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Costume: forma de expressao do direito positivo Marra VINAGRE Advogada, cursando pés-graduagio em Direl~ to Civil na Faculdade de Direito do Largo de Sio Francisco (U.S.P.) Um Direito fizado pelo costume é um murmirio da raca, cristalizado através dos séculos, “Vox populi", “vor Det” — Edmond Picard. 1. Fonte do direito ¢ forma de expresso do direito Nao se confunda fonte com forma de expressio ou de revelagio do direito. Fonte, no sentido de causa geradora, causa eficiente, de ante-suposto da existéncia, do fato de onde provém, nao tem o mesmo significado que forma de expresso, de testemunho, de revelagio do fendmeno, como a febre nao é a causa da infecgéo, embora a revele. Assim, a methor ¢ mais moderna doutrina (no Brasil, principalmente com LIMONGI FRANCA) aponta que o direito positivo nao se cria ao léu, no surge na sociedade como a fruta madura que despenca da érvore. ‘A causa geradora do direito é 0 direito natural, aliado & vontade humana, Verificada uma necessidade social, recolhe-a e interpreta-a o arbitrio huma- no, € as regras que as necessidades impdem se transformam naquilo que se denomina direito positivo. Portanto, 0 que se convencionou chamar “fontes formais” na verdade ¢ realmente nao sao fontes; pelo menos nfo s&o fontes no sentido estrito e técnico do vocdbulo. R. Inf. legis. Brosilia 0. 25 om, 99 jul./set, 1988 109 © dircito precisa ser revelado, transmitido, exteriorizado, para que seja conhecido, imposto, divulgado, obedecido. E é aqui que véo cumprir © seu importante papel as formas de expresso do diteito, os modos pelos quais 0 direito se manifesta. Se permitem a comparagio, as formas de expresso so como que o aparelho de televisio, que transmite, que revela, que exterioriza a imagem, embora alhures esteja a fonte geradora. Forma fundamental de expresso do direito é a lei, havendo muitas formas complementares, podendo citar-se 0 costume, a jurisprudéncia, os principios gerais de direito, Deixamos propositalmente de apontar a analo- gia, pois cla consiste em aplicar a uma hipdtese no prevista em lei a disposicao relativa a um caso semelhante, tratando-se, portanto, nem de fonte, nem de forma de expresso do dircito, mas de um proceso légico de interpretagdo, um método de aplicagdo da lei. Ml. Costumes — defini¢ao, requisitos, aspectos gerais Transmitidos esses conceitos preliminares, analisaremos, agora, o tema especifico a que nos propomos, que é referto de questées da mais alta indagacio, nao s6 juridica, como filosofica c socioldgica, e tem sido objeto da preocupacao de juristas pensadores desde a mais remota antigtiidade. Comecemos pela definigdo de costumes, aproveitando a de VICENTE RAO, que nos parece excelente: “Costume € a regra de conduta criada espontaneamente pela consciéncia comum do povo, que a observa por modo constante ¢ uniforme ¢ sob a conviecao de corresponder a uma necessidade juridica” (4), A doutrina, tradicionalmente, exige dois requisitos para a configuragio do costume: um objetivo, fatico, material, e outro subjetivo, espiritual, psicolégico. O primeiro é 0 uso prolongado, com catacteres de uniformi- dade, publicidade, generalidade. © segundo ¢ a conviccéo de sua obriga- toriedade, que os romanos chamavam opinio necessitatis. Além desses ele- mentos, nao se olvide que os costumes, para que tenham significagao juri- dica, ndo podem divorciar-se da moral e que, como todo elemento da ordem juridica, tém de estat conforme o direito natural, A repetigéio, por um longo tempo, da conduta, em interferéncia inter- subjetiva, é a marca, 0 aspecto capital do costume. Pelo que acima expu- semos, é facil desde logo ver-se que nao basta a pluralidade de atos unifor- mes, © costume passa a ser juridico quando é consagrado e valorizado pela opinio necessitatis, peta conviccdo arraigada de que ali existe uma regra de conduta. A opinio juris et necessitatis, ou, mais simplificadamente, opinio neces- sitatis, € que transmuda um mero uso, um costume qualquer, em costume juridico. E é do costume juridico que desejamos tratar aqui. Hé outras GQ) RAO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, 2 ed., 1976, v. I, t. II, n, 180, Pp. 218. ‘R. Inf. tegil. Brasilia a. 25 n. 99 jul./set. 1988 regras de conduta no corpo social de varia natureza: morais, religiosas, técnicas, de cortesia, de higiene, de etiqueta, de moda, enfim, convencio- nalismos nao juridicos, préticas sociais as mais diversas. Mas norma de conduta com fundamento juridico s6 terd o costume, e na medida em que seja reputado como vinculante e obrigatério pela consciéncia popular. Este dado, de ordem espiritual, ideal, que o grande SAVIGNY chamou Votks- geist, tem 0 condao de juridicizar 0 uso, transformando-o em juridico, € af reside o elemento mais alto € nobre do costume, porque ¢ 0 que 0 consagra como obrigatério, funcionande como 0 animus, que tem o poder de mudar a natureza da detengio, clevando-a d categoria de posse. Embora alguns autores estabelegam sinonimia entre usos ¢ costumes, € até preceitos legais se refiram a cles, assim, englobadamente, tecnicamen- te representam figuras distintas: uso ¢ a repeticdo de atos, a reiteragao da conduta. O costume vem a ser a tegra que do uso decorre, Hé usos que se transformam nos costumes e que formam o direito consuetudinario. E ha usos ¢ costumes que nao séo juridicos. © que essencialmente distingue o costume de outras regras que emanam também das préticas sociais € que a conduta uniforme € veterana que o forja no seio do povo reflete um ponto de visia sobre a justiga C), ¢ dele surge uma norma, norma juridica, dotada de sangéo ¢ coativamente asse- gurada. Além do contetido diverso, o elemento de conviegao ¢ que esta- belece a fronteira entre o costume e aquelas outras figuras. Se hé costume, nio ¢ porque existe apenas uma prética no corpo social, por mais ancid que ela seja, mas porque, além disso, os membros da cole- tividade estio imbuidos da crenca e da certeza de que hé obrigatoriedade naquela determinada prética, ¢ cla deve ser seguida, ndo por bondade ou altruismo, mas em razio de se estar diante de uma norma de conduta a ser obedeeida; de uma regra juridica a ser cumprida. Como os sentimentos humanos mais puros, fortes ¢ duradouros, que se scdimentam aos poucos ¢ vio sc erguendo com seguranga ¢ solidez, tornando-se quase irremoviveis, 0 direito que emerge dos costumes ndo nasce de pronto, nao aparece de repente, nao surge de um jato, mas a sua formago se dé paulatinamente, através de uma continuidade fenta e gra- dual, Em nada parece com a avulsio e seus caracteres sio 0 de aluvido, como observa JOSSERAND (*). Jus non seriptum, direito consuctudindrio, direito costumeiro, direito popular, direito espontanco, direito extralegal (PONTES DE MIRANDA), direito autntico (SAVIGNY), direito usual (HERING), direito instintivo (PICARD), qualquer dos nomes que o costume recebe revela a sua génese no seio da comunidade; a sua origem na consciéncia popular; a sua con- (2) BATALHA, Wilson de Souza Campos. Lei de Introdugdo ao Cédigo Civil. Ed, Max Limonad, ¥. T, p. 264. (3) JOSSERAND, Louis. Derecho Civil, Trad, Santiago Cunchillos y Manterola, 1052, t. I, v. I, p, 24, apud Wilson S. C. Batalha, op. cft., p. 262. R inf legisl. Brasilia a. 25m. 99 jul./set. 1988 mW sagrago no espitito do povo. Por tais atributos, o costume ¢ a forma de expresso do direito mais livte, mais auténtica, mais democrética. A lei corre o risco de ser — e as vezes é — inadequada, arbitréria, indesejada, anti-social. Nada mais dramético do que a lei injusta, Tais erros e desvios nio podem, normalmente, ocorrer com o costume, pois, por sua propria natureza, ele exsurge naturalmente, espontaneamenie, diretamente da von- tade dos jurisdicionados. Nao € imposte por uma organizacao formal, por um poder estatal, mas nascett porque foi “‘querido” pelo povo. ULPIANO deu uma definiggo de costumes que atravessou os temy ¢ ainda hoje pode ser aproveitada, em mais uma demonstragho da unifor- midade, permanéncia e atualidade das ligdes dos velhos jurisconsultos roma- os: “mores sunt tacitus consensus populi longa consuetudine inveteratus”, ou, em verndculo: “costumes so 0 técito consentimento do povo pela invetcrada prética de atos semelhantes”. Qual o tempo que deve ter essa inveterada prética? A famosa Lei da Boa Razio, de 18 de agosto de 1769, inspirada pelo célebre Marqués de Pombal, reprovou os costumes contrdrios & boa rato, os que conflitassem com as leis e os que mio tivessem a duracao de cem anos, pelo menos. Nosso Regulamento Comercial, n° 738, de 25 de novembro de 1850, arts, 25 ¢ 26, reduziu o prazo para cingiienta anos. Data venia, consideramos arbitrario e sem base légica ¢ cientifica esta- belecer-sc um tempo de duragdo para que uma conduta reiterada seja e possa scr juridicizada. Nao é razodvel ¢ a nosso ver nem é€ possivel pre- fixar-se um perfodo de tempo para que um uso constante e reiterado se transforme em costume. Como marcar com exatidao o seu termo inicial, por exemplo? VICENTE RAO (*) pondera ser certo que, ao [ado de cos- tumes de pratica imemorial, outros existam de prdtica relativamente tecente. A longa consuetudo e 0s diuturni mores do direito romano, conceitos fluidos ¢ varidveis, passiveis, por sua abrangéncia e flexibilidade, de serem aplica- dos & generalidade dos casos, sio melhores que formulas aritméticas. Aban- donando um ctitétio tigido ¢ certo, mas atento a que a priitica social tem de ser vetusta, para que um costume seja considerado norma juridica, o intérprete — além dos demais requisitos que apontamos acima — deve considerar a natureza do fato, as circunstancias do caso, e verificar se houve uma conduta reiterada, generalizada, continua, uniforme, durante um tempo mais ou menos longo, ¢ se essa conduta é tida ¢ reputada como obrigatoria e vinculante pela sociedade. Os costumes tém ingresso ou no sd0 acatados, conforme 0 ramo do direito de que se trata. Sio moeda corrente no direito comercial © no internacional. Tém aceitagdo mais ou menos franca no direito civil ¢ no notarial. Nao os admite o dircito tributério, Do diteito penal foram bani- dos por forga da ideologia liberal dominante, © vigora o standard legisla- tivo de FEUERBACH: nullum crimen nulla’ poena sine praevia lege, ou @ RAO, Vicente. Od. cit, n. 182, p. 220, 2. Inf, tegitl. Brasilia a. 25 n. 99 jul./eor. 1908 seja, o principio da reserva legal, que 0 Cédigo Penal brasileiro abraga, no art, 1.°: “Nao ha crime sem ei anterior que o defina. Nao ha pena sem prévia cominag&o legal”. No direito processual aceita-se a hetcrointe- gracao com o direito costumciro, bastando ver-se os estilos do foro, os usos € costumes, 2 chamada praxe forense, sempre presente para regular suple- tivamente o modo e a forma do procedimento. No direito laboral, as cir ctnstancias do trabalho, tacitamente ajustadas e observadas, obrigam as partes da relagio de emprego. A CLT a isto se refere, nos arts. 8° ¢ 442. Incontaveis sé as normas juridicas trabalhistas oriundas de produgéo con- suetudindria, Das reuniGes de operérios francescs em uma praga, denomi- nada Place de Greve, surgiu o instituto batizado com © mesmo nome. O salario que nao tiver sido ajustado corresponderé ao que habitualmente for pago para servigo semelhante. Os acordos coletivos entre sindicatos ¢ empresas nao eram previstos em lei, embora fossem celebrados ¢ conclui- dos por forga dos costumes. No direito agrario, os costumes rurigenas representam importante forma de expressao juridica, dada a imensa exten- sio territorial de nosso Pais, com regiées diversificadas, recebendo influén- cias culturais, sociais ¢ econémicas as mais diversas ¢ néo raro disparatadas, Para ficarmos apenas com o depoimento de FULVIO MAROI, transcre- vemos: “No vasto campo da atividade rural, ¢ facil perceber-se que o agri- cultor, ao plantar uma dtyore com a disténcia devida do confrontante, ao respeitar o curso natural das aguas, ao abster-se de fazer escavagdes no seu imével ou outros servicos prejudiciais ac imével vizinho, no age assim porque esteja coagido pelos tribunais; ¢ sim, quase por instinto, imprimindo em sua conduta o senso inato do interesse mutuo, da solidariedade que, no campo do direito agrério, é perene fonte criadora de normas juridicas” (°). © direito consuetudindtio ¢ a mais antiga ¢ jé foi a tinica forma de revelagio do direito. Nas origens de Roma, no periodo anterior a Lei das XII Tébuas, nio havia normas escritas. Alids, os povos primitivos eram Agrafos. Conforme a precisa imagem de PICARD, no seu excelente O Direi- 10 Puro (*), os costumes representam © direito’ no estado cattilaginoso, aguatdando a sua ossificagio nas leis escritas, e precedem-nas, como a palavra precedeu a escrita. Que os costumes integram o jus non scriptum afirma-se ha séculos, & 6 verdade e reverdade. Se o legislador reconhece o costume e o transforma em lei, normatizando estatutariamente aquele preceito que antes existia difu- 80 no corpo social, o costume deixa de so, & claro, pela curial razao de se ter transformado em jus scriptum, tanto quanto a propriedade que redun- dou da usucapiao nao é mais posse ad usucapionem porque jé € propriedade. Se, entretanto, © costume é apenas consolidado, revelado pela juris- ptudéncia, recopilado, registrado, assume uma forma escrita mas nfo perde a sua natureze de direito consuetudinério. Em exemplo lembrado por (S) MAROI, Fulvio. Scritfi Gturidici. V. TI, p. 6, apud Raimundo Latanjeira, “Propedéutica do Direito Agrario”, 2* ed. 1981, p. 117. (6) PICARD, Edmond. O Direito Puro, 1951, revisio de A. Souza Jr., § 93, p. 171. R. Inf, legitl, Bratilio a, 25 on. 99 jul./set, 1 113 Miguel Reale (*), a Junta Comercial de Sio Paulo, através de resolugio publicada no Didrio Oficial do Estado, consolidou os usos ¢ costumes das pracas comerciais de Séo Paulo e Santos, especialmente em matéria de comércio cafeeiro. E nem por isso tais regras desertaram do direito costu- meito, como as Ordenagées Filipinas ndo deixaram de ser as Ordenagdes Filipinas por ter 0 genial AUGUSTO TEIXEIRA DE FREITAS promo- vido a Consolidagio das Leis Civis. Discute-se se 0 costume, para valer como tal ¢ ser obrigatério, precisa antes ser verificado pelo Poder Judicidrio. Na maioria dos paises de direito consuetudinario, em que os costtimes representam a forma por exceléncia de expresso do direito, devem eles constar dos precedentes judiciérios (sistema anglo-norte-americano), embora tal requisito seja dispensado alguns subsistemas do mesmo grupo (hindu, por exemplo). ‘Nao obstante, mesmo em pafses que ndo integram os do sistema de direito consuetudinério, ¢ formam a familia romano-germinica, hé opinides de peso no sentido de que o costume externa direito valido somente no caso de o Estado reconhecé-lo, pelos Tribunais. O padroeiro desta tese é EDOUARD LAMBERT (*) ¢ muitos outros autores também entendem que 0 preceito obrigat6rio, a sangao dos costumes, s6 pode ser dada pela autoridade dos jufzes. E a ligio de RECASENS SICHES (°), e, entre nés, ORLANDO GOMES () abona este parecer, afirmando: “A tese da con- firmagao jurisprudencial € aceitavel. Segundo seus adeptos, o costume adqui- re forga obrigatéria quando reconhecido e aplicado pelos tribunais. Neces- sfirio, portanto, se consagre através da pratica judicidria”. De outro lado posiciona-se FRANCOIS GENY ("1) ao observar que as sentengas terdo especialmente 0 mérito de qualificar os costumes, no os podendo constituir nem substituir. E ficamos com esta egrégia licdo. Realmente, nfio nos parece que o costume para valer como juridico carega do prévio reconhecimento pela jurisprudéncia. O juiz nao cria o costume. Este preexiste; j4 representa uma forga viva, que o magistrado apenas revela, somente reconhece. Entendemos que a sentenga que acata e manda aplicar a norma que o costume consagrou tem, quanto a este aspecto, caréter declaratério © nao constitutive. Tanto a lei quanto 0 cos tume siio direito, ou formas de expressao do direito antes de receber 0 reconhecimento judicial. O juiz aplica o direito que existe, o que nao quer dizer que a aplicagéo é que determina a existéncia do direito. Pode até ‘© costtime se formar com a jurisprudéncia, como no caso de reiteragio @ REALE, Miguel. Ligdes Preliminares de Direlto. 4* ed., 197, p. 157. (8) LAMBERT, Bdouard. La Fonction du Droit Cio Comparé, p. 210, (®) BICHRS, Luis Recaséns, Introduccién ai Estudio det Derecho, 4* ed., 1977, p. 168, 0) GOMES, Orlando. Introdugo ao Direito Civil, 7 ed., 1983, n. 21, p. 37. (1) GRNY, Frangois. Méthode @Interprétation et Sources en Droit Prioé Posi- tf, 4.1, p. 368. a8 degisl, Brasilia a, 25 9. 99 jul. de julgados uniformes. Mas este é outro aspecto da questdo. Se a pritica juridicizada j4 existe no corpo social, se ja se trata de uma regra imposi- tiva, de uma norma de conduta, de comportamento tido e havido como obrigatério, o juiz apenas atesta, aponta, reconhece esta evidéncia. A con- firmagao jurisprudencial, no que concerne aos costumes, ndo se acha no plano da existéncia, nem da validade, nem mesmo no da eficécia dos mes- mos. Que dizer, por exemplo, se jamais houvesse necessidade de interven- g4o judicial, se nunca tivesse ocorrido contradiggo e demanda que moti- vasse a prestagio jurisdicional? O costume nao existiria? Nao se deve, entretanto, apequenar o papel da confirmacio jurisprudencial que, por sua relevancia, robustece o costume, difunde-o, serve como elemento de fixagao do mesmo, proclama a sua forca obrigatéria aos quatro ventos, tornando-a mais certa e nitida, Mas nio é 0 juiz que a cria — insistamos nisso —, nem a sentenca o seu fundamento ou razdo de ser, funcionando como se fosse um espelho, que reflete a clatidade, mas nao ¢ a fonte da luz. Tanto a lei quanto o costume fazem parte do todo organico, do uni- verso normativo, do conjunto sistemético que representa a ordem juridica positiva, Direito positivo no é apenas o escrito, nfo & somente o que foi revelado pelos poderes estatais, formalmente estabelecidos, mas também & 0 que decorre dos fatos sociais, da histéria e do instinto, expressado pelos costumes juridicos. II. Fundamento juridico dos costumes Para alguns juristas, o costume € uma lei tacitamente institufda. Ele receberia sta forga obrigatéria do Poder estatal. # a opinido tipica daqueles que nao conseguem vislumbrar 0 direito fora de um esquema institucional. No século passado, na Alemanha, PUCHTA e SAVIGNY, principais figu- ras da Escola Hist6rica, apontaram que o fundamento juridico da obriga- toriedade do costume est na convicgao popular, na vontade coletiva, no espirito do povo (Volksgeist). GENY entende que o costume se impée por ‘si mesma, como um fato, na natuteza das coisas, encontrando na neces: sidade social o fator determinante de sua formacio e obrigatoriedade. Parece seguir esse entendimento o Professor LIMONGI FRANCA, quando diz que o fundamento do costume é 0 mesmo da Jei, a saber, o direito natural, constituindo uma resposta a certas necessidades sécio-juridicas, no reguladas em lei, que promanam da natureza das coisas, IV. Importancia dos costumes. Confronto com a lei Na luta, velha de século, entre a lei e o costume, a lei logrou vencer. O direito legislado, a cada dia, ¢ em némero cada vez maior de paises, tem recebido grande prestigio. Mesmo so sistema da common law, emba. sado nos precedentes judiciais, e onde o direito costumeiro sempre teve primazia, o statute law (direito escrito) yem ganhando terreno e se afir- mando vigorosamente, num movimento semelhante ao ocorrido muito tempo atrés nos outros sistemas, como 0 romano-germinico. R. Inf. legint. Brotilic a. 25m. 99 jul./set. 1988 us No seu famoso e cléssico Filosofia do Direito, DEL VECCHIO opina que, no atual estidio juridico da humanidade, o costume se acha em sondigao inferior a lei, nao porque assim o afirme a propria lei, e sim pela imperiosa cxigéncia de uma regulamentagao fixa, ditada pela neces- sidade de uniformizagao do sistema juridico, que ¢ da indole do Estado moderno (!¥). Nao se pode mesmo deixar de admitir que os pressupostos de certeza © sepuranga do direito encontram na lei melhor guarida. EDUARDO ESPINOLA ¢ EDUARDO ESPINOLA FILHO chegam & con clusio de que: “Nos Estados constitucionais modernos, 0 costume perdeu a maior parte da sua importancia, como fonte do direito, dada a existéncia de um érgio especialmente desiinado a elaborar as normas de conduta social, tornando possivel aiender, de pronto, as novas necessidades da sociedade” (3), Em nosso meio, a supremacia da lei é incontestével, sendo ela, efeti- vamente, a principal das formas de exptess4o do direito. Num sistema de direito escrito, como o que vigora no Brasil, quase todas as relagies sociais seguem os ditames estabelecidos pelo legislador, e € a lei quem da a res- posta para a grande maioria das questées juridicas, Inserido num dos mais nobres capitulos da propria Carta Magna, “Dos Direitos e Garantias Indi- viduais”, o art. 153, § 2, proclama; “Ninguém sera obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sendo em virtude da lei” (*). Por sua vez, © art, 4° da Lei de Introducio ao Cédigo Civil determina que, somente quando 4 Iei for omissa, € que se aplicario as outras formas de expressio do direito, que, portanto, so tidas como suplementares ¢ consideradas secundirias. Tratando dos poderes, dos deveres ¢ da responsabilidade do juiz, o Cédigo de Processo Civil, art, 126, com a redagdo que the dew a Lei n° 5.925, de 1-10-73, “para voltar ao sistema da LICC”, como anota © eminente Theotonio Negrao, dispde: “O juiz nao se exime de sentenciar ‘ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-4 aplicar as normas legais; no as havendo, recorreré & analogia, aos costumes e aos principios gerais de direito.”” Nao vemos por que estimular 0 confronto entre a lei e 0 costume, como realidades, que, por natureza e destino, tenham fatalmente que pele- jar, Afinal, que 6 a lei, sendo a forma escrita do costume (nulla lex sine (©) JOS® CELSO DE MELLO FILHO (Constituiedo Federal Anotada, 2* ed, 1988, p. 429) declara que o principio da tegalidade implica a exigéncla de uma atuagso sudordinada & lel formel. “Signiflca s necessérla sujeigfo as mormas ¢ [preserigdes consubstanciadas em ato emansdo do Poder Legislative”. CARLOS MA~ XIMILTANO (Hermentutica ¢ Aplicagéo do Direito, 9* ed,, 2¢ tiragem, 1981, n? 206, Pp. 188) acha que a forgs compuls6ria do costume no é incompativel com o prin- efpio da legalidade: “A palavra lei nio fot empregada no estatuto supremo na ‘acepgao Testrita de ato do Congresso, e, sim, no sentido amplo, de Direito.” (42) DEL VECCHIO, Filosofia do Dircito, apud J. M. Othon Sidou, O Diveito Legal, 1985, 0. 23, p. 38. 3) ‘BSPINOLA Eduardo ¢ ESPINOLA FILHO, Eduardo, A Lei de Introdugdo ao Cédigo Civil Brasileiro, 1948, v. 1°, p. 114. 16 R. Inf, legis!, Brasilia a. 25m. 99 jul./eet. moribus\? E que é 0 costume, sendo a lei que nao fol escrita (lex non seripta)? CUJACCIO jé deixou assentado: “Quid lex? Consuetudo scripta. Quid est consuetudo? Lex non scripta”. Nem o fetichismo da lei, nem o fanatismo pelo costume: um equilibrio deve ser buscado, tentado alcan- gado. Incorreto € dizer, como alerta OTHON SIDOU (*), que © costume seja uma cspécie juridica em declinio. Vencido pela lei, 0 costume nao estd morto ¢ nem pode ser desprezado. Como fato social, como realidade fatica, como forma popular de expresso do direito, ele coexiste com a lei e erro da maior gravidade seria desconhecer a sua influéncia, a sua per- tinéneia, a sua importancia. A expansio legislativa, entre nds, é um fendmeno até assustador. Fala- se mesmo em “‘orgia legiferante”, em “elefantiase legislativa”. Mas, apesar dessa exagcrada ¢ espantosa superproducao, o legislador, por mais sagaz, esperto © previdemte que seja, nfo consegue regular todos os fenémenos sociais, multifacetados, complexos, abundantes, surpreendentes. E quem conserta, supre e remedeia as falhas e omissdes da lei 6 0 costume. No sistema industrial, na sociedade em transi¢ao na qual vivemos, na corrida desenvolvimentista a que assistimos, as mutagdes na vida da coletividade so constantes, vertiginosus. A velocidade dos transportes, das comunicagses, € também um atributo que se tem exigido para as atitudes @ comportamentos. O dircito tem de refletir essas tendéncias, escutar esses apelos, aplainando caminhos (e descaminhos!) com extrema presteza, fluidez e certeza. A lei, por sua claboracko em érgio especializado, por sua obje- tividade e Jogicidade, atende mais e melhor a tais caréncias modernas. E até jé se reclama que o proprio legislador & vagaroso e tardonho, res- pondendo com morosidade aos reclamos da sociedade de massas. . . Para tanta pressa ¢ diante de to magnos valores, os autores apontam as excelncias da lei, pela sua rigidez, publicidade, clareza, precisio supressio ow modificagao mais rapidas. Pode ser! Que ninguém, todavia, desdenhe dos costumes, deixando de atentar para a imensa utilidade das formagdes consuetudindrias, e do papel que élas desempenharam e ainda tém de desempenhar neste palco, no minimo como instrumento corretivo das leis, A histéria é mestra da vida e incorreram em grande erro aqueles que no passado procuraram identificagdo entre a lei ¢ 0 direito, como se este se esgotasse naquela, e toda a tentativa, neste sentido, dos comentadores do Code Napoléon (Escola de Exegese), foi frustra, ya ¢ mefancélica, Em trabalho doutrinério, tive- mos oportunidade de opinar, contradizendo os que acham que o direito objetivo é exclusivo do Estado, que, deveras, tudo o que o Estado esta- belecer por via legislativa € norma juridica, mas isto no quer dizer que ele seja o tnico criador de tais normas, ou _detenha o monopélio dos comandos juridicos ("*). PONTES DE MIRANDA, no seu estilo inconfun- @4 SIDOU, J. M, Othon. O Direito Legal, 1985, n. 16, p. 32. (15) VINAGRE, Marta, A Outra Face do Contrato, Belém, 1988, p. 23. Re Inf. legist. Brasilia 0. 25 m. 99 jul./set. 1988 Ww divel, professa: “A lei ndo & todo 0 contetido efetivo do sistema juridice ou da ciéncia juridica, como o documento constitui simples elemento de cogni¢ao indireta, e nao o contetido efetivo da historia” ("*). V. Prova dos costumes Outra indagagio que se faz sobre este tema & se o costume precisa ser provado pela parte que o alega. Inicialmente, néo se pode deixar de concordar que 0 costume, como forma de expressio do direito, é de forma- gGo lenta e difusa no meio social; que sua verificacio ¢ mais incerta € imprecisa, mais dificil e penosa, portanto, do que o modo de revelagio feito pela lei. Tudo isso é verdade. Mas dificuldade nao é impossibilidade. No se pode olvidar que costume é direito, ou forma de expressio do direito. E © juiz — supde-se — conhece o direito (jura novit curia), espe- rando-se que ele conhega 0 direito direito. Logo, pelos principios, 0 costu- me nem precisaria ser alegada em juizo, para ser reconhecido € aplicado pelo magistrado. Por maior razio, nfo haveria necessidade de ser com- provado. Pelo mesmo motivo de que ninguém precisa apontar o artigo do Cédigo que © beneficia, nem, muito menos, levar a juizo o exemplar do Didrio Oficial que publicou a lei. Embora seja o costume um testemunho e afirmacao do direito, tao verdadeiro, habil ¢ pertinente como a lei, seu conhecimento, temos de convir, € menos franco ¢ fécil. Em alguns casos, ha dificuldade para sua constatagéo. VICENTE RAO ("") resume: “f impossivel exigit-se do juiz um conhecimento do direito costumeiro to perfeito quanto o que ele deve ter da lei.” Por esses motivos, quem alega a existéncia do costume demons- tra prudéncia se se antecipa’ em prové-lo. Mas isto nao quer dizer que esta prova seja necessdria, e exigivel, sempre. Alguns autores até afirmam que sim, com base no art. 337 do CPC. Mas leram mal o dispositive, pois a prova do teor e da yigéncia do cos- tome, pela parte que o alegar, s6 € requisito imposto pela lei processual “se assim o determinar o juiz”, E isto € razoavel, pois 0 magistrado, num caso concreto, pode desconhecer o costume enunciado. Por outro lado, a notma consuetudinéria pode ter existido, mas, assim como a vontade popular tem a forga para crié-la, tem o poder de desconstitui-la. O descos- tume & a revogacao do costume pelo préprio costume, e com este movi- mento espontaneo inverso, fica suprimida a norma juridica que havia ema- nado do direito popular. Em passagem lapidar, MIGUEL REALE aponta: “As regres de direito costumeiro perdem a sua vigencia pelo desuso, pois @ sua vigéncia é mera decorréncia da eficécia.” Em seguida, REALE com- para: “Na vida da norma legal, a vigéncia € prius; a eficdcia € posterius. Em se tratando de regra costumeira, dé-se 0 contrdrio, pois a vigéncia deflui da efiedcia” (4). G® PONTES DE MIRANDA, Tratedo da Agéo Rescts6ria, 5* ed., 1976, § 24, p. 264. GD RAO, Vicente, Od. cit, n. 188, p. 226. 08) REALE, Miguel. 0b. cit, p. 157. ne R Inf. legisl, Brovilia 0, 25m. 99 jul,/set. 1988 Se o juiz conhece o costume alegado, ndo haverd de determinar a produgdo da prova do mesmo. Além de agredir ao bom senso, seria um atentado aos principios da celeridade e economia do processo. Como também achamos que, ainda que o costume no tenha sido alegado, pode e até deve o juiz aplicé-lo, como pode e deve aplicar a Ici, TMesmo que as partes nao a tenham mencionado. VI. Espécies de costumes E tradicional tripartir-se os costumes, relacionados com a lei, em cos- tumes secundum legem, costumes practer legem © costumes contra legem. Costumes secundum legem no sfo, como quer alguma doutrina, aque- les que esto contidos na lei, © que se externa em preceito legal, 0 que se exterioriza em norma esctita, pode ter sido costtitne, ¢ néo € mais, simplesmente porque é lei. Continuar chamando costume ao que j4 foi assimilado pelo poder estatal e transformado em lei é “dar um pulo para trés", como diria PONTES DE MIRANDA, e estabelecer equivocidade que cm nada beneficia a ciéncia. A se aceitar tal raciocinio, levando-o as tltimas conseqiiéncias, todas as leis seriam costumes, na medida em que © legislador nao inventa e nem cria o direito, mas assimila e revela aquilo que esti no consenso do povo ou representa uma aspiracdo da comunidade. Se 0 costume esté na lei, é lei. Embora nfo perca’a sua qualidade de antecedente histérico, fator determinante, fonte estimuladora da norma legal. Secundum legent, assim, so os costumes reconhecidos pela lei, apontados e admitidos por cla, ou que representam a uniforme inter- pretagdo ¢ aplicacio da lei (costume interpretativo}, como elemento com- plementar da mesma. Costumes praeter legem (praeter aqui no sentido de “além de”) sfio os que funcionam como forma de express2o juridica supletiva da lei, operan- do na falta ou omisso desta. F a categoria prevista no art. 4.°, da Lei de Introdugo ao Cédigo Civil. Subsidiétios da lex scripta, tais costumes nao apenas @ repetem, complementam ou interpretam, mas tém uma fungaéo construtiva, regulando matérias que a lei nao tratou, dilatando, dinamizando © conteido imediato da disposicao literal ¢ representando pega essencial da engrenagem que busca alcangar a integragdo do direito e a plenitude da ordem juridica positiva. Costumes contra legem sio os que se formam em oposigio a lei. Ou de forma positiva, num movimento e sentido contrdrios & lei, conflitando abertamente com ela, ou de forma negativa, ocasionando a habitual nao aplicacdo da lei. A essas duas categorias chamou-se, respectivamente, con- suetudo obrigatoria e desuetudo, E saber-se se 0 costume tem o poder de revogar ou antiquar a lei é uma das mais drduas tarefas do Direito, vexata quaestio que os autores antigos e modernos tém enfrentado. R. Inf. legisl, Brosilio a. 25 n. 99 jul./set. 1988 119 VU. Direito consuetudindrio “contra legem” Consuetudo abrogatoria € a que surge de atos positivos, uniformes, repetidos, contrarios ao estatuido na lei. Desuetudo é 2 que se manifesta de atos negatives, de abstengSes intencionais ¢ sisteméticas, da inagdo ¢ da inércia. Em suma, de um sentimento passivo, que simplesmente ocasiona © descumprimento, a desobediéncia ao comando legal. GENY (’*) identifica as duas espécies © a ambas nega eficécia contra legem. O conselheiro RIBAS (), no precioso Curso de Direito Civil Brasileiro, mostra, também, a desnecessidade de distinguir a desuetudo (desuso) da consuetudo abroga- foria (costume revogador). Costume contrério e desuso, afinal, dizem a mesma coisa ¢ levam & mesma antinomia entre 0 comportamento social ¢ a lei, como desobedece ao pai ndo apenas o filho que pratica atos opostes aos que © genitor ordenou, como o que deixa de fazer o que o pai deter- minou. A revogagiio ou a antiquagéo da lei, segundo difundida opiniao, nao podem ser alcangadas pelos costumes, nem pela jurisprudéncia. Em nosso Pais, a LICC, art. 2.°, dispée que a lei terd vigor até que outra a modifique ‘ou revogue. A Introdugio anterior dizia o mesmo. Portanto, com base na prdpria let de aplicago das normas juridicas, revogar, alterar ou modificar a lei, extinguir sua validade, cassar-lhe a obrigatoriedade, s6 se pode fazer por outra lei. Nao obstente, j4 foi observado que a propria disposicao legal que exclué a forga derrogatéria do costume pode muito bem cair..- em desuso (!), 0 que nos faz lembrar frase do Professor SILVIO MEIRA, ao refetir que usucapiao, no Brasil, virou palavra masculina... por usuca- pido. PONTES DE MIRANDA observa que o Projeto de TEIXEIRA DE FREITAS (na verdade, 0 Esboco) nao se ocupou do valor do costume, nem da revogagio das leis; “era nele assaz grande a dose de espirito cientifico, Para que entendesse determinar, arbitrariamente, em lei, 0 que independe das legislagdes ¢ resulta de condigdes sociais, mecinicas, de elaboragao coletiva, estranha 00 querer individusl e das assembléias” (**). A maioria dos autores modernos nega aos costumes cficicia revogaté- ria da lei. A corrente minoritéria, entretanto, possui figuras respeitaveis & expressivas. No Brasil, podemos apontar: PAULO DE LACERDA, CLOVIS BEVILAQUA, CARLOS MAXIMILIANO, PONTES DE MIRANDA, SERPA LOPES, HAROLDO VALLADAO, MIGUEL REALE. A realidade, positiva e induvidesa, € que, apesar de todas as chucubra- g6es cientificas ¢ doutrindrias, de todas as afirmagdes perempt6rias, 0 cos- fume, em muitos casos, opée-se eficazmente @ lei, num fendmeno que os sociélogos do direito ja chamaram de “‘revolta dos fatos contra os cédigos”. (9) GENY, Frangols, Ob. cit, p. 406. (2) RIBAS, Antonio Joaquim. Curso de Direito Civil, 1865, p. 138. (21) PONTES DE MIRANDA, Fontes ¢ Evolugto do Direito Civil Brasileiro, 2¢ ed., 1961, ns. 54 € 85, p. 109. 120 R. Inf, legisl. Bratilio o. 25 . 99 jul./set. 1988 Hé, ninguém serd estulto ao extremo de pdr isso em dtivida, leis que “nao pegaram”, normas legais que representam “letra morta” ¢ até “letra feia”, preceitos legislativos que s6 funcionam “no papel”. Sao leis que sur- giram natimortas, ou ficaram precocemente senis e caducas, ou as que o tempo tornou inoperantes. O tempo é implacdvel e acaba com tudo: com © amor, com o ddio e também com as leis. Certos comandos legais sio contornados, negligenciados, desatendidos c até abertamente violados, sem que o Estado imponha qualquer sangdo. Como poderd um juiz, sem causar repulsa e horror, ordenar a aplica- go de uma lei que ficou francamente ultrapassada © com a qual conflitam, aberta ¢ flagrantemente, as mais arraigadas ¢ clogiientes praticas sociais? Como esperar que © magistrado mande obedecer 4 norma esctita que se opée a um imemorial costume juridico? Como poderd ele impor vassalagem a uma disposigao que caiu em desuso, que caducou, que € injusta, ¢ que ele préprio, como cidadio comum, nao cumpre? O direito é uma realidade viva, em processo de constante adaptacéo, em permanente mutagao, Nao € um dado amorfo e inerte, como as pecas histéricas dos museus tradicio- nais, Mas representa um fenémeno ativo, vibrante, dinimico, um movimen- to ininterrupto, ora evoluindo, ora involuindo, sempre se amoldando as exigéncias sociais. Deve-se, em nome da técnica e de um culto exagerado & lei, manté-lo trancafiado nas palavras que o Jegislador exprimiu, ainda que isto redunde em jus iniquum? Ou scré melhor que, através do costume, ele realize sua funcio adaptativa, libertandose das amarras e seguindo os novos rumos que se oferecem e outros caminhos? MIGUEL REALE, em varias passagens de suas Ligdes Preliminares de Direito, admite, sem meias palavras, 0 costume juridico contra legem ¢ Propée ser possivel a revogagao das normas legais pelo desuso, concluindo 0 mestre paulista: “E preciso reconhecer que se nao pode admitir a eficdcia de uma norma legal que, durante largo tempo, nfo teve qualquer aplica- go, tio profundo era o seu divércio com a experiéncia social” (®). Nio € outro o magistério do saudoso SERPA LOPES: “Uma lei pode impot tudo, menos a sua ptépria irrevogabilidade, e, embora ela prescreva, como medida de seguranca, que 2 sua revogagdo sé se pode dar em razio de outra lei escrita, a realidade, entretanto, € mais forte do que os preceitos; © a realidade, através de um costume reiterado, enraizado nos dados socio- Jégicos, em harmonia com as necessidades econémicas e morais de um determinado povo, é demasiado poderosa e capaz, pottanto, de romper os diques de uma norma, justa em regra, mas que excepcionalmente pode se converter num mero artificio, respeitada a semelhanca de um fitho que seguisse 0 paganismo paterno, somente para manter uma tradigao, e ndo escutando um apelo de sua propria consciéncia” (°*) (grifos nossos). (22) “REALE, Miguel. 00. cit, p. 121. (23) LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentarios 4 Lei de Introdugdo ao Cédigo Civil, 2 ed., 1959, v. I, n. 38, p. 72, R. Inf, legis! Brasilic 0. 25 on. 99 jul./ser, 1988 124 Uma lei pode ter vigéncia, entendendo-se aqui o termo como validade formal ou técnico-juridica, e nao ter eficdcia (validade social), por falta de cumprimento efetivo do preceito pela comunidade. WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, neste passo fortemente influenciado por HANS KEL- SEN, alude que a eficdcia da lei depende do fato de ser acatada: “pode a lei desaparecer quando o ordenamento juridico deixa ostensivamente de ser respeitado. Para que a ordem juridica legislativa seja eficaz, nao basta que seja vdlida ou vigente: é necessério um minimo de observincia (circuns- tancia de fato)” 4). Em sintese: se atentarmos para a distingdo entre vigencia eficécia da lei, veremos ser possfvel existir no sistema norma vigente que ndo é, todavia, eficaz, porque nao & seguida e nem obedecida pelo corpo social. Ainda que o desuso, falando pela via ordindria, ndo possa tirar a validade da norma legal, pode privéla de eficdcia. ‘Um dos paladinos, no Brasil, da tese em favor da forga revogatéria dos costumes foi o grande Professor HAROLDO VALLADAO. Em seu Anteprojeto oficial de reforma da Lei de Introdugao ao Cédigo Civil, que ele chamou corretamente “Lei Geral de Aplicagdo das Normas Juridicas” (dezembro de 1963), consignou, no art. 4°: “A lei se revoga, no todo ow em parte, de forma expressa ou técita, por lei posterior ¢ por forga do costu- me out desuso, geral e continuo, confirmado pela jurisprudéncia assente.” Tal solugdo, para o mestre, permitiria “participago direta do povo no pro- cesso juridico” @). E a confirmagio jurisprudencial — que deita ratzes nas proposicdes de LAMBERT — seria um elemento de fixacao e seguran- a, que afastaria abusos ¢ perplexidades. No seu afamado “Curso”, o comercialista paranaense RUBENS RE- QUIAO assevera que os usos nZo podem se opor A norma legal, nao podem ser contra legem, mas o autor pondera que a assertiva deve ser tomada em termos, pois na lei comercial h4 que distinguir as normas de ordem publi- ca das normas simplesmente supletivas da vontade das partes, afirmando: “B Obvio que, ndo sendo a segra legal imperativa, de ordem piiblica, pode ser substituida por um uso a que as partes déem intencionalmente preferén- cia, Verificando que a intencdo das partes, pela natureza do negécio ¢ suas condigdes, foi a de adotar, embora implicitamente, determinado uso comercial, 0 julgador deve aplicé-lo, sobrepondo-o & norma legal nfo-impe- rativa” ), Parece-nos, data maxima venia, que o ensinente professor ladeia a questo, A hipétese que ele aventa ndo é a de revogacdo da lei pelo costu- me, mas a da existncia de uma lei supletiva ou permissiva, que, por defini- ¢40, nao se impde compulsoriamente, facultando-se as pessoas, como coro- lério da autonomia da vontade, segui-la ou nao 7). Como sabemos, leis (@4) BATALHA, Wilson de Souza Campos, 0b, cit, p. 326. (25) VALLADAO, Haroldo, Material de Classe de Direito internacional Privado, 1S* ed., 1964, p. 151. (26) REQUIAO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 18° ed., 1988, v. 1,2. 11, p. 28. @D VINAGRE, Marta. 4 Outra Face do Contrato, Belém, 1988, cap. IIT. 2 R. Inf, legis, Brasilia @. 25 m. 99 jul./set. 1988 proibitivas ou imperativas sio as que se impiem coativamente a todos os individuos, traduzindo regras e preceitos inderrogaveis pela yontade priva- da (Jus publicum privatorum pactis mutari non potest). De outro lado, as leis supletivas nao se integram no jus cogens: expressam regras que 0 jurisdicionado — como emanagio de sua liberdade individual — seguird ou nao. Destinam-se, muitas delas, a vigorar supletivamente, como subsi- didrias da vontade manifestada pelos interessados, conforme os propésitos as conveniéncias dos mesmos. Em direito civil, ocalizam-se principalmen- te no campo contratual, sede por exceléncia do jus permissivum, ¢ néo é Taro ver-se as partes estatuir tim preceito, impor uma conduta, estabelecer uma solugéo que contraria a prevista na norma legal. E isto ¢ possivel & legitimo, dada a natureza desse tipo de preceito legal, sem que tal atitude importe, absolutamente, em revogagéo do mesmo. CLOVIS BEVILAQUA ofereceu parecer sobre a matéria, e observa que no estado atual de nossa cultura, com o funcionamento regular dos poderes politicos, dados o contato direto entre © povo e os seus represen- tantes, ea influéneia sobre estes da opinifo publica, nao se faz necessério dar ao costume a acdo revogatéria da lei escrita, argumentando 0 ilustre autor do Projeto do Cédigo Civil que seria inconveniente que se Iha desse, “porque desapareceriam, do aparelho juridico, a supremacia da lei c a certeza das prescrigdes legais”. Todavia, 0 excelso civilista concede temperamentos: “se 0 legislador for imprevidente em desen- volver a legislacZo nacional de harmonia com as transformagdes econd- micas, intelectuais e motais operadas no pais, casos excepcionais haverd em que, apesar da declaracdo peremptéria da ineficdcia ab-rogat6ria do costume, este prevalega contra legem” (8). PONTES DE MIRANDA, de forma mais enfética, assegura que o texto legal pode sofrer derrogagao pelo costume, quando a regra juridica jd nfo corresponde & conviogio da sociedade ou A sua fungdo adaptativa, como acontece a uma porgao de posturas municipais inaplicdveis, de que se esqueceram os artigos derrogatérios das leis novas, lecionando o ilustre autor: “ainda quando um Cédigo diz que a lei s6 se derroga por outra, o que ocorre 6 a confusio do legislador: pretendeu legislar sobre dircito intertemporal, ou sobre fontes e interpretagio das leis (dois ramos de sobredireito) e invadiu a mecdnica social; como se uma repartico, encarregada de punir os atentados as drvotes, decretasse que “nao fossem mais suscetiveis de ser cortadas”, atribuindo- Ihes, assim, a dureza do ago. Algo parecido com aquela Constituigo espa- nhola em que se postulava que “todos os espanhéis serio bons” (), Essa investigacao, sobre o poder derrogatério do costume, nfo é um problema novo, JULIANUS (Digesto, I, III, frag. 32, p. 1.°) dava a mesma posi¢ao hierdrquica & lei e aos costumes, desde que estes se harmonizassem com a razao, e admitia francamente que eles podiam ab-rogar a Ici. CONS- (8) BEVILAQUA, Clovis. Teoria Geral do Direito Civil, 4 ed, 1972, p. 32. 2 PONTES DE MIRANDA, Tratado da Agdo Resciséria, 5% ed., 1976, § 24, p. R. Inf, legisl. Brasilia a. 25 9. 99 jul./set. 1988 123 TANTINUS (Codex, VIII, LID, 20 contrétio, vedava aos costumes pre- valéncia sobre a lei. Nesse conflito milenar, que posicdo tomamos? Cons- cientes de que estamos nos fitiando & corrente hoje amplamente minorité- ria, ficamos com aqueles que acham poder a eficdcia da lei ser afastada pelo costume, Até pelos exemplos, que forneceremos a seguir, demonstra-se, a saciedade, que as realidades sociais ¢ exigéncias da vida colocam por terra e infirmam os rigores da téenica ¢ os excessos da dogmatica (cf, MARIA HELENA DINIZ, Conceito de Norma, p. 30). Apontese, porém, que nem sempre 0 desuso é prova cabal de repulsa gencralizada ao preceilo legal. Nem sempre exprimira a conviceéo popular no sentido indubitdvel da revogac3o da lei. A falta de publicidade do pre- ceito, a inéreia, a debilidade, a negligéncia do Poder Ptiblico, podem deter- ra ocorréncia, Assim, o ndo-uso da lei, desvestido da intengao de antiqué-la, pode ter outras razdes ¢ motivagées que ndo propriamente o intuito social e a deliberagdo coletiva de desprezar e infirmat a norma Tegal. Quem ousaria afirmar que esté revogado pela desuetudo todo o capitulo do Cédigo Civil brasileiro que regula o regime dotal (arts. 278 a 311), apenas porque nio se constata a utilizacao de tal regime de bens nos casamentos celebrados neste pais? Registre-se, por fim, que o costume, mesmo sem chegar a revogar a lei (e nem podendo fazé-lo, como querem muitos juristas), pode impor & norma legal uma nova concepgio, um outro alcance, dar um diverso entendi- mento ao seu contetido, mudando seu rumo e objetivo, rejuvenescendo o preceito que ela encerra, adaptando a regra a outras ¢ emergentes exigén- clas sociais, estabelecendo interpretagdo construtiva, amoldando a norma escrita 4 maneira como vem sendo compreendida na coletividade. CALLIS- TRATUS, no Digesto (I, ILI, frag. 37), alertava: optima enim est legunt interpres consuetudo = € o costume o melhor intérprete das leis. Tem o costume, portanto, um papel educativo, reformador, criador, dirfamos que até revolucionério, quando exsurge para superar alguma injustiga da lei, levando, inclusive, 0 legislador a mudé-la, e a observacao € de LIMONGI FRANCA (*), VIII. Costumes juridicos — exemplos: 1. 6 arraigada praxe notarial colocar a impressdo digital do analfabeto na matgem dos livros de procuragiio ¢ escrituras, ¢ isto nfo decorre de nenhuma exigéncia legal; 2. ndo hd norma que exija a forma publica para a emancipagao do filho menor, por outorga dos pais, ¢ de tal maneira é difundida a crenca da exigibilidade de forma especial para esse ato juridico que os oficiais de registro civil negam-se a registrar instrumentos parti- culares de emancipacao. Os autores do Projeto de Cédigo Civil, a par deste arraigado costume, e pretendendo torné-lo norma legal, estabeleceram que a emancipagéo por concessfio paterna tem de ser feita por instrumento (0) FRANGA, R, Limongt. Manual de Direito Coll, 2 ed., 1971, v. 1, p. 35. 16 R. Ink. legisl, Brasilia a, 25m. 99 jul./set. 1988 ptiblico (art. 5.°, pardgrafo dnico, a); 3, 0 cheque visado no era previsto om lei, e néo havia quem negesse a sua condigdo de figura juridica, lar- gamente utilizada na pratica dos negécios, acatada, respeitada, jutidicizada; 4. @ fila indiana, nos cinemas, estédios, bancos, postos do Inamps, ndo ha lei que ordene, e nem hé cidadio que impunemente “fure”; 5. a gene- ralizada exigéncia do reconhecimento de firmas em papéis e documentos — especialmente de obrigagdes ~—, embora varias normas escritas, visando & desburocratizagdo, tenham feito dispensa expressa da formalidade. Nin- guém se considera “dono” do automével que adquiriu antes de reco- nhecer a assinatura do vendedor, E, sem essa providéncia — apesar da- quelas normas!—, as repartiges puiblicas ndo promovem a transferéncia do veiculo para o nome do adquirente; 6, o estacionamento de carros, em fila indiana, e em diagonal, conforme uma artéria ou outra, sem que isto tenha sido estabelecido em qualquer regra escrita, e ndo hd quem ouse desobedecer; 7. a aboligio, na pratica, da pablica forma de documentos, ante a aceitacdo generalizada da xerox autenticada; ¢ a propria utilizacao do termo “xerox”, que € marca de fabrica, j4 evidencia o costume; 8. a gor- jeta deriva do costume; a gratificagao tem origem consuetudinéria; 9. 0 CPC no se refere a inventério negativo. Ele surgiu de uma necessidade social, consagrando-se através do costume, ratificado ¢ reconhecido pela jutispru- déncia. Talvez a causa principal do surgimento dessa figura jurfdica seja © imeresse de se casar 0 viivo ou a vidva que tiver filho do cOnjuge falecido, e que nao pode contrair novas nipcias enquanto nao fizer inven- tério dos bens do casal e der partilha aos herdeiros (C.C., art. 185, XII. Hi casos em que o de cuijus nao deixou bens e, para evitat as cominagées dos aris. 225 ¢ 226 do Cédigo Civil, o conjuge supérstite providencia o inventério negativo para demonstrar essa circunstincia. Alids, a locugéo “inventério negativo” implica uma contradictio in adjecto, pois inventariar cnumerar, apontar, relacionar, descrever bens, Inventério negativo 6 inventario nenhum; inventério onde no ha... inventétio; 10. as cléusulas F.O.B. (free on board), FAS. (free alongside) ¢ CALF. (cost, insurance and freight) sio expressivos exemplos de costumes no direito comercial, com o detalhe de que a sigla CIF, de to propalada e difundida, virou giria: “tudo CIF, hoje, no baile?” Vejamos, agora, casos de costumes que contrariam as leis, que se ‘opéem As normas escritas, veros exemplos de costumes contra legem, no Brasil: 1. 0 laudémio, embora a lei estabelega que deva ser pago pelo transmitente, , na prdtica dos negécios, pago pelo comprador do imével enfitéutico; 2. para outorgar mandato, o menor, relativamente incapaz, precisa ser assistido pelo representante legal. E, quando se trata de pro- curacio para promover a matricula do outorgante numa escola, nfo hd quem exija esta formalidade, mesmo que a matricula esteja sendo feita ‘em curso juridico, ¢ o encarregado de fazé-la seja um catedratico de direito civil 3. quase ninguém usa cinto de seguranca ao dirigir vefculos, embora isso seja uma exigéncia regulamentar. Ninguém é incomodado, ou multado, por cometer a infringéncia. O guarda de trénsito passaria um vexame se 0 R, Inf. legisl, Brasilia 0. 25m. 99 jul./set. 1981 125 tentasse; 4. apesar da norma proibitive, ninguém deixa de fumat (se for fumante, é claro) em vejculos, lojas e ambientes fechados. Até nos plend- rios das Cémaras, onde as leis foram discutidas e aprovadas, os parlamen- tarem pagam tributo ao vicio. Mas, curioso, ninguém fuma nos cinemas, € aqui 0 costume ndo colide com a norma escrita; 5. em nossas Casas Legislativas ha a figura do lider do Governo, 0 deputado ou senador esco- Thido para ser o defensor do Executive € porta-voz deste no Parlamento. Ora, pelos principios, o Legislative exerce uma fungio fiscalizadora do Executivo, além de outras, A prdpria Constituic&éio Federal, art. 6°, pard- grafo dnico, in fine, estabelece que quem for investido na fungéo de um dos Poderes nao pode exercer a de outro. Parlamentar ser lider do Governo, defensor ¢ porta-voz do Executivo, é uma simbiose que busca razdes nos costumes, mas contraria as bases do direito constitucional; 6. o casamento de menores que ainda no alcangaram a idade nibil s6 pode ser autoti- zado pata evitar a imposigéo ou o cumptimento de pena criminal (C.C., art. 214). E a tinica excecao legal. Todavia, mormente nas comarcas inte- tioranas, nas comunidades rurais, permite-se e¢ dé-se autorizagéo para o casamento de pessoas que ainda nao atingiram a idade legal, especialmente se se trata de menor (de 15, 14 ¢ até de 13 anos) que se acha gravida, mesmo ‘nao se esteja cogitando de ilicito criminal, ou querendo a imposi¢o ou o cumprimento de pena; 7. nos mercados, feiras, exposi- ges e leildes de gado, por todo o Brasil, os neg6cios — por maior vulto que apresentem — concluem-se verbalmente, na base da confianga. Nesse meio, é rato o inadimplemento, mas, quando ocorre, os juizes reconhecem © costume e acatam a prova exclusivamente testemunhal. Por forga da lei (CC., art. 141), ela nao poderia ser admitida; 8. 0 seguro de vida era expressamente proibido pelo Cédigo Comercial (art. 686, II), e, nfo obstan- te, largamente utilizado em nosso Pais, mesmo antes de lei especial ¢ do Cédigo Civil, que o regularam. Uma das marcas da genialidade de RUDOLF VON JHERING esté na permanente utilizagio de exemplos: os mais simples, sutis © até pitores- cos, com vistas a facilitar a compreenséo de suas idéias e tornar mais acesstveis as suas yenerandas lig6es. Mais pelos exemplos do que propria- ‘mente pelo texto é que melhor se assimila e compreende a teoria objetiva da posse. Em nada isso diminuiu a importincia da obra do imortal pro- fessor de Gittingen, muito pelo contrério. E escassa, em nossa literatura juridica, a exemplificagio. Sobre os costumes, entiio, @ pobreza € patente. Dedicamos este capitulo, justo 0 derradeiro deste despretensioso trabalho, nao com a veleidade de pretender suprir uma lacuna, ou consertar uma deficiéncia, mas com o intuito de, com dados prdticos e fatos do cotidiano, corrobotar algumas de nossas conclusées, e, acima disso, com o singelo ¢ sincero objetivo de, sobre um tema tao complexo e controvertido, facilitar a aprendizagem dos jovens estudantes de direito, que eventualmente venham fa ler este texto, que oferecemos, com muito carinho, aos nossos colegas do curso de pés-graduacdo em Direito Civil, da Faculdade de Direito do Largo de Sio Francisco. 126 R. taf. logisl, Brasilia a. 25 =. 99 jul./eet. 1988

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