note-se que o juizo de con- cludéncia nao é um juizo de certeza acerca da intencao daquele que declara — o que também nao se exige no que concerne as declaragdes expressas —, mas, im, de alto grau de probabilidade da exteriorizacao da vontade.” Entao. No caso sob consulta, as circunstancias concretas evidenciam um nexo de concludéncia que permite interprotar 0 comportamento da A. LTDA. (¢ sua sucessora) como declaracao técita de vontade para compor o substrato fatico conereto da rentincia da situagao juridica ativa (direito) material, Com efeito, da cléusula quarta do contrato em anilise, ter-se-ia irradiado 0 direito da contratada de receber 025% do prego da mercadoria transportada, que se tornaria exigivel quando da ocorréncia do transporte. A mencionada clausula cuidava-se, pois, de negécio juridico submetido a uma condigdo suspensiva: a realizagao do transporte. Uma vez ocorrido o trans- porte, irradiavam-se os seus efeitos proprios, cujo contesido seria estruturado pelo direito de receber a quantia referida e seu respectivo dever. Também com a realizacio do transporte, o direito seria exigivel e, portanto, haveria a pretenso material, Note-se que a pretensio & o direito exigivel. A exigibili- dade do direito subjetivo é um plus a sua existéncia, Previa o paragrafo tinico da referida cléusula que o valor poderia ser ago até 0 dia 10 do més subsequente ao més de realizagao do transporte. A partir da referida data, portanto, nao se caracterizaria apenas a exigibilidade do direito (pretensao material), como também a sua impositividade (acdo.em sentido material), quando verificado o descumprimento da obrigacao. Como se depreende da prépria planilha juntada pela autora aos autos (fls, 460-570), de setembro de 1984 até maio de 1993, a A. LTDA. realizou men- salmente transporte de mercadorias vendidas pela consulente, irradiando-se, pois, a cada més o direito de receber 0 montante referente a 0,25% do valor da mercadoria transportada. Direito exigivel que se tornava imperativo no més seguinte. Assim, com o transporte em setembro de 1984, tinha o direito de receber o valor que Ihe era devido, podia exigir 0 adimplemento da obrigagio correspectiva e, no més seguinte, jé podia agit. Mas nada fez. mo Palo Mol Po: Lo] € nese, por um lad, adoptr un pao normative de cond pars ar emperor dp ru, per fer du o age cm ‘emmportmentnaoonconcetamente a dewiase ices hegem dag pods” (EAITO. Drs {Soe somportaneno ono aceite hy P78). % Sate ung lnterprettva dbs 4 bein ai Nelson Rosenvald:“O recurs interreaivoaopinplo da ‘o'er oma pla qual perador Go dro presvarafulladeccoorcn socal do ngs ise armas soto i conta om to ttn, pesado operat Sen gue ‘perciohemendacaconrare a vontae corn (ROSEAVALD, Nelson Digicams has ne ha So Paul Srv, 208 p90. » PINTO: Dern irene coca w gi aii tp 777 1 bras Die proc -RBDPr, Helo Horizonte, ano 18 m7, p 188.214 jut 2010 Exerii tado de stung jas ats. Oslin come ato jure extn enna... 205 © mesmo ocorreu com os direitos de receber os valores em raza0 dos transportes realizado em outubro de 1984, em novembro de 1984, em dezem- bro de 1984, em janeiro de 1985, em fevereiro de 1985 e nos meses seguintes até maio de 1993. Emais. Nao apenas no més de dezembro de 1984, por exemplo, nao exerceu 0 seu direito de receber a quantia que Ihe seria devida por forca do transporte realizado naquele més, como continuou a nao exercer os direitos de receber as quantias que Ihe eram devidas em razdo dos transportes realizados nos meses posteriores. E este raciocinio deve ser feito no que conceme a todos os meses, durante todo o periodo em que a relacao contratual existiu, de forma que, em junho de 1993, continuava a nao exercer as muitas situagdes juridicas ativas de que supostamente seria titular. ‘Mas nao foi s6. Durante mais sete anos (e, ai, ndo mais existia relagao contratual), permaneceu inerte, silente. E certo que o siléncio da transportadora com relagao as situagdes juri- dicas ativas das quais seria titular & conduta que, considerando 0 “quadro de ircunstincias do caso”, significa declaragao tacita de vontade de renuncié-las. Outro significado seria incompativel com o préprio comportamento e seu contexto, principalmente levando-se em consideragao 0 tipo de negécio e porte das empresas envolvidas. A pripria autora alega, na peca inicial, que “a parceria estabelecida entre as partes vigorou por quase nove anos, em perfeita harmonia, com a Autora cum- prindo corretamente ¢ com seriedade suas obrigacoes’ (fl. (3). E, em nenhum ‘momento, noticia que tenha praticado qualquer ato no intuito de exercer os direi- tos dos quais hoje alega ser titular. Houve 0 completo siléncio da transportadora durante toda a relagao contratual, que se deu em “perfeita harmonia”. Nada disse, nem nada fez, porque ndo mais tinha a intengao de dizer ou de fazer. Considerando, inclusive, que “o transporte realizado pela Autora a Ré correspondia a (sic) maior parte de seu faturamento bruto” (i. 03), 0 seu siléncio significou a exteriorizagao da vontade de renunciar as situagées juridicas con- cementes a cléusula quarta do contrato em questao. Foi, por isso, que nada fez a autora nos sete anos que seguiram a ruptura contratual: porque sabia que o seu io nada mais poderia significar senao a vontade de nao exercer os direitos. E, aqui, nao cabe a alegacao de que o siléncio da transportadora se justificaria por receio de ruptura contratual. Primeiro, porque se cuidava de relagio contratual estabelecida entre partes materialmente iguais. Nao se caracterizava qualquer espécie de hipossuficiéncia. Eram duas sociedades empresirias economicamente estaveis ¢ idéneas no mercado. Segundo, por- que, mesmo depois de rompida a relacao contratual, o siléncio permaneceu. Como se vé, considerando as circunstancias do caso, configura-se 0 nexo de concludéncia entre 0 comportamento omissivo da A. LTDA. e sua sucessora e a declaracio ticita de vontade para compor o suporte fatico da reniincia das situagdes ativas das quais seria titular. Outro significado seria contrério, incompativel, incoerente ao proprio comportamento. bras Diz pr. -RBDPr, Belo Horizont, ano 38,71 169-2 206 Freie Ditier, Daniela Boma, E nao apenas os critérios praticos nos conduzem a este juizo de con- cludéncia, mas também os critérios normativos, notadamente a incidéncia do principio da boa-fé, em sua fungao interpretativa. O comportamento omissivo da parte s6 pode ser compreendido a luz do padrao de conduta de eticidade imposto nas relagdes inter-humanas. Nas dinémicas relacdes contratuais — que sao espécies de processo —, exige-se das partes postura cooperativa para 0 cumprimento das obrigagoes. Assim, no seria compativel com este padrao interpretar o siléncio da parte como vontade de exercer um direito, sendo-lhe que inexistia qualquer dbice a0 seu exercicio. E mais. Outra nao poderia ser a interpretagao dada pela con- sulente, destinatéria da declaragao, ao siléncio da outra parte. Configurado 0 comportamento concludente negocial, presente o elemento exteriorizagio de vontade, formaram-se os negécios juridicos de rentincia de todas as situagées juridicas titularizadas pela autora (ou suas antecedentes) A.extincio das situagées juridicas, nesse caso, decorreu de negécios juridicos unilaterais, em que se fizeram presentes exteriorizagbes de vontade. Cabem, aqui, algumas distingdes. Nao se configurow hipstese de novagio técita, mas, sim, de rentincia tacita. Annovacdo é um modo de extingao de situagies juridicas (ativa e passiva) por forga da criagao de novas situagoes juridicas, destinadas a substitui-las. A obri- gacio é extinta porque uma nova foi criada. Sio pressupostos da novagio: (i) 2 existéncia de uma obrigacio; (i) a constituicdo de uma nova obrigacio para que a outra seja extinta; (iii) 0 animus novandi. Na rendincia tcita, a situagio juridica ativa (direito/pretensdo/agio) e sua correspectiva situacao passiva (dever/obrigacio) extinguem-se por forca do negécio juridico unilateral, e no da irradiacao de novas situagdes juridicas. No caso dos autos, a extingao dos direitos e suas correspectivas obrigagdes da transportadora ndo decorreram da criagio de novas situagdes juridicas para substitui-las, A exting3o foi decorrente de negécio juridico unilateral com exteriorizacao da vontade de abdicar. N30 havia o animus de novar, mas, sim, o attintus (exteriorizado) de renunciar, Areniincia também nao se confunde com a prescrigao ou a decadéncia. Ja se chegou a afirmar que, com a prescricao ou a decadéncia, haveria renin- Gia tacita daquele que nao exerceu o direito durante certo lapso de tempo. A prescrigao é fato juridico em sentido lato que tem como pressuposto 0 ni exercicio de um direito a uma prestagio por um certo lapso de tempo. Sua consequéncia prépria ¢ encobrir a eficacia do direito nao exercido (a preten- sao) — 0 direito nao se extingue. A decadéncia, por sua vez, é fato juridico que tem como pressuposto o nao exercicio de um direito potestativo durante certo lapso de tempo. Os conceitos de pretensio e acao em sentido material no se referem aos direitos potestativos, mas apenas aos direitos a uma pres- tacao. Por forca da decadéncia, extingue-se o direito potestativo (diferer mente do que ocorre com a prescricao). Em ambos, decadéncia e prescris apreende-se a situagao fatica decorrente da conduta humana omissiva, e nao a propria conduta, Sd0, portanto, atos-fatos juridicos, que nao se sujeitam ao GOMES Orland Obie. 6c. Rode Jann: Forense 200, p16 brs Dir poe -RBDP ra, Belo Horizont, ano 18 m2, p 189-21, jul, ere ido dé stubs judicata, O sins com fats uridicoentintve:reninca icin... 207 juizo de invalidade. Aqui, ¢ irrelevante a vontade exteriorizada do sujeito; 0 pressuposto ¢ a situacao fatica que Ihe ¢ decorrente. A rentincia ¢ um negécio juridico (e nao um ato-fato juridico), que tem como cere do seu suporte fatico a vontade exteriorizada (tacita ou expressa), sendo esta vontade também relevante no plano de eficécia do ato. Aqui, a von- fade exteriorizada é essencial para a formacao do ato, que se sujeita a0 plano de validade, acaso se trate de exteriorizacao defeituosa de vontade. A extingao do diteito decorre de um negécio juridico, e nao de um ato-fato juridico. Nao se pode, portanto, realizar qualquer relagao entre 0 comportamento negocial elemento da reniincia com eventuais prazos prescricionais ou decadenciais. Arentincia tdcita, enfim, nao se confunde com a incidéncia do principio da boa-fé, que pode irradiar, dentre outras consequéncias, a supressio, Nesta, tem-se a extingdo de uma situagao juridica ativa porque o seu titular nao a exerceu por tamanho lapso de tempo que criou expectativa legitima de que ela nao mais seria exercida. Cuida-se da nogao de boa-fé abjetiva (norma), que ndo se confunde com a boa-fé subjetiva (fato). Em se tratando de inci- déncia do principio da boa-fé, ¢ irrelevante a vontade do agente nao atuante. Tutela-se a situagao de confianea da outra parte. Enquanto na reniincia tacita a extingao do direito decorre da vontade exteriorizada da parte; na supressio, independe-se totalmente dela. A conse- quéncia pode ser, no caso concreto, a mesma, mas a sua causa ¢ distinta. Na reniincia técita, deve-se averiguar se houve ou nao a declaragao de vontade de quem nao exerceu o direito, por meio de um juizo de concludéncia, a partir das circunstancias concretas. Na supressio, deve-se averiguar se restou configurada a situacdo de confianca da outra parte, independentemente de qualquer elemento subjetivo (exteriorizado ou nao) das partes, Voltaremos a esta distingao mais adiante. No caso emt anilise, como se demonstrou, o siléncio da A. LTDA. deve ser interpretado como declaragio técita de vontade de renunciar a titularidade das situa- des juridicas eventualmente decorrentes da eldusula quarta do contrato celebrado em 1984. Outro significado seria incompattcel com o comportamento da parte, com as cir- ‘cuastncias coneretas, com o padrito de conduta contratual que deve nortear o proceso de compreenséo e com a legitima possivel interpretagio do destinatério da declaracto. ‘Até aqui, analisamos 0 caso a luz da vontade exteriorizada daquele que adotou 0 comportamento omissivo. corre que, sob enfoque diverso, é possivel analisar 0 caso a luz da outra parte, a consulente, para que se verifique se restou ou ndo configurada a sua situacao de confianca E 0 que se passa a fazer a partir de agora. 4 Segundo momento: andlise do caso sob 0 enfoque da situagao da confianga da consulente 4.1 A incidéncia do principio da boa-fé nas relagées contratuais ‘A nogio juridica da boa-fé reflete, entre nés, duas acepgdes — uma subjetiva, outra objetiva — que sio comunicaveis entre si. A boa-fé subjetiva 1. bras Die. poe -REDPr, Belo Horizonte ano 18 9.7, p.18)-21, jul, 2010 208 Freie Didier je, Dania Borin (‘Guten Glauben”) traduz 0 estado psicolégico de crenga do individuo na legitimidade da situacéo fatica que Ihe é apresentada. A boa-fé objetiva (‘Treu und Glauben”) é norma (principio) de conduta, em consonancia com 08 padrées éticos consagrados em dado tempo e espago. Vale dizer: a boa-fé subjetiva é pressuposto fatico; a boa-fé objetiva é norma, Por isso, inclusive, é pleonastico referir-se ao “principio da boa-fé objetiva”. Nao existe um princi- pio da boa-fé subjetiva. Nada obstante a sua indeterminacdo semantica,” Menezes Cordeiro acentua a duplicidade intrinseca do contetido da boa-fé objetiva, em sua deli- mitacao positiva, composta pelos principios da confianga e da materialidade da regulacao juridica."" Assim, o principio da confianca é parte do contetido substancial da boa-fé e legitimaria o reconhecimento e a tutela da situagao “em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crenga, a certas Fepresentacbes, passadas, presentes ou futuras, que tenha por efectivas’. ‘Como bem observa Anderson Schreiber, a valorizacao juridica contem- Poranea da confianca é expresso da solidarizagao social humanitaria. Apés a concepsio liberal oitocentista — consagrando a maxima relevancia a von- tade individual — e a posterior fragilizagao do ser humano no século XX, a racionalidade contemporanea buscou a protecio da dignidade humana, nao mais sob a 6tica individualista liberal, e sim a luz da nogao de solidariedade. Nao se trata, porém, de uma solidariedade coletivista, mas humanitaria, jé que tem como fim o desenvolvimento da personalidade dos individuos, con- textualizados no grupo, e ndo deste em si mesmo." A racionalidade juridica solidaria decorre da propria pluralidade social e juridica, nao aceitando a concepgao de um individuo descontextualizado. Consagrou-se, entio, o principio geral de cooperagao e lealdade reciproca entre as partes, em decorréncia na nova perspectiva da dignidade humana — informada pela solidariedade —, na qual cada individuo ¢ res- ponsavel pela conservacao da dignidade do outro, impondo-se “sobre todos © dever de nio se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legitimas despertadas no outro”. A boa-fé objetiva consagrou-se inicialmente no ambito do direito civil, noladamente no direito contratual, posteriormente ultrapassando os seus limites para alcangar os demais ramos do direito, como o direito processual € 0 direito administrativo. A boa-fé objetiva é nogao do novo paradigma do direito obrigacional em que se supera o paradigma tradicional, fundado exclusivamente na valorizacao da vontade humana, para sublinhar o carater dinamico e processual da relagao obrigacional (obrigacao como proceso). "Sie indtorminago semana do contd da boo Neon Resend "A bow 6 prtanto, adaptive Proteforme ima vee que 0 Seu conteado sea inerido por jun valoratnossnimados poo tempo, eager Pessas que iguana rela. Esse juzn parte da serch do sto tcl» su corespertem ts parcpents ‘seas, os teu uss concepses ristllzados mo to frien, Com Be ans flere er pes ‘rfc a compatilidacsentrea ating mana econcret a supromas exces deat” (HOSENVALD, son Digeilae anne fone n Co Ci. S39 Fae: Saran 305,95, {8 CORDEIRO,Antnio Manel da Roche Menezes Da nod il Coimbra: Almedina, 201 p12. ‘© CORDEIRO, Drlurn dnte eop. cp. 124 © SCHREIBER, Andenan. riod conptonents conrad tatta da conan vont fc propre lo de anor Renova. 208.395, {8 ROSENVALD. Dine humane wf no Cig Co op. cit p17 “SCHREIBER. A pi de compris cnt op iy pH 360. bras. Dit proc.- RDP Belo Horizonte ano 18, n. 71 p. I-21, ult. 2000 Exerc ado de stages juridicaativas O slnco come fat juridicoextntives rennin ita. 209 Pois bem. A boa-fé objetiva é principio cuja incidéncia faz irradiar situagdes juri- dias (em sentido lato), dentre as quais o dever de néo comportar de forma contradit6ria (a proibicao do venire contra factum proprium) Segundo Anderson Schreiber, nao se busca manter a coeréncia em si, mas notadamente proteger a situacao de confianga despertada no outro. De fato, a proibicio de comportamento contradit6rio nao tem por fim a manuiten- ‘s80 de coeréncia por si s6, mas afigura-se razoavel apenas quando ena medida em quea incoeréncia, a contradi¢do aos préprios atos, possa violar expectativas despertadas em outrem e assim causar-lhes prejuizo, Mais que contra a simples coeréncia, atenta o vette contra factum proprium a confianga despertada na outra parte, ou em terceiros, de que-o sentido objetivo daquele comportamento inicial seria mantido, endo contrariado. Ausentes tais expectativas, ausente tal atentado 8 legitima confianga capaz de gerar prejuizo a outrem, nao ha razo para que se imponha a quem quer que seja coeréncia com um comportamento anterior.” Vale dizer: a incoeréncia de comportamento ganha relevancia juridiea quando ofende expectativas legitimas criadas em outrem por forga da con- duta anterior. ‘A boa-fé objetiva é principio e, como tal, norma imediatamente finalis- tica, em que se estabelece a tutela da confianga como componente do estado de coisas a ser atingido. Diferentemente das regras — que s4o normas ime- diatamente descritivas da conduta a ser adotada —, dos principios decorre © dever de adotar comportamento necessério para a realizagio do estado de coisas. Dai porque o “nao comportar-se contraditoriamente” ser juridica- mente relevante a partir do juizo de correlacdo entre os seus efeitos e 0 estado de coisas posto como fim (em que se encontra a tutela da confianga). Note-se, inclusive, que a incoerncia em si é admitida em nosso ordenamento (em alguns casos), como nos casos de revogacao da vontade exteriorizad: Como pressupostos da proibic4o do comportamento contraditério, hé duas condutas praticadas pelo sujeito que sao, se isoladamente consideradas, em principio, licitas. A ilicitude decorre da violagao ao principio da boa-fé quando se frustram as expectativas legitimas criadas em fungao do compor- tamento anterior (0 fuctum proprium). factum proprium nao 6 em prinefpio um comportamento vinculante (vale dizer, no tem, inicialmente, relevancia juridica). Se ja era vinculante, a incoeréncia posterior estaré no ambito do descumprimento da obrigagao irradiada, independentemente da tutela da confianga da outra parte. O factura proprium é (inicialmente) ndo vinculante; “passa a ser vinculante apenas se e na medida em que gera uma confianca legitima na sua conservacao”.” Nesse contexto, tem-se também a nogao de suppressio como situagao juridica decorrente da incidéncia do principio da boa-fé. © SCHREIBER A pro de comprtaento contain oct p90 © AVILA, Humbert. Ta dos prin da dines pies dx princpon juris, Oe So Paul: Mali, 20.771 © SCHREIBER. pode omportanento conrad, oct p16 bras Dir pros -RBDPr, Belo Horizont, ano 18.71, ps 19-214, jul. 2010 210 Frei Dif, Daniela Boman A supressio & a perda de uma situagao juridica de vantagem, pelo rio exercicio em lapso de tempo tal que gere no sujeito passivo a expectativa legitima de que a situagao juridica nao seria mais exercida;* o exercicio tardio seria contrario & boa-fé" e abusivo. A suppressio 6 efeito juridico cujo fato juri- dico correspondente tem como pressuposto 0 nao exercicio de um direito ea situagio de confianca da outra parte. Nao se exige qualquer elemento subje- tivo do sujeito inerte, Tutela-se a confianca do outro. A surrectio & exatamente a situacdo juridica ativa, que surge para o antigo sujeito passivo, de ndo mais, submeter-se & antiga posicao de vantagem pertencente ao credor omisso. A supressio nasceu na jurisprudéncia alema, a partir da aplicagao da cléusula geral de boa-fé prevista no §242 do BGB. Em alemao, denomina-se Verwirkung. Supressio é a designacao sugerida por Menezes Cordeiro, de modo a evitar confusdo com institutos semelhantes como a caducidade, preclusio, prescrigdo, decadéncia, rentincia ete. A consagracao dogmatica da supressio deu-se por ocasiao dos probl mas econémicos derivados da primeira grande guerra, sobretudo a inflaca Com aumentos imprevisiveis de preco e as dificuldades na realizacao de cer- tos fornecimentos, 0 “exercicio retardado de alguns direitos levava a situa- ses de desequilibrio inadmissivel entre as partes’. Ao lado disso, havia 0 direito a corregao monetéria, construcao jurisprudencial, hoje consagrada em lei. Esse direito serve, essencialmente, & protecao do credor, como homena- gem a boa-fé, que requer, “pela equivaléncia das prestagies e pelo equilibrio, das situacdes das partes, que se proceda a reajustamentos destinados a com- pensar a depreciacio monetaria”."* A supressio serve como um “contrapeso y": “a mesma boa fé exige que as pretensdes de reajustamento, dessa protecao’ quando caibam, sejam exercidas num prazo razodvel, sem o que atingiriam montantes com que o devedor nao poderia contar”. E pressuposto da suppressio um. comportamento inicial omissivo que, ‘em si, nado seria ilicito. Aqui, 0 factum proprium seria uma conduta silenciosa (um nao fazer). O que é apreendido juridicamente, entretanto, nao é a con- dluta em si, mas a sua situagao fatica decorrente (a imagem de nao exercicio) que legitima a situagao de confianca do outro. Esta imagem de nao exercicio pressupde o tempo. Nesse sentido Anténio Menezes Cordeiro: Ano actuagio de um direito subjetivo ¢, pois, facto préprio do seu titular. A realidade social da suppressio, que o direito procura orientar, ests na ruptura das expectativas de continuidade da auto-apresentacio praticada pela pessoa que, tendo criado, no espaco juridico, uma imagem de néo exercicio, rompe, de stbito, o estado gerado.™ Ta glsticaa petite che il dnt soso nonsarebbe pista to vlee”(RANIERE, Filippo. Rivera tacta «Wowk Padova: CEDAML 171.) “ CORDEIRS, Antinio Mantel da Rocha e Menezes, Deb fo doit cet 2 reimp, Coimbra: Almedin, 203 pow % EORDEIRO. De ano dit opt, 20.97 " CORDEIRO. Ds bf no dicot, 200 p. SO. Sobne a evolu da Vera, também, RANIERL, Flip. Rinaowsitacts ¢Vrerun.opet .14etsp * CORDEIRO. Delano dhe 0 op. 201 p. 8 © CORDEIKO. Den at opt, 2p. R. CORDERO, Di luo net cal op. 201, 813. 1. bras Di proc -RBDP4o Belo Horizont ano 1,071 p. 189-214 jst. 2010 veri taraio de stages juridicas ais © sino com fala juridico extintv: renin cto. 211 E conclui o autor: “apenas pela sua continuidade pode, 0 ndo exercicio, suscitar as expectativas sociais de que essa auto-representacao se mantém. O que € dizer: 0 decurso do tempo é a expressdo da inactividade traduzindo, como tal, o factunt proprium”. 4.2 O caso sob consulta. A suppressio. A situagao de confianga da consulente No caso dos autos, 0 contrato foi celebrado em 1984 e, como visto, des de entdo, mensalmente, nascia uma situagao juridica titularizada pela con- tratada (A. LTDA.) de receber 0 equivalente a 0,25% do valor da mercadoria naquele més transportada. Em setembro de 1984, nasceu uma situacao juridica (que se tornou impositiva no dia 10 do més seguinte); em outubro de 1984, outra; em novembro, outra. F assim ocorreu durante os meses subsequentes até o més de maio de 1993, quando a relagao contratual extinguiu-s Durante os quase nove anos em que a relacdo processual desenvolveu-se mediante um bom relacionamento (como afirma a autora), nascerar men- salmente situagées juridicas titularizadas pela transportadora, mas nunca por ela exercidas. E mais. Durante 0s sete anos seguintes, a transportadora permaneceu adotando 0 comportamento omissivo. Apenas no ano de 2000 (dezesseis anos depois de celebrado 0 contrato), procedeu a transportadora a uma notificacdo judicial afirmando ser titular das situages juridicas decor- rentes da cléusula quarta do contrato celebrado em 1984. Independentemente de tratar-se ou nao este comportamento silencioso de declaracio técita de vontade (de renunciar), ndo se pode ignorar que o nao exer- cicio das situagGes ativas durante tamanho lapso de tempo levou a uma imagem de nio exercicio que fez surgir na consulente expectativas legitimas da continui- dade da autorrepresentacio (expectativas legitimas de que o direito nao mais seria exercido). Configurou-se a situacao de confianga da consulente. Consoante noticia Anténio Menezes Cordeiro, a tutela juridica da con- fianca exige os seguintes fatores: a) situagao de confianca conforme o sistema; ) justificacdo a confianca, identificada pela presenca de elementos objetivos que provoquem a renga plausivel; ¢) investimento da confianga, como o exer- cicio de atividades juridicas sob a crenga da confianga, d) a imputacio da situa- sao de confianga & pessoa que seré atingida pela protecao ao confiante.”* Este era — e 6 — 0 caso dos autos. Imbuida do espirito de que os direitos de receber as quantias decor- rentes da clausula quarta do contrato nao mais seriam exercidos, j4 que durante 16 (dezesseis) anos a transportadora permaneceu silente (justificagao eimputacao da confianca), a consulente criou expectativas legitimas em face da imagem do nao exercicio, sem que houvesse qualquer elemento objetivo “CORDEIRO. os dio el op ci, 20, p. 813. » GORDEIRO, Aronio Menezes Lg de ma abu do diode ge ¢ uli agen, Cima: Almeding, 2h. p52. Estat nota tnivas poem exstir em menor omar ena em umosoconceto = ot mess luna des pode nao se fazer present como alma Amano Menezes Corder, Epos pose fae ean fom a idea de sistema mel ue Kael Laren por sun ve, telcos bo peraamente, Os tipo dstnguem = ‘dosconcitosartamonte por na exit a presenga de ods suns nae dtintvay sono levante, paras oun ‘racerzagio, a maga global no caso cnereta bras Die poe. -REDP 3, Belo Horiznte, ano 18, m7, p 189214, jue 2010 212 Fred Didier Je, Danita Bont que pudesse obstar a sua crenca da confianca, & qual aderiu e em fungio da qual investit, ao deixar de adotar qualquer prevencao contra a imposigao dos direitos que — acreditava — nao seriam exercidos (investimento da confianca). Imagine-se, portanto, qudo grande foi a sua surpresa ao deparar-se com a quebra abrupta daquela situagao estavel de nao exercicio. Nao se pode questionar a formagao da imagem de nao exercicio idénea a legitimar as expectativas da consulente, notadamente por serem cumulati- vas as seguintes circunstancias. a) Cuidava-se de situacdes juridicas surgidas mensalmente durante sete anos, Note-se que 0 direito de receber a quantia decorrente do transporte realizado em setembro de 1984 durante toda a relagao contratual (e durante 6s sete anos que a seguiiram) nao foi exercido. Como se vé, além do decurso do tempo, aqui a sucessividade da relagao foi expressao da inatividade nao apenas com relagio aos direitos relativos aos transportes ja realizados, mas também daqueles que ainda seriam realizados. b) Mesmo apés 0 encerramento da relagio contratual, passaram-se sete anos sem qualquer exercicio de direito. Veja-se: como se viu, acredito que ja se encontravam extintas as situa- ges juridicas quando a relacao contratual foi rompida, notadamente cor siderando a sucessividade de suas prestagdes e o seu nao exercicio durante hove anos. Mesmo que assim nao se entenda, depois deste momento, trans- correram mais sete anos. Presentes encontram-se, iit casu, 05 pressupostos do fato juridico da suppressio: a imagem de nao exercicio (decorrente do comportamento da transportadora) & qual aderiu objetivamente e legitimamente a consulente {situagio de confianga). Nao se ha de averiguar qualquer elemento subjet vo daquele que nao agi. Cuida-se da incidéncia do principio da boa-fé. A suppressio j6 6 0 proprio efeito irradiado: a perda das situagdes juridicas ativas. Pode-se dizer, inclusive, que o caso em analise é exemplo tipico de supressio, Parece tratar-se de exemplo de manual Duas distingdes sao necessérias. A suppressio nao se confunde com a preserigo € com a decadéncia. A prescricao e a decadéncia, como jé se disse, sao atos-fatos juridicos cujo efeito € a perda de eficicia (e nao a extingao) de uma situacao juridica ativa (em se tratando de prescri¢3o) ou a perda do proprio direito (em se tratando de deca- déncia) por forga do seu nao exercicio durante determinado lapso de tempo. Nao se tutela, aqui, a confianga da outra parte. A suppressio é decorrente da incidéncia do principio da boa-fé nas relagdes juridicas. E a situagao da confianga daquele que adere & imagem de nao exercicio que é tutelada para que sejam extintas as situagSes juridicas ativas (e ndo apenas atingida a sua eficacia) Nesse sentido, Anderson Schreiber: Parece, todavia, razoivel admitir que, nesse confronto com os casos legals (prescricionais ou decacienciais), 0 valor da seguranca que os inspira ceda em favor da tutela da confianca naquelas hipéteses em que ao simples decurso do tempo se somem comportamentos do titular do direito[..] ou circunstancias bn ie proc. -RBDPr, Belo Honzonte ano 1871p. 198-218 jlo. 2000 xeric ardiadestaces juries ativasO sitio com at juriic etn: renin tia. 213 de fato, imputaveis a ele ou nao, que justifiquem a tutela da boa-fé objetiva independentemente e acima dos prazos fixados em lei.” Por isso, é plenamente possivel que se irradie a suppressio quando ainda pendente o prazo prescricional concernente a um determinado direito a uma prestacdo (depois de operada a prescricao, sequer haveria, em principio, uti- lidade de verificar a incidéncia do principio da boa-fé). Foi 0 que ocorreu no caso dos autos. Além disso, como jé antecipado, a suppressio nao se confunde com a rentincia tacita. Como noticia Paulo Mota Pinto, notadamente nos latinos, historicamente recorretse ao institut da remincia tatica quando se buscava, em verdade, paralisar o exercicio de um direito nao em razao da atividade abdicativa do cre- dor, mas, sim, em face da confianga do devedor, baseada ni idade do pri- meio. Assim, 0 recurso & rentincia tdcita serviu, durante algum tempo, para legitimar decisdes judiciais proferidas em situagdes em que estaria vedada a fun- damentacao com base na boa-fé objetiva, notadamente considerando 0 dogma da autonomia da vontade consagrado pelo periodo revolucionério. Verifica-se, assim, uma resisténcia a aceitar a autonomia do Verwirkung (suppressio) e de ‘outras manifestagdes da boa-fé objetiva consagradas no direito alemao. A reniincia tacita 6 negécio juridico em que ha a exteriorizagao da von- tade de abdicar a uma dada situagdo juridica. Aqui, extingue-se a situagao juridica porque houve declaragao de vontade (tacita) nesse sentido. Se néo ha vontade exteriorizada, nao ha negécio juridico, nao se irradiam os seus efeitos. Deve-se verificar a existéncia de vontade exteriorizada (no plano de existéncia do fato juridico), Fato juridico inexistente ¢ fato juridico ineficaz. Em se tratando de ato juridico em sentido amplo, submete-se ao plano da validade. O vicio na vontade exteriorizada torna o ato defeituoso, podendo ser decretada a sua invalidade. A suppressio & efeito juridico decortente da incidéncia do principio da boa-fé, por meio do qual se tutela a confianga (estado de coisas). A extingao da situagao juridica nao decorre de um negécio juridico, sendo irrelevante a vontade daquele que nao a exerceu. Apreende-se juridicamente a imagem de nao exercicio que legitimou a situacao de confianea criada legitimamente por forca do comportamento omissivo, Nao se averigua, vale frisar mais uma vez, qualquer vontade do que permaneceu silente, mas, sim, a situagao de confianca da outra parte. Nesse sentido também, ¢ irrelevante a nogao de inrenunciabilidade do direito.” Note-se: 0 efeito juridico pode ser até semelhante, mas 0 seu funda- mento (fato juridico que o origina) é distinto, ‘Afirmamos que, no caso dos autos, o comportamento silencioso da trans- portadora significou uma declaragao tacita de vontade de abdicar das situagées ativas das quais era titular, configurado o nexo de concludéncia entre eles. Outro 3 SCHREIBER A pais de comprtanety contains, oc 192. PINTO. Declaration ecomporaont concent nici fry epi p12. © RANIERL Flo inuneie Te ¢ Vrs CEDAME Pode, 1971 p48 R bras. Die roe -RBDI 2, Belo Horizont, ano 18 0.71, p 188-214, jist 2010 214 FredieDidir Je, Daniela Borin significado que fosse atribuido ao seu siléncio seria incompativel com o quadro de seguranca posto e com padrao de conduta que deve nortear a atividade interpretativa. Aqui, o silencio era comportamento negocial contundente, ele- mento de um negécio juridico; a vontade exteriorizada era relevante. O caso foi, neste aspecto, analisado a luz da vontade exteriorizada pelo sujeito. A boa-fé objetiva foi invocada apenas no que concerne a sua funcao interpretativa, e ndo quanto & sua fungao limitadora. A conclusio de inexis- téncia atual dos direitos afirmados pela autora (sucessora da transportadora) teve como fundamento a configuracao de um negécio juridico e da irradi dos seus efeitos préprios. Ocorre que, ainda que se entenda nao restar configurada a rentincia tacita, verificou-se a incidéncia do principio da boa-fé (em sua fungao limitadora) para que se tutelasse a situagao da confianca da contraparte (a consulente), criada legitimamente em razao da imagem de nao exercicio decorrente da inatividade do sujeito durante o transcurso do tempo. Como ja se disse, aqui ¢ irrelevante se o silencio da transportadora significou ou nao declaracao tacita de vontade, jd que foi configurada a situagao de confianga da outra parte. Osiléncio, nesta perspectiva, nao é comportamento negocial, mas, sim, conduta da qual decorre a imagem de nao exercicio (situagao fatica) apreen- dida pelo direito (e que sera elemento do fato juridico). A conclusio da inexis- téncia atual dos direitos afirmados tem como fundamento, aqui, a suppressio (efeito juridico decorrente da incidéncia do principio da boa-fé). Por uma ou por outra via, 05 direitos estao extintos. 5 Conclusao Por tudo quanto foi exposto, conclui-se: (iinexistem as situacdes juridicas ativas afirmadas pela autora, consis- tentes no direito de receber 0 equivalente a 0,25% do valor das mercadorias transportadas de setembro de 1984 a maio de 1993, por ter-se configurado a rentincia (negécio juridico unilateral), eis que constatada a exteriorizagio técita de vontade da transportadora, em razao de um juizo de concludéncia; (ii) ainda que se entenda nao restar configurada a rentincia tacita,ter-se-ia configurada a situacao de confianga legitima da consulente no sentido de que 0s direitos afirmados nao seriam mais exercidos, raz4o por que incidira o prin- cipio da boa-fé, independentemente da vontade do sujeito inerte (a transporta- dora), fazendo irradiar a suppressio (perda das situagées juridicas ativas). Eo parecer. Cidade de Salvador, Bahia, em 19 de abril de 2010. Informagio bibliografica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associagio Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): DIDIER JR,, Fredie; BOMFIM, Daniela. Exercicio tardio de situagées juridicas ativas. O silencio como fatojuridico extintivo: rentincia tcitae suppressio, Revista Brasileirade Direito Procssual ~ RBDPro, Belo Horizonte, ano 18, n.71, p. 189-214, jul/set. 2010, Parecer. bras Die pros - RED, Bao Horizonte, ano 18m 7, p- 189-214, jue 2010

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