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Crise social, econômica e poli-

AS FORÇAS capazes de nos dar a consistência


tica. No fim deste 2010 todos
estamos tomados pelo descon- QUE MUDAM desejada e temos que enfrentar a
crise mais desarmados, mais
certo. Como disse recentemente frágeis do que no passado.
o cardeal Bagnasco, “estamos
angustiados pela Itália que
A HISTÓRIA Paradoxalmente, os nossos avós
e pais estavam humanamente
vemos coibida nos seus meca-
nismos de decisão, enquanto o SÃO AS melhor preparados para en-
frentar desafios semelhantes.
país parece atônito e olha O Censis acerta o alvo no-
desorientado”. Por que esta crise
nos encontra assim desarmados,
MESMAS QUE vamente quando identifica a ver-
dadeira urgência deste momento
a ponto de não conseguirmos
nem mesmo estar de acordo
MUDAM O histórico: “Voltar a desejar é a
virtude civil necessária para
para enfrentá-la, mesmo que
sintamos essa urgência como
nunca?
CORAÇÃO DO reativar uma sociedade já muito
apagada e achatada”. Mas, quem
ou o que pode despertar o
Surpreendentemente, o Rela-
tório Censis 2010 identificou a
HOMEM desejo? É este o problema cul-
tural da nossa época. Com ele,
natureza da crise numa “perda do desejo” que se todos aqueles que têm algo a dizer para sair da crise
manifesta em cada aspecto da vida. Temos menos são obrigados a confrontar-se: partidos, associações,
vontade de construir, de crescer, de buscar a sindicatos, professores. Já não será suficiente uma
felicidade. A isto se atribuiria a responsabilidade resposta ideológica, porque vimos a falência de todos
pelas “evidentes manifestações de fragilidade tanto os projetos. Por isso, seremos obrigados a teste-
pessoais quanto de massa, comportamentos e munhar uma experiência.
atitudes desorientadas, indiferentes, cínicas, Mesmo a Igreja, cuja contribuição não se poderá
passivamente adaptativas, prisioneiras das limitar a oferecer um amparo assistencial para as
influências mediáticas, condenadas ao presente sem falhas alheias, deverá mostrar a autenticidade da sua
profundidade de memória e de futuro”. Como é pretensão de ter algo a mais para oferecer. Como
que, se fomos capazes de atingir importantes Bento XVI recordou, “a contribuição dos cristãos é
objetivos no passado (casa, trabalho, decisiva apenas se a inteligência da fé se torna
desenvolvimento...), agora “somos uma sociedade inteligência da realidade”. Deverá mostrar que Cristo
perigosamente marcada pelo vazio” e a um ciclo está tão presente que é capaz de despertar a pessoa –
histórico cheio de interesse e de vontade de fazer e, portanto, todo o seu desejo – até ao ponto de não
se seguiu outro marcado pelo seu aniquilamento? fazê-la depender totalmente das conjunturas
Tudo isso nos mostra que a crise é, sim, social, históricas. Como? Através da presença de pessoas
econômica e política, mas é sobretudo antropológica que manifestam uma humanidade diversa em todos
porque diz respeito à concepção mesma de pessoa, os campos da vida social: escola e universidade,
da natureza do seu desejo, do seu relacionamento trabalho e empreendimentos, até à política e ao
com a realidade. Estávamos iludidos de que o compromisso nas instituições.
desejo se manteria com vida por si mesmo ou Pessoas que não se sentem condenadas à desilusão e
então que seria mais vivo na nova situação de ao desconcerto, mas que vivem à altura dos seus
bem-estar a que se chegou. A experiência mostra, desejos porque reconhecem a resposta presente.
pelo contrário, que o desejo pode achatar-se se não Podemos esperar sair da dramática situação atual se
encontrar um objeto à altura das suas exigências. todos – inclusive os governantes que hoje têm a difícil
Encontramo-nos todos, assim, “saciados e responsabilidade de conduzir o país através desta
desesperados”. “No achatamento do desejo está a crise profunda – decidirmos ser verdadeiramente
origem da desorientação dos jovens e do cinismo razoáveis, submetendo a razão à experiência, ou seja,
dos adultos; e, na astenia geral, qual é a alternativa? se, libertando-nos de toda a presunção ideológica, nos
Um voluntarismo sem alento e sem horizonte, sem dispusermos a reconhecer algo que já funciona na
genialidade e sem espaço, e um moralismo de apoio realidade.
ao Estado como última fonte de consistência para o Sustentar quem, na vida social e política, não se
fluxo humano”, como disse Dom Giussani em resignou a uma medida reduzida do seu próprio
Assago, no ano de 1987. Vinte e cinco anos depois, desejo e, por isso, trabalha e constrói movido por
vemos que ambas as respostas – voluntarismo uma paixão pelo homem, é a primeira contribuição
individualista e esperança estatalista – não foram que podemos dar para o bem de todos.

COMUNHÃO E LIBERTAÇÃO
DEZEMBRO DE 2010

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