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Teatro P6s-Dramatico e Teatro Politico sse conceito do teatro pésedramitico & como se diz na maiematica, um minimo. denominador comum entce uma série de formas diamddicas muivo adas, snas 4 que tém em comum un coisa, que & terem atrds de si uma histéria, que ¢ 0 teatro diamitico. Vou comegar com um ponto que me parece central: a tla io desse teatro pés-drain tico com 0 politico Nao € 4 toa que 0 | que cu escrevi depois de © Teatro Pis-Dransdtico, re nindo uma série de artigos das iltimas décadas, chamou-se Teatro Politico, Teatro politico em dois sentidost niio 56 das pegas que se ocupam desses temas, mas também da propria escrica que esti relacionada com temas politicos, de como ela ¢ politica, Enfim, quando se trata de teatro pés-dramstico, hé que se volear um pou- co atts. Ha uma frase do Luckaks, do javem Luckaks, que eu sempre me lembeo: “o que € verdadeiramemte social na arte é a forma”. Por- tanto, a questo do teatro ser politico para mim nfo ¢ simplesmente tratar de temes ¢ tratar de uum contetido politico mas é ter essa forma po- litica, Voce pode ter teatros que nao sto nada politicos € tratem de temas politicos. E a forma que vai definir. Hans-Thyes Lehmann Walter Benjamin jt tinha dito, nos anos 20, que uma das coisas que ele achava mais ter- nivel na arve era os artistas usarem ques Bes po. liticay para criarem divertimento, ou provo- carem diversio. Lé-se muito sobre questoes polt- ticas nos jornais, © somos sempre bombardeado pelas informagées politicas da midia. Ou seja 0 problema nao € cer todas essay informagoes do jomnal, 0 que falta no € informnacio sobre a politica. A gence sabe que existe exploragio, que existe lura de classes, que existem conflitos, que existem uma série de coisas, mas nao € isso que nos falta, iio € isso que a arte vai sama. Nio é um problema de informagio sobre ques- ses politieas, Eu falo, calves, 2 partir de uma perspecti- va européia, alems, francesa e inglesa, mas tem havido muito desse teatro “politico”. E ew acho que © teatro tem pouea chance de ter de fato tum efeico politico simplesmente a partir da uti lizagio dessa informagao, que é a informacio cotidiana, didsia, sobre politico, Para mim, a coisa mais importante € como trabalhar essas informagoes. Politics € 0 modo como vacé trabalha a percepcio desis questdes. E sio es- sas virias formas de percepgio do politico que yes Lehmann € Professor Tiuular da Universidade de Frankfurt am Main, Este texto sintetiza depoimento de Hans-Thyes Lehmann durante Semindtio Internacional realizado mn setembro de 2003, no Instiruro Cinicas da ECA/USP. Tradugio de Rachel In yethe de Sa0 Paulo, pelo Programa de Pés-Graduagio em Artes Sole Piete yariam, A questio jé era, para Brecht, para Heiner Muller e para todos os que trabalharam com teatro politico, como voce muda a forma de percepsio das questoes politicas,e influi nes- sa forma de percepgao. Para © teatro, 0 que ¢ importante € a forma de mudar essa percepgio, forma como se vai conseguir alterar essas for- mulas de percepgio que estio dadas. Essa foi uma pequena introdu yoltar a definigao do wate pés-dr questo central é 0 conceito de drama , para uitico. A. que éo conceito clissico a partir do qual se organizow ‘essa percepgo. Eu acho que todos aqui le livia clissico do Peter Seondi, Zzeria do Drama Moderne, ¢ eu acho que Szondi conseguiu che- gat a algumas formulagics muito sintéticas so- bre a forma do drama que esclarecem muitas quai lar aqui. Entio, por isso, cu you retomar um pouco alguns con «os explicitados por el © drama pressupie que © que a entte us pessoas, a relagio estabelecida ence coisas sobre a eu vou f sontece duns pessoas, ou a relagio estabelecida entie as pessoas, é essencial para o entendimento dat rea lidade. A partir do momento em que eu nao acredito mais que essa relaczo entre as pessoas seja essencial para entender a realidade, fica muito diffcil eserever um drama, porque todas a8 coisas que voct poderia escrever a partir des- sa rélagio torham-se supérfluas. Foi exatamente por isso que muitos autores modernos distan- ciaram-se de uma série de elementos que ¢s- tavam zelacionados com essa forma de drama, que eram o§ conceitos de carter, das figuras dramiticas € da psicologia dos individuos. do que Hegel chamava de colisio dramética, ¢, mesmo, do conflico de idéias que estava pressu- posto no drama. E claro que no teatro pés-dramatico tam- bém aparecem os conflitos, os caracteres, a8 idéias e 0 conflito de idéias, a colisto enfim. ses elementos, contudo, ocorrem de unia ourra forma, que no a que era articulada pelo dra- ma, Nesse sentido, ¢ importante um nipido es- clarecimento: o drama esti intrinsecamente te- lacionado com a nogio de dialética, dialética no sentido de um conflito que tem uma progres S80 ¢ que vai caminhar depois, mais & frente, para uma sintese, Nao ha como dissociar o con- ceito do drama dessa dialética Estou fazendo uma exposigio exquetn a, porque se pode entender @ textro, essa for ma de teatro, como uma construgio formada por uma série de elementos, Quer dizet, 0 tei wo se constituiu a partir dessa série de clemen- 0s quie sie: pessous, espago € tempo. Quero fit lar um pouco sobre cada um desses elementos. © que aconteceu com a modernidade foi que essa forma tradicional de ceatro, ou todos esses clementos que estavam relacionados, explodiu, Essa sétie de elementos que formayam 0 textro ganhou uma autonomia, Para 40, pode-se tomar o exemplo de um desses esclare emelhor elementos, o tempo. Na Poériva de Aviststeles, pode-se projetar a nogio de unidade de tempo. Essa iddia de unidade de tempo impli que, para o expectador, 0 tempo desaparece, Ele 0 pens sobre 6 tempo e vé-se complecamente envolvido pela progressio do drama sem pen- sar na progress2o do tempo. fi através: dessa construgao do drama que a arte teatral adquire sua unidade, No teatro modemo, ao contririo, os autores se colocaram a carefa de apresentar justamente o que seria essa progressio de rem- po, 0 que € o cempo. Nio o tempo fora do dra- ma, mes 0 tempo como tema, justamente, do drama, E, entio, 0 que eles feran? Transfor maram o teatro numa coisa extremameate len- ‘a. E.com isso o tempo comegou 2 ser um tema. Ou entio cles aceleraram muito o tempo, edes- sa maneira © tempo também se tomou tema, Oueles criaram colagens ¢, a partir dessas cola- gens, nio se teve mais um tempo continuo, Es- ses sio todos procedimentos que surgiram a par- tir do momento que essa unidade dos elemen- tos teatrais se explodiu, se esfacelou. Ou seja, 0 tempo sempre foi uma coisa importante para 0 teatro, mas, com essa autonomia dos clemen- 105, virou uma categoria com existéncia prdpria «que pode ser dramatizada de forma prdpria e 10 denero da unidade que ela costumaya oons- tituir no drama, Poder-se-ia falar de outtos elementos que sempre constituiram 0 teatro: © espago, a lingus comega a olhar mais de perto, ¢ com um pouco mais de paciéncia, uma série procedimentos ¢ uma série de form: m, os corpos. Assim, se voce teatrais, que a gente comu- ma ver como coisas muito experimentais, so compostas por clementos tradicionais, coisas que jf existiam no ceatro. Ou seja, 0 teatro pés- dramitico ndo é a desteui¢ao do teatro, mas uma nova etapa que, com esse distanciamento, pode ser pevcebi dentro da do como uma etay envolvimen- histéria do teawo, que tem um des to, Esses foram os aspectos que no livto Teatro Pés-Dramdgico me interessaram € que ew tratei de esclarecer a partir de exemplos para cada um desses elementos. Agora eu quero voltar a0 que cu disse inicialmente, ao primeiro ponto que esclareci, que & qual o interesse que isso tem para o teatro politico, para se pensar politica- mente © teatro? En you comegar com urna frase de Hei- ner Muller ~ uma frase muito bonita, que diz "A carefa da arce é tornar a realidade impossive.” O tempo tem para nés uma fungio for- temente ideoldgica. Com a descontinuidade do tempo, podemos nos sentir em casa. Coma des continuidade, ou com uma nova construcio desse tempo, que nao a da continuidade, a gen- te pode perceber ou suspeitar que existem ou- tras possibilidades de tempo ou de construcio dessa realidade. Com isso cu nao estou falando da utopia de uma sociedade mais justa, da uro- pia de uma sociedade sem classes, ou coisa des- s¢ tipo. Lissa sf todas coisas bonitas ¢ necess rias mas para.a arte nao € isso que € 0 centro. Tome-se, por exemplo, uma pincura do renas- cimento. Podemos continusr vendo essa pintu- ra como uma coisa bonit, importante, sem que necessariamente seja uma utopia de um mundo melhor. Eu acho, como esti expresso na frase do Heiner Muller, que a fungao da arte € uma fungao negativa, Negativa nio significa neces- sariamente triste. Nao precisa ser uma coisa vio- lenta, Pode ter a ver com uma coisa ingénua, pode tera ver com o tiso, Com a coisa grotesca € com a coisa sem sentido, Quando se € crian- §@ gostarse muito da coisa sem sentido, ¢, como Freud mostrou depois, numa cetta hora ha que seabandonar essas coisas sem sentido para avan- sar. Com aarte surge a possibilidade de se reto~ mar, de algum modo, esse sem sentido. Queto comegar com um exemplo de como a politica entra na arte, o exemplo da in- poio. A interrupsae, a pausa, ou a cesura, come Holderlin dizia. Esse movimento da pau sa ¢ da interrupgio pode ser experimentado quando se sed andando ¢ se pore, por um mo: sobre mento, suspender 0 ato de andae e pens esse clemento. Vocé incerioriza o andar 0 que €, com isso, se distancia dele. Esse conceito da interrupcao e da cesura é muito simples mas com muitas significagbes. Fle niio se telaciona somente com essa percepcio do sensivel, com a surpresa © com a coisa inesperada. Ele se rela- ciona também com nosses conceitos ¢ com nos- so pensamento, Pode funcionar como um cho- que que faz com que a tealidade se torne, de repente, uma coisa nao mais possiyel, ¢ que nos faca pensar a respeito disso. E. com isso eu che- g0 a0 ponto, que éo fato desse conceito do t t10 pés-dramético ¢ das varias formas do teacto pés-dramatico serem respostas, de maneiras muito diferenciadas, a uma mesma questi E essa questio comum é: como podemos, numa sociedade como a em que vivemos hoje, de mi- dia e de massa, criar através do teatro essa situa- fo de interrupgao’ E nesse contexco que vale examinat os virios experimentos com a forma do drama. Podemos pensar que a grande maioria, aqui en- tre nés, vai com prazer ao cinema ¢, Id, acpm= panha uma histéria que esté se passando m‘tela, Isso € 6timo, isso diverte muito ¢ nfo énenhum crime, Mas também no teatro, ainda hoje; ce- mos uma série de situages em que vocé acom- panha um drama, acompanha uma fibula, uma historinha. As formas tratadas no livio Teatro Pés-Dramético io Formas criadas a pattie de di- retores, grupos ¢ experimentos teatrais, que nto se satisfaziam mais com esse modo tradicional de se coniar a hist6ria, ou de tratat o real a par- tirde uma dessas formas tradicionais, das histo- sala prets rinhas, Esse tipo de desenvolvimento me parece muito phusivel, muito razoivel, porque a gen- te vive numa sociedade onde, continuamente, se estio construindo histérias, ou se ouvindo histétias. Qualquer politico faz sempre uma his- torinha que ¢ muito plausivel e que termina sempre com porque ele tem razio, Qualquer fil- me pode nos contar uma histéria de como, nas situagdes mais dificeis ¢ adversas, se pode ter, apesar disso tudo, ainda, uma boa solugao ou uuma saida justa. Mesmo nas explicagdes socio- ldgicas sao fornecidas explicagbes a partir dessa estrutura tradicional, de como as coisas so jus- tificadas ou sao conradas. Mas no teatro, ¢ na arte em geral, voce sempre tem essa situagio que é essa estrutura ¢ essas vitias idcologias, ou esse tipo de construgao, ea possibilidade dle deseruir essa tradigaio de contar histdrias, Isso € de novo © conceito negativo, quer dizes, 9 teatro como um inedmodo, como uma perturbag perturbagiie se toma possivel porque o. Essa ses viiri- 0s elementos esto agora dissociados, cles po- dem ser construides de outra mancira. Como ino excmplo que eu tinha dado sobre 0 tempo € também em relagio a outros elementos do tea- «40, Mas nesses éxemplos todos estaimos sempre tratando do produto final do teatro no paleo, de uma pega montada, E 0 importante disso € que 0 teatro nessa sociedade dominada pela mi- dia oferece a altemativa de uma comunicagio a0 vivo e real. Se eu quisesse uma caracteriza- gio do teatro, que nao € 0 qué eu quero, eu po- deria dizer que é um cinema tridimensional Na maioria dos teatros tradicionais ¢ monéro- nos, ess possibilidade de comunicacio entre a exspectador e 0 reilizador, ¢ 0 fata de o textro ser esse cinema tridimensional, nfo é aproveita- da, E é justamente essa situacio que é aprove tada por algumas dessas novas formas do teatro pés-dramstico — como 2 performance ~, que se io construfdas a partir dessa possibi- lidade de comunicagio a0 vivo. Eu vi uma performance, nos anos 80, onde 0 texto da Iliada de Homero era simples- mente Lido pelos atores. Essa performance acon- tecia numa casa que tinha varias salas, dois pi servem €s 508, € 8 portas para fora permaneciam abertas, com a leitura acontecendo em varios espagos dessa casa, E 0s varios atores se distribufam pe- los comados dessa casa, cles tinham feito livros ‘enormes da (Mada e eles simplesmente liam ¢s- ses livros nesses viirios cémodos da casa. $ gum desses atores ficava cansado ele simple mente fazia um sinal, passava um tempinho © vinha um outro ator que o substicula, conti- nuando a leitura do texto, O espago dos atores ¢ 0 espago do ptblico ert o mesmo. O piiblico podia sair-c cnteat, ia vinka, ficava ao lado dos atores ou simplesmente ouyia, A perlormance duraya vinte ¢ due » por sadisme, Miada, de fato, & umn texto longo. m: porgui O piblico podia sair ¢ voltar quanto quisesse, Eu, por exemple, que gosto muito do final da Miada, wima certa alvura da noice fui par casa dormir um poco, para voltar com dispos de ouviro final. Alguns trouxeram sacos de dor- mir ¢ ficaram ali deitados durance toda a apre: sentagio, Pode-se imaginar que, partir de uma performance como essa, tomase posstvel pen- sat e refletir sobre uma série de questées. Bu sé quero reforgar alguns aspectos. ‘Todos os ele: mentos do teatro estavam dados ali, numa apre~ sentagio como aquela, s6 que numa disposicéo diferente da normal, Outro ponto é que, nessa forma de teatro, aparece uma categoria etica que comega a desempenhar um papel. E claro que, nessa apresentagio, cada espectador tinhaa pos- sibilidade de perturbi-ls ou mesmo destru-la, Ele poderia incomadar 0 ator que estivesse len- do, e poderia gritar, dizendo isso aqui ¢ 0 fim. A categoria ética a que me refiro &exaramente a da responsabilidade. Nesse tipo de apresentacio, oespectador éimbuido de uma responsabilida- de por aquele processo. E, 20 mesmo tempo, € parte do espeticulo. Se eu consegui descrevet bem a situacio, pode-se imaginar como nesse tipo de apresentacto qualquer espectador pole se tornar o tinico espectador. Porque, para cada expectador, todos 0s outros fazer parte do es- peticulo também, ¢ ele €0 tinico que est ven- do tudo. E porque, também, ele & livre nessa posigio que estd c é livre em relagio A sittiagio toda que ext acontecendo. Ele pode chegar bem préximo das pessoas que estio fazendo a performance, ele pode olhar diretamente para clas, ele pode ir embora, Ou seja, rem muitas possibilidades. Claro que nao vou negar que no teatro tradicional, qualquer espectadar também é dea peticulo, Mas nessa forma gum modo, responsivel por aque! 80 se torna infini- tamente que estou jogando, participando ¢ atuando jun- to com outros. Fago parte desse jogo, que ctr mio seja obrigado a fazer parte desse jogo. Uma situagao como essa € como uma taco politica. Tem a ver com a relagio que cada espectador estabelece com as coisas que es- to acontecendo, Mas isso no se passa a partir dle uma idéia, de uma ideologia, a partir de um conceito, [sso se passa a partir de uma experién- cia artistica, uma experiéncia que é possibilita- lan partir da configuracio espectfica que voce tem li, a partir de como o espectador esta cn- volvido nessa sicuagao, ¢ queé uma sicuacio que estf relacionada com a forma como voce re- cebeu isso, Nao quero fizer desse exemplo do final dos anos 80 ¢ inicio des anos 90 um mo- delo, Mas cu poderia flar também de como ainda hoje, na Alemanha, alguns grupos procu- ram, a partir de configuragses e situag6es dife- rentes, fazer uma reflexio politica ¢ um teatro politico, eso. Peca didatica de Brecht Isso é um tema que gera muitos mal entendi- dos, por isso precisamos tratar com paciéncia e uum certo vagar. Varias pessoas pensam, a partir da expressio “peca didatica’, que voce vem uma doutrina a transmitir, ¢ € exatamente o contra rio, As pecas didscicas de Brecht nao tem ne- nhuima doutrina. O proprio Brecht traduziu a ‘expresso Lebrstiicke (peca diditica), por “lear- ning play” (pega de aprendizado), A questio so- bre o que é que se aprende numa pega didatic: ele responde que os aprendizes sao aqueles que estio jogando ¢ participando. Nao o piblico. Teateo Pi. Dramtico o Tata Palen O conceito, pois, da pega didética dos anos 20 uma idéia de um teatro sem um puiblico pas- sivo. Se voc comega a investigar essa palavra, como eu fiz em met livro, percebe como essa palavra vai sendo cada ver mais questionivel, 0 aprender e 0 aprendizdo. Este é um texto bem antigo €a gente pode exagerar um pouquinho dizer que esse conceit di pega didatiea faz parte da pré-histéria da pecformance, nio de um teatro didatico no sentido tradicional. Artaud e 0 Teatro da Crueldade Esse conceito do Artaud, do teatro da cruclda- de, € no 36, mas todo o experimento dramiti- co de Artaud, rem para mim 0 duplo sentido info s6 da erueldade mas também da cois io preparada, Faz parce de ums espé- cic de genealogia de teateo pés-dramiticn, E é muito interessante que a teoria de Artaud, € a teoria de Brecht sobre as pegas didkiticas, surgi ram no mesmo periodo. Nao s6 os conceitos de Artaud ¢ de Brecke, como o do surrealismo ¢ das teorias revolucionirias de Walter Benjamin, estavam todos sendo criados nese mesmo pe riodo. um momento chave de teorias nao s6 do teatro mas da arte no século XX, Mas tem uma diferenga central. Tanto os surrealistas como Araud ¢ Walter Benjamin ainda acredi- tavam numa possibilidade de relagio direta, revolucionaria, dessa pritica artistica coma rea~ lidade. A teoria do Araud nao é 6 uma teoria teatral mas é uma tcoria cultural, E uma polé- mica contra toda uma tradi¢a0 européia de re- presentacio ¢ atirude, Nao € & voa que Jacques Derrida retomou as idéias de Arcaud nos anos GO em um momento também de polémica, Brecht, com a sua téoria mais comunista, € Artaud, com sua toria que € uma critica fun- damental a essa sociedade da representagio, andam mais ou menos paralclos urna mesma ctitica social, Meu interesse em um ceatto pis- dramitico € numa série de teorias ~ mai gi, como exsas dos anos 20, ou que foram re- romadas no inicio dos anos 70 na sociedadle da cma eda coisa nti sale prete: midia a partir de uma outra configuracao—nao &s6.a revolugao, mas é a internupgio. E acre to que para muitas pessoas que esto fazendo experimentos hoje na Alemanha, para uma s ric de grupos, retomar essas idéias € um ponto centzal, Isso é uma especulagao, uma suposi¢i0 que precisa ser vista depois com mais pre mas etl, de algum modo, tenho pensado nisso em telagio as coisas que estio sendo feitas hoje Tenho a impressio que para muitos artistas, para muitos intelectuais, a questo central & voce estar em frente 20 perigo. E esse petigo ¢ 0 perigo de voce perder a fala. Nao ter a possibili- dade de fal, ndo ter a possibilidade de inter vengio ou de ser ouvido numa sociedade como essa, ‘Todos sentem como uma coisa muito for- te esse perigo de voce ficar simplesmence mudo € voc’ perder a sua fala ¢ sua capacidade de i terviz. E, por isso, a coisa mais importante no teatro & que voce faga uma coisa com um gru- po. Eu me lembro de uma frase de uma direto: 1a da Noruega em um encontro de teatro em Amsterdi. Nés faldvamos sobre utopia ¢ ela me disse: “a nossa utopia € que fagamos alguma coi- sa juntos, uma coisa coletiva’, Nese sentido, eu percebo que muitos grupos que fazem ceatro nao fazem apenas teatro. Eles estao, parece, ‘muito mais interessados em criar uma rede, uma espécie de network em que, talvez, em um certo momenro eles fizessem um workshop, Em ou- 110 momento eles fariam um seminatio, ¢ con- seguiriam juntar o dinheiro para montar uma pega em um grande teatro por algum tempo. Ento eles fariam um novo experimento com uma nova corcografia, ou seja, € uma prética muito heterogenea. E nisso, © que eu acho in- teressanie € que a prdtica arcistica, a arte, ou a esiti¢a, continuam sendo questées importan- ts mas nao mais o centro. Por isso, eu acrediro que seja possivel tomar as coisas que eu digo em meu livro como uma ctapa que ainda esti se desenvolyendo ¢ que havers uma outra fase mais a frente, E. nessa diregio que estou apontando, Pode se retomar a idéia da explosio dos elemen: cos teat ses elementos no is © imaginar que vo cada um partir para o seu lado e tomar uma diregio prdpria, mas cada um deles pode se re- facionar ¢ se juntar com outros elementos. Eu vyejo que muitos alunos oferecerem aulas que sao performances. Ou seja, 0 dangarino nao danca mas ele fala sobre a danga, reflete sobre ela. Mas ele pode dangar também, ¢ isso faz parte desse processo. E um proceso que ocotre no interior de um questionamento conjunto sobre 0 que € possivel de ser feito, Eu tenho a impressio que essa-é uma tendéncia muito forte questi sed senvolvendo € que os teatros tradicionais € 08 teatros simplesmente de divertimento, estrutu rados no entertainement, vio ter muita dificul- dade para se manter como se mantiveram em outras épocas a partir de sew esquema tradicio- nal, Acho que essa jungio de varios elemencos = politicos, sociolégicos e ancropoldgicos ests comegando ¢ ainda vai se fortalecer, Ela d4 uma nova estrucura’ pritica artistica, F isso em mui- os casos € também uma pritica politica. As pe soas que fazer teatto podem estar bem integea das numa manifestagio contra a globalizacao. Qu se engajam em outros tipos de instituigto, de organizagdes por reformas ¢ mudangas, € coi- sas desse tipo, Eu quero retomar um pouco esse conceito da tradigio. Sea gente pega uma gran- de tragédia de Shakespeare, voce encontta tudo isso. E politica, antropologia, canta-se, hd uma pritica, retine-se uma porgio de pessoas, Mas Shakespeare, como toda a tradigio do drama, std prisioneiro da convenco. Por isso, nao aju- da muito saber que todos esses elementos esto ali no Shakespeare. Temos, sim, que achar no- vas formas de trabalhar com cles para tomd-los, ea essa tradigaa, vivos. Queria dar um outro exemplo, de um grupo inglés que se chama Filse Enteriainement, muito conhecido na Europa. Muitos acham que scja o grupo mais inceressante que surgi nos anos. 90. E um grupo que pode ter una boa re- cepsio no Brasil, pois erabalha muito com o hu- mor, Eles falam dirctamente com 0 puiblico, © que valoriza muico a representagio ¢ as pessoas cenvolvidas. Esse grupo constréi armosferas ¢ si- tuagées teatrais em que todas essus coisas ~ as tragédias, 0 grotesco, € 0 edmico — esto pre- sentes no palco, Hé uma pitonisa, que na ver- dade ¢ uma falsa pitonisa, que olha para uma pessoa € dir: “cincer de mama’, ow coisas do tipo. E um jogo com essas questées trigicas bem engragado € esiranho, mas que cria um tipo de comunicagio muito viva. E eles trabalham tam- bém com essa questo do tempo, que eu falei anteriormente, e cles fizem performances de longa duragio, Entao, por exemplo, eles ficam contando histérias que nunca terminam, por- que um interrompe © outro € a histéria nao se- gue adiante. Uma pessoa do grupo fala assim: Um dia Deus estava em seu esctitério” © um outro diz: “Pare, ninguém quer saber sabre Deus’, Entao eles ficam se interrompendo € étia-se esse jogo no paleo com essa série de in- terrupgoes, Fao longo dessas performances, to- dos os temas da politica, da hierarquia, do amor € outros vao surgindo no palco a partir dessas imierrupgoes. E eu digo isso, porque, para min, esse grupo, todas as vezes que eu os yejo, me lembrar muito de Shakespeare. Porque cles criam, on de algum modo conseguem recriar, ‘cs coulidade que esué presente nos dramas de Shakespeare a partir de um outro tipo de cons- trugio, Entio, coisas que se tem nas pegas de Shakespetre reaparecem a partir de um outro tipo de configuragio. © espisivo do grupo subs- titui © génio de Shakespeare. Teoria do Drama Moderno de Peter Szondi Considerando meu interesse em um pensamen- fo que cruzaa literatura eo teatto, minha preo- cupacio nie foi a de rejeitar sua anélise sobre drama, mas de apontar que, num certo sentido, era uma andlise estreita, ¢ isso, parricularmente, porque ele nao fala do teatro como uma arte, Fle, portant, nio fala de como o corpo desem- penha no teatro, de comoa sta prevenga se mo- difica, Bu ditia, por exemplo, que no drama tra- dicional 6 corpo ¢ existen do ponto de vista liteririv. Tado nao passa de um conflito mental. No teatro pés-dramético mas no importa Teste PésDramatico © Teas Patties chegamos a um teatro onde o corpo, afinal, importa. Isto nao significa que exista uma linha diviséria entre teatro textual e teatro nao-textu- al. Pode haver teattos de texto absolucamente pés-dramiticos, como o teatro de Gertrude Stein, E até questionivel se no caso dela pode- mos falar de dramaturgia, porque 0 que cla fer foi esctever textos a que chamava de “pecas pai- sagens”. E. por que as chamava assim? Porque cla quetia realizar uma coisa que ¢ normalmen- te considerada impossivel ao texto literirio, es- crever tum tipo de literatura que seria observada como se observa uma paisagem, E numa paisa- gem na rarquia. A drvore é tao impor tante quanto a pedra € 0 campo tanto quanto 0 céu, Portanto, numa paisagem codas as coisas fio no mesmo nivel e voce nao est4, como ela definia cio bem, nervoso, ou sempre esperan- do. Stein dizia que quando ia a0 teatro se pu- nha sempre muito nervosa, porque dinha que lembrar ¢ ansiar por algo, ¢ ela nio queria isso, Queria simplesmente estar Ii, confortivel nasi- tuagio. E eis por que Robert Wilson no discur- so que fez no enterro de Heiner Muller disse: “Quando eu li Gertrude Stein’, referindo-se a The Making of Americans, “eu soube que podia fazer teatro”. Portanto, essas “pegas paisagens” foram uma inspiragdo para um teatro que nao estava na dindimica da hist6ria ¢ do personagem, lé Gertrude Stein, tanto a prosa como as assim chamadas “pecas”, se dd conta que muito divertido. Pode set cansatiyo no come- go, mas depois se corna mesmo muito engraca- do, E cla tem nogdes como “eu sou eu porque meu cfozinho me reconhece”, que é sua senten- $4 definitiva sobre a identidade. E ela disse que isso era o oposco da criatividade. Porque se eu si Se vo sou cu porque meu ciozinho me reconhece, quando nio se ¢ ctiativo se permanece sendo 0 que s¢ g. No momento em que voce cor se ctiativo voce jd nao é vocé, voce estd cm movi- mento ¢ ji nio Gidentificivel. Na verdade, C teude Stein talvez no pensaste no teatro quan- do escreveu essas pegas, mas 0 scu teatt de en- tidades era um desdobramento de suas priticas textuais na escritura de novelas como The Me sale preta hing of Americans ow Tender Buttons, ¢ de sua poesia, Dai é que nasce “pegas paisi- gens”. Ela esc, pois, num certo sentido, além do modelo tradicional de um teatro de repre- sentagio. O teatro dramitico é um teatro de re- presentacio, Mesmo os cxemplos mais radicais que Szondi discute, ele nao 0s coloca além da representagao, Eles continuariam um tipo de drama pico. E tudo que eu digo no livro € que, hoje, nao é mais suficiente descrever, como Szondi fer, o desenvolvimento do teatro moder- not termes do tcatro épico. Nao € suficience. ste ¢ apenas um nivel de desenvolvimento ¢ nds temos desenvolyimentos diferentes que es taoalém do texto to mais do que cle teria imaginado. Mas ¢ claro mess além da representagao, mui- que cle abriu um caminho de pensamento so- bre génetos ¢ sobre uma cerva estrutura de pe~ gas, nessa dialética hist6rica da mudanga da for ma, € nao poderfamos pensar hoje sobre o de- senvolvimento histérico das formas actisticas, igualmente no teatro € na literatura, sem o li vio de Szondi, sem a sua seferén a, Portanto, é basicamente uma questi de abordagem, Eu queria descrever 0 ceatro, 0 queacontece com 0 tempo €o espago, o que faz o teatro uma forma artstica, para além da oportunidade de recicar um texto. Mas isso nao significa que eu negue as possibilidades produrivas do teatro textual. Nio minimamente, E hd uma grande quanti- dade de teatro nao verbal, teatro danga, que eu acho extremamente aborrecido, na medida em que reproduz um modo representative de con tar. uma histéria sé com a danga, e que nio di- fere muito das formas mais tradicionais de con- ‘tar histérias. Draméatico e Pés-Dramético Eu nio gostaria de simplesmente ampliate alar- gar o conceito de teatro dramético, mas consi- derar esse conceito como um conceito que en- globa essas virias possibilidades de formas dra- maticas. Eu acho que ¢ uma vantagem do conceito do teatro pos amético que ele man- tenha no nosso inconsciente esse conecito do drama do qual ele saiu. A gente fala de waco experimental, de novo teaero, ou de watio de vangwards. Mas ele se refere a uma coisa que € bem posterior, pois hoje jé nao existe teatro de anguarda. Afinal a avant-garde 96 existe quan do voce sabe qual ¢.a diregao em que vot esta indo. Mas essa palavra, exe conceite pés-dra mirico remete ao conccito anterior, da tradigao, para tris. Ele mostia que 09 artistas, conseiente ‘out inconsciencemente, remetem-se ou referer ro dramidcies. Bama se a uma tradigio do te coisa interessante que durante décad las, séculos, se cenham mantido lado a © tenham side mais ou menos ido as palaveas te ero © dram; nonimas. Ainda hoje as pessoas falam, quando voltam do teatro, que gostaram muito da pega. Bla ‘como texto escrito ¢ a represeneagiio dessa pega. Ou dizer tearro dramitico. E na Franga, se voce tem nao fazem uma diferenciagio entre a pega , tradicionalmente a palavea teatro quet uma reunite de pegas de um autor em umn lie yro, voc’ chama de teatro, Os dramas de Dide- rot sio chamados Teatro de Diderot. E eu acho, que jf é.um gesto produtivo manter na cons cigncia essa diferenciagio entre drama e teatro, sem atrelar issoa nenhumn dogma. Mimese e representacao Falarei um pouco sobre 0 conccito de mimese, ou seja, desse conceito antigo da mimese como imitagdo. E € daro que nessa mesma tradigio do conceito de representagio, nunca se imagi- now que se pudesse viver sem a representagio, sem representar alguma coisa, Certamente, no iremos livrar-nos da represencagio. Sempre exis- te na arte um movimento de reduplicagio das coisas. Nao se trata da questio representagio ou nito-representagao, mas sim de qual € 0 lugar da representagio, ¢ de como transformar a re- presentagio mesma em um problema, no s6 artisticamente como filosoficamente, Eu pro- curei, em meu livro, escabelecer uma relagéo & uma interconexio entre esses dois conceitos, 0 do pos-dramatico ¢ o da representagio. Porque © drama enquanto estrutura nos oferece uma idéia da estructura como totalidade. Vocé nao tem como impedir isso, Existe uma estrutura de comego, meio e fim, c essa estrutura quer dizer otalidade. Isso ja se pode ler em Aristétcles, Ele diz que uma tragédia precisa ser um todo, E logo ci seguida diz que um todo € 9 que rem comego, incio fim. Isso parece uma coisa su- per infantil, may na yerdade € um pensamento sempre me lembro de muito profundo. E ¢ Jean Luc Godard, quando foi criticado por um crftico que the dizia; “voce vem que adminis, se nhor Godard, que 0 filme tem comeyo, meio ¢ fim”, ao que Godard respondeu: "voce tem Zio, mas niio necessariamente nessa seqiiencia’ O conceito de representagio esta ligado indis sociavelmente A idéia de uma verdade, de uma roralidade, de uma coisa que tem um firm, Mas esa interconesao, on ligagio, x i por cento. Mesmo no drama tradicional vocé tem vestigios de rupturas. E, io € uma coisa existem mui ts experimentos de teatro pés-dramdtico que uisam 0 texto, no momento em que voeé pade- tia usar a danga, ou poderis usar outro tipo de coisa em que otexto desapareceria. F, de novo, uma estratégia de incermupsto. Voce pode ver isso em varios grupos, Hai pouco tempo, houve uma performance em Frankfurt com duas pes- soas, e voce podia ficar 0 tempo inteiro vendo esas pessoas através de uma vitrine. Nao existia nenhuma linguagem para o piiblico. os espec- tadores podiam ver através dessa vitrine. mas voce via as coisas cotidianas que essis pessoas estayam fazendo através da vitrine. Exerevendo ‘no computador, arrumando a casa, Mas nao cra Big Brother. Vocé nao via o banheiro, a priva- , esse tipo de coisa. Tratava-se, na verdade, mais de tornar 0 conceito de privado uma coisa publica, Era uma reflexo sobre 0 ato de obser- var, Mas também foi uma performance sem linguagem ‘Teatto Pos-Dramatito € Teatro Palltica: Fungao da Linguagem Sobre a fungao filosofica da linguagem, quero dizer que a presenga € a auto-identidade, E su- ficiente estar al, mas voce pode estar aqui e to estar presente, Na Alemanha se diz. de uma pes- soa, quando nio esta completamente presente, que esta ausente. A presenga € uma ilusio, ow seja, € como se fosse um ideal no horizonte, mas sempre tem alguma coisa que nao estd presen. te, Aideia da presenga vem do campo da filoso- fia e€ a idéa de uma revelagao. A verdade apa: rece para mim como uma luz, Mas, ra verdad cu exou sempre em um proc diferenga, Sempre tem alguma ee so de eserita des a que mio cesta ali necessariamente. $6 a convengio do co- tidiano € que nos dia ilusin de uma presenga Eu sou o que sou porque o meu cachorrinho ine pereebe. Hit algum tempo yi uina perlor mance muito interessance. Agora niio me lem: brs 0 nome do performer, mas eta uma sit uma pessoa escrevendo em $80 em que hav um computador. E voed podia ver, projetado na na tela, 0 monitor onde ela escrevia, Redigi uma carta que comegava assim: "Querido vizi nho, ew sou a sua nova visinha. Quen & essa pessoa estranha que esti andando no ceto? Isso esni me parecendo uma coisa muito suspeita, Tilver seja preciso chamar a policia”, Entio ela continuava escrevenda essa carta, ¢ enti api gava linhas ¢ comecava a completamente diferente. Mais carde perguata izinho se ele ambém achava que o cara lem cima tinka problemas, No final ela ja no estava mais escrevendo para o vizinho, mas para © cara que estava li em cima, no telhado: “Hei, vooé ai em cima, precisa de ajuda?" Uma coisa bonita nessa performance era que se percebia, a partir dessa escritura e da imagem do que era escrito e reescrito, como essa consciéncia fun- cionava: Percebia-se que essa pessoa efa, no ‘meso momento, uma quantidade de possibi- lidades completamente diferentes, O que esta em jogo neste texto é que cada uma dessas par- tes, desses possiveis textos, sio possiveis cami- nhos diferentes, Tudo que falamos si0 como escrever uma coisa va ao Soe prety {que paradas casuais dentro de um leque de pos- sibilidades infinitas. Pode-se falar alguma coisa, € aquilo € a transmissao dessa pequena coisa, uma entre varias possibilidades. Entao essa for ma de presenga, de identidade, € uma ilusio. E completamente casual, E 6 veto pode justa mente tornar mais clara a consciéncia dessa st tuagio edesse fato. © homem é, simplesmente, um possivel. Eu acho que essa é uma possibil dade filosdfica do teatro que € essa possibilida de de desconstrugao da presenga. Existe a idéia tradicional em ielagio ao teatro, de que 0 tea- 110, diferentemente de varias outras 3 a A pre tes, arte da presenga. Porque 0 ator es te. 0 Iniblico esis presente ¢ estamos numa toca de presengas, Isso é bonito mas n: o necessariamen- te real. Pois, asim como nesse exemplo-do com: putadon nds somos ao mesmo tempo atores & espectadores, Nés niio estamos conscientes de nossa presenga, mas apenas de tum pequeno fe- core dessa presenga. Apesar disso, 0 fato de exis: ro cumpre uma tir uma presenga viva no te: fungio important que é melhorar a nossa per- figura viva Ikso € muito simples. Eu no posso ter 0 mes- mo tipo de relagdo com uma pessoa viva que com um objeto, Um quadro, um filme, uma esta, uma casa. Esses'sfo todos objetos, Mas cepeao dessa pessoa humana, dessa no teatro, © ator, OU OS atOTes, SiO sempre Pes soak, viventes, nunca simplesmente uma outa coisa que estd na nossa frente. Quando eu vejo iima pessoa a partir de uma perspective ética, € impossivel reduizir essa pessoa simplesmence & cua efetividade, & sua realidade. Eu: néo posso observar simplesmente uma pessoa, do ponto de vista rico, como ela é, como ela esté ali, mas sempre a partir da possibilidade do queela pode ser, Porque uma pessoa pode se transtormar numa outra situagao, cm outras condigées. Tem uma bela frase de Adomo, da teoria estética: “ yocé toma uma pessoa sem ser uma pessoa es pecifica, ainda nao € uma pessoa”. Qu seja, t0- das as pessoas ainda estioem um estado de pos- sibilidade, E como a situagao do Hamlet frente a Rosencrantz ¢ Guilderstein, “Se a gente for tratar qualquer pessoa apenas pelo que cla fer, quem estaria salvo de ser execurado?” Voc® nao pode julgar as pessoas apenas pelo ser, po que ‘0, mas pelo que poderio vies ser. Fssa.é uma outra dimensio arristica da questio da identi- dade que esté no centro do teatro; Por isso eu defino em 0 das possibilidades, onde a tealidade & mais cfe~ wi alguns textos 0 teatro como 0 esp 1 que a prépria realidade. Perspectivas Hd uma quescio que esti no centro das minhas cs, que € a nossa possibilidade de produzir de novo uma grande fortna. A beleza dla forma exata, Falatia dos artistas como guet- reiros da beleza. E Figo dessa disciplina pela be- ke ciso reafiemar que a coist decisiva no teatro no Go contetido masa forma, Mas isio nao sigaili- fica, Mas, sian, preocupa uum momento da critica ao existenté. fi pre- ca limitar-se a uma forma espect propor um trabalho conscience com a forma ¢ com a percepeao, E que pode ser muito dife- tente, muito livre, muito disciplinado, Nao quero, com a proposta do espectadar em toc livee, desptezar a contemplagio disciplinada de um quadro, por exemplo. Pode-se dizer que no teatro é sempre uma quest2o da tética, no sen- ido militar, Por isso € fundamental pensar 0 que, em cada momento, em cada situagia, € importante de fazer no reacto, Em uma socie~ dade como a Ocidental, que vive sob essa pres sdo da midia ¢ da velocidade das imagens, a ex- periéncia com uma forma muito restrita, muito fechada, pode ser um modo muico produtivo de abordar essa realidade, Mas também, a par- tir de uma outra perspectiva, pode ser uma coi- sa mutico interessante voce ter um experimento que & mais leve, e mais desprendido, para que voce possi imaginar essa situagio de uma ma- neira diferente, Existe na politica um conceito que é da “multicude”, a partir do livro-de An- rOnio Negri, /mpérw. E possivel, amber, dizer fem relagio a0 teatro que existern grupos € 5 tuagoes especiticas em que determinadas pri ticas yao ser mais efetivas, © mais possiveis Grupos redes de coisas em que se definem pré- ticas dissintas Teatro e Filosofia Fu acho que essa é uma questio central. De cer- to modo, pintar também é pensar, dangar tam- biém, fazer te com diferentes materiais. Nao pensar com con. ro eeserever poesia também, mas Cecitos, masa partir de outros materiais, Ou se dizer que a cena:pensa, propSe a-nds, teéricos que encontiemds a teoria que corresponda a essa pritica que esté sendo pensada. Mas acontece muito haverem casos em que as priticas viram, simplesmente wim ilustragio para uma certa tworia. F isw & 0 que de que fer com que'e discurso académico sobre o teatro se tornasse iio mondtono, enquanto al guns fildsofos desenvolveram uma teoria muito mais genuina, e pidxima da are, do que a das pessoas que estavam se ocupando do teateo. Edlaro que no livro, muitas vezes, eu aceno para algumas discuss6es filoséficas, mas eu procurci sempre no apoiar as minhas torias de teatro nesses nomes: Derrida, Deleuze, Lyotard, Aluthusser, Nieiszche, Gadamer etc. Certamen~ nos evitar, ¢ isso € te, na tradigao alemd, valeria acrescencar as li- has de pensamento de Heideger, Walter Ben- domo € outros autores da escola de jamii Franklurt. O pensamento sobre o teateo, hoje, seria impossivel sem alguns dessex nomes gue eu citei. E essas pessoas nio sia tedricas de tea- tro ow de literatura, may sao filésofos ¢ estabe- lecem um campo de referencia filosdfica dessa discussio de que nds sempre vamos necessitar Esses dois caminhos sio importantes; a reflexion filosética © também 0 aprofindamento nos fe cos, Devemos esperar um tis piragio reciproca desses dois caminhos, mas no centar aplicar uma coisa sobre a outta simp mente. Para mim, isso seria © ideal da cel entre estes dois planos. Por isso, também et ce- ho o plano de comegar a escrever um livro ted- rico, buscando exatamente essas interconexties para criae, talvez. uma teorin estét teoria dessasleitura livro de dificil Ieisurn © O Tetera Pés-Dramdrico ca, ou uma ws. Mas isso talvez se torne um nao é uma coisa de dificil leitura, Para mim, foi muito importance que o livro fosse lide poe ctia- dores do teatto: atores, ditetores, dramaturgos, curadores de festivais, pessoas que fazem, de fato, 0 teatro, Mas ele estd, de certo modo, em um nicho que tem a ver coma filosofia — =a

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