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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIAS FACULDADE DE FILOSOFIA ONTOLOGIA E METAFISICA - 2019 DOCENTE: WELLINGTON DAMASCENO. DISCENTE: MELISSA ROBERTA FARIA SANTOS 1. Quadro dos Tipos de Conhecimento Aristételes no primeiro livro da Metafisica, o Livro A (Alpha), propde a tese : “Todos os homens por natureza propendem ao saber.”(Metafisica I. 980 a 21), ou seja, todos os seres humanos possuem uma disposigdo ao conhecimento que the ¢ natural. Aristételes estabelece de forma hierérquica quatro tipos ou etapas de conhecimento. A primeira etapa no quadro geral dos tipos de conhecimento estabelecido por Aristételes & a sensagdo que é 0 tipo de conhecimento que os sentidos oferecem. Tanto os animais, como os seres humanos nascem naturalmente com as. sensagdes, mas s6 alguns deles podem constituir memérias das sensagdes, Os que adquirem a capacidade de se recordar dos dados de suas sensagdes sio mais inteligentes do que aqueles que incapazes de se lembrar. A meméria para Aristoteles (Metafisica I. 980a 27) também esta relacionada a capacidade de aprender da espécie humana € dos animais. A meméria, portanto, é o segundo tipo de conhecimento se desenvolve a partir daqueles que so dotados de sensagao, apesar de no serem todos os animais capazes de adquirir esse dom. O terceiro tipo de conhecimento é a experiéncia que se da através da meméria nos seres humanos, Surge a partir da associagdo de muitas memérias de objetos particulares: a forma sensivel do objeto recebida pela alma na sensagdo & re-apresentada a alma (apés o desaparecimento do objeto sensivel) por uma imagem, a qual, por sua vez, é retida pela meméria e, a partir da retengdo e repetigdo dessa imagem, a alma humana associard as virias memérias de um objeto sensivel, sintetizando-as e cristalizando-as em uma experiéneia.” (DOS SANTOS, M, 2018 P. 110) Os animais participam apenas um pouco da experiéncia, pois vivem apenas com as “aparéncias” eas “recordagdes” (Metafisica 1. 980b 25) enquanto os seres humanos, a0 contrario, vivem também com “técnica” ¢ “raciocinios”. A experiéneia surge de diversas recordages de repetidas sensagdes: por exemplo, alguém que de tanto cair ao andar por uma colina, adquire experiéneia por tentativa e erro até descobrir uma via que nio Ihe ofereca riscos. A técnica, por sua vez, surge da experiéncia: “De fato, a experiéncia produziu a técnica — como disse Polo -, ao passo que inexperiéncia produziu o acaso.” (Metafisica I. 980b 25). Além disso, “A té cnica nasce quando, de diversas consideragdes de experiéneia, surge uma nica nogio universal a respeito de semelhantes.” (Metafisica I. 981a 5). Desta maneira pode-se dizer que ao passo que o experiente cura Sécrates a partir de um tratamento especifico para uma doenga especifica, ¢ assim sucessivamente, sempre caso a caso, lida com © particular; o téenico, por outro lado, se diferencia por visar o quadro geral, o universal, e jim ao invés de estabelecer o remédio especifico para uma pessoa especifica em uma situagdo especifica padecendo de uma doenga especifica, 0 téenico & capaz de indi um remédio que seria titil a todos que tivessem a mesma doenga: “é proprio da técnica ter nogdo de que tal e tal coisa foi conveniente a todos os de tal e tal qualidade, delimitados por um tipo ‘inico, isto é, que padeciam de tal e tal doenca (por exemplo, aos fleumiticos, ou biliosos, ou febris).” (Metafisica I. 981a 7-12). Apesar de ser uma ctapa superior na hictarquia do quadro geral dos tipos de conhecimento, Aristételes diz que a técnica pode parecer ser inferior a experiéncia, O ponto, apesar disso, & que Aristételes esti se referindo Aqueles que detém técnica sem possuirem experiéneia (por exemplo, um médico que domina a teoria porém nao possui ainda pritica). Nesse caso especifico, realmente, aquele que possui a técnica pareceré inferior ao experiente uma vez que de acordo com Aristételes (Metafisica I. 981a 12), no caso da medicina por exemplo, aquele que cura, cura 0 homem particular, Sécrates por exemplo, ¢ ndo o homem geral ou a humanidade. Isso ocorre porque a agdo pratica requer o conhecimento dos particulares, pois é apenas por concomitincia que o universal é atingido, e no exemplo em questo, & curado, Portanto, nio ¢ que a experiéncia é superior a técnica, mas ocorre que a técnica no pode prescindir da experiéncia, No entanto, mesmo nio podendo abdicar da experiéncia, a técnica é de fato superior & experiéncia pois a técnica oferece 0 conhecimento da causa de algo, ela explica o porqué de algo ser assim e nao de outro modo, a experiéncia, por outro lado, apenas constata os aspectos gerais do que ja foi ocorrido: Entetanto, achamos que 0 conhever e o saber pertencem mais a téeniea do que & ‘experiéncia, ¢ julgamos os tenicos mais sibios do que os experientes, como se a sabedoria acompanhasse todos eles sobretudo pelo conhecer. Isso, porque uns conhecem a causa, mas outros no: 0s experientes eonhecem 0 “que”, mas no 0 ‘outros conhecem 0 “porque” € a causa”, (Metafisica 1. 981a A técnica também é superior pela sua possibilidade de ensinar, 0 técnico é mais apto a ensinar do que o experiente. Quem inventou a técnica, segundo Aristoteles (Metafisica I. 9816 13), foi admirado pelos homens tanto porque a técnica resolvia necessidades da sociedade quanto porque aquele que deteria este tipo de conhecimento era diferente, em superioridade, dos demais, © homem que possui apenas experigncia conhece as coisas paticulares enquanto particulates, Por iss, ele nio é capaz de explicar ou ensinar a outrem as causas que revelam 0 porgué de as coisas se comportarem de um determinado modo e nfo de outro, Aquele que é meramente experiente acerca, por exemplo, do nexo existente entre a administrago de um remédio a um doente © a sua cura, nfo dispde do conhecimento causal que explica porque esse remédio curou esse doente © pode, pela mesma razio, curar outros individuos que padegam da mesma enfermidade. (DOS SANTOS, M., 2018, P. 112) Depois, foram descobertas técnicas que nao resolviam questées de utilidade social, mas que serviam ao divertimento ¢ estas foram valorizadas mais do que as anteriores. E entdo, somente quando as duas j4 existiam, as ciéncias surgiram, sem ser em fungdo nem do divertimento nem das necessidades, Este €, portanto, 0 quadro dos tipos de conhecimento descrito por Aristételes no primeiro capitulo da Metafisica: primeiramente a sensa¢do, 0 mais comum e natural tipo de conhecimento, que se adquire pelos sentidos; na sequéncia a meméria, que & a lembranga dos dados da sensagio; em terceiro Iugar a experiéneia, que surge a partir das consideragdes da meméria_e das sensagSes, porém sendo nogdes a respeito de casos particulares; das reflexdes da posteriormente a técnica, que sio nogdes universais surgidas através experiéneia; depois as ciéncias, que sio conhecimentos que no visam nem a utilidade nem 0 divertimento, mas o proprio saber. Cada etapa, ¢ superior a anterior: “Consequentemente, conforme foi dito antes, reputa-se que o experiente & mais sabio que aqueles que detém uma sensagdo qualquer; o técnico, mais sabio que os experientes; os mestres de obra, mais sibios e as ciéncias teéricas, mais cién que os “trabalhadores bragais’ (Metafisica. I. 981b 25), s que as produtivas.” 2. A Sabedoria e Seu Posto ‘A sabedoria & a cigncia que Aristételes esta buscando constituir na Metafisica. Ele comega a caracterizi-la no segundo capitulo do primeiro livro. Comega antes considerando as concepgdes ordindrias que se tem normalmente dos sibios a fim de ver o que se pode extrai dai (Metafisica. 1. 982a 8). Em primeiro lugar, 1) 0 sabio € aquele que conhece tudo sem conhecer cada particular por si, 2) Conhece também mesmo as coisas menos acessiveis aos homens comuns, isto é, as coisas dificeis. 3) Conhece com mais exatidao e é mais capaz de e ensinar (as causas) do que os que ndo sio sabios. 4) E mais conhecimento também aquela cigncia que é visada pelo proprio conhecimento do que por algum resultado. 5) E a ciéncia que comanda est mais apta a ser a sabedoria do que aquela que é subaltema, como é 0 caso dos sébios mandarem e os ignorantes obedecerem. 1) Significa que 0 sibio conhece universalmente, deste modo conhece tudo sem conhecer os particulares caso a caso; 2) © conhecimento do sabio & mais dificil justamente por ser um conhecimento dos universais de modo que assim é um conhecimento mais afastado das sensagdes que se ligam aos particulares; 3) E conhecimento mais exato aquele que se vincula aos prineipios e as causas, ¢ quanto menor a quantidade destas que fizer uso, mais exato é o conhecimento; e é um conhecimento mais ensindvel por ser um conhecimento das causas ¢ dos principios; 4) Um conhecimento que visa 0 préprio conhecimento é um conhecimento que visa aquilo que for mais cognoscivel, logo aquilo que torna apto a alguém conhecer mais, ¢ aquilo que permite conhecer mais ¢ 0 conhecimento das causas ¢ dos principios que permitem conhecer os particulares a eles subjacentes ¢ nao 0 contritio; 5) E ainda o conhecimento superior aquele que oferece a possibilidade de se saber 0 melhor em vista do que cada coisa deve ser feita, no particular ¢ no geral, Esses seriam os tragos gerais, que definiriam neste primeiro momento a concepgio Aristotélica (Metafisica. I. 982a 8) da Sabedoria (Metafisica). Aristételes acrescenta: Por tudo que foi dito, a denominagdo que procuramos recai sobre a mesma cincia: ela deve ser uma ciéneia que estuda os primeiros prineipios e causas (pois também o bom, isto &, o em vista de que, é uma das causas). Que ela nio & um conhecimento produtivo, é evidente também pelos que primeiro filosofaram: de fato, os homens, tanto agora como no inicio, comegaram a filosofar devido a0 admirar-si , admirando inicialmente, entre as coisas surpreendentes, aquelas que estavam & mio, em seguida, paulatinamente progredindo e formulando impasses sobre problemas maiores, por exemplo, sobre as alegdes da lua, do sol, dos astros e sobre a geragdo do todo. (Metafisica. I. 9826 7-17) A metafisica, portanto ndo é um conhecimento que tem por objetivo produzir algum tipo de resultado, mas antes, © conhecimento ¢ em seu mais elevado grau pois ¢ 0 conhecimento de certos tipos de causas e prineipios, assim como é a Ciéncia do Ser enquanto Ser. Ela s6 poderia ser, deste modo, uma cigncia independente, que no se vincula a algum tipo de utilidade, ela ndo se submet ssidades, mas ant ne é uma ciéneia que comanda, Por isso, segundo Aristételes (Metafisica I, 982b 25-28), somente apés as técnicas, que se voltam ao divertimento e a utilidade, j estivessem constituidas, a sabedoria poderia ser buscada, pois esta uma ciéncia sem grilhdes: Por isso, € com justiga que se poderia considerar a posse dela como no humana, pois a natureza dos homens € de varios modos escrava, de modo que, segundo Siménides, “apenas deus poderia ter tal prémio”, mas, com relagdo ao homem, no é digno buscar 0 conhecimento que the & conforme. Ora se o poetas falam com acerto, se 0 divino naturalmente & invejoso, & plausivel que is 10 suceda sobretudo neste caso, isto & que sejam infelizes todos os eminentes. Mas nem cabe que 0 divino seja invejoso — pois, pelo contririo, segundo 0 ditado, “muito mentem os aedos” - nem se deve considerar mais valioso que este algum outro conhecimento. De fato, 0 mais, divino & também mais valioso; © apenas ela seria de tal tipo, por duas maneiras: & divino, entre os conhecimentos, aquele que sobretudo deus possuir, © aquele que fosse de itens divinos. (Metafisica I. 982b 28 — 983a 1, Somente a sabedoria de acordo com Aristoteles estaria apta a atender estas duas. concepgdes de um conhecimento divino: seja por que deus é um tipo de causa e principio; seja por que este seria um tipo de conhecimento proprio primeiramente a ele. De todo modo agora pode-se se situar a sabedoria frente ao quadro dos tipos de conhecimentos que propde Aristételes diferenciando ela dos demais tipos de conhecimento. Se existe uma hierarquia lo da entre os diferentes conhecimentos que Aristételes apresenta no primeiro caj Metafisica, entio a sabedoria estaria na hicrarquia mais alta, ja que ela é uma ciéncia e como cigncia € © tipo de cigneia mais importante j4 que volta-se ao que ¢ mais cognoscivel e ao conhecimento de todas as coisas, na medida que é um conhecimento universal, das causas e principios. Ela se diferencia assim da sensagdo que ¢ © mais comum ¢ natural dos tipos de conhecimento; diferencia-se da meméria que é apenas recordagio das sensagdes; da experigneia, que & conhecimento do particular; da técnica, que embora conhecimento de universais ¢ de causas, tem por fim outra coisa e resultado que 0 proprio conhecimento; ¢ das demais ciéneias a medida que se volta aos prineipios primeiros ¢ ao ser enquanto ser, a0 passo que a fisica se volta ao ser enquanto movimento. A metafisica esté, portanto, acima de todos os demais conhecimentos, é aquele saber superior a todos os outros e ao qual todos lhes sdo subalternos. E 0 conhecimento daquilo que é mais cognoscivel e portanto 0 que permite mais conhecer ¢ assim é também o conhecimento mais exato e mais ensindvel. Bibliografia Indicada ARISTOTELES. Metafisica — Livro I. Trad. Lucas Angioni. Clissicos da Filosofia: Cademos de Tradugdo n°15, Campinas/SP, IFCH/UNICAMP, 2008. DOS SANTOS, M. . Sobre a Possibilidade da Metafisica em Aristételes a partir da Primeira Aporia do Livro Beta, REVISTA DE FILOSOFIA ANTIGA , v. 12, p. 96, 2018.

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