You are on page 1of 3
Campbell (1986) define a psicopatologia como o ramo da cigncia que tata da natureza eatencial da doenca ou transtorno mental ~ suas causa, a8 rmadangas estruturas e funcionaisassociadas a ela e sugs formas de manifestagio, Entretanto, nem todo estudo psicopatologico segue a rigor 0s ditames de uma “ciéncia dura “céncia sensu siricu". A psicopatologia, em acepeio mais ampla, pode ser definida como 0 conjunto de onhecimentos referentes a0 adoecimento mental do ser humano. F um conhecimento que se eslorsa por ser sistemitio, clucidative € ddesmistificante. Como conhecimento que visa ser cientific, « psicopatologia nio inclu critéios de valor, nem aceta dogmas ou verdades « priori. Ao se estudare praticar a psicopatologia,ndo se julga moralmente aguilo que se estuda; busca se apenas observa, identifica e compreende® 0s diversos elementos do transtorna mental Além disso, em psicopatologia, deve-se rejeitar qualquer ipa de dogma, qualquer verdade prontae intocivel,seja ela religiosa, sea ela flosofica, psicldgica ou bioldgica; © conhecimento que se busca esti petmanentemente sujeto a revisbes, criticas ¢ reformulagoes. Ou seja, a psicopatologis como ciéncia dos transtornos mentas requer um debate cienifco e publica constante de todos os seus postulados, nogdese verdades encontradas (© campo da psicopatologia inlui uma variedade de fendmenos humanos especais,associados ao que se denominou historicamente de doenga mental. Sio Vivencas,estados mentas e padrées comportamentais que apresentam, por um lado, uma especifcidade psicoldgica (as vivéncias das pesos com does mena presenta dimenso propria gentna, no send apenas reo dea), ot clr conxiescomplsas Com a psicolagia do normal (0 mundo da doenca mental nao é totalmente estranho a0 mundo das experiéncias psicologias "normals" ‘2 psicopatologia tem boa parte de sas rizesnatradigao médica (a obra dos grandes dinicosealiensis do pasa, scbretudo dos sécalos XVII até presente), que propiciou, nos titimos 300 anos, a observagdo prolongada e culdadosa de um consideravelcontingente de pessoas com ‘tanstornos mentas Em outta vertente, a psicopatologia nutrese de uma tradigéo humanitica¢ universitiia(filosofa literatura, artes, psiclogia, psicandlise), a qual sempre viu na “acnagio mental no pathos do sofrimento mental extemo, uina posbldade eacepclonalmente lea de recoheciment de dimensées humanas que, sem o fendmeno “doensa mental, permaneceriam desconhecias. ‘Apesar de se beneficiar das tradigbes neurolégicas, pslcoldgicas llos6fias, a psicopatologia nio se confunde com a neurologia das chamadas fangies cortcaissuperiores (ndo se resume, potanto, a uma ciencia natural dos fendmenos relacionados 4s zonas associativas do cérebro lesado) nem com ahipotéica psicologia das fungGes mentais desviadas. Assim, podemos definila como uma ciénciaautGnoma, e aio um prolongamento da nearoiogia, da neuropsicologia ou da pscologia (ej ela experimental, sea ela psicométrica ou social). Fla € ricamente nutrida por essastradigdes, thas ndo se confunde com els . “ . n r ‘ Karl Jaspers (1883-1968), um dos principas autores dla psicopatologia moderna, pensa que esta é uma ciénciabisica, que serve de auxitio 4 psiqustia et psiclogia clinica, a qual & por sua ver, um conhecimentosplicado a una Pritica profissional e social conceta, Jaspers é muito claro em relagio ags limites da psicopatologia: embora 0 objelo de estudo seja 0 ser humano na sua totalidade ("Nosso tema € © homnem todo em sua enfermidade” [aspers, 1913/1979), os limites da cigacia psicopatolgca consistem precisamente em nunca se poder reduzir por completo 0 ser hhumano a conceitos psicopatoldgicos. O dominio dessa cgnci, segundo ele, estende-se a"|..] todo fendmeno psigulco que posse ser apreen. em conceitos de sgnificagao constants e com possibilidade de comunicagio” (Jaspers, 1978, p13). Assim, a psicopatologia, como ciéneia exige um Figoroso pensamento conceitual, que sca sstemalico © que posta ser comunicado de modo inequivoco. Entretanto, na prética profssional, no trabalho cinico, além da ciéncia psicopatologica que 0 cinico deve tet, partcipam ainda opinives instintivas, una intulglo pessoal que nunca se pode comunicar, Dessa forma, a ciénlapsleopatelgica¢ Uda como una das sbordagens possivls do ser humano mentalmente doente, uma parte do que compée o saber clnico, mas néo 0 nico saber ou conhecimento, Hé, ao lado da cicia, a arte do tral clinico, as habilidades intuigoes que compaem 0 encontro cinco. Em todo individo, oculta-s algo que nao se consegue conhecer, pois a ciénciarequer um pensamento conceityalsstemstico, o qual rstaliza ¢ toma evident, mas também aprsiona ¢ lita, © conhecimento. Quanto mais concetualiza, afirma Jaspers “(-, quanto nas reconhece ¢ faracteriza otipic, 0 que se acha de acordo com 0s principis, tanto mais reconhece que, em todo individu se ocuita algo que ndo pode conhecer” Gaspers, 1979, p. 12). Assim, a psicopatologia como ciéncia sempre perde, obrigatoriamente, aspectos essenciais do ser humano, sobretudo nas dimensoes existenciais,estélicas, éicas € metafisicas. O filésofo Hans-Georg Gadamer (1900-2002) postula para a arte o que pode ser também formulado para a pritica clinica (Gadamer, 1990, p. 220): [...] diante de uma obra de arte, experimentamos uma verdade inacessivel por qualquer outra via; é isso 0 que constitui o significado filoséfico aarte Da mesma forma qua experiencia da flosoia, também a experiécla da are incia a consciénda ceniicasrecohecer sexs limites, Dito de outra forma, nao se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um ser humano por meio de conceitos psicopatolégicos. Assim, ao se dlaghostcar Van Gogh como eaqunotnica (ou epilépice, maniaco-depressvo ou qualquer que sjao diaghstco formulado), 4 Se for ims nine peeptlopn de sa Boga, sn munca expla ftamente na ila «sun ob. Sempre reas agp que tansinde Pcopatologlae metmo 4 cléncs,permanecende no dominio do istro, FORMA E CONTEUDO DOS SINTOMAS: PATOGENESE E PATOPLASTIA Em geral, quando se estudam os sntomas psicopatoligicos, dois aspectosbisicos devem ser enfocados: forma dos sintomas, isto é sa estrutura bases, telativamentesemelbante not dvertos pucentes «as dvefeas sociedades (a forma ‘aucinagaos “deli, rideia obsesivas “Tobias ete), © seu contetido, ou soa, agulo que preenche a alteragio estrutural (0 conedo de culpa eigioso, de perseguigio, de um dei, de uma alcinacao ou de uma idcia obsesia, por exempo), Na tadigio pscapatolgics, seguindo-se « modelo proposto pelo pscapatslogo slemio Karl Brbaum (1878-1950), forma dos sintomas se telaciona ao que de chamou de patogenese, que representa o processo de Como os diferentes sntomas da psicopatologa se fortnam ese estruturam, 2X confgurasio e preenchimento dos contcudos dos sintomas, ou sea, como a forma € preenchida pelos temas especificas, Brbau (1923) denominou patoplastia. Assim, os contornosexpecticos dos sintomas, os temas ¢ historias que preenchem essa manifestagoes, dependentes da historia de vida singer do pactente eds cultara em que vive, io dcterminados pela chamaca patoplasta Enfim, a forma (patogénese) seria mais geval « universal, comum a todos os pacientes, em todas ou quese todas as culturas,enguanto 0 conteilo(patoplati) sera go bem mais pessoal, dependendo da historia de vida singular do indviduo, de seu universo cultural exspectico © da personalidad ¢ cognisio prevas ao adoecimento (Birbaum, 1924) ‘De modo geral,embora seam pessons, singulares, os conteidos dos sintomas si extraidos ou consttuidos pelos temas cenras da exstencis humana, como sobrevivencia e seguranga, sexualidade, ameacas e temores bisicos (morte, doenca, miséra, abandone, desamparo, ele), relgiosdade, entre ostros. Essex temas representam uma expécre de subsrato que participa como ingrediente findamentl na constticio de experiencia psicopatolgica. Nese sentido, 0s duadrn2'e 22 apresentam ur esgtemasimpiicado de temas e temoresbisios euniversis do set humane ‘Quadro 2: | Temas existenciais bisicos que com frequéncia se expressam no contetido dos sintomas psicopatolégicos ‘TEMAS EINTERESSES CENTRAIS PARA 0 SER HUMANO ‘QUE BUSCAEDESEIA + Alimentagio + Sobrevivencia + Sexo + Praser + Confer tsco + Poder (econémico, politico, soci etc) Seguranss Peestgio ‘Contras sobre sobre ot outos + Relaclonar-secom os otros + Serreconhecido pelos demais ‘Quadro 2.2 | Temores que frequentemente se expressam no conteiido dos sintomas psicopatolégicos ‘TEMORES CENTRAIS DO SER HUMANO FORMAS FREQUENTES DE LIDAR COM TAIS TEMORES, + Mote + Religlto/mund mistco + Continadade waves dae novasgeasfes + Terumadoenga grave + Vie sobrenaturais medicinalpiclogia, te. + Softer dor fia ou moral Misa + Falta de sentido extencial + Relagdesintenpessoai signiGeativs Perda ds ientidade edo sentido do elf + Calica A ORDENACAO DOS FENOMENOS EM PSICOPATOLOGIA © estuda da doenca ou transtorno mental, como o de qualquer outro objeto, se inicia pela observagao cuidadosa de suas manifestagdes. A bservacio artcula-se diseticamente com a ordenacio dos fendmenos. sso significa que, para abservar, também ¢ preciso definir, classficar, interpretare ordenato objeto observado em determinada perspectiva, seguindo certa logica observacional ecassficatia, ‘Assim, desde Arstteles,o problema da clasiicacio est intimamente ligado ao da definigdo edo conhecimento de modo geral Segundo ele, defini €indicar o género préximo ea dierenga especica Isso quer dizer que dedniré, por uns lado, aizmar a que o fendmeno defnido se assemelha, ddo que € aparentado, com o que deve ser agrupado (género préximo) ¢, par outro, identificar do que ele se diferencia, ao que &estranho ou poste {Ciferenca especifica). Portanto, na linha aristotéca, o problema da classficagio € a questio da unidade e da variedade dos fatos dos conhecimentos que sobre eles sao prodiuzidos. Classicamente, distinguem- se t&stipos de fendmenos humanos para a psicopatologi: 41, Fendmenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas. £0 plano dos fend menos psicolégicos, fisiolégicos, daquilo que é 0 normal. De modo geral, todo ou quase todo ser humano sente forme, sede ou sono. Aqui se inclui também 0 medo de um animal perigoso, a ansiedade perante desafios dificeis, o desejo por uma pessoa amada, etc, Embora haja uma qualidade pessoal prépria para cada ser humano, certas experiéncias sio basicamente semelhantes para todos. 2 Fendmenos em parte semelhantes e em parte diferentes. 0 plano em que o psicol6gico © o psicopatoldgico se sobrepéem. Sio fenbmenos que o ser humano comum experimenta, mas que apenas em parte si0 semelhantes aos vivenciados pela pessoa com transtorno mental. Assim, {odo individao comum pode sentir tristeza, mas a alteracao profunda, vassaladora, que uma pacichte com depressio psicdica experimenta & apenas parcialmente semelhante A trateza normal. A depressao grave, por exemplo, com ideias de ruina, lentilicacio psicomotora, apatia, el, Introd algo qualitativamente novo na experiencia humana Fenémenos qualitativamente novos, dstintos das vivéncias normais. £ o campo expecifco das acorténciase vivéncias psicopatolbgicas. Sio praticamente préprios a apenas (ou quase apenas) certas doensas, transtornos e estados mentas. Aqui, inchuem-se alguns fendmenos Psicdicos, como alucinagéese delrios, ou cognitivos, como lurvacao da consciéneta alteracdo da meméria nas deméncia, entre outros.

You might also like