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‘Com artigos adicionais de Nathaniel Brandew TRABUCAO ON LINE Assessoria em Idiomas REVISAO DA TRADUCAO Winston Ling Candido Mendes Prunes Z EDITORA ORTIZ 9A, Supervisto elitori!: Vinia Conde we Supervisio grifica: Rogerio Vateas Capa: Cunaicos dsuidio de Criaea ImpressSa: Pollona BaGBst & FICHA CATALOGRAFICA (reproduco reduzids da fioha 7.8 x 12.5 em) Riéev RAND, Av, 105-1982 A virtude dp egoismo / Ayn Rand; traduaide or On Line-Asnescoria ern idiomas; traduoto revis. %9 por Winston Ling @ Candide Mendes Prunes, — Porto Alegre: Ed, Otiz/IBE, 1861, 1, Filosofia 2, Etisa 8. Objeth sie bjetvisma 4. Eyolame f, ISBN 85.85770-1.9 cou Ty eicteaita responsével: Rosa Liicia Vieira Maidana Copyright © 196t, 1968 by ays Rand Copyright © 1962, 1963, 1964 by The Objectivist Nevsleter In. Do original: THE VIRTUE OF SELFISHNESS ‘Todos os dircitos esiio reservados & Editore Ortiz S/A, 1 digo brasileira impreasa erm marco de 1901, ee ©18, Individualismo falsificado, Nathaniel Branden (1962). exaepe age exezxx 4 nen enseeE Ea E224 EXER EDEL ELIS EEAEEEEEESIZIAEEEEIZ SUMARIO Apresentagdo da edigao brasileira 7 Prefacio a edig&o argentina .. 9 Introdugao., oF 1, A ética Objetivista, Ayn. 20 2, Satide mental versus misticismo ¢ auto-sacrificio, Natha- niel Branden (1963) .. 4g 3. A dtica nas situagdes de emergéncia, Aym Rand (1963)... $7 4. Os “conflitos” de interesses entre os homens, Ayn Rand (1962), 66 5. Nao somos todos egoistas?, Nathaniel Branden (1962)... 75 6. A psicologia do prazer, Nathaniel Branden (1964) 80 7. A vida nao requer um pacto?, Ayn Rand (1962)... 89 8. Como levar uma vida racional numa sociedade irraci nal?, Ayn Rand (1962) 92 9, G culto da moral indefinida, Ayn Rand (1964) 97 10. A ética coletivizada, Ayn Rand (1963)... 103 LL. Os construtores de monumentos, Ayn Rand (1962). 12, Os direitos do homem, Ayn Rand (1963) 13. “Direitos”’ coletivizados, Ayn Rand (196: 44. A natureza do governo, Ayn Rand (1963). 15, Financiamento do governo numa sociedade livre, Ayn Rand (1964) ve 145 16. O sagrado direito estagnagaio, Nathaniel Branden (1963) 151 17. Racismo, Ayn Rand (1963) 19. A intimidagao como argumento, Ayn Rand (1964) Notas . AEESAEEEENRUAWOLLEXYELESEEEE2.220RLXEULEEELELIEEEEZELIZEZIALEZE, APRESENTACAO DA EDICAO BRASILEIRA A. contribuicZo dada por Ayn Rand ao pensamento filosdti- co deste século vem ganhando cada vez maior reconhecimento, es pecialmente nos meios académicos norte-americanos. Um numero sempre crescente de fildsofos, economistas, historiadores e psicdlo- gos vem se debrucando sobre o legado intelectual de Ayn Rand, ‘como provam as diversas obras publicasias apés a sua morte, ocor- rida em 1982, ‘ No Brasil, Ayn Rand passou a ser conhecida do piiblico leitor através de seu romance mais famoso, Quem é John Galt?, publica- do’em portugués em. 1987, exatos trinta anos apés a primeira edi- 940 norte-americana. Com A virtue do. egofsmo. ocorreu algo muito semelhante: um dos principais ensaios deste livro (A ¢tica Objetivista) foi originalmente apresentado como uma conferéncia iia Universidade de Wisconsin, em 1961. Hoje, decorridos nova- mente trinta anos, os leitores brasileiros tém oportunidade de co- ahecer mais profundamente a faceta filos6fica de Ayn Rand. Este fivro foi a primeira obra de néo-ficcéo publicada por Ayn Rand, embora, na verdade, os seus romances nao tivessem ‘um carater puramente ficcional. "Ap6s ter safdo a primeira edigdo de Quem é John Galt?, em 1957, Ayn Rand dedicou-se exclusivamente a escrever sobre sua fi- losofia, o Odjetivismo, numa publicacdo intitulada The Objecti- vist Newsletter. Por meio desta ¢ do “Nathaniel Branden Institu- te”, a Filosofia Objetivista ganhiou um enorme impulso na déca- da de sessenta. Toda uma geracio foi marcada pelo que escreveu ¢ ensinou Ayn Rand naquele periodo. Em meados da década de sessenta, a longa associagdo entre ‘Ayn Rand ¢ Nathaniel Branden, que foi uma espécie de porta-voz 8 Avirtude do egofema « oS € intimo colaborador do movimento Objetivista, terminou, Eo fim dela acabou arrefecenido o proprio movimento que, aquela al- tura, jé ganhava corpo e se insinuava nos meios universitarios ¢ na midia, Os livros de Ayn Rand, entretanto, continuaram a ven- der como sempre, No comego da década de oitenta, ela ja havia batido a marca de mais de 20 milhdes de copias vendidas, entre obras de ficgdo € ndo-ficgaot ‘A publicaeao de A virtude do egotsmo em portugués ¢ mais do que oportuna. Significa o resgate de um debate que ja deveria ter comecado entre nds ha trinta anos, mas que, incompreensivel- mente, apenas agora e gracas & iniciativa do Instituto de Estudos Empresariais, tem inicio. Um debate sobre os fundamentos de uma sociedade de homens livres, os postulados éticos sobre os quais devem repousar as instituigdes sociais, o verdadeiro papel que 0 governo tem a desempenhar, os equivoces filoséfices que so mascarados pelo uso inadequado da linguagem e as conseqlién- cias de todas essas questdes para a sobrevivéncia do homiem. O livro que o leitor tem nas maos nao é um tratado de filoso- fia, como bem adverte a autora em sua Introdueao. Trata-se de uma obra gue sistematiza alguns aspectos da filosofia de Ayn Rand, anteriormente exposta em seus livros de fice&o, especialmen- te Quem é John Galt? ¢ The Fountainhead, esia tiltima ainda iné- dita em portugués, e a aplicagdo da mesma a questées cotidianas. Embora escrito hé trinta anos, nenhum dos ensaios perdeu atuali- dace, Antes pelo contrério. Os problemas identificados por Ayn Rand continuam atuais e, dada a sua universalidade, também nao se restringem aos Estados Unidos. Para o leitor brasileiro basta alterar, sem nenhuma dificuldade, datas e nomes de protagonistas para ter a impressdo de que a autora se refere a fatos que ocorrem hoje neste pais. E ao final da leitura descobrird a razao para iss todos os principais problemas que hoje enfrentamos so resulta- do de uma determinada visio ética do mundo, comum aos mais diversos periodos histéricos. Ko Objetivismo se prope a desafiar essas concepydes atdvicas e a oferecer uma afternativa compativel com a natureza racional dos homens. Candido Mendes Prunes egagangeencerrggugx42124 1242022202002 2EELEEEEEELIEIEERIEELIZIEE, PREFACIO A EDICAO ARGENTINA Idéias, Idéias novas. , Em todos os niveis culturais —- desde os citculos intelectuais sis sofisticados, até 0 homem comum, que sO teve acess @ uma modesta instrugia — se reclamam par idéias novas. . ‘© pensador espanhol Julidn Marfas, em uma conferéncia rea~ lizada em 12 de julho de 1983, em Buenos Aires, comentou “... a melancélica tristeza que me produz.a decadéneia intelectual do mundo” ¢ assinalou como causa dos problemas cruciais da huma- nidade “... a utilizagio, em todos os niveis, de idéias arcaicas, que nfo tém mais nada a ver com nossa realidade atual”. Politicos, jornalistas, economistas, escritores, pensadores de todas as corren- tes, juntam suas vozes 4 esta declaracao. "Antecipando-se a estes comentarios € aos de outros pensado- res que cito aqui, Ayn Rand, em conferéncias proferidas nas Uni- versidades de Yale, Brooklin e Colimbia, em 1960, pronunciou-se severamente a esse respeito, dizendo: **... munca antes © mundo clamou tdo desesperadamente por respostas a problemas eruciais. .. munca antes o miundo se apegou to freneticamente & crenea de que niio ha vespostas possiveis"”. Vivemos um tempo de transigo, 0 momento de uma grande mudanga. Como disse C. W. Ceram — autor de Deuses, aimulos ¢ sdbios — em sua obra Yestermorrow: “... com o séeulo vinte es- té se acabando um periodo da historia da Homanidade que abar- ca cinco milénios. Opondo-se a Oswald Spengler e a sett conceito de que 0 Ocidenie estd terminando, a nossa situagao nao se asse- melha & de Roma do comeco da era crist, mas sim & do homem de 3,000 anos antes de Cristo. Da mesma forma que o homem pré- hist6rico, levantamos os olhos ¢ enfrentamos um mundo completa 10 Avirtude do egeisme mente novo.’* Um sistema de vida vai chegando ao fim e um novo surge, adequando-se A realidade e as necessidades de hoje. Todos nés no- tamos que as respostas tradicionais, que nunca solucionatam na- da, deixaram de ter qualquer efeito; que fazer falta conceitos no- vos, sdlidos, coerentes, que ponham fim & defasagem intelectual entre 0 colossal avanco tecnoldgico ¢ o confuso conjunto de idéias atavicas que © homem moderio continua aceitaudo somente por tradigao, Aperceber-se disto, naturalmente, gera nos homens uma sensa- cao de inseguranca ¢ angtistia. Eo medo do novo, do desconheci- do, Presos em seus pequenos ¢ — para a maioria — desconfortd- veis ninhos, as pessoas se agarram a eles temendo o momento de abrir suas asas © voar. A mudanga ja estd presente. Herber Read, fildsofo britanico da arte, disse que: “‘Nestes tempos participamos de uma mudan- a tio fundamental, que devemos retornar um longo percurso pa- ra encontrar um paraleio, Talvez somente comparavel mudanga verificada no término do perfedo paleolitico e na transigio para © neolitico.”” ‘Estruturas arcaicas sao derrubadas. Da mesma forma que aque- las drvores que crescem ¢ mudam com cortes, também o homem terd de abandonar suas idéias, suas crencas e suas vivéncias total- mente esclerosadas, mais adequadas a um ser irracional ¢ indefe- so do que a sua condigo de explorador do espaco e do dtomo, criador e modificador da vida, conquistador da Natureza, Estas novas idéias, csse moderno fundamento de existéncia exigido pela realidade atual, foram concebidos por Ayn Rand, quem Jangou ao mundo, entre 1933 1982, sua Filosofia Objetivista, Com uma clareza de raciocinio que a converte em gigante da filosofia, elaborou, com precisio matemdtica ¢ simplicidade qua- se inaudita, a perfeita concatenagio de um sistema filaséfico racio- nal carente de contradicées, estritamente baseado na légica e na realidade, e coerente com a natureza do homem, Suas idéias, combatidas e condenadas por intelectuais, pseu- do-intelectuais misticos aferrados a antigas estruturas decadentes, foram passo a passo abrindo caminho nos circulos intelectuais, mais flexiveis, predispostos a mudancas, especialmente entre estu- Prefécio @ edigdo argentina 11 nen nntennattne nt dantes universitétios. Hoje em dia se comegam a notar os efeitos, Na Noruega, o politico Anders Lange declarou publicamente que a plataforma de seu partido se funda na filosofia de Ayn Rand, Igualmente os “tibertarios”” dos Estados Unidos reconhecem nela a fonte ¢ 0 guia, Colaboradores da pensadora, tais como 0 econo- mista Aisn Greenspan, atuaram como conselheiros do Presidente Ronald Reagan. As recentes vitadas editoriais nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha Federal, Suécia, Austria, indicam que as idéias de liber- dade ¢ de direitos do individuo — coluna vertebral da Filosofia Objetivista — comegam a firmar-se, A obra filoséfica de Ayn Rand abarca os cinco ramos que compéem a filosofia: metafisica, em seu livro Philosophy: Who needs it; epistemologia, a ciéncia do conhecimento, em Iniroduc- tion to Objectivist epistemology; ica, neste livro; politica, em Capitalism, the unknown ideal, eestética, em The romantic manifesto, Outros livros da autora so seus romances Quem é John Galt? (Atlas shrugged)*, We the living, The fountainhead, Anthem, The night of January 16th, The new left: The anti-industrial revolution e For the new intellectual. As idéias de Ayn Rand apresentar-se- o ao leitor como um verdadeiro desafio, uma filosofia absoluta- mente nova, integra e sem claudicagies. Conheeé-la é imprescindi- vel e, afinal, inevitavel. Bertrand Russell, que ja nao concordaria com as idéias de Ayn Rand, disse, em sua obra Fundamentos de filasofia: “Nenhu- ma filosofia pode passar sem prestar atengdio as mudancas nas nossas idéias da mundo fisica que os homens da cigncia acredita- ram necessério introduair: pode-se dizer, com razio, que todas as filosofias tradicionais serio descartadas, e que teremos de comecar de nove com o menor respeito possivel pelos sistemas do passado. Nosso tempo penetrou mais profundamente na natureza das coi- sas como nenhum outro, ¢ seria inadequadamente modesto sobres- timar o que ainda pode-se aprender com metafisicos dos séculos XVII, XVIII ¢ XIX.” “alas skiueged foi publica em portususs sob o titulo Quem & John Gait? (Rio de Je acito, Exped, 1987). (N.T) 12 Avirtude do egoisme ca E_J. Bronowski, 0 sdbio autor de A ascensdo do homem, advertiu em 1973: “© conhecimento é uma responsabilidade pela integridade do que somos, primordialmente come criaturas éticas. E nao podemos manier essa integridade se deixamos que os de- mais dirijam o mundo por nds, enguanto nos dedicamos a viver com base numa moral vinda de crengas passadas. Daqui a cinqtien- ta anos, se 0 conhecimento da origem do homem, sua evolucao historica € seu progresso, nao for lugar comum nos livros-texto, entio no existiremos mais.”” A seguir, como breve biografia de Ayn Rand, estd transerito parte de meu artigo Ayn Rand ¢ a Filosofia da Razdo, que, co- mo uma homenagem e coincidéncia com o primeito aniversério de sua morte, foi publicade em 6 de marco de 1983 no jornal La Prensa, de Buenos Aires. A sra. Ayn Rand nasceu em 2 de fevereiro de 1905, em Sio Petersburgo, hoje Leningrado, no seio de uma familia judia de clas- se média, Graduou-se na Universidade em 1924 enquanto enfrenta- ‘ya 0s horrores da revolucio comunista. Em 1926 consegniu emigrar para os Estados Unidos, dirigin- do-se a Hollywood para trabalhar como extra de cliema e ajudan- te de roteitista. Ao longo da década de trinta, iniciou sua carreira de roteiris- ta para a Universal, Paramount e MGM. Também redigi seu pri- meiro romance We the living — uma obra comovedora, ambienta- da na Rissia, sobre ss condigées de vida dos habitantes submeti- dos a um sistema de governo totalitirio, Sobre esta obra diria: no é um romance sobre 4 Riissia Sovittica. I um romance sobre © individuo contra o Estado. O tema bisica é a sacralidade da ve da humana, no no sentido mistico, mas sim no de “valor supre- mo”. Durante o governo de Mussolini foi filmada uma versio pi- rata desse romance — protagonizada por Alida Valli e Rossano Brassi —-, a qual foi seqiiestrada peto proprio governo fascista que havia autorizado a filmagem, ao se dar conta de que a obra néo apontava contra uma ditadura em particular, mas sim contra to- das elas em geral. We the living, entretanto, a0 ser publicada em 1934, foi des- trocada pela critica literdria da época — jd entiio substanctalmen- te invadida pela intelectualidade esquerdista — ¢ teve que esperar | | Prefacie & edigdo argentine 19 até 1966, quando a primeira reimpressio alcancou 400.000 edpias, Floje ew dia a obra ja vendeu milhdes de exemplares e foi traduzi- da para os principais idiomas. Pouco antes de publicar We the living Ayn Rand apresentou a sua primeira obra teatral — Noite de 16 de janeiro —, que se converteu emt um dos clissicos do teatre norte-americano. Em 1938 ela publicou —- na Inglaterra — o romance Anthem, sobre uma sociedade que proibiu o uso da palavra “eu”, trocan- do-a por “nds”, e a longa e penosa luta de um homem psra redes- cobri-la. Em 1943 velo & luz The fountainhead — outra obra que atin- giu cifras milionérias de vendas em todo o mundo —, uma epo- péia de um arquiteto que faz voar para os ares sua propria criagdo ao descobrir que 0 seu. desenho fora adulterado. Essa obra foi le- vada para as telas do cinema através da interpretagao de Gary Co- oper ¢ Patricia Neal. Sua principal obra foi publicada quatorze anos depois. Atlas shrugged & um dos clissicos da literatura norte-americana, haven- do j4 amplamente superado os 10 milhdes de exemplares na versio de iingua inglesa, A partir desse momento, e devido ao extraordi- nario interesse que despertaram suas idéias, principalmente entre 0s jovens universitérios, Ayn Rand se dedicou — com 0 apoio de colaboradores como Nathaniel Branden, Robert Hessen e Leonard Peikoff -- a popularizar sua filosofia através de livros, revistas ¢ conteréncias em universidades, etc. A Sra. Rand morreu na cidade de Nova lorque, em 6 de mar- go de 1982, Manfred F. Schieder AZREEADELEEEEERUSAEDEUELLLL SAU EEEEATEUEEAEELELLELUEELEELITA INTRODUCAO © titulo deste livro pode despertar o tipo de pergunta que ouce de vez em quando: “Por que voce utiliza a palavra ‘cgois- mo’ para denotar qualidades virtuosas de caréter, quando esta pa- lavra cria antagonismo entre tantas pessoas para quem cla nao sig- nifica o mesmo que para voce?” Para aqueles que fazer esta pergunta, minha resposta é “Pe- a razio que faz vocé ter medo dela.” ‘Mas ha outros que ndo fariam esta pergunta, sentindo a co- vardia moral que a mesma acarreta, e que silo, contudo, incapa- zes de formular minha razo real ou identiffear a profunda ques- 180 moral envolvida. Para eles é que darei uma resposta mais explicita. ‘Nao é uma mera questo semantica, nem um problema de es- colha arbitrétia, O significado atribuido pelo uso popular @ pala- vra “egoismo” nao estd, simplesmente, errado: representa uma te- niversacdo intelectual devastadora que é responsdvel, mais do que qualquer outro fator, pelo restrito desenvolvimento moral da humanidade. ‘No uso popular, a palavra “egoismo”’ é um sindnimo de mal- dade; a imagem que invoca é de um brutamontes homicida que pisa sobre pilhas de cadéveres para alcangar seu proprio objetivo, que ndo se importa com nenhum ser vivo ¢ persegue apenas a re- ‘compensa de caprichos inconseqitentes do momento imediato. Porém, significado exato e a definicdo do diciondrio para apalavra “egoismo” é: preocupacdo com nossos préprios interesses, Este conceito nio inclui avalingao moral; nao nos diz se a pre ocupagio com os nossos préprios interesses € hoa ou md; nem nos diz 0 que constifuem os interesses reais do komem, E tarefa da ética responder a tais questées, a 14 Intwodestio 15 cnc. A ética do altruismo criou a imagem do brutamontes, como sua fesposta, a fim de fazer os homens aceitarem dois prineipios desumanos: (a) que qualquer preocupacao com nossos préprios in- ieresses é nociva, ndo importando o que estes interesses possam representar, e (b) que as atividades do bratamontes so, na ver- dade, a favor dos nossos préprios interesses (que o altruismo im- pée a0 homem renunciar pelo bem se seus vizinhos). Para uma visdo da natureza do aitruismo, suas conseqiiéncias ea enormidade de corrupgdo moral que perpetra, recomendo a lei- tura de minha obra Adias shrugged ~— ow a qualquer uma das man- chetes dos jornais de hoje. © que nos preocupa aqui ¢ a omissiio Go altruismo no campo da teoria da ética. Hi dois questionamentos morais que o altruismo reine den- zo de um tinico “pacote’: (1) © que,siio valores? (2) Quem deve set 0 beneficidrio dos valores? © altruismo substitui 0 primeiro pelo segundo; ele foge da tarefa de definir um eddigo de valores morais, deixando 0 homem, assim, na verdade, sem diretriz moral. ‘O altrufsmo declara que qualquer aco praticada em beneficio dos outros boa, e qualquer agao praticada em nosso préprio be- eficio € ma, Assim, o henefieidrio de uma ago € o nico critério de valor moral — ¢ contanto que o beneficidrio seja qualquer um, salvo nés mestnos, tudo passa a ser valido. Daf a imoralidade assustadora, a injustica cronica, os grotes- cos padres duplos, os conflitos e as contradicées insohiveis que tém caracterizado os relacionamentos humanos ¢ as sociedades hu- manas através da historia, sob todas as variantes da ética altrufsta, ‘Observe a indecéneia do que se consideram julgamentos mo- rais atualmente, Um industrial que produz uma fortuna e um gan; ster que rouba um banco sio considerados igualmente imorais, ja que ambos procuraram fortuna para 0 seu proprio beneficio “ego- fsta", Um jovem que desiste de sua carreira para sustentar seus ‘pais € nunca sobe além do posto de empregado de mercearia ¢ con- siderado moralmente superior aquele que suporta uma luta dificil ¢ conquista sia ambicdo pessoal. Um ditador ¢ considerado mo- ral, desde que as indescritiveis atrocidades cometidas tenham tido a intenc&o de beneficiar *“o povo”, nfo a ele mesmo. Observe 0 que este critério morai, que considera apenas o be- neficitio, faz 4 vida de um homem, A primeira coisa que ele apren- 16 Avirtude do agoismo we de é que a moralidade ¢ sua inimiga: no ganha nada com ela, apenas perde; tudo o que ele pode esperar so perdas auto-impos- tas, dores auto-impostas ¢ 0 manto cinzento e deprimente de uma obrigaco incompreensivel. Ble pode esperar que os outros pos- sam, ocasionalmente, sacrificar-se em seu beneficio, assim como ele se sacrifica de mé vontade, em beneficio deles, mas ele sabe que tal relacionamento 56 produziré ressentimentos muituos, nao prazet — e que, moralmente, esta busca de valores serd como uma troca de presentes de Natal nao desejados ¢ niio escolhidos que nenhum deles se permite, moralmente, comprar para si mes- mo, Exceto nos momentos em que conseguir realizar algum ato de auto-sacrificio, ele carecerd, como pessoa, de qualquer significa- do moral: a moralidade ndo toma conhecimento dele ¢ ndo tem nada a dizer-lhe como orientag3o nas questdes cruciais de sua vi- da; esta € somente sua vida pessoal, privada, “egoista”” ¢, como tal, € considerada, ou maléfica ou, na melhor das hipoteses, amoral, Dado que a natureza néo prové o homem com uma forma automiatica de sobrevivencia, dado que ele tem de sustentar sua vida através de seu propria esforgo, a doutrina que diz que a pre- ‘ocupacao com nassos proprios interesses € nociva significa, conse- qiontemente, que 0 desejo de viver do homem é nocivo — que a vida do homem, como tal, é nociva. Nenhuma doutrina poderia ser mais nociva do que esta. Todavia, este € 0 significado de altruismo, implicito nestes exem-~ plos que igualam um industrial a um ladrao. Ha uma diferenga moral fundamental entre um homem que vé seu auto-interesse na produgdo ¢ um outro que o vé no roubo, A maldade de um la- rao milo repousa no fato de que ele persegue seus proprios interes- ses, mas no que ele considera como sendo seu proprio interesse; ndio no fato de que ele busca seus vaiores, mas no que ele escolheu para valorizar; naio no fato de que cle deseja viver, mas no fato de ele querer viver num nivel sub-humano. (Veja A ética Objetivista.) Se for verdade que o que quero dizer com “egoismo” néo & ‘© que significa convencionalmente, entdo esta € uma das piores acusacées que se pode fazer contra o altrufsmo: significa que o al- truismo nao permite conceito algum sobre um homem que se au- to-respeita e & independente economicamente — um homem que sustenta sua vida através de seu préprio esforco e nem se sacrifi- Introduséo 17 ca pelos outros nem sacrifica os outros por si. Isto significa que © altruismo nao permite outra visio dos homens, que ndo seja a de animais para sacrificio ¢ beneficiérios-do-sactificio alheio, co- mo vitimas ¢ parasitas — que ndo permite 0 conceito de uma coe- xist@ncia benevolente entre os homens — que néio permite 0 con- ceito de justign, i Se vocé se pergunta quais so as razdes por tras da feia mistu- ta de cinismo ¢ culpa na qual a maioria dos homens desperdica suas Vidas, estas so as razdes: cinismo, porque eles ndo praticam nem aceitam a moralidade altruista — cnlpa, porque eles no se atrevem 2 rejeité-la. Para rebelar-se contra um mal tao devastador, € preciso rebe- lar-se contra sua premissa basica, Para redimir ambos, o homem € 2 moralidade, & 0 conceito de “egoismo”” que se tem de redimir, O primeira passo é defender o direito do homem a uma exis- téncia moral racional — que é reconhecer sua necessidade de um cédigo moral para guiar o rumo e a realizagio de sua propria vida. Para um breve esboco da natureza e da validade de uma mo- ralidade racional, vela minha palestra sobre A ética Objetivista, gue segue. As razdes pelas quais o homem precisa de um eddigo moral dirdo a voc’ que © propésito da moralidade é definir 0s in- teresses ¢ valores adequados ao homem, que @ preoeupacio por seus préprins interesses ¢ a esséncia de uma existéncia moral, © que o homem deve ser 0 beneficidrio de seus préprios atos morais. Dado que todos os valores tém de ser ganhos e/ou mantidos pelas ages do homem, qualquer brecha entre o ator ¢ o benelicia- tio implica uma injustiga: o sacrificio de alguns homens em favor de outros, dos que ages em favor dos que nao agem, dos que tém moral em favor dos imorais. Nada poderia jamais justificar tal brecha, ¢ ninguém nunca o fez. A escolha do beneficidrio dos valores morais ¢ meramente uma questo preliminar e introdutéria no campo da moralidade. Nao € um substituto para a moralidade, nem um critério de valor moral, como é apresentado pelo altruismo. Nem é tampouco um fundamento moral: ela tem de ser derivada de e validada pelas pre- missas fundamentais de um sistema moral. A ética Objetivista sustenta que o ator deve ser sempre 0 be- neficiario de sua agdo, e que o homem deve agir para seu proprio 18 A virtude do egolime ow auto-interesse racional, Mas seu direito de fazer tal coisa ¢ deriva- do de sua natureza como homem e da funeao dos valores morais na Vida humana — ¢, por conseguinte, ¢ aplicavel somente no can- texto de um cédigo de prineipios morais racional, objetivamente demonstrado ¢ validado, que defina e determine seu real auto-ime- esse. Nao é uma licenca “para fazer o que Ihe agrada”, endo é aplicivel a imagem altruista de um brutamontes “egoista”, nem a qualquer homem motivado por emogées, sentimentos, impulsos, desejos ou caprichos irracionais. Isto é dito como uma adverténcia contra o tipo de “egofstas nietzschnianos”” que, de fato, so um produto da moralidade al- truista e representam 0 outro lado da moeda altrufsta: os homens que acreditam que qualquer ato, ndo importando sua natureza, € bom, se pretendido em beneficio proprio. Do mesmo modo que a satisfacde dos desejos irracionais dos demais ndo € um critério de valor moral, ndo 0 é também a satisfago de nossos proprios desejos irracionais. A moratidade nao ¢ um concurso de caprichos. (Veja artigos de Branden, Individualismo falsifiendo e Néo somos todos egoistas?, que seguem.} Um tipo de erro similar é cometido pelo individuo que decla- ra que, j4 que o homem deve ser guiado por seu préprio julgamen- to independente, quaiquer ato que ele escolha realizar é moral, contanto que ele o faca, Nosso proprio julgamento independente €0 meio pelo quai nds devemos escolher nossos atos, mas no € um critério, nem uma justificativa moral: somente a referéncia a um principio demonstravel pode validar nossas escollias. Assim como o homem nao pode sobreviver por quaisquer meios alestérios, mas deve descobrir e praticar os principios que sua sobrevivéncia requer, assim tampouco pode 0 auto-imeresse do homem set determinado por desejos cegos ou caprichos arbitra- rigs, mas tem de ser descoberto e conquistado sob a diretriz de prinefpios racionais. F por isso que a ética Objetivista é uma mora- lidade de auto-interesse racional — ou de egoismo racional. Dado que o egoismo é “‘preocupagio com nossos préprios in- teresses", a ética Objetivista utiliza este conceito no seu sentido mais puro ¢ exato. Nao € um conceito de que se possa render-se gs inimigos do homem, nem aos falsos conceitos, distorgdes, pre- conceitos e medo dos ignorantes ¢ dos irracionais. O ataque ao “e- Introducéo 19 goismo” € um ataque & auto-estima do homem; render um é render o outro. Agora unta palavra sobre o material deste livro. Com exeegiio da conferéncia sobre étiea, trata-se de uma colegdo de ensaids pu- blicados em The Objectivist Newsletter, am periédico mensal de idéias, editado e publicado por Nathaniel Branden ¢ cu. Este bole- tim trata da aplicacdo da filosofia do Objetivismo as questoes problemas da cultura atual — mais especificamente com aquele nivel intermedidrio de interesse intelectual que repousa entre as abstracdes filoséficas e as idéias jornalisticas concretas do dia-a- dia. Seu objetivo é prover os leitores com um marco de referéncia filosofica consistente, Esta colegdo ndo é um tratado sistemdtico de ética, mas uma série de ensaios sobre aqueles temas éticos que precisavam de escla- recimento, no contexto atual, ou que tinham se tornado confusos pela influéncia do altrufsmo. Voeé pode observar que os titalos de alguns ensaios esto na forma de pergunta, Estes vém de nos- so “Departamenta de Munigao Intelectual’’, que responde as per- gunias enviadas pelos nossos leitores. Ayn Rand (Nova Torque, setembro de 1964) P.S. Nathaniel Branden nao é mais ligado a mim, a minha filo- sofia ou ao The Objectivist (antigamente The Objectivist Newsletter). (ova Lorque, novembro de 1970) RELEEEYADUELENERUQUGEALTLEIIEEAEITEE LE YLEAELEATLELEXEIZIAELEZE AETICA OBJETIVISTA Ayn Rand J4 que vou falar sobre a ética Objetivista, posso comegar citando seu melhor representante — John Galt, em Alas shrugged: “Durante séculos de flageios ¢ desastres ocasionados pelo seu cédigo de moralidade, voces gritaram que seu cédigo foi quebra- do, que os tormentos eram punigdes por ndo havé-lo respeitado, que os homens eram fracos ¢ egoistas demais para derramar todo © sangue exigido. Vocés amaldigoaram 0 homem, amaldicoaram a existéncia, amaldigoaram esta terra, mas nunca se atreverara a questionar seu codigo... Vocés continuaram clamando que o seu cédigo era nobre, mas a natureza humana no era boa o suficien- te para pratica-lo. E ninguém se levantou para perguntar: bom? = por qual critério? ‘Vocés queriam saber a identidade de John Galt. Eu sou 0 bo- mem que fez aquela pergunta. Sim, esta & uma era de crise moral... Sen cédigo moral alean- cou seu climax, um beco sem saida ao final do seu trajeto. E se voo8 deseja continuar vivendo, o que precisa agora no é retornar & moralidade... mas descobri.ta.”! © que é moralidade, ou ética? E um eéddigo de yalores gue orienta as escolhas e as agGes do homem — escolhas ages estas que determinam propésito ¢ o rumo de sua vida. A ética, co- mio ciéncia, trata da descoberta ¢ da definigdo deste cédigo. A primeira pergunta que deve ser respondida, como uma con- dicdo prévia de qualquer tentativa para definir, para julgar ou pa- ra aceitar qualquer sistema especifico de ética, é por que o homem 20 A ética Objetiviste 21 precisa de um cédigo:de valores? Deixe-me ressaltar isto. A primeira pergunta nao é que od digo especifico de valores o homem deve aceitar? A primeira per~ gunta & 0 homem precisa de valores, afinal — ¢ por qué? * Serd 0 conceito de valor, de ‘Bem ou Mal", uma invencdo humana arbitraria, ndo relacionada, nao derivada, e no sustenta- da por nenhum fato da realidade — ou esta ele baseado num fa- to metafisico, uma condicao inalterdvel da existéncia do homem? (Urilizo a palavra “‘metafisica’” significando: aquilo que diz respei- to A realidade, & natureza das coisas, a existéncia.) E decreto de uma converico humana arbitréria, de um mero costume, que 0 homem deve orientar seus atos por um conjunto de prinefpios — ou existe um fato da realidade que exige isto? A ética ¢ o territé- rio dos eaprichos: das emocdes pessoais, convengdes sociais e reve- lagdes misticas — ou é 0 tertitério da razio? A ética € um Inxo subjetivo — ou uma necessidade objetiva? No triste registro da histéria da ética da humanidade — com pouucas, raras e malogradas excegdes — os moralistas tém conside- rado a ética como wm territério dos caprichos, isto : do irracio- nal. Alguns deles o fizeram explicitamente de propésito — outros implicitamente, por omissdo. Um **capricho"” ¢ um desejo experi- mentado por uma pessoa que ndo sabe ¢ no se importa em desco- brit sua causa. Nenhum filésofo deu uma resposta racional, objetivamente demonstrével e cientifica, & pergunta do porqué do homem preci- sar de um cddigo de valores. Enquanto esta pergunta permaneceu inrespondida, nenhum cédigo de ética objetivo, racional e cientifi- co pode ser descoberto ou definide. © maior de todos 0s filéso- fos, Aristételes, ndo considerava a ética como uma ciéncia exata; ele baseou seu sistema ético em observacdes a respeito do que os homens sdbios e nobres de seu tempo escothiam para fazer, deixan- do sem resposta as perguntas: por que eles escoihiam fazé-lo, ¢ por que ele os considerou nobres e sabios. ‘A maioria dos fildsofos consideravam a existéncia da ética co- mo certa, como um dado, como um fato histérico, ¢ no estavam interessados em descobrir sua causa metafisica ou sua validacdo objetiva. Muites deles tentaram quebrar 0 monopélio tradicional do misticismo no campo da ética para, supostamente, defini uma moratidade racional, cientifica e nfio-religiosa. Mas suas tentativas consistiram em aceitar as doutrinas éticas dos misticos tratando de justificd-las sob fundamentos sociais, meramente substituindo Deus por Sociedade. Os misticos declarados sustentavam a arbitraria e inexplicdvel “vontade de Deus" como o padre do bem ¢ como a validagao de sua ética. Os neomisticos substituiram-no por “a bem da socie- dade’, caindo assim na circularidade da definicdo de que “‘o crité- rio do bem é aquilo que € bom para a sociedade”. Isto significou, na idgica — e, hoje, na prdtica no mundo inteiro —, que a “‘socie- dade” mantém-se acima de quaisquer principios de ética, ja que ela ¢ a fonte, o padrao ¢ o critério de ética, j4 que “o bem’ & tu- do 0 que a sociedade deseja, tudo o que ela pode reclamar como sendo seu proprio bem-estar e prazer. Isto significou que a “socie~ dade” pode fazer o que ela quiser, j& que “Yo bem’ & tndo aqui- Jo que ela escolhe fazer simplesmente porque ela escolheu faz8-lo. F, jd que nao existe uma entidade tal como a “‘sociedade”, ja que a sociedade é apenas um numero de individuos — isto significon gue alguns homens (@ maioria ou qualquer gangue que reclame ser seu porta-voz) esto eticamente autorizados a perseguit quais- quer caprichos (ou quaisquer atrocidades) que desejem perseguir, enquanto outros homens estéo eticamente obrigados a passar suas vidas a servigo dos desejos desta gangue. Isto dificilmente poderia ser chamado de racional, no entan- to a maioria dos fildsofos decidiu agora declarar que a razdo fa- Shou, que a ética esté fora do poder da razAo, que no hé ética ra- cional que possa ser definida, e que no campo da ética — na esco- Iha de seus valotes, de suas ages, de suas ocupagdes, das metas de sua vida — 0 homem deve ser guiado por algo mais do que a razao. Pelo qué? Fé — instinto — intuigdo — revelacdo — senti- mento — gosto — impeto — desejo — eapricho. Hoje, como no passado, a maioria dos filésofos concordam que o padrdo titimo da ética € 0 eapricho (eles 0 chamam de “postulado arbitrério” ou “escotha subjetiva””, ou ainda ‘“compromisso emocional””) — ea batalha apenas sobre a questo: o capricho de quem 7: seu proprio ou da sociedade ou do ditador ou de Deus, Mesmo discor- dando entre si sobre outros temas, os moralistas atuais concordam que a ética € uma questao subjetiva ¢ que as trés coisas proibidas scecag Adtica Objetivista 23 ao seu campo so: razdo — consciéncia — realidade Se vooe se perguntar por que o mundo hoje esta afundando em um inferno cada vez mais profundo, esta serd a razzo. Esta ¢ a premissa da ética moderna ~- ¢ de toda a bistéria da ética — que deve desatiar, se voc® quer salvar a civilizagio. Para desafiar a premissa basica de qualquer disciplina, deve- mos comecar pelo inicio. Na ética, deve-se comegar perguntando: © que séo valores? Por que ¢ homem necessita valores? “Valor” é tudo aquilo pelo qual alguém age para conseguir ¢/ou manter. O conceito de “valor” nao é um conceite primédrio; ele pressupde uma resposta A pergunta: de valor para quem ¢ pa- rao qué? Ele pressupde uma entidade capaz de atuar para atingir um objetivo frente a uma alternativa. Onde nao existem alternati- vas, nao sio possiveis nem objetivos ener valores. Cito do discurso de Galt: “Hd apenas uma alternativa funda- mental no universo: existéneia ou ndo-existéncia — e ela pertence a.uma tinica classe de entidades: a dos organismos vivos. A existén- cia de matéria inanimada é incondicional, a da vida no: depende de um curso especifico de aco. A matéria é indestrutivel, ela mu- da suas formas, thas no pode parar de existir. Somente um orga- nismo vivo enfrenta uma alternativa constante: a questo da vida ou morte. A vida é um processo de ado auto-gerada e auto-susten- tada. Se um organismo falha nesta apo, ele motre; seus elemen- tos quimicos permanecem, mas sua vida cessa de existir. E somen- te 0 conceito de ‘Vida’ que faz 9 conceito de ‘Valor’ possivel. E apenas para uma entidade viva que as coisas podem ser boas ou ms.”” Para tornar este ponto totalmente claro, tente imaginar um rob6 indestrutivel, imortal, uma entidade que se move ¢ age, mas que no pode ser afetada por nada, que néio pode ser mudada em qualquer aspecto, que ndo pode ser danificada, machucada ou destruida. Tal entidade néo seria capaz, de ter quaisquer valores; ndo teria nada para ganhar ou para perder; ela nao poderia consi- derar nada come sendo a seu favor ou contra, servincdo ox amea- gando seu bem-estar, preenchendo ou frustrando seus interesses. Ela ndo poderia ter nenhum interesse ou objetivos. ‘Apenas uma entidade viva pode ter objetivos ou origind-los, E somente um organismo vivo tem capacidade para realizar agdes auto-geradas ¢ dirigidas a um objetivo. Ao nivel fisico, as fungSes 24 Avirwde de egatsme eke rennet de todos 05 organismos vivos, do mais simples a0 mais complexo ~ da funcao nutritiva na célula unica de uma amebe & circulagdo do sangue no corpo de um homer —, sao ages geradas pelo pro- prio organismo e dirigidas a um tinico objetivo: a conservagao da vida do organismo.? A vida de um organismo depende de dois fatores: o material ou combustivel que ele necessita do lado de fora, do seu meio am- hiente fisico, © a acao de seu proprio corpo, de utilizar este com- bustivel apropriadamente. Qual € 0 critério que determina o que é apropriado neste contexto? 0 critério € a vida do organismo, ‘ou: aquilo que ¢ exigido para a sobrevivencia do organismo, O organismo nao possui nenhuma opedo nesta questo: acui- Jo exigido para sua sobrevivéncia ¢ determinado pela sua nature- za, pelo tipo de entidade que & Muitas variagdes, muitas formas de adaptagdo ao meio ambiente so possiveis a um organismo, in- cluindo a possibilidade de existir durante um tempo numa condi- 0 de incapacidade, de mutilacao ou doenga, mas a alternativa fundamental de sua existéncia permanece a mesma: se um organis- mo falha nas tungdes basicas exigidas por sua natureza — se 0 protoplasma de uma ameba cessa de assimnilar comida, ou se 0 co- racio de um homem péra de bater —, ele morre. Num sentido fundamental, a néo-agio ¢ a antitese da vida. A vida pode ser mantida na existéncia apenas por um proceso constante de ago de auto-sustentacao. O objetivo desta ago, 0 valor supremo que, para ser mantido, deve ser ganho através de cada um de seus mo- mentos, é a vida do organismo, Um valor supremo é aqueie abjetivo final para o qual todos 08 objetivos menores so meios — ele estabelece 0 critério pelo qual todos os objetivas menores séo valorados. A vida de um or- ganismo € 0 scu padrio de valor: aquilo que promove sua vida é © bem, aquilo que a ameaca é 0 mal. Sem um objetivo ultimo ou fim, nao pode haver objetivos ‘ou meios menores: uma série de meios que avangam em uma pro- gressio infinita aa direco de um fim inexistente é uma impossibi- lidade meiafisica ¢ epistemoldgica. E somente um objetivo tiltimo, um fim em si mesmo, que faz possivel a existéncia de valores. Me- tafisicamente, a vida é 0 tinico fendmeno que é um fim em si mes- mo: um valor ganho e mantido por um processo constante de Aética Objetivista 25 aio. Epistemologicamente, 9 conceit de “valor” & genetivamen- te dependente ¢ derivado do conceito antecedente de “vida”, Fa- lar de ““valor”” separadamente de “‘vida’’ é pior do que uma con- tradigo em termos, ““E somente 0 conceito de ‘Vida’ que toma possivel @ conceito de “Valoc’. Em resposta aqueles fildsofos que argumentam que nenhu- ma relagdo pode set estabelecida entre os fins ou valores iltimos ¢ os fatos da realidade, deixe-me ressaltar que o fate de entidades vivas existirem e fancionarem necessita a existéncia de valores ¢ de um valor tiltimo, que para qualquer entidade viva é sua propria vida. Consegiientemente, a validacio dos julgamentos de valores deve ser obtida baseando-se nos fatos da realidade, O fato de que uma entidade viva , determina 0 que ela deve fazer, Isto é 0 sufi- ciente no que se reftere & questo da relacdo entre o “ser” €0 “‘dever””. Agora, de que mancira um ser humano descobre o conccito de “valor”? Por quais meios ele se torna pela primeira vez, cons- ciente da questo do “bem ¢ de mat” na sua forma mais simples? Mediante as sensac6es fisicas de prazer ou dor. Assim como as sen- sages so 0 primeiro passo no desenvolvimento de uma conscién- cia humana no terreno da cognigio, assim também o sfio no terre- no da valoragiio. 7 A capacidade de experimentar prazer ou dor inata no cor- po do ser humano; é parte de sua natureza, parte do tipo de enti- dade que ele &, Ele nao tem escolha a este respeito, assim como ‘tampouco tem escolha sobre o critério que determina 0 que o fa- 1 experimentar a sensagdo fisica de prazer ou dor. Que eritério é este? Sua vida, “© mecanismo prazet-dor no corpo de um homem — e nos corpos de todos 03 organisms vivos que possuem a faculdade da consciéncia — serve como um guardiio automatico da vida do or- anism. A sensacdo fisica de prazer € um sinal indicando que 0 organismo esta perseguinda o curso certo de ago. A sensagio fisi- ca de dor ¢ um aviso de perigo, indicando que o organismo esta perseguindo o curso errado de acdo, que algo esta interferindo na fungio adequada do seu corpo, o que requer uma acdo corretiva. ‘A melhor ilustrago disto pode ser vista nos raros ¢ monstruosos casos de criancas que nascem sem a capacidade de experimentar dor fisica; tais criancas ndo sobrevivem por muito tempo; elas ndo 26 Avirtude de egaismo wake tam meios de descobtir o que pode feri-las, nenhum sinal de adver- tncia, e, conseqiientemente, um corte insignificante pode desen- volver-se numa infecgdo mortal, ou uma doenga grave pade perma- necer sem ser detectada até ser tarde demais para combaté-la A consciéncia ~~ para aqueles organismos vivas que a pos- suem —~ € 0 meio basico de sobrevivencia, Os organismos mais simples, como as plantam, podem sobre: viver por meio de suas fungoes fisicas automaticas, Os organismos superiores, como os animais ¢ o homem, nao: suas necessidades sio mais complexas, ¢ 0 seu raia de acao € mais amplo. As fun- ses fisicas de seus corpos podem executar, automaticamente, so- mente a tarefa de utilizar 0 combustivel, mas néo podem obter es- te combustivel. Para obté-lo, os organismos superiores precisam da faculdade da consciéncia. Uma plania pode obter sua comida do solo no qual ela cresce. Um animal tem que cacd-la. O homem tem que produzi-la. Uma planta nao tem escolha de aco; 0s objetives que ela persegue sao automiaticos ¢ inatos, determinados por stia nature- za, Nutricéo, agua, luz solar sao valores que sua natureza determi- nou que procurasse. Sua vida € o critério de valor dirigindo seus atos, Existem alternativas nas condigdes que encontra ci seu meio ambiente fisico — como calor ou frio, seca ou enchente —, ¢ ha certas agdes que é capaz de executar para combater condisdes ad- versas, como a habilidade de algumas plantas de crescerem ¢ raste- Jarem por debaixo de uma pedra até aleangarem a luz solar. Mas sejam quais forem as condicdes, nao fa alternativa na funcdo de uma planta: ela age automaticamente para promover sua vida, cla nao pode agir para sua propria destruicao. A complexidade de agdes requeridas para a sobrevivéncia dos organismos superiores é mais ampla: ela é proporcional & comple- xidade de sua conseiéneis. As espécies conscientes inferiores pos- suem somenie a faculdade da sensaco, suficiente para direcionar suas ag6es © abastecer suas necessidades. Uma sensacao é produzi- da pola reac automatica de um éraao do sentido a um estimulo proveniente do mundo exterior; ela dura pela extensiio do momen- to imediato, contanto que o estimulo permanega, e nia mais do ue isso. AS sensagdes so uma resposta automitica, uma forma automatica de conhecimento que uma consciéneia nao pode procu- pe SB ee vis Bae, a | nance onotine a rar, nem da qual se evadir, Um organismo que possui apenas a fa- culdade da sensaco ¢ orientado pelo mecanismo prazer-dor de seu corpo, ou seja: através de um conhecimento automatico e um co- digo de valores automitico. Sua vida é o critério de valor qué diri- ge seus atos. Dentro da gama de acdes que The so possiveis, ele age austornaticamente para promover sua vida e nao pode agir pa- ra sua propria destruicao, a Os organismos superiores possuem uma forma muito mais potente de consciéneia: a faculdade de reter as sensacdes, que é a percepedio. Uma faculdade da “percepeao”” é-um grupo de sensa- Ges automaticamente retidas e integradas pele cérebro de um or- ganismo vivo, que Ihe confere a habilidade de ser consciente, nao de estimnlos isolados, mas de entidades, de coisas. Um animal nao & guiado meramente por sensagdes imediatas, mas por percepsies. Suas agdes nfo sdo respostas isoladas ¢ separadas a estimulos isola- dos ¢ separados, mas sim dirigidas por uma consciéncia integrada da realidade pereeptual com que se confronta. Ele é capaz de com- preender a realidade perceptual do presente imediato € € capaz de formar associagdes perceptuais automaticas, mas ele nao pode ir mais adiante, Ele é capaz de aprender certas habilidades para lidar com situagdes especificas, como cagar ou esconder-se, que os pais, dos animais superiores ensinam a seus filhotes. Mas um animal no tem escolha sobre o conhecimento ¢ as habilidades que adqui- re; ele pode apenas repeti-los geracdo apés geracéo. Um animal tampouco nao tem escolha no critério de valor que dirige seus aos: seus sentidos o provém com um cédigo de valores automiti- co, um conhecimento automético do que ¢ bom ou mau para si, ‘© que beneficia ou compromete sua vida. Um animal nfo tem 0 poder-de ampliar seu conhecimento ou evadir-se deie. Nas situa- ges em que seu conhecimento ¢ inadequado, ele perece — como, por éxemplo, um animal gue fica paralisado nos trithos de uma ferrovia no caminho de um trem em alta velocidade, Mas contan- to que viva, um animal age segundo seus conhecimentos, com se- guranga automatica e sem poder de escolha: ele nao pode suspen- der sua propria conscigncia — ele no pode escolher no perceber — dle niio pode evadir-se de suas préprias percepedes — ele nio pode ignorar seu proprio bem, ele ndo pode decidir escolher 0 mal ¢ agir como seu préprio destruidor. 28 A virtude de ogoisma © homem ndo tem um cédigo automitico de sobrevivéncia. Ele nfo possui um curso automdtico de ago, nem um conjunto automético de valores. Seus sentidos ndo the dizem automatica- mente o que é bom ou 0 que é mau para si, o que beneficiard sua vida ou o que a pord em perigo, que objetivos ele pode perseguir ¢ com que mejos ele paderd alcangé-los, quais so os valores de que sua vida depende, que curso de acdo esta requer. Sua propria conscigncia tem de descobrir as respostas a estas perguntas — mas sua consciéncia no funciona antomaticamente. O homem, a mais elevada espécie viva sobre a Terra —- © ser cuja consciéncia tem uma capacidade ilimitada de adquiric conhecimento —, é a dinica entidade viva que nasce sem nenhuma garantia de sequer permane- cer consciente. O que distingue particularmente o homem de todas as outras espécies vivas € 0 fato de que sua consciéncia € volitiva, Assim como os valores automdticos que dirigem as fungdes . de uma planta sio suficientes para a sua sobrevivencia, mas ndo © so para a de um animal — também os valores automaticos pro- vidos pelo mecanismo sensorial-perceptual de sua consciéncia so suficientes para guiar um animal, mas ndo o silo para o homem, As ages e a sobrevivéncia do homem requerem a diretriz de valo- Fes conceituais obtidos de um conhecimento conceitual. Mas 0 co- hecimento conceitual nao pode ser adquirido automaticamente. Um “‘conceifo”” € uma integraco mental de duas ou mais re- alidades perceptuais que siio isoladas por um processo de abstra- gio © unidas por meio de uma definigdio especifica. Cada palavra da linguagem do ser humano, com a excecdio dos nomes proprios, denota um conceite, uma abstragdo que representa um mimero ili- mitado de realidades perceptuais de um tipo especifico. E através da organizacéo de seu material perceptual em conceitos, ¢ de seus conceitos em conceitos mais e mais amuplos, que o homem é capaz de compreender ¢ reter, identificar ¢ integrar uma quantidade ili- mitada de conhecimento, um conhecimento que se estende para além das percepgdes imediatas de quaiquer momento dado. Os ér- Gos do sentido do homem funcionam automaticamenta; 0 cérebro do homem integra as informagdes sensoriais em percepedes de ma- neira automética; mas © processo de integrar percepcdes em con- ceitos — 0 processo de abstragdo € de formacdo de conceitos — niio é automiatico. Adtlca Objerivista 29 tte © proceso de formagio de conceitos nlio consiste meramen- teem compreender algumas poucas e simples abstracdes, como ‘ca- deira”, “mesa”, “quente”, “frio”, eem aprender a falar. Ble con- siste em um método para usar a consciéncia, que se poderia me- Ihor designar com o termo ‘conceitualizacdo”, Este método no & um estado passivo de registrar impressdes a0 acaso. Ele é um. process ativamente sustentado de identificar nossas impressées em ternios conceitnais, de integrar cada evento ¢ cada abservacao em um contexto conceitual, de compreender relacionamentos, dife- rengas, similaridades em nosso material perceptual, e de abstrat- los em novos.conceitos, de tragar inferéncias, fazer dedugées, al- cancar conclusdes, fazer novas perguntas ¢ descobrir novas respos- tas ¢ ampliar nosso conhecimento em um total sempre-crescente, A faculdade que dirige este processo,:a faculdade que opera por meio de conceitas, 6 a raze. O processo se denomina pensar, ‘A razdo € a faculdade que identifica e integra o material pro- vido pelos sentidos do homem., Ela ¢ uma faculdade que o homem, tem de exercitar por escotha. Pensar ndo ¢ uma funcéio automati- ca, Em cada situacio ow momento de sua vida, o homem ¢ livce para pensar ou para evitar este esforco, Pensar requer um estado de consciéncia total focalizada. O ato de focalizar nossa conscién- cia é volitivo, O homem pode focalizar sua mente para obter uma consciéncia da realidade, total, ativa ¢ dirigida a um objetivo — ou ele pode desfocd-la ¢ entregar-se 4 deriva numa aturdida semi- conscigncia, meramente reagindo a qualquer estimulo casual do momento imediato, & mercé de seu mecanismo sensorial-percep- tual nflo-dirigido e de quaisquer conexdes aleatdrias ov por associa Ho que possa eventualmente fazer. Quando o homem desfocaliza sua mente, ele pode se dizer consciente num sentido subhumano da palavra, j4 que experimen- ta sensagdes ¢ percepgdes. Mas, no sentida da palavra aplicavel a0 ser humano ~- no sentido de uma consciéncia que esta ciente da realidade ¢ apta pasa lidar com ela, uma consciéneia capaz de Girigir as agdes ¢ prover a sobrevivéncia do ser humano —, uma mtente desfocalizada nao é consciente. Psicologicamente, a escotha de “pensar ou nao” ¢ a escotha de “focalizar ou nao’. Existencialmente, a escolha de ““focalizar ou no” € a escolha de “ser consciente ou ndo™, Metafisicamen- 30 Avinude de egoisme we te, aescotha de “ser consciente on nao” éa escolha de vida ou morte, A conscigncia — para aqueles organismos vivos que a pos- suem — ¢ 0 meio basico de sobrevivéncia. Para o homem, 0 meio Dbasico de sobrevivéncia € a razao. O homem nao pode sobreviver, como os animais o fazem, orientando-se através de meras percep” shes, Uma sensacio de fome the dird que precisa de comida (se ele aprenden a identificd-la como “fome"), mas ela nao the dir como obter sua comida, nem the dira qual alimento é bom ou ve- nenoso para si, © homem n&o pode suptir suas necessidades fisi- cas mais simples sem um processo de pensamento. Ele precisa de um processo de pensamento para descobrir como plantar e cult var sua comida ou como fazer armas para cagar. Suas percepgdes podem levé-lo a uma eaverna, se alguma estiver disponivel —- mas para construir o mais simples abrigo, ele precisa de um processo de pensamento, Nenhuma percepedo e nenhum “instinto’* lhe di- 14 como acender um fogo, como fecer um pano, como forjar fet- ramentas, como fazer uma roda, um avido, como executar wma apendicectomia, como produzir uma Impada elétsica ou uma val- vula eleirdnica ou um ciclotron ou uma caixa de fosforos. No en- tanto, sua vida depende de tal conhecimento — ¢ apenas um ato volitiva de sua conscitneia, um processo de pensamento, pode supri-lo. Mas a responsabilidade do homem vai ainda além: um proces. 80 de Pensamento nao é automatico, nem “instintivo”, nem inyo- luntério — nem infalivel. O homem deve inicid-lo, sustenté-lo ¢ assumir responsabilidade por seus resultados, Ele tem que discer- nir 0 que é verdadeiro ou falso ¢ descobrir como corrigir seus pré- prios erros; ele tem que descobrir como validar seus conceitos, suas conclusées, seu conhecimento; ele tem que descobrir as re~ gras do pensaments a isda pea, para digi seu pensamen- . A natureza nao the arantis aitik as to, A natnees garantia automética da efiedeia de seu Nada é dado ao homem na ‘Terra, exceto um potencial ¢ 0 material para realizdo. O potencial é uma maquina superlath sua conseiénicia; mas € uma médquina sem vela de ignicdo, uma maquina da qual sua prépria vontade tem de ser a vela de ignigtio; © auto-arranque, o motorista; ele tem que descobrir como utilizd- lac dle tem que manté-la em constante acdo. O material ¢ 0 todo do universo; sem limites postos no conhecimento que o homem A btica Objativine 3 et pode adquirir nem para 0 prazer da vida que ele pode alcangar, Mas tudo do que o homem precisa ou que deseja tem que ser apren- dido, descoberto e produzido por ele — por sua propria escotha, por seu prdprio esforgo, por sua prépria mente, . ‘Um ser que ndo sabe gulomaticamente 0 que ¢ verdadeiro ou falso, nao pode saber automaticamente 0 que é certo ou erra- do, 0 que & bom ov mau para si. No entanto ele precisa deste co- mhecimento para viver. Ele ndo esta isento das leis da realidade, ele ¢ um organismo especifico de uma natureza especifica que re quer agdes especificas para sustentar sta vida, Ele nao pode alcan- Gar sua sobrevivéncia por meios arbitrarios, nem por movimentos aleatdrios nem por impulsos cegos, nem por acaso, nem por capri- cho. Aquilo que sua sobrevivéncia exige € definido por sua nature za e nao est aberto & sua escolha. O.que esti aberto & sua esco- Iha & somente se ele 0 descobriré ou nfo, se escotherd os abjetivos ¢ valores cettos ou nao. Ele é livre para fazer uma escolha errada, mas ndo o é para ter éxito com uma escolha mal feita, Ele ¢ livre para fugir & realidade, para desfocalizar sua mente e cair cegamien- ie por qualquer estrada que The agrade, mas nao o € para evitar © precipicio que ele se recusa a ver, O conhecimento, para qual- ‘quer organismo consciente, € 0 seu meio de sobrevivéncia, para uma consciéacia viva, cada “€” implica um “deve””. © homem ¢ livre para escolher nao ser consciente, mas néo é livre para esea- par da penalidade da inconscigneia: @ destruigiio, © homem & a inica espécie viva que possui o poder de agix como sett proprio destruidor — ¢ este € 0 caminho pelo qual ele tem agido através da maior parte de sua historia. ‘Quais sao, ento, 0s objetives corretos para o homemi perse- auir? Quais so os valores que sua sobrevivéncia requer? Esta ¢ a pergunta a ser respondida pela ciéncia da étiea, E € por Isto, senho- ras e senhores, que o homem precisa de um codigo de ética. Agora voce pode avatiar 0 significado das doutsinas que dizer que a ética é 0 tertitério do irracional, que a razo ndo pode guiar ‘a vida do homem, que os seus objetivos e valores devem ser escolhi- dos pelo voto ou pelo capricho — que a ética ndo tem nada a ver com a realidade, com a existéncia, com as nossas ages € preocu- pacdes priticas — ou que o objetivo da ética esta além do timu- Jo, que os mortos precisam da ética, nao os vivos. 92 Avirtude do egofsme “ ee enemas A ética nto é uma fantasia mistiva —- nem uma convencho social — nem um luxo subjetiva ¢ dispensavel a ser trocado ou descartado em qualquer emergéncia. A ética ¢ uma necessidade objetiva ¢ metafisica da sobrevivéncia do homem ~ nao pela gra ca do sobrenatural, nem de seus vizinhos, nem de seus caprichos, ‘mas pela graca da realidade ¢ da natureza da vida Cito, do diseurso de Galt: “O homiem tem sido chamado de set racional, mas a racionalidade & uma questo de escolha — ¢ 4 aliernativa que sua naturezs Ihe oferece é: ser racional ou set animal suicida, O homem tem que ser homem — por escotha; ele fem que ter a sua vida como um vator — pot escolha; ele tem que aprender a sustentd-ia — por escotha; descobrir os valores que cla requet ¢ praticar suas virtudes — por escolha, Um cédigo de valo- res aceito por escotha é um cédigo de moralidade.”” 0 critétio de valor da ética Objetivista — © critério pelo qual alguém julga o que é bem ou mai —- é a vida do homem, ou: aqui- Jo que exigido para a sobrevivéncia do homem enquanto homer. ‘Dado que a razio € 0 meio basico de sobrevivéncia do ho- mem, aguilo que é proprio para a vida de um ser racional € 0 bem; aguilo que a nega, que se opde a ela ov a destréi, € o mal. ‘Dado que tudo que o homem necessita tem que ser descober- to por sua propria mente e produzide por seu proprio esforco, os dois pontos essenciais do método de sobrevivéncia préprios a um ser racional so: pensamento e trabalho produtivo, Se alguns homens escolhem no pensar, mas sobreviver imi~ tando ¢ repetindo como animais treinados a rotina dos sons e mo- vimentos que aprenderam de outros, munca fazendo um esforco para compreender seu proprio trabalho, ainda assim continua a ser verdade que sua sobrevivéncia é tornada possivel somente por aqueles que efetivamente escolheram pensar e descobriram os mo- vimentos que eles esto repetindo. A sobrevivéncia de tais parasi- tas mentais depende de uma chance cega; sua mentes desfocadas so incapares de saber @ quem imitar, quais movimentos so segu- Tos para seguir. Eles so 0s homens que marcham para o abismo, rastejando atrés de cada destruidor que thes promete assumir a res- ponsubilidade da qual eles fogemn: a responsabilidade de serem cons cientes. Se alguns homens tentam sobreviver por meio da forca bra £ A tien Objetivista 38 er pment RT ta ou da fraude, saqueando, roubando, trapaceando ou escravi- zando os homens que produzem, ainda assim é verdade que a so- brevivéncia destes homens 86 € possivel devido ao esforgo tealiza- do por suas vitimas, por aqueles homens que escolhem pensar ¢ produzir as produtos de que eles, os saqueadores, esto se apossan- do. This saqueadores so parasitas incapazes de sobrevivéncia, que existem destruindo aqueles que sto capazes, aqueles que estao perseguindo um curso de aco proprio ae homem. ‘Os homens que tentam sobreviver, néo por meio da razio, mas por meig'da forea, estdo utilizando 0 método de sobrevivén- cia dos animiais, Mas, assim como 0s animais nio seriam capazes de sobreviver usande'o método das plantas, rejeitando a locom ‘cdo ¢ esperando que o solo os alimente —- também o bomem n&o pode sobreviver usando o método dos,animais, tejeitando @ raza0 @ coptando com homens produtivos para servirem como suas pre- sis, This saqueadores podem alcancar seis objetivos por curto tem- po, a0 prego da destruigdo: a destruic&o de suas vitimas € 2 sua répria. Como prova, ofereco-lhe qualquer criminoso ou ditador. ‘O homem nao pode sobreviver, como faz um animal, agin- do segundo a necessidade do momento. A vida de um animal con- siste de uma série de ciclos separados, sempre repetidos de novo, como o ciclo de criar os seus filhotes, ou de estocar comida para 6 inverna; a consciéncia de um animal no consegue integrar to- daa historia de sua vida; ola s6 consegue integrar um desses ciclos para em seguida comecar um ciclo novo, sem conexdo com 0 pas- sado. A vida do homem é um todo continuo: por bem ou por mat, cada dia, ano e década de sua vida encerra a soma de todos 08 dias que ele jd viveu. Ele pode alterar suas escolhas, ele é livre para mudar a diregdo de seu rumo, ele & até mesmo livre para, fem muitos casos, reparar as consequéncias de seu passado — mas ele ndo é livre para escapar delas, nem para viver sua vida com im- panidade segundo as necessidades do momento, como um animal, um playboy ou um marginal, Se o homem quer ser bem-suucedido na tarefa da sobrevivéncia, e para que suas agoes ndo sejam dirigi- das para sua propria destruigZo, 0 homem deve escofher seu ru- ‘mo, seus objetivos, seus valores nos termos e no contexte de uma vida, Nenhuma sensagdo, percepsao, impulso on “nstinto” pode fazé-lo; apenas sua mente pode. 34 Avirtude do egolamo wee ‘Tal & @ significado da definicdo: aquilo que é exigido para a sobrevivéncia do homem enquanto homem, Isto néo significa uma sobrevivéncia momentinea ou meramente fisica . Nao significa a sobrevivéncia fisica momentanea de um brutamentes sem cérebro, que espera que outro brutamontes Ihe esmague seu crdnio, Nao significa a sobrevivéncia fisica momentnea de uma massa de miis- clos rastejante que esta disposta a aceitar qualquer condi¢Zo, obe- decer a qualquer criminoso e render quaisquer valores pelo propé- sito de obter 0 que é conhecido como “sobrevivéncia a qualquer preco’’, que pode ou nao durar uma semana ou um ano, “A so- brevivéncia do homem enquant homem’” significa os termos, mé- todos, condigdes ¢ objetivos exigidos para a sobrevivéncia de um ser racional através de toda a duragdo de sua vida — em todos aqueles aspectos da existéncia que est&o abertos a sua escolha. O ser humano nio pode sobreviver sendo como ser humano. Ele pode abandonar seus meios de sobrevivéncia, sua mente, ele pode transformar-se numa criatura sub-humana € pode também converter sua vida num breve lapso de agonia — assim como seu corpo pode existir por um espago de tempo no processo de desinte- gracdo por enfermidade, Mas ele nao pode ter sucesso, como sub- hhumano, em alcancar nada a nao ser o sub-humano — como 0 demonstram os horrores dos periodos anti-racionais da historia do homem. O homem tem. que ser homem por escolha — ¢ é tare- fa da ética ensind-lo a viver como homem. Para @ ética Objetivista o critério de valor é a vida humana —e 0 propésito ético de cada individuo, sua prépria vida. A. diferenga entre “‘critério” ¢ “propdsito” neste contexto & © que segue: um “critério” é um principio abstrato que serve co- mo uma medida ou calibre para guiar as escolhas do homem pa- ra o.alcance de um propdsito conereto e especifico, “Aquilo que é exigido para a sobrevivéncia do homem enquanto homem” ¢ um principio abstrato que se aplica a cada homem individualmen- te. A tarefa de se aplicar este principio em um propésite concre- to € especifico — 0 propdsito de viver uma vida adequada a um ser racional — pertence a cada homem individualmente, @ a vida que cle tem que viver é a sua propria. O homem deve escolher scus atos, valores e objetivos pelo cri- tério daquilo que é adequado ao homem — a firma de alcangar, : L | i A étiea Gbjotiviste 35 manter, presncher ¢ gozar este valot Ukimo, este fim em si mes- mo, que é sua propria vida. Valor ¢ aquilo pelo qual agimos para ganhar e/ou manter — virtude € 0 meio pelo qual ou o ganhamos ¢/ou mantemos: Os trés valores fundamentais da ética Objetivista — os trés valores ue, juntos, s40 05 meios para e a realizagio do nosso valor supre- mo, ou seja, nossa prépria vida — so: Razdo, Propésito, Auto- estima, com suas tés virtudas correspondentes: Racionalidade, Produtividade, Orgulho. trabalho produtive é 0 propésite central da vida de um ho- mem racional,.o valor central que integra e determina a hierarquia de todos seus otitros valores . A Razio € a fonte, a pré-condiso de seu trabalho produtivo ~~ Orgutho é 0 resultado. ‘Racionalidade é a virtude basica do homem, a fonte de todas as suas outras virtudes, O vicio basics do homem, a fonte de to- dos os seus males, é 0 ato de desfocat sua mente, a suspensao de sta consciéncia, 0 qual ndo é cegueira, mas a recusa de ver, ¢ nao € ignordncia, mas a recusa de saber. A irracionalidade é a rejeic3o do meio de sobrevivéncia do homem e, portanto, um compromis- so para um rumo de destruigao cego; aquilo que é anti-mente, anti-vida, ‘A virtude da Racionalidade significa 0 reconhecimento ¢ acci- tagio da razo como a nossa iinica fonte de conhecimento, nosso linico juizo de valores € nosso iinico guia de acdo. Significa nos- s0 total comprometimento para com um estado de atencdo pleno € consciente, com a manutengao de um foco mental completo em todas as questdes, em todas as escolhas, em todas as nossas haras de vigilia, Significa um compromisso com a mais completa petcep- iio da realidade dentro de nossas possibilidades e com a expanstio ativa e constante de nossa percepedo, isto €, de nosso conhecimen- to. Significa um compromisso com realidade de nossa propria existéncia, isto ¢, com o principio de que todos 08 nossos objeti- vos, valores ¢ atos acontecem dentro da realidade, e, portanto, que no devemos nunca colocar nenhum valor ou consideracdo, em absoluto, acima de nossa percepeao da realidade. Significa um compromiisso com © principio de que todas as nossas convic-~ ges, valores, objetivos, desejos e agdes devem ser baseados em, derivados de, escolhidos e validados por um processa de pensamen- 36 Avirtude do ageismo wee to -- um processo de pensamento to preciso ¢ t4o escrupuloso, dirigido por uma aplicacao implacavelmente rigida da logica, quan- to a nossa mais completa capacidade permitir. Significa nossa acei- tagdio da responsabilidade de formar nossos préprios julgamentos ¢ de viver pelo trabalho de nossa propria mente (que é a virtude da Independéncia). Significa que no devemos nunca sacrificar nogsas convieedes as Opinides ou desejos de cutros (que é a virtu- de da Integridade) — que munca devemos tentar falsear a realida- de, por qualquer maneira que seja (que € a virtude da Honestida- de) — que nunca devemos.procurar ou conceder o ndo-obtido ¢ © ndo-merecido, nem em matéria, nem em espirito (que é a virtu- de da Justica). Significa que nunca devemos desejar efeitos sem causas, ¢ que nunca devemes dectetar uma causa sem assumir a total responsabilidade por seus efeitos —- que ndo devemos nunca agit como um zumbi, isto é, sem saber nossos proprios propdsitos € motivos — que nunca devemas tomar nenhuma decisdio, formar qualquer conviccéo ou procurar qualquer valor fora de contexto, isto é, separado ou em contradicdo com a soma total ¢ integrada de nosso conhecimento — ¢, acima de tudo, que nunca devemos procurar evadir-nos com contradicdes. Significa a rejeico de to- da e qualquer forma de misticismo, isto ¢, qualquer apelagao a alguma fonte de conhecimento ngo-sensorial, ndo-racional, n&o- definivel, sobrenatural. Significa um compromisso com a razéio, nao em momentos esporddicos, em questées selecionadas, ou em emergéncias especiais, mas como uma filosofia de vida permanente. A virtude da Produtividade € 0 reconhecimento do fato de que o trabalho produtivo é 0 proceso pelo qual a mente humana sustenta sua vida, o processo que liberta o homem da necessidade de ajustar-se ao meio ambiente, como fazem todos os animais, & que Ihe dé o poder de ajustar o meio ambiente a si proprio. O tra- balho produtivo ¢ o caminho da realizacao ilimitada do homem ¢ exige deste os maiores atributos de seu cardter: sua habilidade cria- tiva, sua ambigdo, sua auto-afirmacdo, sua recusa em suportar de- sastres que ele no provocou, sua dedicacio ao objetivo de trans- formar a Terra na imagem de seus valores, “Trabalho produtivo” no significa a realizagéo dos movimentos inconscfentes de algu- ma tarefa, Significa a busca de uma carreira produtiva, escolhida conscientemente, em qualquer linha de empenho racional, grande i A ética Objetivista a7 nen iil ‘ou modesta, ¢ em qualquer nivel de habilidade. O eticamente rele- vante aqui nao é o grau da habilidade de um homem, nem o nivet de importéncia de seu trabalho, mas 0 mais completo e o mais re- soluto uso de sua mente. A virtude do Orgulhe é 0 reconhecimento do fato “de que assim come o homem deve produzir os valores fisicos que necessi- 1a para sustentar sua vida, assim também ele precisa adquirir os valores de cardter que fazem soa vida merecer ser sustentada — que, assim como o homem € um ser que faz sua propria fortuna, assim também € um ser que faz sua prépria alma’, (Adas shrug- zed) A virtade do Orgulho pode ser melhor descrita pelo termo: “ambigao moral’*. Significa que um individuo deve conquistar o direito de considerar a si prépric como seu mais alto valor, atra- vés da tealizacio de sua propria perfeicdo moral. A perfeicao mo- ral se conquisia nao aceitando jamais 'cédigos de virtudes irracio- nais impossiveis de serem praticadas € nunca deixando de praticar as virtudes que se reconhece serem racionais — se conquista nao aceitando jamais uma culpa ndio-merecida e nunca merecendo algu- ma Ou, se efetivamente a mereceu, munca deixando-a sem correcdo — nunca resignando-se passivamente diante de qualquer imperfei- siio em seu cariter pessoal — nfo colocando jamais nenhuma pre- ocupacio, desejo, medo ou estado de espirita momentéineo acima da realidade de sua propria auto-estima. E, acima de tudo, signifi- ca a sua rejeicZo do papel de animal de sacrificio, a rejeicdo de qualquer doutrina que pregue 4 auto-imolaco como uma virtude ‘ou dever moral. © principio social bésico da ¢tica Objetivista & que, assim co- mo a vida é um fim em si mesma, assim também todo ser huma- no vivo é um fim em si mesmo, nic o meio para os fins ou o bem- estar dos outros — @, portanto, que o homem deve viver para seu prdprio proveito, ndo se sacrificando pelos outros, nem sacrifican- ‘do os outros para si. Viver para seu proprio proveito significa que © propésito moral mais alto do ser humano é a realizagie de sua propria felicidade. Em termos psicolégicos, a questio da sobrevivéncia do ho- mem néio confronta sua consciéncia como uma questio de “vida ou morte”, mas como uma questio de “felicidade ou sofrimen- to”, A felicidade 6 o estado de triunfo da vida, o sofrimento ¢ 0 38 Avitude de egoismo sinal de alerta do fracasso, da morte, Assim como o mecanismo de prazer-dor do corpo humano € um indicador automdticn do benestar de ser organismo, um hardmetro de sua alternativa bi- siea, vida ou morte — também 0 meeanismo emocional da consci éneia do homem est programado pars executar 1 mesma funcho, como wm bardmetro que registra a mesma alfernativa por melo de duas emogdes buisieas: alegria ou sofrimento. As emocies sio 68 resultados automaticos dos juizos de valor do homem integra- dos pelo seu subeonsciente; a emogies sio estimativas duquilo que promove ou ameaga os valores do homem, daguilo que esta a favor ou contra cle — calculadores-relampago que the dio 0 so- matério de seu lucro ou prejuizo. ‘Mas, enquanto o critério"de valor que opera o mecanismo dé prazer-dor fisico do corpo humano ¢ automatice e inato, deter- minado pela natureza de seu organismo, o mesmo ale acorre com © critério de valor que opera seu mecanismo emocional. Dado que © homem ndo possui conhecimento automitico, tampouco pode ter valores automiticos; dado que ele no possui idéias inatas, tam- pouco pode ter jutizos de valores inatos. ‘© homem nasce com um mecanismo emocional, da mesma forma como nasce com um mecanismo cognitivo; mas, ao nascer, ambos so “tabula rasa”. E a faculdade cognitiva do homem, sua mente, que determina 0 contetido de ambos. © mecanismo emacio- nal do homem é como um computador eletronico que sua mente tem que programar — ¢ a programagao consiste dos valores que sua mente escolhe. Mas como o trabatho da mente do homem nao € automatico, seus valores, como todas as suas premissas, so produto ou de seu pensamento ou de suas evasdes: o homem escothe seus valores por um processo consciente de pensaménto ~- ou os accita por omis- slo, por associagdes subconscientes, por f8, por autoridade de al- guém, por alguma forma de osmose social ou por imitacao cega. ‘As emogées siio produzidas pelas premissas do homem, sustenta- das consciente ou subconscientemente, explicita ou implicitamente, ‘© homem nao tem escollia quanto a sua capacidade de sentir que algo & bom ou mau para si, mas o que cle considera bom ou mau, 0 que Ihe dé alegria ou dor, 0 que ama ou odeia, deseja on do que sente medo, depende de seu critério de valor. Se esenthe Atice Objetivists 39 valores irracionais, troca 0 papel de gnardiao de seu mecanismo emocional pelo de destruidor. O irracional ¢ o impossivel; € 0 que contradiz os fatos da realidade; fatos ndo podem ser alterados por um desejo, mas podem destruir aquele que o deseja. Se um’ho- mem deseja ¢ busca as contradigoes — se quer guardar 0 bolo ¢ comé-To ao mesmo tempo —, ele desintegra sua consciéncia; trans- forma sua vida interior numa guerra civil de forgas cegas ocupa- das com conflitos sombrios, incoerentes, sem sentido nem significa do (que, a propésito, é o estado interior da maioria das pessoas, atualmente). Felicidade’é aquele estado da consciéncia que provém da reali- zacho dos préprios valores. Se um homem valoriza 0 trabalho pro- Gutivo, sua felicidade ¢ a medida do sucesso alcangado no seu ser- vigo. Mas se um homem valoriza a destruigiio como um sddico ow a autotortura, como um masoquista —, ou a vida além-ti- mulo, como um mistico —~, ou a excitagio moment&nea como um corredor de automovels —, sua pretensa felicidade € a medi- da de seu sucesso no servigo de sua propria destruicéo. Deve ser acrescentado que o estado emocional de todos aqueles irracionais ndo pode ser adequadamente designado como feficidade ou mes- mo prazer: € meramente um alivio de momento de seu estado cr5- nico de terror. Nem a vida, nem a felicidade podem ser alcancadas por meio da busea de caprichos irracionais. Assim como o homem é livre para tentar sobreviver por qualquer meio casual, como um parasi- ta, um vagabundo ou um saqueador, ele ndo o ¢ para ser bem-su- cedido em seu intento além do acaso do momento; assim também é livre para buscar a felicidade em qualquer fraude irracional, qual- quer capricho, qualquer desilusfio, quatquer fuga impensada da tealidade, mas nao é livre para ser bem-sucedido em seu intento, além do acaso do momento, nem para fugir das conseqiiéncias. Cito, do discurso de Galt: “A Felicidade ¢ o estado de alegria ndo-contraditéria — uma alegria sem punigdo ou culpa, uma ale- gria que ndo entra em conflito com nenhum de teus valores ¢ nfo atua para a tua propria destruigdo ... Felicidade € possivel apenas para um homem racional, que deseja apenas abjetivos racionais, procura apenas valores racionais ¢ encontra sua alegria apenas em atos racionais.”” 40 Avirtude do egetsme we A manutengio da vida ¢ a busea da felicidade ndo so duas questées separadas. Considerar a propria vida como o valor tilti- mo, € a propria felicidade como o mais alto propésito, so dois aspectos da mesma realizagao. Existencialmente, a atividade de perseguir objetivos racionais ¢ a atividade de manter a propria vi- da; psicologicamente, seu resultado, recompensa e concomitfincia é um estado emocional de felicidade. E experimentanda a felicida- de que 0 individuo vive plenamente cada hora, ano ou a totalida- de da vida. B quando se experiencia o tipo de felicidade pura que é um fim em si mesma — o tipo que nos faz pensar: “Por isto v Je a pena viver”” — 0 que estamos saudando ¢ afirmando em ter- mos emocionais é 0 fato metafisico de que a vida ¢ um fim em si mesma. Mas o relacionamento de causa ¢ efeito nao pode ser inverti- do. E apenas através da aceitacdo da prépria vida como principio fundamental e pela busca dos valores racionais que a vida requer, que se alcanca a felicidade — no tornando a “felicidade" como um principio indefinido ¢ irredutivel e entéo tentando viver por essas diretrizes. Se voc8 conquistar aquilo que é bom pelo critério racional de valor, isto 0 fara necessariamente feliz; mas aquile que 0 faz feliz, por algum critério emocional indefinido, nao & necessa- riamente 0 bom, Aceitar “qualquer coisa que {aga feliz” como ‘um guia de ago significa: ser guiado apenas por caprichos emocio- nais. Emogdes ndo sio ferramentas de cognigdo; ser guiado por caprichos — por desejos cuja fonte, natureza e significado nao se sabe ~ é transformar a si mesmo num rob6 cego, operade por deménios que nao podem scr conhecidos (por véios intentos de eva- séo}, um robd nocauteando seu proprio cérebro imobilizado con- tra as paredes da realidade que se recusa a ver. Esta é a falacia inerente ao hedonismo — em qualquer varian- te do hedonismo ético, quer pessoal ou social, quer individual ou coletivo. A “Felicidade” pode ser corretamente entendida como © propésito da ética, mas no como a sua base. A tarefa da ética é definir © cddigo de valores adequado para o homem e, deste modo, dar-lhe o meio de alcangar a felicidade. Afirmar, como os hedonistas éticos fazem, que “qualquer vaior que the dé prazer € correto”, equivaie a declarar que ‘to valor correto pode ser qual- quer um que vocé decida valorizar” —~ que é um ato de abdicacdo t i i i Aética Objotiviets 41 jntelectual ¢ filoséfica, um ato que simplesmente proclama a futili- dade da ética ¢ convida todos os homens a agirem irrefletidamen- te a0 acaso. Os fildsofos que tentaram legar um eddigo de ética suposta~ mente racional, deram 4 Humanidade apenas a escotha de capri- chos: a busca “egoista”” das préprios caprichos (como a ética de Nietzsche) — ou o altruismo servil aos caprichos de outros (como a ética de Bentham, Mill, Comte e de outros hedonistas soci nao importando se eles permitirern ao homem incluir seus préprios caprichos entre os milhdes de outros, ou aconselharem-no a trans- formar-se em alguém totalmente desinteressado, pronto para ser devorado pelos outros). Quando um “desejo", sem levar em conta sua natureza ou ‘causa, é tomado como uma premissa éti¢a, e a gratificacdo de qual- quer ¢ todo desejo € tomada como uth objetivo ético (como “a maior felicidade para o maior mimero”) — os homens ndo tém escolha, exceto odiar, ter medo e lutar uns contra os outros, por- que ‘seus desejos e interesses necessariamente colidem. Se *dese- jo” € 0 critério ético, entao o desejo de um homem de produzir ¢ 0 desejo de outro homem de roubé-lo tém igual validade ética; o desejo de um homem de ser livre, ¢ 0 desejo de outro de escravi- 2-10, tém igual validade ética; o desejo de um homem de ser ama- do © admirado por suas virtudes, € 0 desejo de outro homem de um amor ¢ admiragdo nfo merecida tém igual validade ética. E, se a frustragdo de qualquer desejo constitui um sacrificio, entéo um homem que possui um automével, o qual Ihe € roubado, esti sendo saerificado, mas também o homem que quer ou “aspira’”” ter um atttomdvel cnjo proprietario se recusa a dar-lhe — e estes dois “sacrificios” possuem igual stains ético. Se é assim, entdo a linica escolha do homem é roubar ou ser roubado, destruir ou ser destruido, sacrificar os outros a qualquer desejo proprio on sacrifi- car a si mesmo a qualquer desejo dos outros; entio a sinica alter- nativa ética do homem é ser um sddico ou masoquista. canibalismo moral de todas as doutrinas hedonistas ¢ al- truistas consiste na premissa de que a felicidade de um homem im- plica prejuizo de outro. Aivalmente, a maioria das pessoas considera esta premissa como um absoluto inquestionavel. E quando alguém fala do direi- 42 Avintude de egoismo we 10 do homem de existir pelo seu proprio interesse, racional, a maio- tia das pessoas aceita automaticamente que isto implica o seu di- reito de sacrificar os outros. ‘Tal supasigio € a confissdo de suas proprias crencas de que prejudicar, esctavizar, roubar ou assassi- nar esta no auto-interesse do homem — a que ele deve altruistica- mente renunciar. A idéia de que o auto-interesse do homem pode ser satisfeito por um relacionamento que nao implique o sacrificio de ninguém, nunca ocorreu aqueles apéstolos humanitdrios do de- sinteresse, que proclamam seu desejo de aleangar a fraternidade entre os homens. E nao ocorrerd a eles, ou 2 qualquer um, contan- to que 0 conceito “racional” seja omitide do contexto de ‘*valo- res", “desejos”, “‘auto-interesse” e ética. ‘A ética Objetivista orgulhosamente advoga e defende o egois- ‘mo racional — que significa: os valores exigidos pela sobrevivén- cia do homem enquanto homem — ou seja, os valores exigidos pela vida humana —~ nfio so os valores produzidos pelos desejas, emogdes ¢ “aspiragdes””, Os senitimentos, os caprichos ou as neves- sidades de brutamontes irracionais, que muea superaram a préti- ca primordial dos sacrificios humanos, que nunca descobriram uma sociedade industrial ¢ nao podem conceber nenhum auto-inte- esse, exceto aquele de aproveitar-se do saque da ocasifio, sfio valo- res destrutivos & sobrevivéncia do homem. A Stica Objetivista sustenta que o bem humane néo requer sactificio e ndo pode ser alcangado pelo sacrificio de ninguém; sus- tenta que os interesses racionais dos homens nao se chocam — que no ha conflito de interesses entre homens que néo desejam © imerecido, que ndo fazem sacrificios, nem os aceitam, que sc tra~ tam entre si como comerciantes, trocando valor por valor. O principio da troca é 0 nico principio ético racional para todos 0s relacionamentos humanos, pessoais ¢ sociais, particulares © piblicos, espirituais e materiais. E o principio de justiga. ‘Um negociante ¢ um homem que merece aquilo que adquire endo da, nem toma, aquilo que ndo é merecido. Ble ndo trata os homens como senhores ou escravos, mas como pessoas iguais ¢ in- dependentes. Ele trata com os homens por meio de uma tzoca li- vre, voluntéria, ndo-forgada e nao-coagida — uma troca que bene- ficia ambas as partes por seu préprio julgamento independente. Um comerciante nao espera ser pago por suas negligéneias, mas i i i apse teratoma nae gacionnrarnnnenaaaanese A ética Objetivista 43 NEE anne por suas realizagdes. Ele no transfere a outros 0 peso de seus fra- cassos ¢ nao hipoteca sua vida em garantia pelo fracasso de outros. Em questOes espirituais -- (por “espiritual”, quero dizer: *‘per- tencente 4 cansciéncia do homem”) — a moeda ov o meio de-tro- ca é diferente, porém o principio é.¢ mesmo. Amor, amizade, res- peito, admiracao sGo a resposta emocional de um homem &s virtu- des de outro, © pagamento espiritual dado em troca do prazer pes- soal egoista que um homem tira das virtudes de cardter de outro. Somente um brutamontes ou um altruista afirmaria que a valoriza- 40 das virtudes de outra pessoa ¢ um ato de desinteresse, ¢ 10 que concerrie a0 proprio interesse e prazer, nao faz diferenca se alguém trata com um génio ou um bobo, se encontra um herdi ou um facinora, se casa com a mulher ideal ou com uma prostita- ta, Em questées espirituais, um negociante ¢ um homem que nao procura ser amado por suas fraquezas ou fracassos, apenas por suas virtudes, ¢ que ndo troca seu amar pelas fraquezas ou fracas- sos de outros, mas apenas pelas suas virtudes. ‘Amar é dar valor. Somente um homem racionalmente egofs- ta, um homem que se auto-estima, é capaz de amar — porque é © tinico homem capaz de manter valores firmes, consistentes, des- compromissados ¢ ndo-traidos. © homem que nao valoriza a si mesmo, nio pode valorizar ninguém ou nada. : E somente com base no egoismo racional —- com base na jus- tiga — que os homens podem ajustar-se para viver juntos numa sociedade livre, pacifica, prdspera, benevolente ¢ racional. (© homem pode tirar algum beneficio pessoal da vida em so- ciedade? Sim — se for uma sociedade humana. Dois grandes valo- re5 a serem ganhos com a existéncia social so: conhecimento ¢ comércio, O homem é a tinica espécie que pode transmitir e expan- dir seu estoque de conhecimento de geragao para geracdo; o conhe- cimento potencialmente disponivel a um homem € maior do que aquele que cle seria capaz de adquirir em toda a sua vida; cada homem beneficia-se incalculavelmente pelas descobertas de outro: O segundo grande beneficio é a divistio do trabalho: ela capacita © homem a dedicar seu esforgo @ um campo de trabalho em parti- cular e a negociar com outros que se especializaram em outros cam- pos. Essa forma de cooperacdo permite a todos os homens que to- mam parte uela, deter mais conhecimento, habilidade e retorno 44 Avirnude de egolsme ve produtivo pelos seus esforgos do que poderiam alcangar se cada um tivesse de produzir tudo do que precisasse numa ilha deserta ou numa fazenda que se auto-sustentasse. Mas estes verdadeiros beneficios indicam, delimitam e define que tipo de homens podem ser de valor ¢ em que tipo de socieda~ de: somente homens racionais, produtivos e independentes numa sociedade racionai, produtiva e livre. Parasitas, vagabundos, sa- queadores, brutamontes, facinoras ndo sto de nenbum valor para 0 ser humano —~ nem podem obter nenhum beneficio de vida nu- ma sociedade engendrada para suas necessidades, exigncias ¢ pro- tecdo, uma sociedade que os trata como animais de sacrificio ¢ ‘os penaliza por suas virtudes a fim de recompensé-los por seus vi- cios, 0 que significa: uma sociedade baseada na ética do altruis- mo, Nenhuma sociedade pode ter valor para a vida do homem, se 0 prego é a renincia do direito 4 vida. © ptineipio politico basico da ética Objetivista é: nenkum ho- mem pode iniciar o uso de forga fisica contra os outros. Nenhum homem — ou grupo, ou sociedade, ou governo — possui o direi- to de assumir 0 papel de um criminoso e comecar a utilizagdo da compulsdo fisica contra qualquer homem. Os homens tém o direi- to de usar a forea fisica apenas em retaliacao e apenas contra aque- Jes que iniciam seu uso. O principio ético envolvido € simples ¢ bem definido: & a diferenca entre assassinato ¢ legitima defesa. Um assaltante procura ganhar um valor ou riqueza matando sua vitima; a vitima no fica mais rica matando o assaltante. O prinei- pio é: nenhum homem pode obter qualquer valor de outro recor- tendo A forga fisica. O iinico propésito moral adequado de um governo € proteget 0s direitos do homem, 0 que significa: protegé-lo da violencia fisi- ca — proteger seu direito a sua prépria vida, sua propria liberda- de, sua propria propriedade ¢ a busca de sua propria felicidade. Sem os direitos de propriedade, nenhum outro € possivel. Nao tentarei, numa breve prelecao, discutir a teoria politica do Objetivismo, Aqueles que esto interessados a encontrarao bem detalhada em Adias shrugged. Direi somente que cada sistema poli- tico & baseado em e originado de uma teoria ética — ¢ que a éti- ca Objetivista ¢ a base moral exigida por aquele sistema politico- econdmico que, hoje, esta sendo destruido em todo o mundo, des- | | | | : : A stica Objstivista 45 rnin truido precisamente por falta de uma defesa filosofica ¢ de uma validagao moral: o sistema americano original, o Capitalisme. Se cle perecer, pereverd por negligéncia, falta de exploragdo e de iden~ tificagdio: nenhum outro assunto tem sido tao ocultado por tantas distorgSes, falsos juizos e descrigdes enganosas. Atualmente, pou- cas pessoas coplecem o que é capitalismo, como funciona e qual foi sua historia real. ‘Quando digo “capitalismo”, quero dizer um capitalismo com- pleto, puro, nio-controlado e desregulamentado do tipo laissez-fai- re — com uma separagao entre Estado © economia, da mesma maneira e pelas mesmas razdes da separagio do Estado ¢ da igre- ja. Um sistema puro de capitalismo jamais existiu, nem mesmo na América: varios graus de controle governamental © estavam boicotando e distorcendo desde © sew:inicio. O capitalismo nao é um sistema do pasado; € 0 sistema do futuro — se a espécie hu- mana tiver um futuro. . aoe Para aqueles que esto interessados na histéria e nas causas psicolégicas pelas quais os fildsofos trairam o capitalismo, mencio- narei que as discuto n6 ensaio de meu livro entitulado For the new intellectual? | ‘A presente discusséo precisa ser confinada ao assunto da éti- ca. Apresentei os fundamentos mais simples de meu sistema, mas sfo suficientes para indicar de que maneira a ética Objetivista € a moralidade da vida — mesmo contra as trés escolas principais de teoria ética, a mistica, a social e a subjetiva, que trouxeram 0 mun- do ao presente estado © que representam a moralidade da morte, Essas trés cscolas diferem apenas em seu métoda de aborda- gem, nao em conteido. Em contetido, séo simplesmente variantes do altruismo, a teoria ética que considera o homem como um ani- mal de sacrificio; a teoria que assegura que este homem nao tem o direito de existir para seu proprio interesse, que servir aos ou- tros é a tnica justificativa de sua existéncia, e que o auto-sacrificio so 0 seu valor, virmde ¢ dever morais mais altos. As diferencas se verificam apenas sobre a pergunta de quem deve ser sacrifica- do a favor de quem. O altruismo sustenta a morte como seu obje- tivo iltimo e critério de valor — e € logico que a rentincia, resigna- so, auto-rejeicdo € qualquer outra forma de sofrimento, incluin- do autodestrnigao, so as vietudes que defende. E, obviamente, 46 A virtude do egatsmo estas sdio as tinicas coisas que os profissionais do aliruismo tm alcangado e esto conseguindo agora. ‘Observe que estas trés escolas de teoria ética silo contra a vie da, no meramente em conteiido, mas também em seu método de abordagem. A teoria mistica da ética & explicitamente baseada na premis- sa de que 0 modelo ético de valor é estabelecido além-timulo pe- las leis ow exigéncia de umta outra dimenso sobrenatural, que ¢ impossivel ao homem praticar a ética, que ela é inconveniente ¢ oposta a vida do homem na Terra, e que o homem deve levar a alpa por isso ¢ softer através de toda a sua existéncia terresire, e expiar pela culpa de ser incapaz de praticar o impraticavel. A Tda- de das Trevas ¢ a Idade Média sto um monumento reai a esta teo- tia da ética, A teoria social da étiea substituiu Deus pela “‘sociedade”” — e, apesar de afirmar que seu principal interesse ¢ a vida na Terra, nao é a vida do homem, nao a de um individuo, mas a vida de uma entidade sem corpo, 0 coletive, que, em relagdio a cada indi- vidue, consiste de todos, exceto dele prépric. No que diz respeito a0 individuo, sen dever ético é ser o escravo abnegado, sem direi- tos ¢ destituido de voz, de qualquer necessidade, reivindicag&o ou exigacia declaradas pelos outros. O lema “cada um por si” — que nie ¢ aplicavel ao capitalismo, — ¢ aplicavel & teoria social da ética. Os monumentos reais a esta teoria so a Alemanha Na- zista ¢ a Ruissia Soviética. A teoria subjetivista da ética é, no sentido estrito da palavra, nao uma teoria, mas uma negacao da ética, mais: € a negagao da realidade, nao simplesmente da existéncia do homem, mas de todas as existéncias. Apenas 0 conceito de um universo heraclitea- no, indeterminado, fluido e pléstico poderia permitir a alguém pen- sar ou pregar que o homem nao precisa de principios objetives de aco — que a realidade the da um cheque em branco — que nada que ele escolha como o bem ou mal, Ihe servird — que 0 ca- pricho de um homem é um padrdo moral valido e que a tinica per- gunta € como obter sucesso com isto. O monumento real desta te- oria 6 0 estado atual de nossa cultura. No ¢ a imoralidade dos homens que é responséivel pelo colap- so que agora ameaga destruir o mundo civilizado, mas 0 tipo de esa SSAC ei ne inet Arica Objetiviste 47 — ‘moralidade que os homens t@m sido incitados a praticar, A respon- sabifidade pertence aos filésofos do altruismo. Eles ndo tm razio de estar chocados pelo espetiiculo de seu proprio sucesso, ¢ ne- nhum direito de condenar a natureza humana: os homens Ihes tem. obedecido ¢ trouxeram seus ideais morais para a mais completa realidade. Ba filosofia que estabelece os objetivos dos homens ¢ deter- ina seu rumo; é apenas a filosofia que pode salvé-los agora, Ho- je, 0 mundo estd enfrentando uma escolha: se a civilizagao deve sobreviver, éa moralidade altrnista que os homens precisam rejeitar, “Terminarei com as palavras de John Galt, que eu dirijo, co- mo ele 0 fez, a todos os que defendem o altruismo, 0 do passado ou o do presente. - “Yoo8s tem usado © medo como, sua arma, ¢ tem trazido morte aos homens, punindo-os por rejeitarem a sua moralidade, Nis hes oferecemos a vida, como recompensa por accitar a nossa. HURUEREEOXSUAUAELEEAULLILIZELEZLTETELATSARTEANLLERRULLELELELE SAUDE MENTAL VERSUS MISTICISMO E AUTO-SACRIFICIO Nathaniel Branden _ O padrio de satide mental — de funcionamento mental bio- logicamente apropriado — € 0 mesto que o de smiide fisica: a so- brevivancia © 0 bem-estar do homem. Uma mente é saudavel até © ponte em que o seu método de funcionamente é tal que pode munir 0 homem com o controle da realidade que a base e 0 avan- go de sua vida requerem. A marca distintiva deste controte € a auto-estima. A auto-esti- ma é a conseqiitneia, expresso ¢ recompensa de uma mente intei- ramente comprometida com a ra7do. Esta, a faculdade que identi- fica ¢ integra 0 material provido pelos sentidos, é arma basica de sobrevivencia do homem, Compromisso com a razio é compro- misso com a manutengo de um foco intelectual pleno; com a cons- tante expansio do entendimento e conhecimento que se tem com 9 principio de que as agdes de um individuo devem ser consisten- Jes com suas convieedes; que nunca se deve tentar tapear a realida- de ou colocar qualquer consideracao acima da realidade; que nun- ca se deve permitir a si mesmo contradigées que nunca se deve ten- ‘ar subverter ou sabotar a funcio coreta da conscigncia. fune&o corveta da conscigncia é id acorn lmao cores da consienia & « percero, a cognigio € Uma conscigncia desobstraida, uma conscigncia integrada, uma consciéncia pensante é uma consciéncia saudivel, Uma cons- ciéneia bloqueada, tegiversada, fragmentada por conflitos ¢ di da contra si mesma, desintegrada por medo ou imobilizada por depressio, dissociada da realidade, € uma consciéncia insalubre. Sea nnn Annee ES a8 ciel ccc inpriomdniem renner onwrntnec ange ana rerettemtcerene, (Para uma discussio mais completa desta questio, veja o capitulo de titulo Objetivismo e psicologia, em meu livro Who is ‘Ayn Rand?.) No objetivo de lidar positivamente com a realidade — para procurar ¢ alcangar os valores que a sua vida requer — 0 homem necessita auto-estima: precisa ser confiante de sua eficécia e valor. Ansiedade ¢ culpa, os antipodas da aute-estima ¢ a insignia da doenca mental, so 0s desiniegradores do pensamento, os de- turpadores de valores e paratisadores da avdo. ‘Quando um homem de auto-estima escolhe os seus valores & estabelece as suas metas, quando projeta seus propésitos de lon £0 alcance, 08 quais unificardo e guiario suas agdes — ¢ como uma ponte langada ao futuro, pela qual sua vida passard, uma ponte sustentada pela convicedo de que a sua mente é competen- te para pensar, julgar, valorizar, e de que ele ¢ merecedor de apre- ciar estes valores. Este senso de controle da realidade nao é o resultado de prati- cas, habilidade ou conhecimentos especiais. Nao depende de suces- sos ot fracassos em particular. Reflete o relacionamento funda- mental que se tem com a realidade, a convicgao que se tem, a efi- cacia ¢ 0 valor fundamentais. Reflete a certeza de que, em essén- cia ¢ em principio, se esta certo para a realidade. A auto-estima um juizo metafisico. F este 0 estado psicoldgico que a moralidade tradicional tor- na impossivel, até 0 ponto em que o homem o aceita. Nem 0 misticismo, nem o credo do auto-sacrificio, so com- pativeis com satide mental e auto-estima, Estas doutrinas sao des- trativas existencial e psicologicamente, ’ (1) A-manutengdo da vida e a conquista da auto-estima reque- tem do homem o mais completo exercicio da sua razio — mas moralidade, conforme ensinam aos homens, baseia-se ¢ requer f8. ‘A fé € 0 compromisso da consciéncia de um individuo com ctencas das quais nfio se tem nenhuma evidéncia sensorial ou pro- va racional. ‘Quando um homem recusa a razio como o seu eritério de jul- gamento, apenas um critério alternativo permanece para ele: seus sentimentos. Um mistico € um hotnem que trata os seus sentimen- tos como armas de cognigdo. A fé consiste em igualar o sentimen- 50 Avirtude de egaismo ee ta com o conhecimento. Para praticar a ‘‘virtude’’ da £8, deve-se estar pronto para suspender a visdo ¢ 0 jalgamento; deve-se estar pronto para viver com o ininteligivel, com aquilo que nao pode ser conecituade o« integrado ao resto do conhecimento que se tem, ¢ pata induzir uma ilusdo de entendimento similar a um transe. Deve-se estar pron- fo para reprimir a faculdade critica ¢ conté-la, como sua culpa; deve-se estar pronto para sufocar quaisquer perguntas que emerjam em protesto — para estrangular qualquer impeto de razzio convul- sivamente procurando insistir na sua fungao propria de protetora da vida do individuo e de sua integridade cognitiva. Lembre que todo © conhecimento do homem ¢ todos os con- ceitos deste tém estrutura hierdrquica. O fundamento e ponte ini- Gal do pensamento do homem so suas percepgdes sensoriais; nes- ta base, o homem forma seus primeiros conceitos ¢ entio continua construindo ¢ edificio do seu conhecimento, identificando e inte- grando novos conceitos numa escala cada vez maior. Se o pensa- mento humano é valido, este processo deve ser guiado pela légica, “a arte da identificacdo nao-contraditéria”” — e qualquer concei- to novo que © homem forme deve ser integrado sem contradigéo A estrutura hierdrquica de seu conhecimento. Intreduzir na consci- éncia de alguém qualquer idéia que nao possa ser assim integrada, uma idéia no derivada da realidade, nio validada por um proces so da razio, no sujeita a exame ou julgamento racional — ou pior, uma idéia que se choca com o resto dos conceitos e compre- ensio de realidade de slguém — ¢ sabotar a funeio integrativa da consciacia, Fiquidar o resto das conviegbes de aiguém ¢ matar a capacidade do mesmo de ter certeza de qualquer coisa. Este é 0 significado da afirmagao de John Galt em Atlas shrugged, de que “0 suposto atalho para o conhecimento, que é a fé, nada mais que um curto-cireuito que destrdi a mente”. Nao hé maior iluséo do que imaginar que se pode dar a ra- wig o que é da razio ¢ 4 £8 0 que é da fé, Esta néo pode ser cir- cunserita ou delimitada; render a consciéacia de alguém em mili- metros, ¢ rendé-la no total. Ou a razao ¢ um absoluto para uma mente ou ndo 0 & — ¢ neste caso, ndo hé espaco para tracar uma linha, nenhum principio pelo qual tracd-la, nenhuma barreira que a {6 ndo possa ultrapassar, nenhuma parte da vida de um ser que | Saude mental versus misticisme 9 aute-sacriticio 51 nan nninlsanieniian nee ane ‘a f€ ndo posse invadir: alguém se mamém racional até e 2 menos que seus Sentimentos determinem algo diferente. 'A fé 6 a malevoléncia que nenhum sistema pode tolerar com impunidade; ¢ o homem que sucumbir a ela, vai invoed-la precisa- mente naquelas questées onde mais precisar da razao. Quando al- guém muda da razio para a £6, quarido rejeita o absolute da real Gade, liquida o absoluto da sua conscineia, ¢ a sua mente se tor na un érgdo em que ele ndo pode mais confiar. Ela se torna 0 que os misticos chamam: um instramento de distorcao. ‘@) A necessidade de auto-estima do homem implica a necessi- dade de um controle sobre a realidade — mas nenhum controle € possivel em um universo que, pela propria concessio de alguém, contém o sobrenatural, 0 mifaculoso e sem motivo, um universo po qual se estd A mercé de fantasmas ¢ deménios, no qual se de- ye lidar, ndo com o desconhecido, mas com 0 desconhecivel; ne- nhum controle é possivel, se o homem propde, mas um fantasmia dispde: nenhur controle € possivel, se 0 universo é uma casa mial- assombrada. 3) A vida a auto-estima requerem que 0 objeto ¢ o interes- se da conscigncia do homem sejam a realidade e este mundo — mas a moralidade, segundo ensinam aos homens, consiste em des- prezar este mundo e 0 material disponivel para a percepcao senso- ial e em contemplar uma realidade ‘diferente’ e “maior”, um dominio inacessivel para a razo ¢ incomunicdvel pela linguagem, mas atingtvei através de revelacto, de processos dialéticos especiais, daquele estado superior de lucider intelectual conhecido pelos zen- budistas como anti-mente, ou por morte Existe apenas uma realidade — aquela que a razio pode co- nhecer. E'se o homem escothe nio a perceber, nada mats hd para ele perceber; se ele nao tem consciéncia deste mundo, nao sera cons- ciente em absohuto. 0 tinico resultado da projesto mistica de “uma outra”” reali- dade é que ela incapacita 0 homem psicologicamente para esta. Nao foi contemplando o transcendental, 0 sagrado, o indefinivel ~~ no foi coutemplando o inexistente — que o homem se ergueu da caverna e transformou o mundo material para tornar possivel ‘uma existéncia humana na Terra, Se for virtude renunciar & propria raziio, e pecado usi-ta; se 52 A virtude de egoismo wt for virtude aproximar-se do estado mental de um esquizofrénico, e pecado estar jntelectualmente em foco; se for virtude censurar asie mundo, e pecado torné-io habitdvel; se for virtude mortificar a carne, ¢ pecado irabalhar e agir; se for virtude menosprezar a vida, e pecado manté-la ¢ aproveité-la — entdo nao serd possivel nenhuma auto-estima ou controle ou eficdcia, nada sera possivel para o homem, exceto o sentimento de culpa ¢ o terror de um pa tife pego num universo de pesadelo, um aniverso eriado por algum sddico metafisico que langou o homem em um labirinto onde « porta que dizia “virtude” levava a autodestruigdo, ¢ a porta que dizia “eficdcia”” levava & autocondenagao. (4) A vida e auto-estima requerem que o homem se orgulhe do seu poder de pensar, do seu poder de viver. Mas a moralidade, segundo ensinam aos homens, impede o orgulho e especificamen- te 0 orgulho intelectual, considerado o mais grave dos pecados. A virtude comega, segundo ensinam aos homens, com humildads com o reconhecimento do desamparo, da pequenez, da impoténcia de sua propria razao. O homem é onisciente? —- reclamam os misticos. E infalivel? Entdo, como ousa desafiar a palavra de Deus, ou dos representan- tes de Deus, ¢ se colocar como o juiz de quaiquer coisa? Orgulho intelectual ndo € — como os misticos irracionalmen- te inferem — uma pretenstio de oniscigncia ¢ infalibilidade. Ao contrario, precisamente porque 0 homem tem de hutar pelo conhe- cimento, precisamente porque a busca do conhecimento requer um esforga, os homens que assumem esta responsabilidade sentem corretamente orgulho. ‘As vezes, coloquialmente, toma-se o significado de orgutho por um fingimente de realizacdo que alguém no alcangou de fa- fo. Mas o fanfarrdo, o vanglorioso, o homem que aparenta virtu- des, ndo sente orguiho; ele meramente escolheu a maneira mais humilhante de revelar a sua humildade. © orgulho é a resposta pessoal para obter valores, 0 prazer que se sente pela prépria eficdcia. E é isto que os misticos tém co- mo mal, ‘Mas se a dilvida, nao a confianga, é 0 estado moral proprio do homem; se a autodesconfianga, n&o a autoconfianca, a pro- va de sua virtude —~ se 0 medo, nao a auto-estima, é a marca da i : 3 SoGde mental veraus misticismo e auto-sacrificio 53 perfeicdo: se a culpa, nao o orgulho, & a sua meta — entao a doen- ga mental é um ideal moral, os neurdticos ¢ psicéticos so os mais altos expoentes de moralidade, ¢ os pensadores, os realizadores, siio os pecadores, agueles que so corruptos demais ¢ arrogantes, demais para buscar a virtude e 0 bem-estar psicoligico, pela crea- ga de que eles esto incapacitados a existir. "A humildade @, por uma questiio de necessidade, a virtude bisica de uma moralidade mistica: ¢ a tinica virtude possivel para homens gue renunciaram & raza © orgulho tem de ser merecido; é a recompensa do esforgo © da conquista; mas para ganhar a virtude da humildade, precisa-se apenas se abster de pensar — nada mais é exigido —, ¢ sentir-se-a modesto suficientemente rapido. (5) A vida e a auto-estima requerem do homer lealdade pa- 1a com os seus valores, para com a stia Tazo ¢ os julgamentes de- la, — mas a esséncia da moralidade, segundo ensinam aos ho- mens, consiste ern auto-sacrificio; o sactificio das suas razdes @ al- guia autoridade maior, ¢ 0 sacrificio dos seus valores a quem quer possa afirmar desejé-los. Nao é necessério, neste contexto, analisar as inumeraveis mal- dades vinculadas pelo preceito do auto-sactificio. A irracionalida- de deste ¢ sua destrutividade foram completamente expostas em ‘Atlas shrugged, Mas existem dois aspectos da questo que so es- pecialmente pertinentes 20 assunto da satide mental, (O primeiro é 0 fato de que auto-sacrificio significa —- ¢ s0- mente pode significar — sacrificio da razio. cio, deve-se lembrar, significa a rendicdio de um va- Jor maior 2 favor ‘de um menor ou a algo sem valor. Se alguém desiste daquilo que nao valoriza para obter aquilo que valoriza — on se alguém desiste de um valor menor para obter um maior — isto nao é um sacrificio, mas um ganho. ‘Vamos mais longe. Lembremos que todos os valores de um ‘homem existem numa hierarquia; ele valoriza algumas coisas mais do que outras; e, até o ponto em que é racional, a ordem hierdr- quica de seus valores é racional: isto é, ele valoriza as coisas na proporeéo da importancia detas em servir A sua vida ¢ bem-estar. O que é nocivo a sua vida e bem-estar, e também nocivo & sua na- tureza e necessidades enquanto ser vivo, ele desvaloriza. 54 Avistude do egeisma eee De modo inverso, uma das caracteristicas da doenga mental uma escala de valores distorcida; o neurdtico ndo valoriza as coi~ gas de acordo com seu mérito objetivo, emi relacdo a natureza de- Te ¢ suas necessidades; ele freqiientemente valoriza cada minima coisa que o leva & autodestruicdo. Julgado por padrées objetivos, esta engajado em um processo crénico de auto-sactificio. Mas se sacrificio € virtude, nao ¢ o homem neurdtico, mas o racional que precisa ser “‘curado”. Ele tem de aprender a violen- tar o seu proprio julgamento racional — reverter a ordem de sua hierarquia de valores — renunciar Aquila que sua azo escolhen como bom — voltar-se contra ¢ invalidar sua prépria consciéncia. Os misticos declaram que tudo que exigem do homem é que ele sactifique sua felicidade? Sacrificar a sua felicidade é sacrificar 08 seus desejos; sactificar os seus desejos é sacrificar os seus valo- res; sacrificar os seus valores é sacrificar seu julgamento; sacrifi- car o seu julgamento ¢ sacrificar a sua razio — e ¢ nada menos do que isto que a crenga do auto-sacrificio almeja e exige. ‘A raiz do egoismo € 9 direito do homem — e necessidade — de agir segundo o seu proprio julgamento. Se o seu julgamento ti- ver de ser objeto de sacrificio — que tipo de efiedcia, controle, au- séncia de conflito, ou serenidade de espirito sera possivel ao homem? ‘© segundo aspecto pertinente aqui envolve, no somente 4 crenga no auto-sacrificio, mas todos os prineipios anteriores de moralidade tradicional. ‘Uma moralidade irracional, uma moralidade posta em oposi- go a natureza do homem, aos fatos da realidade ¢ aos requisitos da sua sobrevivéncia, necessariamente forga os homens a aceitarem ‘a convievdo de que hd um choque inevitavel entre o moral e 0 pré- tica — que eles tém de escother, ou serem virtuosos, ou serem feli- 2es, serem idealistas ou bem-sucedidos, mas que ndo podem ser ambos. Esta visio estabelece um conflito desastroso no nivel mais profundo do ser, uma dicotomia letal que o dilacera; ela o forga a escolher entre tornar a si mesmo eapaz de viver ¢ merecedor de viver. Porém a auto-estima ¢ a satide mental requetem que cle con- quiste ambos, Se o homem considera a vida na Terra come o bem, se julga seus valores pelo critétio daquilo que é préprio para a exigéncia de um ser racional, entdo ndo hé nenhum choque entre os requisi- se netnents amin 1 : mental versus misticisme 9 auto-sacrHicie 55. tos da sobrevivéncia e da motalidade — nenhum chogue entre tor- né-lo apto para viver ¢ torné-lo merecedor de viver; ele alcanga o segundo alcangando o primeiro. Mas ha um choque, se o homem considera a rendincia a este mundo como o bem, a remincia a vi- da, A razdo, 2 felicidade, ao seu eu. Sob uma moralidade anti da, 0 homem se toma merecedor de viver na mesma proporcio em que se torna incapaz de viver — ¢ na mesma proporgao em que se torna capaz de viver, ele se torna no-merecedor de viver. ‘A resposta dada por muitos defensores da moralidade tradicio- nal é: “‘Ah, mas as pessoas nao precisam ir a extremos" — signifi- cando: “Nao esperamos que as pessoas sejam inteiramente morais. Esperamos que contrabandeiem algum interesse proprio nas suas vidas. Reconhecendo que as pessoas tém de viver, afinal de contas.” A defesa, entio, deste cédigo de:moralidade, € que poucas pessoas sero suicidas o suficiente para tentar praticd-to consisten- temente, Hipocrisia é proteger 0 homem contra suas professadas convicedes morais. O que isto faz a sua auto-estima? E aguclas vitimas que sio insuficientemente hipécritas? E a crianca que se recothe aterrorizada dentro de um univer- so autista porque nfo sabe enfrentar as alucinagdes dos pais, que The dizem que € culpada por natureza, que 0 seu corpo ¢ o mal, ‘que pensar ¢ pecaminoso, que fazer perguntas é blasfemo, que du- vidar é depravado, ¢ que ela tem de obedecer as ordens de um fan- tasma sobrenatural, porque, se ndo o fizer, vai queimar eternamen- te no inferno? ‘Ow a filha que sucumbe culpada do pecado de no querer de- votar a sua vida a cuidar de seu pai doente, que sé Ihe dea moti- ‘vos para sentir rancor? ‘Ou o adolescente que foge para a homossexnalidade porque Ihe foi ensinado que sexo € mau, e que mulheres so para ser ado- radas, mas ndo desejadas? Gu o homem de negécios que sofre um ataque de ansiedade porque, apds anos sendo ineitado a ser econdmico ¢ trabathador, Finalmente comete o pecado de ter sucesso, © agora ¢ avisado de que deve ser mais facil um camelo passar pelo buraco de uma agu- Tha do que um rico entrar no reino dos céus? ‘Ou 0 neurdtico que, em completo desespero, desiste da tenta- tiva de resolver seus problemas, porque sempre ouviu pregar que 56 Avirtude de egaismo esta terra € 0 reino da misétia, futilidade e perdi¢do, onde nenbu ma felicidade ou satisfagdo é possivel ao homem? Se os defensores destas doutrinas cacregam uma responsabiti- dade moral séria, ha um grupo que talvez carregue uma responsa- bilidade ainda mais séria: os psicdlogos e psiquiatras que véem os desirogos humanos destas doutrinas, mas que permanecesn em si- Jencio ¢ nao protestam — que declaram que questies filosdficas € morais no concernem a eles, que a cigncia nao pode pronunciar julgamentos de valores — que desconsideram suas obrigagdes pro- fissionais com a afirmacao de que um cédigo racional de moralida- de € impossivel e, através do seu silencio, dao a sua aprovagio ao assassinate espiritual. (Marco de 1963) i } | | : | aeeeeececeexereoUAUI02222 422222100 09812202222 T21LE7EEEIAIEIEIE A ETICA NAS SIFUACOES DE EMERGENCIA Ayn Rand Os resultados psicolégicos do altruismo podem ser observa- dos no Fato de que uma enorme quantidade de pessoas aborda 0 assunto da ética fazendo perguntas como: “Deve alguém arriscar a sua vida para ajudar um homem que esté: a) se afogando, b) encurralado no meio do fogo, ¢) caminhando em diregio & um ca- minhio que vem em aita velocidade, d) agarrado pelas unhas & beira de um abismo?” Considere as implicacdes de tal abordagem, Se um homem aceita a ética do altruismo, sofre as seguintes conseqliéncias (na proporeio do grau de aceitacto): 1, Falta de auto-estima — uma vez que sua preocupagao pri- meita no dominio dos valores nao & como viver sua vida, mas co- mo sacrificé-la. 2, Falta de respeito pelos outros — uma vez que considera 0 género humano como um bando de mendigos condenados implo- rando pela ajuda de alguém. 3. Uma visio de pesadelo da existéncia — uma vez que cré que 0s homens esto encurraiados em um “universo malevolente”, onde desastres so a preocupagao priméria e constante de suas vidas. 4. E, de fato, uma indiferenca letargica 4 ética, uma amorali- dade desesperancosamente cinica — uma vez que as suas pergun- tas envolvem situagdes que provavelmente nunca encontraré, que néo trazem nenltuma relagdo com os verdadeiros problemas de sua propria vida c assim deixam-no viver sem principios morais, quaisquer que sejam. Elevando a questfio de ajudar aos outros 4 condicao central EE 7 58 Avirtude do egefsmo ws © bésica da ética, o altruisme destruin 0 conceito de qualquer bertevoléncia ou boa vontade auténtica entre os homens. Ele dou- trinow os homens com a idéia de que valorizar outro ser humana éum ato de abnegacdo, desta forma implicando que um homem no pode ter nenhum interesse pessoal nos outros — que valori- var © proximo signitica saerifiear a si mesmo — que qualquer amor, respeito ou admiracéo que um homem possa sentir pelos outros nao é e néo pode ser uma fonte de seu proprio prazer, mas sim uma ameaga a sua existéncia, um cheque em branco de sacrifi- cio assinado para os seus amados, ‘Os homens que aceitam esta dicotomia, mas que escolhem o seu outro lado, os produtos tiltimos da influéncia altruista desuma- nizadora, so aqueies psicopatas que ndo desatiam a premissa ba- sica do altrufsmo, mas proclamam sua rebelidio contra 0 auto-sa- ctificio anunciando que s4o totalmente indiferentes a qualquer coi- sa viva, ¢ que nao ergueriam uma palha para ajudar um homem ou um cachorro deixado mutilado por um motorista que fugin (ge- ralmente um do tipo deles), A maioria dos homens nao aceita ¢ nem pratica nenhum dos lados da dicotomia viciosamente faisa do aitruismo, mas o resulta- do dela ¢ um completo caos intelectual na questdo dos relaciona- mentos humanos adequados e em questdes como a natureza, pro- pésito ow extensio da ajuda que se pode dar aos outros. Aiual- mente, uma grande quantidade de homens sensatos ¢ bem intencio- nados nao sabe identificar ou conceituar os principios morais que motivam o seu amor, afeigio ou boa vontade, e ndo consegue en- eontrar nenhuma orientagXo no campo de ética, dominada pclos chavdes gastos do altruismo. Sobre a quesiao de por que o homem ndo é um animal de sa- crificio por que ajudar os outros nao é sua obrigacdo morai, en- caminho a0 Atlas shrugged, A presente discussio ¢ coneernente aos principios pelos quais alguém identifica e avalia os exemptos que envolvem a ajuda nio-sacrifieada de um homem aos outros. “Sacrificio” & a rendigdo de um valor maior em favor de um menor ou carente de valor. Assim, o altrufsmo gradua a virtu- de de um homtem pelo grau a que ele rende, renuncia ou trai os seus valores (uma ver. que a ajuda a um estranho ou inimigo ¢ con- siderada como mais virtuosa, menos “‘egoista”, do que a ajuda + | I | t 4 | | i | ' A 6tica nus situagiec de emargineia 59 ic Aqueles que se ama), © principio racional de conduta é exatamen- te 0 oposto: sempre age de acordo com a hierarquia dos seus valo- res, ¢ nunca sacrifica um valor maior a wm menor. Isto se aplica a todas as escolhas, incluindo as ages de um homem para com outro. Requer que se possua uma hierarquia de- finida de valores racionais (valores escolhidos ¢ validados por um padrio racional}, Sem tal hierarquizaedo, no so possiveis nem uma conduta racionat, nem juizos de valores ¢ nem escothas morais. © amor e a amizade sic valores profundamente pessoais ¢ egoistas: o amor uma expresso ¢ assercdo da auto-estima, uma resposta aos valores pessoais emt outra pessoa. Ganha-se uma feli- cidade profundamente pessoal, egoista, pela mera cxisténcia da pessoa que se ama. E a propria felicidade pessoal e egoista que se busca, ganha e colhe do amor. Um amor “abuegado”’, “desinteressado” ¢ uma contradicao, em termos: significa que se é indiferente ao que se valoriza. ‘A preocupacdo pelo bem-estar daqueles que se ama é uma parte racional dos interesses egoistas de alguém, Se um bomem que esta perdidamente apaixonado por sua esposa gasta uma fortu- na para curé-la de uma doenga perigosa, seria absurdo afirmar que o faz como um “sactificio” por ela, néio por ele mesmo, & que no faz nenbuma diferenca para ele, pessoal ¢ egoisticamente, 0 fato de ela viver ou morrer. Qualquer ato que um homem empreende em beneficio daque- les que ama nio & um sacrificio, se, na bierarquia de seus valores, no contexto total das escolhas abertas a ele, & conquistado aquilo de maior importancia pessoal (¢ racional) para ele, No exemplo acima, a sobrevivéncia da esposa é de maior valor para o marido do que qualquer outra coisa que o dinheiro dele possa comprar, é da maior importancia para sua prépria felicidade, e, por conse- guinte, seu ato mio é um sacrificio. ‘Mas suponha que a deixasse morrer para gastar o seu dinhei- ro com 0 salvamento das vidas de dez outras mulheres, das quais neshuma significasse nada para ele — como a ética do altruismo requereria, Isto seria um sacrificio, Aqui a diferenga entre Objeti- vismo e altruismo pode ser vista mais claramente: se 0 sacrificio €0 principio moral da ago, entio aquele marido deveria sactifi- car a sua esposa pelas dez outras mulheres. O que distingue a espo- 80 Avirtude do opeismo we sa das outras dez? Nada exceto o seu valor para o marido, que tem de fazer a escotha — nada exceto o fato de que a felicidade dele requer a sobrevivéncia dela. ‘A ética Objetivista dir-the-fa: 0 seu propésito moral mais al- to éa conquista da propria felicidade, o dinheiro ¢ seu, use-o pa- ra salvar a sua esposa, este ¢ 0 seu direito moral ¢ a sua escolha racional, moral. Considere a alma do moralista altruista que estaria prepara- do para dizer ao marido 0 oposto. (E entao pergunte a si mesmo se o altrnismo & motivado pela benevoléncia.) O método adequado de julgar quanclo ou se alguém deve aju- dar uma outra pessoa é pela refer€ncia ao seu proprio auto-interes- se racional ¢ & sta propria hierarquia de valores: 0 tempo, o dinhei- ro ou esforgo que se dé ou 0 risco que se corre deve ser proporcio- nal ao valor da pessoa em relagdo a sua prdpria felicidade. Para ilustrar isto no exemplo faverito dos altruistas: a ques- to de salvar uma pessoa que est se afogando. Se a pessoa a set salva é um estranho, é moralmente adequaclo salvé-la apenas quan- do o perigo para a sua propria vida é minimo; quando o perigo & grande, ¢ imoral tentar: somente a falta de auto-estima pode per- mitir que alguém nao valorize mais a sua vida do que a de um es- tranho qualquer. (E, opostamente, se alguém est se afogando, ndo pode esperar que um estranho arrisque a sua vida por causa dele, lembrando que a vida dele ndo pode ser to valiosa para es- te estranko quanto a propria vida deste.) Se a pessoa a ser salva ndo é um estranho, ent&o 0 risco que se deveria estar pronto a correr é maior em propor¢ao & importan- cia do valor da pessoa para aquele que salva, Se ¢ 0 homem ou mulher que se ama, entdo se deve estar pronto para dar a propria vida para salvé-lo(a) — pela raz egoista de que a vida sem a pes- soa amada poderia ser insuportavel. Em oposicao a isto, se um homem é capaz de nadar e salvar sua esposa que se afoga, mas se entra em panico on se entrega a um medo irracional ¢ ndo-justificado — néio o chamariam de “‘e- goista”; condend-lo-iam moralmente pela sua trai¢do a si mesmo € a seus proprios valores, ou seja: seu fracasso em lutar pela pre- servacdo de am valor crucial para sua propria felicidade. Lembre- se de que valores stio aqueles pelos quais alguém age pata obté-los i A ética nas sitvesSes de emorgéncia 6 e/ou conservé-los, ¢ que a felicidade de alguém deve ser conquista- da pelo proprio esforgo pessoal, Uma vez que a sua prépria felici- dade € 0 propdsito moral de sua vida, o homem que fracassa em alcangé-la por razio de sua propria negligéncia, por causa de seu fracasso em lutar por ela, é moralmente culpado. ‘A virtude envalvida em ajudar aqueles que se ama niio & “ab- negacdo” ou “sacrificio”, mas integridade. Integridade ¢ lealda- de para com as convicvdes ¢ valores que st tem. F a politica de agit de acordo com os seus valores, de expressa-tos, sustenti-los € traduzi-los na realidade prética. Se um homem professa amar uma mulher e ainda assim seus atos sdo indiferentes, desfavordveis ow prejudiciais a ela, € a sua falta de integridade que o torna imoral, © mesmo principio se aplica a relacionamentos entre amigos. Se 0 amigo de alguém esta com problemas, este alguém deve agir por quaisquer meios — que nio sejam de sacrificio — apropria- dos para ajudé-lo, Por exempio, se 0 amigo esti morrendo de fo- me, nao é um sacrificio, mas um ato de integridade dar-the dinhei- ro para comida preferivelmente a comprar aiguma engenhoca insig~ nificante para si mesmo, porque o bem-estar do amigo é importan- te na escala de valores pessoais deste alguém. Se a engenhoca sig- nifica mais do que 0 sofrimento do amigo, entio este alguém no tinha o direito de fingir ser amigo daquele. ‘A impkementago pratica da amizade, afeigdio ¢ amor consis- te em incorporar o bem-estar (@ bem-estar racional) da pessoa en- volvida, a prépria hierarquia de valores de alguém, ¢ entdo agir de acordo, Mas esta é uma recompensa que os homens tém de ganhar através de suas virtudes e que ndo pode ser concedida a meros co- hecidos ou estranhos. © que, afinal, dever-se-ia adequadamente conceder a estra- nhos? © respeito generalizado e a boa vontade que se deve conce- der a. um ser humano em nome do valor potencial que ele represen- ta — até ou a menos que os perca por alguma razio. © homem racional nao esquece que a vida é a fonte de todos ‘8 valores ¢, como tal, um vineulo comum entre os seres vivos (em oposig&o & matéria inanimada) e que outros homens sdo potencial- mente capazes de conquistar as mesmas virtudes como suas pro- prias e assim serem de enorme valor para ele. Isto ndo significa 62 Avirtude de agoismo we que considere as outras vidas humanas intereambidveis com a sua propria, Ele reconhece o fato de que a sua préptia vida é a fonte, ndo apenas de todos os seus valores, mas da sua capacidade de valorar. Por conseguinte, 0 valor que concede a outtos é somente uma conseqiiéncia, uma extensio, uma projegdo seoundaria do va- lor prinvirio que é ele mesmo. “<0 respeito ¢ a boa vontade que homens de auto-estima sen- tem em relacdo a outros seres humanos so profundamente egois- tas; eles sentem, de fato: “Outros homens tém valor porque eles sio da mesma espécie que eu.’ Ao reverenciar entidades vivas, es- to reverenciando suas préprias vidas. Esta é a base psicolégica de qualquer emocio de solidariedade ¢ quaiquer sentimento de so- lidariedade de espécie.’ ‘Vista que os homens nascem carentes de dados ou padroes, quer cognitives, quer morais, um homem racional julga estranhos como inocentes aié que se provem culpados, e Ihes concede aque- Ja boa vontade inicial em nome de seu potencial humano. Depois, cle os julga de acordo com o cardter moral que demonstram. Se ele os achar culpados por males importantes, sua boa vontade se- ré substituida por desprezo ¢ condenagao moral. (Se se valoriza a vida humana, nao se pode valorizar os seus destruidores,) Se cle os achar virtuosos, thes concedera valor pessoal individual e reco- nhecimento, na proporgio de suas virtudes, E no terreno desta boa vontade ¢ respeito generalizados pelo valor da vida humana que s¢ ajudam estranhos em uma situagao de emergéncia ~ e apenas em uma situagio de emergéncia. __E importante diferenciar entre as regras de conduta em uma situagdo emergencial e as regras de conduta nas condicdes normais da existéncia humana. isto nao significa um padrao duplo de mo- ralidade: o padrdo ¢ os princfpios basicos permanecem os mesmos, mas a aplicagiio deles a cada caso requer definicdes precisas, ___Umia emergéncia ¢ um evento nao escolhido, ndo esperado, limitado no tempo, que cria condigées sob a8 quais a sobreviven- cia humana é impossivel — como uma enchente, terremoto, incén- dio, naufragio. Numa situacdo de emergéncia, 0 objetivo primei- ro dos homens ¢ combater 0 desastre, escapar do perigo e restau- rar as condigées normais (aleancar a terra firme, apagar o incén- dio, etc.). A étien nas shuagSes do omergéncia 63 cn Por condigties “‘normais” eu quero dizer normais metafisi- camente, normais na natureza das coisas ¢ apropriadas a existtn- cia humana. Os homens podem viver em terra, mas nao na dgua ‘ou sob um incéndio violento. Uma vez que os homens ndo so onipotentes, é metafisicamente possivel que desastres inrprevisiveis ‘0s peguem de surpresa, caso em que stia Unica tarefa € retornar aquelas condigdes sob as quais suas vidas podem continuar. Por sua natareza, uma situagdo de emergéncia ¢ temporaria; se duras- se, 0s homens pereceriam. Somente em situagdes de emergéncia deve-se ser voluntatio para ajudar estranhos, se isto est ao nosso alcance. Por exemplo, tum homem que valoriza a vida humana ¢ se ve em um naufrégio, deve ajudar a salvar seus companheiros de viagem (embora nao & custa de sua propria vida), Mas isto nfo significa que apds todos eles chegarem & praia, ele deva devotar os seus esforgos para sal- var seus companheiros de viagem da pobreza, ignordncia, neuro- se, ot quaisquer que sejam os problemas que possam ter. Tampou- co significa que deva passar a sua vida navegando os sete mares a procura de vitimas de naufrdgio a serem salvas. ‘Ou, tomando um exemplo que pode ocorrer no dia a dia: sue ponhamos que se cuca dizer que o vizinho da porta ao lado esté doente ¢ sem dinheiro, Doenca ¢ pobreza nao sio emergéncias metatisicas, so parte dos riscos normais da existéncia; mas como o homem esté temporariamente desamparado, pode-se trazer a ele comida e medicamentos. Se se tom condicdes finaneciras (como tum ato de boa vontade, nao de obrigacao) pode-se conseguir di- heiro entre os vizinhos para ajud4-lo. Mas isto no significa que se deva sustenté-lo dai em diante, nem que se se deva passar a vi- da procurando por homens famintos para ajudar. Nas condigdes normais da existéncia, o homem tem de esco- Ther as stias metas, projetd-las no tempo, buseé-las ¢ alvangé-las por seu proprio esforco. Ele nfo poderd fazer isto, se suas metas estiverem a mercé de ¢ tiverem de ser sacrificadas a qualquer infor~ finio que aconteca a outros. Ele nao pode viver a sua vida atra- vés da otientagdo de regras aplicaveis apenas as condicdes sob as quais a sobrevivéncia huraana ¢ impossivel. © principio de que se deve ajudar aos homens em uma situa- cdo de emergéncia nao pode ser estendido até considerar todo o 64 A virtude do egoismo sofrimento humano como uma emergéncia e a transformar 0 in- fortinio de alguns ems uma hipoteca sobre as vidas de outros. Pobreza, ignordncia, doenga ¢ outros problemas deste tipo do sdo emergéncias metafisicas. Pela natureza metafisien do ho- mem ¢ da existéncia, aquele tem de manter a sua vida pelo seu pro- prio esforco; os valores de que precisa — come riqueza ou comhe- cimento —~ néo the sio dados automaticamente, como um presen- te da natureza, mas tem de ser descobertos ¢ conquistados por seu proprio pensamento ¢ trabalho. A nica obtigacdo que se tem em relacdo aos outros, a este respeito, ¢ manter um sistema social que deixe os homens livres para conquistarem, ganharem ¢ mante- rem os seus valores, Todo eddigo de ética € bascado ¢ derivado da metafisica, ou seja: de uma teoria sobre a natureza fundamental do universo no qual o homem vive e age. A ética altruista é baseada em uma me- tafisica de “universo malevolente”, na teoria de que 0 homem, por sua natureza propria, é desamparado e condenado — que su- cess0, felicidade, conquista so impossiveis para cle — que emer- géncias, desastres, catdstrofes so a norma de sua vida, e que sua meta primordial ¢ combaté- Como a refutaeao empirica mais simples daquela metafisica — enquante prova do fato de que o universo material no é desfa- vordvel ao homem, ¢ que catdstrofes so a excegdo, niio a regra de sua existéncia —, observe as fortunas feitas por companhias de seguro. ‘Observe também que os defensores do altruismo nfo so ca- pazes de basear a sua etica em quaisquer fatos de existencia nor- mal e que eles sempre oferecem situagoes tipo “bote salva-vidas”™ como exemplos a partir dos quais tirar regras de conduta moral. (“O que voc? deve fazer se vocé e outro homem estiverem em tum barco salva-vidas que s¢ tenha capacidade para um?", etc.) O fato que os homens nao vivem em barcos salva-vidas — eum barco salva-vidas nao é o lugar em que se deve basear a metafi- sica © propésito moral da vida de um homem é a conquista de sua propria felicidade, Isto ndo significa que ele seja indiferente a todos, que a vida humana ndo tenha nenfaum valor para ele e que nao tenha motivo para ajudar outros em uma emergéncia, Mas sig- A étien nos sltvasiios de emergéacis 65 i nifica, isto sim, que no subordina a sua vida ao bem-estar de ou- ros; ndo se sacrifica pelas necessidades deles; que 0 alivio do so- frimento deles néo € sua preocupagao prioritaria; que qualquer aju- da que ele dé é uma excego, ndo uma regra, um ato de generosi- dade, ndo de obrigasdio moral; que tudo isto € marginal ¢ inciden- tal — assim como os desastres sdo marginais ¢ incidentais no cur- so da existéncia humana — e que valores, nao desastres, sio a meia, a primeira preocupagdo e a forga motivadora de sua vida. (Fevereiro de 1963) poe exee de NEALULELEARLULD DEIAUTELEESTATIALIIEEELELIZEZEZIZ OS “CONFLITOS” DE INTERESSES ENTRE OS HOMENS Ayn Rand Alguns estudantes do Objetivismo acham dificil entender 0 principio Objetivista de que “nao existem conflitos de interesse en- tre homens racionais””. ‘Uma pergunta tipica 6 a seguinte: “Suponha que dois ho- mens se candidatem para 0 mesmo emprego. Apenas um pode ser empregado. Nao sera este um exemplo de conflito de interesses, € nao se beneficiara um deles a custa do sacrificio do outro?” Existem quatro consideragdes interrelacionadas envolvidas na visio dos interesses de um homem racional, mas ignoradas ou evadidas na pergunta acima e em todas as abordagens parecidas da questo, Eu as designaria como: (a) ‘“Realidade”, (b) '“Contex- 10”, () “Responsabilidade”’, (d) “Esforco”. (@) Realidade. © termo “interesses” é uma ampla abstragao que cobre todo 0 campo da ética, Inclui as questdes de: valores do homem, seus desejos, metas ¢ sua verdadeira conquista, na re- alidade. Os “interesses’” de um homem dependem do tipo de me- ta que escolha buscar; sua escatha de metas depende dos seus dese- jos, estes dependem dos seus valores — ¢, para um homem racio- nal, os valores dependem do juizo de sua razio. Os desejos (ou sentimentos ou emogdes ou vontades ou capri- chos) nao s40 armas da cogni¢&o; nao sé um padréio vilido de valor, nem um critério valido dos interesses do homem, O mero fato de um homem desejar algo néo constitui uma prova de que © objeto do seu desejo é bom, nem de que a conquista é realmen- te de seu interesse. Os “canilites”’ de interosses ontre os homens 67 Senna ennai OOHiNINOn OO Alegar que os inieresses de urn homem siio sacrificados to- da vez que um desejo seu & frustrado, é ter uma visio subjetivis- ta dos valores ¢ interesses do homemt. O que significa: acreditar que é adequado, moral e possivel 20 homem aleancar suas melas, indiferentemente de contradizerem os fatos da realidade ou nao. © que significa: ter uma visio irracionsl ou mistica da existéncia, © que significa: néio merecer nenhuma consideracio adicional. ‘Ao escolher suas metas (os valores especificos que visa obter e/ou manter), um homem racional é guiado pelo seu pensar (por um process da razo) — ndo por seus sentimentos ou desejos. Nao considera desejos como premissas irredutiveis, como aquelas dadas, que é destinado irresistivelmente a buscar. Ele no conside- ra “porque cu o quero” ou “porque et tenho vontade” como ‘uma causa ou validagdo suficiente de seus atos. Escolhe ¢/ou iden- tifica seus desejos por um processo da'razdo ¢ no age para reali- zar um desejo até © a menos gue seja capaz de racionalmente vali- ‘dé-lo no contexto completo do seu conhecimento ¢ dos seus ou- 1705 valores ¢ objetivos. Ele nao age até que possa dizer: “Eu que- 10 isto porque € certo.” ‘A Lei de Identidade (A & A) € a consideracdo suprema de um homiem racional no proceso de determinar seus interesses. Ele sabe que o contraditério é o impossivel, que uma contadigio no pode ser alcancada na realidade, ¢ que a tentativa de alcancé-la pode somente levar ao desastre ¢ & destruicdo, Por conseguinte, ndo se permite ter valores contraditérios ou imaginar que a busca de uma contradi¢ao possa, um dia, ser de seu interesse. ‘Apenas ui isracionalisia (ou mistico ou subjctivista — em cuja categoria posiciono todos aqueles que consideram a fé, os sen- timentos ou desejos como 9 padrao de valor de um homem) vive em um perpétuo conflito dé interesses. Nao somente os seus supos- tos interesses se chocam com os de outros homens, mas também se chocam entre si. Ninguém considera dificil descartar de uma consideracéo filo- séfiea o problema de um homem que se lamenta de que a vida 0 colocou num conflite irreconciliavel porque ele nfo pode comer a sobremesa ¢ ao mesmo tempo guardé-la. Este problema nfo ad- quire validade intelectual por ser ampliado até englobar questées alm de sobremesas — se for expandido para todo 0 universo, co- 68 Avirtude do egoisme mo nas doutrinas de Existencialismo, ou apenas para poucos ca- prichos e evasdes eventuais, como nas visdes da maior parte das pessoas a respeito dos seus interesses. Quando uma pessoa alcanga o estagio de afirmar que 98 inte- resses do homer se conflituam com a reatidade, 0 conceito “inte- esses” deixa de sex significative — ¢ 0 problema deste deixa de ser filoséfico e se torna psicoldgico. (6) Contexto. Assim como um homem racional nado possui nenhuma conviegao fora de contexto — ov seja: sem relacioné-la com 0 resto do seu conhecimento ¢ resolver quaisquer possiveis contradices —, também nao possui ou busca nenhum desejo fo- ra de contexto, E nao julga o que ¢ ou nio ¢ de seu interesse fo- ra de contexto. Esquecer 0 contexto € uma das principais armas psicolégicas de evasdo, Com relacéo aos desejos do individuo, ha duas formas de abandonar o contexto: as questdes de alcance ¢ de meios, ‘Um homem racional vé seus interesses em termos de toda ‘uma vida e seleciona as suas diretrizes de acordo. Isto ndo signifi- ea que fenha de ser onisciente, infalivel ou clarividente. Significa que ele nao vive sua vida a curto prazo e ndo vagucia como um beberrao impulsionado pelo imprevisto. Significa que nao conside- ra nenbum momento como separado do contexto do resto de sua vida, e que nao permite conflitos ou contradigGes enire os seus teresses de curto ou longo prazos, Ele nfo se torna seu préprio destruidor buscando um desejo, hoje, que destruira todos os seus valores, amanha. ‘Um homem racional nao se permite melancélicos desejos diti- gidos a fins divorciados des meios de que dispée. Nao se apega a um desejo sem saber (ou aprender) e considerar os meios pelos quais consegui-lo. Dado que sabe que a natureza ndo prove o ho- mem de satisfagdo automatica dos seus desejos; que as metas ¢ va- Jores de um homem deve ser conquistados pelo seu proprio es forgo; que as vidas e esforcos de outros homens nao so sua pro- priedade € niio est&o ld para servir aos seus desejos — um homem. racional nfo tem um desejo ou busca um objetivo que nao possa ser aleancado direta ou indiretamente por seu proprio esforco. E com um entendimento adequado deste “‘indiretamente’’ que a questo social decisiva inicia-se. Os “conflitas” de interesses entre of hament 69 Viver om uma sociedade, a0 invés de numa ila deserta, no alivia o homem de sua tesponsabilidade de sustentar sua propria vida, A Yinica diferenga & que ele sustenta a sua vida comercializan- do os seus prodatos ou servigos pelos produtos ou servigos de ou tros, E, neste processo de comércio, um homem: racional no pro- cura ou deseja nada mais ou nada menos do gue seu proprio es- forgo possa ganhar. O que determina seus ganhos? O mercado li- vre, isto é: a escolha e julamento voluntérios dos homens que es- do prontos a comercializar com ele seus proprios esforgos. Quando um homem negocia com outros, est contando explicita ou implicitamente — com a racionalidade deles, ou seja: com a habilidade destes de reconhecerem @ valor objetive do seu trabalho. (Um negécio baseado em qualquer outra premissa é um jogo de truques ou uma fraude.) Deste modo, quando um homem racional busca uma meta em uma socitdade livre, ndo se coloca & merc dos caprichos, favores on preconceitos de outros; depen de somente do seu proprio esforco: diretamente, fazendo trabalho objetivamente de valor — indiretamente, através da avaliagao obje- tiva do seu trabalho por outros. E neste sentido que um homem racional nunca mantém am desejo ou busca um objetivo que nao possa ser alcancado por seu proprio esforeo. Ele comercializa valor por valor. Nunca procura ou descja o imerecido. Se decide alcangar um objetivo que requer a cooperacdo de muitas pessoas, nunca conta com nada mais do que a sua propria habilidade de persuadi-las, bem como a concor- dancia voluntatia delas. E desnecessario dizer que um homem racional nunca distor- ce ou corrompe seus prdptios critérios e juizo para apelar a irracio- nalidade, estupidez e desonestidade de outros. Ele sabe que este ramo é suicida, Sabe que a tinica chance pratica de se alcancar qualquer grau de sucesso ou qualquer coisa humanamente deseja~ vel repousa em negociar com aqueles que sito racionais, indiferen- temente de serem muitos ou poucos. Se, em qualquer circunstdn- cia dada, é possivel obtet vitdria, somente a razio pode logré-la. E, em uma sociedade livre, indiferentemente de quao dificil seja aluta, a raz8o & que, por final, yence. Dado que nanca abandona o contexto das questdes com as quais fida, um homem racional aceita aquela iuta como de seu in 70 Avirtude da egotsmo teresse — porque sabe que a liberdade é de seu interesse. Sabe que a lua para alcangar seus valores inchii a possibitidade de derrota. Também sabe que nfo ha nenhuma alternativa e nenhuma garan- tia automdtica de sucesso pelo esforgo humana, nem ao lidar com a natureza, nem com outros homens, Enldo ete no julga os seus interesses por nenhum fracasso especffico, nem pelo alcance de ne- nhum momento em particular. Vive-e julga a longo prazo. B assu- me a completa responsabilidade de saber que condicdes so neces- sdrias para a conquista dos seus objetivos. (©) Responsabilidade, Esta titima é a forma particular da res- ponsabilidade intelectual da qual a maioria das pessoas foge. Es- sa fuga é a causa majoritiria de suas frustragdes e fracassos. ‘A maior parte das pessoas tem desejos fora de qualquer con- tetfo, como se fossem metas suspensas em um véeuo nebuloso, a névoa escondendo qualquer conceito sobre os meios para atingi- las, Elas se desperiam mentalmente apenas o tempo suficiente pa- ra proferir um “eu desejo” ¢ param ai, e esperam, como se o res- to dependesse de alguma forga desconhecida. Elas fogem ¢ da responsabilidade de julgar o mundo social. Consideram o mundo como dado. “Um mundo que eu nunca cons- truf” & a esséncia mais profunda de sua atitude — e procuram ape- nas se ajustar sem criticas aos requisitos imcompreensiveis daque- Jes incognoseiveis outros que, estes sim, construfram 0 mundo, quem quer que tenham sido. ‘Mas humildade ¢ presungao so dois lados da mesma moeda psicoldgica, Na disposigdo de se entregar cegamente & mercé de outros, existe o privilégio implicito de fazer demandas cegas aos seus mestres. Existem intimeras maneiras para este tipo de “humildade me- taflsica’® se revelar. Por exemplo, hd o homem que deseja ser ri- co, mas jamais pensa cm descobrir que meios, agdes e condigdes so necessérios para alcancar a riqueza. Quem é ele para julgar? ‘Nunca construiu o mundo — e “‘ninguém Ihe deu uma oportunidade”. Existe a garota que deseja ser amada, mas munca pensa em, descobrir o que € 0 amor, que valores este requer, ¢ se ela possui alguma virtude pela qual possa ser amada, Quem é ela para julgar? O amor, sente cla, é um beneficio inexplicével —~ entio simples- mente © almeja, sentindo que alguém a privou da sua quota na i Os “conffitos”* de interesses entra os homens 71 distribuigho de beneticios. Ha os pais que sofrem profunda e genuinamente porque 0 seu filho (ou filha) ndo os ama, e que, simultaneamente, ignoram, se opdem a ou tentam destruir tudo que sabem das conviegSes, valores ¢ diretrizes de seu filho, nunca pensando na conexo entre estes dois fatos, nunca fazendo uma tentativa de entender sev fi- Iho. O mundo que nunea construiram e que ado ousam desafiar, disse-ihes que as criangas mam seus pais automaticamente. Existe o homem que quer um emprego, mas jamais pensa em descobrir que qualificagées este tequer, ou de que se constitui © fazer um bom trabalho, Quem é cle para julgar? Nunca cons- truiu o mundo. Alguém The deve uma vida. Como? De alguma maneira, ‘Um arquiteto europen meu conhecigo estava falando, um dia, da sua viagem para Porto Rico. Descreveu ~~ muito indignado em relacdo ao universo como um todo — a sordidez das condi- des de vida dos portoriquenkos, Entdo descreveu as maravithas que‘a habitagdo moderna poderia fazer para eles, as quais havia sonhado em detalles, incluindo refrigeradores elétricos e banhei- ros azulejados, Eu perguntei: “Quem pagaria por isto?” Ele res- ponden, num tom de voz levemente ofendido, quase irado: “Ah, isto ndo cabe a mim me preocupar. A incumbéncia de um arquite- to somente projetar o que deveria ser feito. Deixe que outra pes- soa pense no dinheiro.” Esta é a psicologia de onde partiram todas as “reformas so- ciais’” ou “servigos sociais” ou “experiéncias nobres”’ ou a destrui- so do mundo. ‘Ao reduzir a responsabitidade pelos préprios interesses ¢ pe- Ja propria vida, se reduz a responsabilidade de alguma vez ter de considerar os interesses ¢ vida de outros — daqueles outros que devem, de alguma maneira, proporcionar a satisfagdo dos nossos praprios desejos. ‘Quem quer que permita um “de alguma maneira’* dentro de sua visio dos meios pelos quais seus desejos devem ser alcancados, € culpado daquela ‘‘humildade metafisica’” que, psicologicamente, & 2 premissa de um parasita. Como apontou Nathaniel Branden em uma palestra, ‘de alguma maneira” sempre significa “‘alguém™. (@) Esforco. Uma vez que um homem racional sabe que de- 72 Avirtude do ogoisme we ‘ve conquistar suas metas por seu préprio esforco, sabe que nem a riqueza nem empregos nem quaisquer valores humanos existem em uma quantidade dada, limitada, estética, aguardando ser divi- dida. Ele; sabe que todos os beneficios tém de ser produzidos, que © ganho de um homem ndo representa a perda de outro, que a te- alizago de um homem nao é obtida 4 custa daqueles que no a alcangaram. Portanto, ele nunca imagina ter algum tipo de direito a reivin- dicar o imerecido, unilateral, a qualquer ser humano —~ ¢ nunca deixa os seus interesses & merc@ de qualquer outra pessoa ou de uma idéia concreta, especifica, Pode precisar de clientes, mas ndo de um cliente em particular — pode precisar de fregueses, mas ‘nao de um fregués em particular —- pode precisar de um empre- g0, mas ndo de um emprego em particular. Se encontra competi¢éo, ou a enfrenta, ou escolhe um outro tipo de trabalho. Nao existe um emprego to baixo em que seu melhor ¢ mais habilidoso desempenho passe desapercebido € no apreciado: nao em uma sociedade livre. Pergunte a qualquer geren- te de empresa. Somente abulicos, parasitas da escola da “‘metafisica da hu- mildade”’, véem todo competidor como uma ameaga, porque 0 pensamento de ganhar uma posi¢ao por mérito pessoal ndo faz parte de sua visio de vida. Bles consideram a si mesmos como mediocridades substituiveis que nada tém a oferecer e que lutam ‘em um universo “‘estatico”*, pelo beneficio sem causa de alguém. Umi homem racional sabe que nao se vive por meio de “‘sor- te”, “‘chances”” ou favores, que nio existe algo como uma. ‘‘ini- ca chance”’ ou uma tnica oportunidade, ¢ que isto ¢ garantido pre- cisamenie pela existéncia da competicao. Ele ndo considera nenhu- ma meta especifica e concreta ou valor como insubstituivel. Sabe que apenas pessoas sao insubstituiveis — apenas aquelas que se ama. Sabe, também, que nao ha conflitos de interesses entre ho- mens racionais, nem mesmo na questéo do amor. Assim como qualquer outro valor, 0 amor nao é uma quantidade estatica a ser dividida, mas uma resposta ilimitada a ser ganha, O amor por uum amigo no é uma ameaga ao amor por outro, e nem o é 0 amor pelos varios membros de uma familia, admitindo-se que eles © ganharam. A forma mais exclusiva — 0 amor romantico — nao eect Os “conflitas”’ de interosses entre oxhemens 73. uma questo de competi¢ao, Se dois homens estdo apaixonados pela mesma mulher, o que ela sente por qualquer um deles no é deierminado pelo que sente pelo outro ¢ nem tampouco é tirado dele, Se ela escothe um, ¢ “perdedor” ndo poderia ter tido o que © “vencedor”” ganhaw. E somente entre pessoas irracionais, motivadas emocionalmen- te, cujo amor esta divorciado de quaisquer critérios de valor, que rivalidades ocasionais, conflitos acidentais ¢ escolhas cegas prevale- cem. Mas entao, quem quer que venca nao vence totalmente. En- tte 0s movidos-a-emogdio, nem o amor nem qualquer outra emo- ¢do tem qualquer significado. Essas so, em breve esséucia, as quatro considerag6es majori- tarias envolvidas na visio de um homem racional sobre os seus i teresses, Agora retornemos A pergunta feita originalmente — sobre os dois homens se candidatando ao mesmo emprego — ¢ observemos de que mancira ela ignora ou opée estas quatro considetacées. (a) Realidade. O mero fato de que dois homens desejem 0 mesmo emprego nao constitui prova de que qualquer um deles es- teja qualifieado para ele ou o mereca ¢ de que seus interesses sejam_ prejudicados, se néo o obtiver. (b) Contexto, Ambos devem saber que, se desejam o mesmo emprego, sua meta so se torna possivel pela existéncia de um inte- resse empresarial capaz de prover emprego — que este interesse empresarial requer a disponibilidade de mais de um candidaio pa- ra qualquer emprego — que se existisse somente um candidato, ele no congeguiria o emprego, porque © interesse empresatial te- ria que fechar as suas portas — € que sua competigao para o mes- mo emprego € de seu interesse, muito embora um deles perca na- quele conflito especifico. (©) Responsabilidade. Nenhum homem tem o direito moral de declarar que ndo quer considerar todas estas coisas, apenas quer um emprego. Nao Ihe € dado o direito a nenhum desejo ou “interesse”” sem o conhecimento do que é requisitado para tornar sua execugdo possivel. (@) Esforgo. Quem quer que pegue o emprego, 0 ganhou (pres- supondo-se que a escolha do empregador seja racional). Este bene- ficio se deve ao seu proprio mérito — no ao “sacrificio™ do ou- 74 Avirtude de egoisme a AUEERUSREURIELEEEURETEYIZEXEAUA2E UAZUAEZLZRVIBEZEALELZEDILIEEE tro homem, que nunea teve nenhum direito adquirido sobre © em- prego. O fracasso em dar a um homem que nunca Jhe pertencen dificiimente pode ser descrito come “sacrificar seus interesses,” ‘Toda a discussdo acima somente se aplica a relacionamentos entre homens racionais € nfo mais do que a uma sociedade livre. Nesta, ndo se tem de tratar com os que so irracionais, Um indivi- duo é livre para evité-los. Eni una sociedade carente de liberdade no existe, para nin- gném, a possibilidade de buscar interesse algum; nada ¢ possivel, exceto a destrui¢do gradual e geral. NAO SOMOS TODOS EGOISTAS? Nathaniel Branden (Agosto de 1962) Determinadas variantes desta pergunta sao freqiientemente Jevantadas como abjecdo aqueles que.defendem uma ética de au- to-interesse racional. Por exemplo, as: vezes: “Cada um faz 0 que verdadciramente quer fazer — do contratio, ndo faria.”” Ou: “Nin- guém se sacrifica realmente. Jé que toda acto proposital é motiva- da por algum valor ou meta que o agente deseja, age-se sempre egoisticamente, sabendo-se ou ndo.”* Para desembaracar a confusto intelectual envoivida neste pon- to de vista, consideremos que fatos da realidade conduzem a uma questo como egoismo versus auto-sacrificio, ou egoismo versus altruismo, ¢ 0 que o coneeito de “‘egoismo”* significa ¢ necessaria- mente acarreta. ‘A questéo do egoismo versus auto-sacrificio emerge em um contexto étied. A ética é um cédigo de valores que guia as esco- thas ¢ agdes do homem — as escolhas e ages que determinam o propésito ¢ o rumo de sua vida. Ao escolher suas ages e objet Vos, 0 homem enfyenta alternativas constantes. Para optar, requer um critério de valor — um propésito ao qual suas acdes devern servir ¢ visar. ‘Valor’ pressupGe uma resposta & pergunta: de va- lor para quem e para que?” (Atlas shrugged). Qual deve ser 0 ob- Jetivo ou propésito das agdes de um homem? Quem deve ser 0 pretendido beneficiirio de suas agdes? Deve ele sustentar, como seu propésito moral basico, a realizaciio de sua prépria vida ¢ feli- cidade -~ ou deveria o seu propésito maral basico servir aos dese- Jos © necessidades de outros? 75 76 Avvietude de egaisma ~ © choque entre egoismo e altrufsmo repousa em suas res postas conilitantes a estas perguntas. O egofsmio sustenta que homem & um fim em si mesmo; o altraismo, que o homem é um meio para os fins de outros. O egoismo sustenta que, moralmen- te, 0 beneficidrio de uma agdo deveria ser a pessoa que age: 0 al- truismo, que, moralmente, o bensficidrio de uma agdo deveria ser outre, ¢ no 2 pessoa gue age. Ser egoista é estar motivado pela preocupacdo com os préprios inieresses. Isto exige que se considere o que constitu os interesses Ge um individuo e como aleangi-ios — que valores e metas buscar, que principios e politicas adotar. Se um homem ndo estiver iateres- sado nesta questo, no se poder dizer objetivamente que se inte- ressa ou deseja set auto-interesse; no se pode estar interessado em ou desejar aquilo de que nao se tem conhecimento. © egoismo vincula: (a) uma hierarquia de valores estabeleci- da pelo padrito dos auto-interesses de alguém, e (b) a recusa a sa- crificar um valor maior a um menor au a aige carente de valor. ‘Um homem genuinamente egaista sabe que somente a razzo pode determinar 0 que é, na verdade, do seu auto-interesse, que buscar contradigdes ou tentativas de agir em provocacio aos fatos da realidade € autodestrutive — ¢ a autodestruigao nao é de seu auto-interesse, “Pensat é do auto-interesse do homem; interrom- per a sua cogsciéncia, nao. Escother as suas diretrizes no contex- to do seu conhecimento, seus valores ¢ sua vida é do auto-interes- se do homem; agir no impulso do momento, sem consideracio a0 seu context de longo prazo, nao. Existir como um ser produti- vo € do auto-interesse do homem; uma tentativa de cxistir como um parasita, nfo, Procurar a vida adequada a sua natureza & do auto-interesse do homem; procurar viver como um animal, no.” Porque um homem genuinamente egoista escothe as suas dire- ‘izes orientado pela razdo — e porque os interesses de homens ra- cionais no se chocam —, outros homens podem, freqtientemen- te, beneficiar-se de suas acdes. Mas o beneficio de outros homens ndo é seu proposito ou objetivo bésico; seu proprio beneficio so seu propésito bsico e objetivo conscfente que dirigem suas agdes.> Para tornar este principio inteiramente claro, consideremos um exemplo extremo de uma aedo, que ¢, na verdade, egoista, mas que, convencionalmente, poderia ser chamada de auto-saerifi- Nao somos todos egefstas? 77 cio: a disposigdio de um homem para morrer a fim de salvar a vi- da da mulher que ama, De que modo seria este homem o benefi- cidrio de sua agio? ‘A resposta é dada em Atias shrugged — na cena em que Galt, sabendo estar por ser preso, diz a Dagny: “Se eles tiverem a me- nor suspeita a respeita do que somos um para 0 outro, vaio colo- céla em uma sessfio de tortura — quero dizer, tortura fisica — diante dos meus olhos, em menos de uma semana. Nao vou espe- rar por isto, Na primeira mengdo de uma ameaca a vocé, vou me matar e fazé-los parar bem af... ndo preciso Ihe dizer que, se ew fizer isto, nfo’ seta um ato de auto-sacrificio. No me importa vi- ver nas condigdes deles. Nao estou a fim de obedecé-los ¢ nao es- tow a fim de ver voce sofrendo um assassinato planejado, Nao ha- ver nenbum valor pata buscar depois disto — ¢ nao estou a fim de viver sem valores.” Se um homem ama uma ruler to intensa- mente que nBo quer sobreviver & sua morte, sc a vida nao pode oferecer-Ihe mais nada a este prego, entéo morrer para salvé-la nao é um sacrificio. © mesmo principio se aplica a um homem que se encontra em uma ditadura, que conscientemente arrisca a sua vida para ob ter a liberdade. Para classificar 0 seu ato de “‘auto-sacrificio”, ta se-ia que admitir que ele preferiria viver come escravo. O egoi mo de um homem que estd disposto a morrer, se necessdrio, lntan- do por sua liberdade, repousa no fato de nao estar disposto a vi- ver num mundo onde ja ndo é capaz de agir sob o seu proprio jui- z0 —~ isto é, wm mundo onde condigdes humanas de existéncia j4 nao sfo possiveis para ele. © egcismo ou niio-egoismo de uma agdo deve ser determina- do objetivamente, e ndo pelos sentimentos da pessoa que age. As- sim como sentimentos nao so armas da cognigéo, também nao séo am critérip, na ética. Obviaménte, para agir, tem-se de ser movido por algam moti- vo pessoal: deve-se “querer’’, em algum sentido, desempenhar a agdo. A questo do egoismo de uma agao ou do seu nfo-egoismo depende, ndo do fato do individuo querer ou ndo a efetuar, mas apenas do porqué quer fazé-Jo. Por que critério escotheu sua agdo? Para alcancar qual objetivo? Se um homem prociamasse que sentira que melhor bensficia- 78 Avietude do egatsmo ria 05 outros roubando-os ou assassinando-os, os homens ni esta- riam dispoitos a reconhecer altruismo em suas agdes, Pela mes- ma l6gica ¢ razdes, se um homem busca um ramo de autodestrul Ho cega, scu sentimento de que ele tem algo a ganhar através dis- 10, n&o estabelece que suas agdes so egoistas.. Se, motivada unicamente por senso de caridade, compaixao, obrigacdo ou aitrufsmo, uma pessoa renuncia a um valor, desejo ou objetivo em favor do prazer, desejos ou necessidades de outra Pessoa a quem valoriza menos do que aquilo a que renunciou — este € um ato de auto-sacrificio. O fato de uma pessoa poder sen- tir que “quer” faz6-lo, nao torna a sua ago egoisia ou estabele- ce objetivamente que cla é a beneficiaria da acdo, Suponha, por exemplo, que um fitho escolha a carreira que deseja através de critérios racionais, mas ai renuncie a ela para agra- dar sua mae, que prefere que siga uma carreira diferente, que te- nha mais prestigio aos olhos dos vizinhos. O garoto acede ao dese- jo de sua mae porque aceitou isto como sua obrigacdo moral: acre- dita que seu dever como filho consiste em colocar a felicidade de sua mae acima da sua propria, mesmo que saiba que a exigéncia da mie ¢ irracional ¢ mesmo que saiba que estd se sentenciando auma vida de miséria e frustracdo. B absurdo para os defensores da doutrina “todos somos egoistas” declararem que, ja que 0 ga- Foto esta motivado pelo desejo de ser “virtuoso” ou de evitar a culpa, nenhum auto-sacrificio esta envolvido, e sua agiio é verda- deiramente egoista. O que se evita ¢ a pergunta de por que o garo- to sente ¢ deseja de tal forma, Emogdes ¢ desejos nao so premis- sas irredutivcis, desprovidas de causa, so o produto dus premis- sas que se aceitou. O garoto “quer” renunciar & sua carreira ape- nas porque actitou a ética do altruismo; cré ser imoral agir para seu préprio auto-interesse. Este é 0 principio que esta dirigindo suas agdes. Defensores da doutrina “todos somos egoistas"” nfo negam que, sob a pressdo da ética altrufsta, os homens podem intencio- nalmente agir contra sua prdpria felicidade, a longo prazo. Eles simplesmente afirmam que em algum sentido maior, indefinivel, esses homens ainda esto agindo “egoisticamente””, Uma definicio de “egoismo" que inclui e permite a possibilidade de intencional mente agir contra a felicidade a longo prazo de um individuo, ¢ Nao somos todos ogoistas? 79 fen NN uma contradicdo em termos. . E apenas 0 legado do misticismo que permite aos homens ima- ginarem que ainda estéo faiando com sentido quando dectaram que se pode procurar a felicidade na reniincia a ela. | ‘A falacia basica no argumento “todos somos egoistas” consis- te em um equivoco extraordinariamente brutal. E um truismo psi- colégico — uma tautologia —~ pelo qual todo comportamento in- tencional € motivado. Mas igualar “‘comportamento motivado”” com “comportamento egoista” & zerar a distingdo entre um fato elementar da psicologia humana ¢ o fendmeno da escotha.ética. F fugir ao problema central da ética, a saber: o qué motiva o homem? ‘Um egofsmo genuino — isto é: um interesse genuino por sa- ber © que é do auto-interesse do individuo, uma aceitagdo da res- ponsabilidade de conqnisté-lo, uma récusa a jamais traf-lo agindo sob caprichos cegos, estado de espifito, impulso ou sentimento do momento, uma lealdade sem compromissos com juizos,.convic- ‘gdes e valores proprios — representa uma profunda conquista mo- ral. Aqueles que afirmam que “todos somos egoistas” comumen- te apresentam sua afirmagdo como uma expressfio de cinismo ¢ desdém. Mas a verdade é que sua afirmacto faz 4 Humanidade um elogio que nao merece. (Setembro de 1962) AENREREREREALEAUTO IATA I2AUEZILIRULLTZTEORLRATYEXITIELETEITE A PSICOLOGIA DO PRAZER Nothaniel Branden Prazer, pata.o homem, ndo § um luxo, mas uma necessida- gica profunda, et (n0 sentido mais amplo do termo} é uma concomitan- te metafisica da vida, a recompensa e a conseqtiéncia da agio bem- sucedida — assim como a dor € a insignia do fracasso, destruicdo € morte. Através do estado de alegria, 0 homem experiencia 0 valor da vida, o sentido de que a vida vale a pena ser vivida, de que va- Je a pena lutar para manté-la. Para que viva, o homem deve agir a fim de conquistar valores. Prazer ou alegria é, ao mesmo tem- ps, uma recompensa emecional por um ato bem-sucedido ¢ um incentive para continuar agindo. Além disso, devido ao significado metafisico do prazer para o homem, o estado de alegria the dé uma experiéncia direta de sua prépria eficdcia, de sua competéncia em lidar com os fatos da re- alidade, de alcancar seus valores, de viver. Implicitamente conti- do na experigneia do prazer esté o sentimento: “Estou no contro le de minha existéncia” —~ assim como implicitamente contido na experignciay da dor esti o sentimento: “Estou indefeso.’” Como o prazer emdcionalmente’ acarreta um sentido de eficacia, entao a dor emocional acarreta um sentimento de impoténcia, Deste modo, ao permitir que 0 homem experimente, em sua propria pessoa, o sentido de que a vida é um valor, ¢ que ele é um valor, o prazer serve como combustivel emocional da existén- cia do homem. 80 A psicelogia do prazor ai Assim como o mecanismo prazer-dor do corpo do homem funciona como um barémetro de saiide ou doenga, 0 mecanismo prazer-dor de sua conseiéncia funciona pelo mesmo prineipio, agin- do como barémetre de que ¢ a favor ou contra si, do que é bené- fico ou prejudicial a sua vida, Mas 0 homem € um ser de conscién- cia yolitiva, nfo possui idéias inatas nem conhecimento infalivel ou auttomatico a respeito do que depende sua sobrevivéncia, Ele tem de escoltter os valores que devem guiar os seus atos ¢ determi- nar suas diretrizes. Seu mecanismo emocional trabalha de acorde com 0 tipo de valores que escolhe. Sdo os seus valores que deter- minam 0 que o.homem sente ser a seu favor ou contra si; so os seus valores que determinam o que procura por prazer. Se um homem cometer um erro em sua escolha de valores, seu mecanismo emocional ndo 0 corrigita: este nao possui vonta- de prépria. Se 05 valores de um homemi forem tais que deseje coi- sas que, de fato ¢ na realidade, ¢ levem & destrui¢ao, seu mecanis- mo emocional ndo o salvar, mas, ao invés disso, 0 incitaré em Giregdio A destruicao: ele ter de o colocar a0 contrério, contra si mesmo ¢ contra os fatos da realidade, contra sua prépria vida. O mecanismo emosional € como um computador eletrénico: © ho- mem tem 0 poder de programdé-lo, mas ndo, absolutamente, de mudar sua natureza — de modo que, se fizer a programacdo erra- da, ndo seré capaz de escanar do fato da maioria dos desejos des- irutivos terem, para ele, a intensidade emosional e a urgéncia de atos que salvam a vida. Ele possti, ¢ claro, o poder de mudar a programacdo — mas apenas pela mudanga de seus valores. ‘Os valores basicos de um homem refletem sua visio conscien- te ¢ subconsciente de si mesmo e da existéncia. Eles sfio a expres- sfo da (a) natureza ¢ grau de sua auto-estima ou falta dela, e (b) extensdo do que considera o universo aberto ou fechado & sua com- preenso e aco — isto &, a extensito até onde sustenta uma visio benevolenie ou maléfica da existéncia. Deste modo, as coisas que uum homem procura por prazer ou alegria séo profundamente reve- ladoras do ponto de vista psicoldgico; sd 0 indice de seu carater e alma. (Por “alma” quero dizer: a consciéncia de um homem ¢ seus valores motivadores basicos.) Ha, claramente, cinco areas (interconectadas) que permitem 0 homem experienciar a alegria da vida: trabalho produtivo, rela- 82 Avirtude do egaisme cionamento humano, recreacao, arte © sexo. ‘Trabalho produtivo é a mais fundamental delas: através do trabalho, 0 homem ganha o seu sentido basico de controle sobre a existéncia — seu sentido de eficécia —, que & a fundago neces- siria da habilidade de aproveitar qualquer outro valor. © homem em cuja vida falta direcdo ow propésito, o homem que nao possui um objetivo criativo, necessariamente sente-se abandonado e fora de controle; o homem que se sente abandonado ¢ fora de contro- le, sente-se inadequado ¢ imprépric para a existéncia; eo homem que se sente impréprio para a existéncia, é incapaz de aproveité-la, Lima das mareas distintivas de um homem que sente auto-esti- ma, que considera 0 universo aberto ao seu esforco, é 0 profun- do prazer que experimenta no trabalho produtivo de sua mente; sua alegria de vida ¢ alimentada por seu interesse constante em cres- cer em conhecimento ¢ habilidade — pensar, aleancar, mover-se para frente, encontrar novos desafios e ultrapassi-los — de ficar ‘orguihoso de uma eficdicia em constante expansiio. Um tipo diferente de alma é revelada pelo homer que, predo- minantemente, tira prazer em trabalhar somente na rotina ¢ naqui- lo que the & familiar, que est inclinado a aproveitar o trabalho em um estado de semi-atordoamento, que vé felicidade na ausén- cia de desafios ou de lutas ou esforcos: a alma de um homem pro- fundamente deficiente em auto-estima, para quem o universo sur- ge como desconhecido ¢ vagamente ameacador; 0 homem cujo im- pulso motivador central é a ambigdo por seguranca, ndo a seguran- 6a obtida pela eficiéncia, mas a de um mundo no qual a eficiéncia nao € exigida. Ainda um tipo diferente de alma é revelado pelo homem que acha inconcebivel que o trabalho — qualquer forma de trabalho — possa ser agraddvel, que considera o esforco de ganhar a subsis- tEncia como um mal necessério, que sonha somente com os praze- res que comecam quando o dia de trabalho termina, 0 prazer de afogar sua mente em dlcool ou televisdo ou bilhar ou mulheres, 0 prazer de nfo ser conseiente: 2 alma de um homem sem-um fia- po de auto-estima, que nunca esperou que o universo fosse com preensivel e toma seu pavor letdrgico por ele como algo certo, ¢ ‘cuja tinica forma de alfvio ¢ tinica nogdo de alegria slo breves fais- cas de prazer produzidas por sensagdes que niio demandam esfor- Apticologia do prozer 83 ¢o algum. ‘Ainda um outro tipo de alma € revelado pelo homem que tem prazer, ndo em realizacdes, mas em destruicdo, cuja acdo ¢ dirigi- da, ndo a atingir a eficiéncia, mas a dominar aqueles que a atingi- ram; a alma de um homem tao miseravelmente desprovido de auto- valor ¢ to dominado pelo terror da existéncia, que sua forma Gni- ca de auto-realizagio & desencadear seu ressentimento e édio con- tra aqueles que no partilham seu esiado, aqueles que esto aptos para viver ~~ como se, pela desteniggo do confiante, do forte ¢ do saudavel, pudesse converter impoténcia em_eficiéncia. Um homem racional ¢ autoconfiante é motivado por um; amor por valores e por um deseje de alcangé-los. Um neurdtico € ‘motivado pelo medo e pelo desejo de escapar dele, Esta diferenga em motivacao € refletida, nao apenas inas coisas que cada tipo' dé homem procura por prazer, mas na nafureza do prazet que experi menta. . ‘A qualidade emocional do prazer experimentado pelos quatro hosnens descritos acima, por exemplo, nao é a mesma, A qualida- de de qualquer prazer depende de processos mentais que Ihe dao origem e acompanham, ¢ da natureza dos valores envolvidos. O prazer de utilizar a consciéncia do individuo adequadamente ¢ 0 “prazer” de ser inconsciente nao sfic os mesmos — assim como prazer de alcancar valores reais, de ganhar um sentimento autén- tico de eficiéncia, ¢ 0 “prazer”” de diminuigio temporaria do senti- do do individuo de medo e abandono, no so os mestnos. O ho- mem que sente auto-estima experimenta a alegria pura ¢ nfio-adul- terada de utilizar suas faculdades adequadamente ¢ de aleangar, na realidade, valores verdadeiros — um prazer do qual os outros trés homens podem nfo ter nog, bem como ele nao tem nocio do estado confuso e sombrio que eles chamam de "prazer”. Este mesmo principio aplica-se a todas as formas de alegria, Deste modo, no dominio das relagdes humanas, uma forma dife- rente de prazer é experimentada, um tipo diferente de motivacdo € envolvido e um tipo diferente de cardter revelado pelo homemt que procura por alegria a companhia de seres hurnanos com inteli- géncia, Integridade ¢ auto-estima, que divide seus critérios rigoro- sos — e pelo homem que estd apto a divertir-se apenas com seres humanos gue nao possuem critérios, quaisquer que sejam, e com oe Be 34 Avirtude do egolmo aa quem, ¢ por conseguinte sente-se livre pata ser ele mesmo — ow pelo homem que encontra praver somente na companhia de pesso- as que despreza, que pode comparar consigo mesmo favoravelmen- te — ou pelo homem que encontra prazer apenas entre pessoas que pode enganar ¢ manipular, de quem ele tira o mais baixo subs- fituto neurdtico para um sentido de genuina eficiéncia: um senti- do de poder. \ Para ui homem racional, psicologicamente saudavel, 0 dese: Z } io pelo prazer € 0 desejo de coméniorar Sei contrale sobre a.realis x dade, Para 0 neurético, 0 desejo por prazer.€ o.deseja.de-escapar da realidade: ~Aioia considere a esfera da reereagao. Por exemple, uma fes- ta. Um homem racional desfruta uma festa como uma recompen- sa emocional de uma realizagdio, e pode tirar prazer dela apenas se, de fato, envolve atividades agradaveis, como ver pessoas de que gosta, encontrar pessoas novas que acha interessantes, partici- par de conversas nas quais algo que valha a pena dizer ¢ ouvir es- teja sendo dito e ouvido. Mas um neurético pode “desfrutar” uma festa por razGes no relacionadas a atividades reais, que esto acontecendo: pode odiar ou desprezar ou temer todas as pessoas presentes, pode agir como um babo espalhafatoso e sentir-se secre- tamente envergonhado disto — mas sentira que estd aproveitando tudo porque as pessoas esto emitindo as vibracies de aprovacio, ou porque é uma distinc&o social ter sido convidado para essa fes- ta, ou porque outras pessoas manifestam estar alegres, ou porque a festa ja o dispensou, pela duragdo de uma noite, do terror de estar sozinho, O “prazer”’ de estar bébado & obviamente o prazer de esca- par da responsabilidade da consciéncia. E assim 0 sao reunides so- ciais realizadas com nenhum outro propésito sendo a expresso | do caos histérico, onde os convidados vagueiam num torpor alcod- it ruidosa ¢ insensatamente e desfrutando a ilusio | de um universo onde ndo se é sobrecarregado com propésito, légi- ca, realidade ou consciéncia. | Observe, nesta seqiiéncia Idgica, os beatnicks modernos — por exemplo, sua maneira de dangar, O que se vé ndo sao sorrisos de alegria auténtica, mas de olhos fixos, vagos, movimentos desor- ganizados, convulsivos, corpos que parecem corpos descentraliza- Apticotagic de prassr 85 dos, todos trabalhando muito — com um tipe de histeria determi- nada — pata projetar um ar de despropdsito, sem sentido, sem meméria, Este é 0 “prazes” da inconsciéncia, Oa considere 0 tipo mais ealmo dos “prazeres”” que proenche a vida de muitas pessoas: piqueniques familiares, chs de damas ou happy hours, bazares de caridade, férias vegetativas — todas ocasides de tedio sossegado que a todos interessam, nas quais 0 tédio € 0 valor. Tédio, para tais pessoas, significa seguranca, 0 co- nhecido, o habitual, a rotina — a auséncia de novo, do excitante, do ndo-familiar, do exigente. © que é um prazer exigente? Um prazer que exige « utilizagdo da menie do individuo; nao no sentido de resolver problemas, mas de exercitar o discernimento, 0 julgamento, a consciénc Um dos principais prazeres da vida é oferecido ao homem pe- las obras de arte, A arte, em seu mais alto potencial, como a pro- jecdio das coisas “como elas podem e deve ser’, pode prover o homem de um combustivel emocional inestimayel. Mas, de novo, ‘© tipo de obra de arte a que o individuo responde, depende de seus valores € premissas mais profundas. Um homem pode procurar a ptojecao de herdico, inteligente, eliciente, dramético, resoluto, com estilo, engenhoso, desafiante; ele pode procurar o prazer da admiragio, de estar em busca de grandes valores. Ou pode procurar a satisfagao de contemplar as variantes da coluna~de-fofocas dos colegas vizinhos, com nada a exigir de si, nem em pensamento, nem em critérios de valor; po- de sentir-se prazeirosamente aquecido pelas projegdes do conheci- do e familiar, procuranda senfir-se um pouco menos “estranho & amedrontado num mundo de que nunca participou”. Ou sua al- ma pode vibrar afirmativamente a projeSes de horror e degrada- gG0 humana, pode sentir-se gratificado pelo pensamento de que nao & iGo raim quanto 0 anda viciado em drogas ou a lésbica alei- Jada de que leu a respeito; ele pode saborear uma arte que Ihe diz ‘ue o homem mau, que a realidade é incognoscivel, que a exis- téncia é intolerdvel, que ninguém pode ajudar em nada, que seu terror secreto é morn ‘A arte projeta uma visio implicita da existéncia —~ e é a pré- pria visio do individuo da existéncia que determina a arte & qual responde. A alma do homem cuja peca ie Ber- 86 A vietude do egotsmo a gerac & radicalmente diferente da alma dsqueie que prefere Bs perando Godot. Dos varios prazeres que o bomem pode oferecer a si mesmo, © maior é 0 orgulhe — 0 prazer que consegue em suas proprias realizagdes ¢ na criagio de seu proprio carter. O prazer que con- segue no caréter ¢ realizacdes de outro ser humano é a admiragio. A expressio. maior da unio mais. intensa destas duas respostas ~ experigncia prazeirosa que proporciona ¢ um fim em si mesma — | € para a pessoa que procura no sexo a prova de masculinidade (ou feminilidade), ow o alivio do desespero, ou a defesa contra a ansie: dade, ov uma fuga do tédio. é Paradoxalmente, estdo os assim chamados cagadores-de-pra- zer — 0s homens que aparentemente vivem apenas pela sensagao do momento, que estéo apenas preacupados em “divertir-se"” que so psicologicamente incapazes de aproveitar 0 prazer como um fim em si mesmo. O neurdtico cacador-de-prazer imagina que, ao passar pelos movimentos de uma celebraco, esi apto a fazer a si mesmo sentir que possui algo para celebrar. ‘Uma das marcas de autenticidade do homem que carece de anto-estima — ¢ a punicdo real de sua omisséo moval e psicolégi- ca — € 0 fato de que todos os seus prazeres sto prazeres de fuga dos dois perseguidores a quem ele traiu e de que n&o ha escapate- ria: a tealidade.e sua propria mente, ‘Jd que a funcdo do prazer € proporcionar ao homem um sen- tido de sua prépria eficiéncia, o neardtico & apanhado num confli- to mortal: é compelido, por sua natureza de homem, a sentir uma necessidade desesperada por prazer, enquanto uma confirmagao e expresso de seu controle sobre a realidade — mas pode encontrar Prazer apenas numa fuga da tealidade. Esta € a razio por que seus prazeres ndo funcionam, por que the trazem, no uma sensa- Go de orgulho, realizagio, inspiragao, mas de culpa, frustracdo, desesperanga ¢ vergonha. O efeita do prazer mum homem que sen te auto-estima é 0 de uma recompensa ou confirmacdo, O efeito do prazer num honieni que careee de auto-wstiny € 6 de uma ame- aca —~ uma ameaca de ansiedade, o tremor de uma fundac&o pre- caria de seu pyeudo-autovalor, 0 agucamento de um medo sempre- presente de que a estrutura entre em colapso, ¢ ele encontre-se fren- tea uma tealidade imperdoavel, desconhecida, absoluta e austera. Uma das reclamiagdes mais comuns dos pacientes que procu- 88 Avirtude de egoismo ~ ram a psicoterapia é que nada possui o poder de dar-thes prazer, a alegria auténtica Ihes parece impossivel. Este & 0 beco sem sai- da da politica do prazer-como-escape. Preservar uma clara capacidade para desfrutar a vida é uma realizagdo moral ¢ psicolégica incomum, Ao contratio da crenca popular, esta capacidade é a pretrogativa, néo a irresponsabilida- de ow a inflexdo, consistente numa devogio irrenuncidvel ao ato de perceber a realidade, e de uma integridade intelectual escrupulo- sa. E a recompensa da auto-estima. (Fevereiro de 1964) eypneas RE AEAEEXEL EA 2EALLELESIAULALALSERURIAEELEREAREVIEEIZEEEL A VIDA NAO REQUER UM PACTO? Ayn Rand Lm pacto é um ajuste de reivindicagdes confitantes por meio de concessdes smituas, Isto significa que ambas as partes, num pacto, possuem alguma reivindicabao valida e algum valor a oferecer reciprocamente. E isto significa que ambas as partes con- cordam a respeito de algum principio fundamental que serve co- ‘mo. base para sua negociagdo, E somente em relagdo as idéias ou informagdes, implementan- do um prineipio basico aceito mutuamente, que o individu pode assumir um compromisso. Por exemplo, pode barganhar com um comprador sobre © prego que quer regeber por seu produto e con- cordar com uma quantia intermedidria entre o que deseja deter € aquilo que Ihe foi oferecido. © principio basico aceito mutuamen- te, em tal caso, & 0 principio do comercio, a saber: que o compra- dor deve pagar o vendedor pelo seu produto. Mas se 0 individuo quisesse set pazo, ¢ 0 suposto comprador quisesse obter o produ- to dele por nada, nenhum pacto, acordo ou discussiio seria possi- vel, apenas a total rendicdo de um ou de outro ‘Nao pode haver um pacto entre o done de uma propriedade um ladrdo; oferecer ao ladrdo uma inica colher de cha de sua prataria nao seria um pacto, mas uma rendigdo total — o reconhe- cimento do direito deste sobre a propriedade daquele. Que valor ou concessio o ladrao ofereceu em troca? B umta vez que o princi pio das concessies unilaterais & aceito como a base de um relacio- namento por ambas as partes, & apenas uma questo de tempo an- tes do ladro se apoderar do resto. Como um exempto deste pro- 39 90 A virtude do egoisme cesse, observe a atual politica exterior dos Estados Unides, Nao pode haver pacto entre a liberdade © o controte gover- namental; aceitar “apenas um pouco de controle” é renunciar a0 principio dos direitos individuais inaliendveis ¢ substitui-lo pelo principio do poder arbitrério ¢ ilimitado do governo, entregando- se, assim, eseravidao gradual. Como um exemplo deste proces- so, observe a atual politica interna dos Estados Unidos. Nao pode haver pacto a respeito de prineipios basivos ou ques- tes fundamentais. O que vooé consideraria como um “pacto” en- tre a vida e a morte? Ou entre a verdade ¢ a falsidade? Ou entre a razio e a irracionalidade? Hoje, entretanto, quando as pessoas falam de “pacto”, 0 que querem dizer ndo é uma concessao miitua legitima ou um ne- gécio, mas precisamente a traigo dos principios de um individuo — a rendi¢do unilateral a qualquer reivindicagao irracional ¢ infun- dada. A raiz desta doutrina ¢ 0 subjetivisimo étice, que sustenta que um desejo ox capricho & uma base moral irredutivel, que ca- da homem tem direito a todo desejo que queira fazer valer; equiva- le a defender que todos os desejos possuem a mesma validade mo- ral, ¢ que a tinica mancira pela qual os homens podem conviver bem juntos é submetendo-se a qualquer coisa e “comprometendo- se” com qualquer pessoa, Nao € dificil ver quem fuera e quem per- de com tal doutrina, A imoralidade desta doutrina — ¢ a razo pela qual o termo “pact” implica,no atual uso geral, um ato de traigaio moral — eside no fato de que requer homens para aceitar o subjetivismo ico como © principio bésico que substitu todos os principios nas relagdes humanas € para sactificar qualquer coisa como uma con- cessiio aos caprichos de outros, ‘A pergunta “a vida no se quer pacto?” € geralmente feita por aqueles que falham ao diferenciar um principio basico e algum desejo especifico ¢ concreto. Aceitar um emprego inferior Aquete que se queria nde € um “pacto”’. Receber ordens do empregador a respeito de como fazer o trabalho para o qual se é empregado, no é um “pacto”. Viver exclusivamente com o que se gana, nio um “pacto.” A integridade no consiste na lealdade aos caprichos subjeti- vos de alguém, mas a principios racionais. Um “pacto”” (no senti- «lo inescrupuloso desta palavra) nao significa abandonar © confor- to pessoal, mas as proprias convicedes. Um “pacio” (no sentido inescrupuloso da palavra) néo consiste em fazer algo de que ndo se gosta, mas em fazer algo que se sabe incorreto. Acompanhar © marido ou a esposa a um concerto, quando nao se liga para mil sia, nado é um “pacto”; render-se as exigéncias irracionais dele ou dela por conformidade social, por observancia religiosa fingi- da ou por generosidade aos parentes grosseiros do cOnjuge, &. Ta- bathar para um empregador como quem ndo se compartitham idéias, nao ¢ um “pacto”; fingir compartithar idéias, & Aceitar as sugestées de um editor para fazer mudancas nos originais, quan- do se vé a validade racional das sugestées, mie é um “*pacto”; fa- zor estas mudangas a fim de agradar-the ou ao “piiblico", contra © proprio julgamento e critério, €. A desculpa dada em todos os ¢asos do género € que 0 “pac- to" € apenas tempordirio, ¢ que a integridade pessoal sera recon- quistada em algum futuro indeterminado. Mas nfo se pode cori gira irracionalidade de um marido ou esposa submetendo-se a ela e encorajando-a a crescer. O individuo nao pode alcangar a vitoria de suas idéias ajudando a propagar as opostas as suas. Nao se po- de oferecer uma obra-prima literéria, quando se ficou “rice ¢ fa- moso”, para um circulo de leitores que se conguistou escrevendo lixo, Se se achou dificil manter lealdade as préprias conviebes ini- ciais, uma sucesso de traigdes — que ajudaram a aumentar 0 po- der daquilo nocivo que ele nao teve coragem para combater — nao tornard a tarefa mais facil depois, pelo contrario, a fard vir- wwalmente impossivel. Néo pode haver nenhuma pacto sobre prinet- pios mornis. “Em qualquer pacto entre comida ¢ verteno, somen- fe a morte pode vencer. Em qualquer pacto entre o bem e 0 mal, somente 0 mal pode lucrar‘* (Quem é John Galt). Entéo voce fi- ca tentado a perguntar: “A vida nao exige um pacto?” Traduza a pergunta para o seu real significado: “A vida nao exige a rendi- sho daquilo que € verdadeiro © bom ante o falso e o mau? A res- posta é exatamente isto que a vida proibe — se alguém deseja con- guistar nada mais do que uma extensdo de anos torturantes gastos em autodestruicdo progressiva. (Julho de 1962) EXEERA2ULEUYEA2E0Z2YPRENTLIERREIULIAYELZILAZELESTXEPEREREEIEE. COMO LEVAR UMA VIDA RACIONAL NUMA SOCIEDADE IRRACIONAL? Ayn Roni Limitarei minha resposta a um Gnico e fundamental aspecto desta perguntz, Nominarei apenas um principio, 0 oposto da idgia to predominante hoje ¢ que é responsivel pela difusio do mal no mundo. Este principio é: nflo se deve nunea fathar a0 manites- tar um julgamento moral. Nada pode corromper ¢ desintegrar uma cultura ou o cardter de um homem tio completamente quanto o faz 0 preceito de ag- nostieisme moral, a idéia de que nunca se deve proferir um julga- mento moral sobre os outros, que se tem de ser moraimente tole~ rante sobre qualquer coisa, que o bem consiste em nunca distin- guir 9 bem do mal. F dbvio quem hucra e quem perde com tal preceito. Nao é justiga ou tratamento igual que vocé concede aos homens quando se abstém igualmente de clogiar as virtudes ¢ condenar os vicios destes. Quando sua atitude imparcial declara, de fato, que nem o bem, nem o mal, podem esperar algo de voce — a quem voeé trai, ¢.a quem encoraja? ‘Mas pronunciar um julgamento moral é uma enorme respon- sabilidade. Para ser um juiz, o individuo deve possuir um carter inquestionavel; ndo precisa ser infalivel ou onisciente, endo é uma guestdo de erros de conhecimento; ele precisa de uma integridade inviolavel, isto 6, a anséncia de qualquer indulgéncia em relacdo 0 mal intencional e consciente. Assim como um juiz num tribu- nal pode errar, quando a prova no é convincente, ele néo pode evitar a prova disponivel, nem acejtar suborno, nem permitir que Come iavar oma vida racional numa seeledade Irrecional? 93 qualquer sentimento pessoal, emocdo, desejo ou medo obstrua seu julgamento da compreensio dos fatos da realidade — assim cada pessoa racional deve manter uma intearidade igualmente rigo- rosa ¢ solene na sala da corte de sua propria consciéneia, onde a responsabilidade é mais aterrorizante do que num tribunal pébli- co, porque ele, o juiz, é 0 tnico a saber quando foi acusado. Ha, eniretaito, uma corle de apelagao de nossos préprios juizos: a realidade objetiva. Um juiz coloca-se em julgamento ca- da vez que promuncia um veredito. B apenas no reino atual de ci- nismo amoral, subjetivisma e gangsterismo que os homens podent acreditat-se livees para proferir qualquer tipo de julgamento irracio- nal, sem softer conseqiiéacias. Mas, na verdade, am homem deve ser julgado pelos julgamentos que pronuncia. As coisas que cle condena ou exalta, existem na realidade objetiva ¢ estio abertas & avaliagao independente dos outros. E seu préprio carater moral e critérios que revela, quando acusa ou elogia. Se condena a Amé- rica ¢ exalta a Russia Soviética — ou se ataca homens de negdcios e defende delingjientes juvenis — ou se denuncia uma grande pe- ga de arte e clogia um lixo —~ ¢ a natureza de sua propria alma que confessa. Eo medo desta responsabilidade que incita a maioria das pes- soas a adotarem uma atitude de neutralidade moral indiscrimina- da, O medo é melhor expressado no preceito: “Nao julgue, que ndo serd julgado.” Mas este preceito, na verdade, ¢ uma abdica- io da responsabilidade moral: é um cheque em branco moral que alguém da aos outros em troca de um cheque em branco moral que espera para «i mesmo. Nao ha maneira de escapar do fato de que os homens deve fazer escolhas; uma vez que os homens tém de fazer escollias, no a como escapar dos valores morais; enquanto os valores morais estdio em jogo, nenhuma neutralidade moral € possivel, Abster-se de condenar um torturador é tornar-se um acessorio para a torty- ra e assassinato de suas vitimas. O principio moral a se adotar nesta questao é: “*Julgue e este- Ja preparado para ser julgado.”” © opesto da neutralidade moral nao é uma condenagao cega, arbiiréria ¢ auto-aprovada de qualquer idéia, ato ou pessoa que no se ajusta ao humor de aiguém, aos seus slogans memorizados 94 Aviniuds de egoisme: 91 a0 julgamento repentino do momento. Tolerancia indiscrimina- da ¢ condenaggo indiscriminada no sio dois opostos: sto duas variantes do mesmo subterfiigio, Declarar que “todos so bran- cos” ou “todos so pretos” ou “ninguém & branco nem preto, mas cinza", néo é um julgamento moral, mas uma fuga da respon- sabilidade do julgamento moral. Julgar significa: avaliar uma dada idéia ou coisa concreta com, referéncia a um principio ou critério abstrato. Nao é uma tarefa simples; ndo é uma tarefa que pode ser executada automaticamen- te pelos sentimentos, “‘instintos”’ ou palpites de alguém. E uma ta~ refa que requer © mais previso, 0 mais exato, 9 mais implacdvel objetivo e um proceso racional de pensamento. E relativamente Facil compreender principios morais abstratos; pode ser muito difi- «il aplicé-los a uma dada situagao, particularmente quando esta envolve o carter moral de outra pessoa. Quando alguém pronun- cia um julgamento moral, para elogiar ou condenar, deve estar preparado para responder “por que?” ou provar sua decisio — para si mesino ou para qualquer inquisidor racional. A politica de sempre pronunciat um julgamento moral. no significa que se deva considerar a si mesmo um missionério incum- dido da responsabilidade de “salvar a alma de todos” — nem que se deva dar avaliagées morais nao solicitadas a todos aqueles com quem se encontra. Significa (a) que se deve saber claramente, por extenso, de forma verbalmente identificada, a prépria avaliagdo moral sobre cada pessoa, questiio ou evento com © qual se lida ¢ agir de acordo; (b) que se deve tornar uma avaliagdio moral conhe- cida aos outros, no caso de ser racionalmente apropriade fazé-lo. Esta ultima proposigdo significa que nao € necessirio langar- se em dentincias ou debates morais ndo provocados, mas que se deve falar claramente em situagdes onde o siléneio pode objetiva- mente ser tomado como um acordo ou sancio do mal. Quando se lida com pessoas irracionais, onde argumentar é fiitil, um me- ro “nao concordo com voce” é suficiente para negar qualquer im- plicagiio de sancao moral. Quando se lida com pessoas mais ap- tas, uma afirmacao completa de seus pontos de vista pode ser mo- ralmente exigida, Mas em nenhum caso, ¢ em nenhuma situacdo, pode-se permitir que seus proprios valores sejam atacadas ou de- nunciados e ficar em siléncio, Camo lever uma vido rocienel aume sociedade irracionall 95 Valores morais sio a forga motriz dos atos dos homens, Ao pronunciar um julgamento moral, protege-se a clareza de sua pro= pria percepcao e a racionalidade do caminho que se escathe bus- car, Existe diferenga entre pensar que se estd lidando com erros de conhecimento humanos ou com a maldade humana, ‘Observe quantas pessoas fogem, racionalizam e dirigem suas mentes a um estado de torpor cego, por pavor de descobrir que aqueles com quem tratam — seus “amados" ou amigos ou sécios de negécios ou ditigentes politicos — ndo sao simplesmente incor- Telos, mas nocives. Observe que este pavor os leva a sancionar, ajudar e difundir aquilo que € verdadeiramente nocivo, cuja exis- téncia tém medo de admitir. Se as pessoas ndo se entregassem a abjetas evasées, como a declaragio de que algum vil mentiroso’‘esta com boas intengSes” — de que um vagabundo vadio “nao pode evitd-lo” — de que um delingilente juvenil “precisa de amor” —- de que um crimino- so ndo conhece nada melhor” — de que um politico caga-poder € movido por sua preocupacdo pelo “bem ptiblico” —- de que os comunistas sio simplesmente “reformistas agrarios" — a histéria de poucas décadas ow séculos passados teria sido diferente. Pergunte a si mesmo por que os ditadores totalitarios acham ‘necessdrio derramar dinheiro e esforcos em propaganda para seus proprios escravos desamparados, acorrentados ¢ amordacados, gue nfo possuem meios para protestar ou se defender. A respos- ta € que mesmo 0 servo mais humilde ou o selvagem mais baixo se levantaria em rebeligo cega, ac perceber que est sende imola- do, ndo por alguma incompreensivel “causa nobre”, mas sim pa- ra a evidente e exposta maldade humana. Observe também que a neutralidade moral necessita uma soli- dariedade progressiva para com o vicio e um antagonismo progres- sivo para com a virtude. O homem que futa para nfo reconhecer que 0 mal € mau, acha cada vex mais perigoso reconhecer que © bem ¢ bom, Para ele, uma pessoa de virtude ¢ uma ameaca que pode derrubar todas as suas evasées — particularmente quando juma questo de justiga est envolvida, exigindo que tome uma po- sigdo. E assim que formas como “‘ninguém estd totalmente certo ‘ou totalmente errado” ¢ “quem sou eu para julgar?”’ causam seus efeitos lelais, O homem que comega por dizer: “Ha algo de bom 96 Avirtude do egoitmo ete et no pior de nds", continua a diger: “Ha algo de ruim no melhor de nds’ entao: “Deve haver aigum mal no melhor de nds’? — © entdo: “Sie os melhores de nds que fazem a vida dificil —- por que eles nao fica em siléncio? — quem sio eles para julgar?” E entdo, em alguma manha cinzenta, na meia-idade, tal ho- mem se da conta repentinamente que traiu todos os valores que tinha amado em sua distante primavera e imagina como isto acon- tecen, ¢ fecha sua mente para a resposta, dizendo a si mesmo apres- sadamente que o medo que sentiu em seus piores e mais vergonho- sos momentos estava certo, ¢ que os valores néo tm chance neste mundo, Uma sociedade irracional é uma sociedade de covardes mo- rais — de homens paralisados pela perda de critérios, prinefpios ¢ diretrizes morais. Mas j4 que os homens tém de agir eaquanto vi~ vem, esta sociedade esta pronta para ter sex comando assumido por qualquer um disposto a estabelecer uma directo, 4 iniciativa 86 pode vir de dois tipos de homens: do homem que estd dispos- to a assumir a responsabilidade de estabelecer valores racionais — ou de um facinora que ndo esté preocupado com questées de responsabilidade, Nao importa quéo dificil seja a luta, bd apenas uma escolha a ser feita por um homem racional diante de tal alternativa, {Abril de 1962) ‘pec EUEEELeesQeta2XxEEERULE2ELEELECELYLT YI TAAPIEREPENEETELIEE O CULTO DA MORAL INDEFINIDA Ayn Rand Um dos sintornas mais eloaiientes da faléneia moral da cui- tra atual é uma certa atitude em voga para as questées morais, e que melhor se pode resumir como: “Nao ha pretos nem brancos, hd apenas ‘cinzas’,”” Afirma-se isto considerando pessoas, atos, prinefpios de con- uta ¢ moralidade em geral, “Preto e branco”, neste contexto, sig- nifica ‘o bem ¢ o mal”. (A ordem contrdria usada naquela frase feita € interessante, do ponto de vista psicolégico.) Sob qualquer aspecto que alguém se interesse em examinar, esta nocdo esté cheia de contradigdes (em primeiro lugar esta a fa- lacia do “conceito roubado”’). Se no ha preto ¢ branco, n&o po- de haver cinza ~ jé que este é meramente uma mistura dos dois. Antes que alguém possa identificar algo como “cinza’’, deve saber 0 que € preto e 0 que € branco. No campo da moralidade, ‘sto significa que se deve primeiro identificar o que é 0 bem & 0 que €0 mal. E quando um homem descobre que uma alternativa boa, € oulra é md, no possui justificativa para escolher a mistu- ra, Nao pode haver justificativa para escother qualquer parte da- quilo que se sabe ser nocivo, Em moralidade, “‘preto” & predomi- nantemente 0 resultado de tentar fingir a si mesmo que se & mera- mente “einza””. Se um eddigo moral (como o altruismo) é, de fato, impossi- vel de praticar, € 0 cddigo que deve ser condenado como “‘preto”, © néo suas vitimas avaliadas como “einza. Se um cédigo moral prescreve contradigdes inreconcilidveis — de modo que, escolhen- 98 Avirtude do egoisme ca do 0 bem em um aspecto, um homem se torna mau em outro —~, € 0 codigo que deve ser reieitado como “preto”’, Se um cédigo moral € inaplicavel & realidade — se ndo oferece diretriz, excete uma série de injungdes ¢ mandamentos arbitrérios, infundados ¢ fora de contexto a set aceito por fé ¢ praticado automaticamente, como um dogma cego —, seus praticantes nao podem adequada- mente ser classificades como “‘brancos” ou “pretos” ou “‘cinzas”*; um codigo moral que proibe e paralisa o julgamento moral é uma contradigéo em termos. Se, numa quesido moral e complexa, um homem luta para determinar o que é certo, ¢ falha ou comete um erro honestamen- te, ndo pode ser considerado “cinza’”’; moralmente ele é “branco”. Erros de conhecimento néo so fissuras de moralidade; nenhum cédigo moral correto pode exigir infalibilidade ou onisciéncia. Mas se, a fim de escapar da responsabilidade de julgamento moral, um homern fecha seus olhos ¢ sua mente, se foge dos fatos da questo e luta para ndo saber, nfo pode ser considerado “cin- za’", moralmente, ele é completamente “preto””. ‘Muitas formas de confustio, incerteza ¢ descuido epistemolé- gico ajudam a obscurecer as contradigdes ¢ a dissimular o significa- do real da doutrina da moral indefinida. Algumas pessoas acreditam que se trata de uma mera reafir- magio de observacdes banais como “‘ninguém é perfeito neste mundo” — ou seja, todos sio uma mistura de bem e mal ¢, por- tanto, moralmente “cinzas””. J4 que é provavel que a maioria das pessoas que se encontram corresponda exalamente a esta descricao, todas aceitam isto como algum tipo de fato natural, sem maior reflexdo, Esquecem que a moralidade trata apenas de questdes aber- tas a escotha do homem (isto é, a sua livre vontade) — e, por con- seguinte, que nenhuma das generalizagdes estatisticas é valida nes- te assunto, Se o homem é “cinza” por natureza, nenhum dos conceitos morais é aplicdvel a ele, incluindo “cinzemto”’, e niio pode haver moral alguma. Mas se o homem tem vontade livre, entao fato de dez homens (ou dez milhdes) fazerem a escolha errada nao im- plica que o décimo primeiro © faga; nie implica nada — e nfo prova nada -—- em consideragio a um dado individuo, HA smuitas razbes para a maioria das pessoas ser imperfeita 0 culte da moral indefinida 99 moralmente, isto ¢, manter premissas ¢ valores contraditérios confusos (a moralidade alteuista € uma das razdes), mas isto ¢ um assunto diferente. Independentemente das razdes de suas esco- Ihas, 0 fato da majoria das pessoas ser moralmente “cinza’‘ndo invalida a nevessidade do homem ter una moral e de que esta de- va set “branca”’, antes pelo contrdrio, toma esta necessidade mais imperiosa. Nem justifica 0 “‘pacto”” epistemoldgico de rejeitar o problema consignando a todos os homens como de moral “‘cinzen- ta”, ¢ assim recusando-se a reconhecer ou praticar a “brancura’” Nem serve como uma fuga da responsabilidade do juleamento moral: a ndo ser que alguém seja preparado para prescindir total- mente da moralidade e considerar um tapeador insignificante ¢ um assassing como moralmente iguais, mas mesmo assim tem de julgar ¢ avaliar os muitos matizes do ‘icinza’ que se pode encon- trar nas indoles de homens individualmente considerados. (E a tinica maneira de julgd-los ¢ por um ‘critério claramente definido de “preto” e “branco”.) ‘Uma nogao similar, envolvendo erros similares, € sustentada por algumas pessoas que acreditam que a doutrina da moral cin- zenta & sioxplesmente uma reafirmagao da proposi¢ao: “Ha dois, lados de cada questdo”, que pegam para significar que ninguém estd sempre completamente certo cu errade. Mas isto nfo ¢ 0 que esta proposicao significa ou sugere. Ela implica apenas que, ao julgar uma questdo, deve-se tomar conhecimento ou dar ouvidos aos dois lados. Isto nao significa que as reivindicagdes de ambos 0s lados sejam necessariamente validas também, nem mesmo que haverd pouca justica para ambos os lados, Com muita freqiténcia a justiga estar de um lado, © uma presungdo néo-justificada (ou pior), de outro. Ha, € claro, questdes complexas nas quais ambos os lados es- tio certos,em aiguns aspectos e errados em outros ~ ¢ é aqui que © “pacto” de declarar ambos os lados “cinzas"” & menos admissi- vel. E nestas questées que a mais rigorosa precisiio de julgamento moral ¢ exigida para identificar € avaliar os varios aspectos envol- vidos — 0 que apenas pode ser feito reorganizando os elementos misturados de “preto”’ ¢ “branco”. © erro basico em todas estas varias confusdes € 0 mesmo: consiste em esquecer que a moralidade trata apenas de questées 100 Avirtude do egoisme we abertas A escolha do homem ~~ 0 que significa: esquecer a diferen- ya entre 0 “ineapaz’” ¢ 0 “de ma vontade’”. isto permite ds pesso- as traduzirem a frase feita: “Nao ha pretos nem brancos’? em: “os homens sic incapazes de serem totalmente bons ou totalmen- te maus”” — gue eles aceitam, com resignacdo confusa, sem ques- tionar as contradigdes metafisicas que acarreta. Mas poucas pessoas aceitariam isto, se esta frase feita fosse iraduzida no significado real, que pretende contrabandear para suas mentes: “Os homens tém md vontade de serem totalmente bons ou totalmente ruins."* A primeira coisa que se diria a qualquer defensor de tal pro- posigo: “Fale por si mesma, irmaot"” E isto, de fato, é o que ele est4 realmente fazendo; consciente ou subconscientemente, inten- cional ou inadvertidamente, quando um hemem declara: “Nao ‘ha pretos nem brancos”’, esta fazendo uma confissdo psicolégica, @ 0 que quer dizer é “En estou com vontade de ser totalmente bom — e, por favor, néio me considere totalmente mau!”” ‘Assim como em epistemologia o culto da incerteza é uma re- volta contra a razio — também, na ética, 0 culto da moral cinzen- ta é uma revolta contra os valores morais. Ambos siio uma Tevol- ta contra 0 absolutismo da realidade, ‘Assim como 0 culto da incerteza nfio poderia ter sucesso mux ma rebeliéo aberta contra a razio, e, conseqitentemente, Iuta pa ra clevar a negacdo da razdo em algum tipe de raciocinio superior — assim 0 culto da moral indefinida nao poderia ser bem-sucedi- do numa rebelido aberta contra a moralidade, e Inta para ¢levar a negagéio da moralidade a um tipo superior de virtude. ‘Observe a forma na qual se encontra esta doutrina: é raramen- te apresentada como positiva, como uma teoria ética ow assunto de discussdo; predominantemente, alguém 2 ouye como negativa, como uma objecio ou reprovasdo répida, proferida de uma ma- neira a sugerir que alguém é culpado de transgredir um absoluto to auto-evidente que nao requer nenhuma discussio. Em tons que variam do espanto ao sarcasmo, a raiva, 4 indignagao, ao édio histérico, a doutrina Ibe é impingida na forma de uma acusa- sao: “Certamente voc8 nao pensa em termos de preto-e-branco, Rio €?” Estimulada pela confusio, desamparo ¢ medo de todo 0 as- O suite de moral idotinida 101 sunio de moralidade, a maioria das pessoas apressa-se @ responder culpadamente: “Nao, ¢ claro que nao”, sem nenhuma iddia clara da naturera da acusagdo. Bles no fazem uma pansa para compre- ender que esta acusacio esta, de fato, dizendo; “Certamente vo- 8 ndo € to injusto a ponto de discriminar entre o bern € 0 mal, no é? ~ ou: “Certamente voc? nao ¢ to man a ponto de pro- curar 0 bem, niio €?”” — ou: “Certamente vocé nao € td imoral a ponto de acreditar na moralidade!” E to dbvio que culpe moral, medo de julgamento moral ¢ um apelo por um manto de perdio so o motivo desta frase feita, que uma olhada para a realidade seria suficiente para mostrar aos seus proponentes a confisso perigasa que esto pronunciando. Mas fuga da realidade ¢ a pré-condisao 0 objetivo do culto da moral indefinida. Filosoficamente, este culto € uma negagiio da moralidacle — mas, psicologicamente, ndo € 0 objetivo de seus adeptos. O que cles procuram nao é amoralidade, mas algo mais profundamente irracional: uma moralidade nao-absoluta, fluida, elastica, de meio de caminho. Nao proclamam a si mesmos “alm do bem ¢ do mal”? — procuram preservar as “‘vantagens” de ambos. Nao so desafiadores morais, nem representam uma versio medieval des adoradores exagerados do mal. O que thes dé seu sabor pecutiar- mente moderno € que nao defendem vender a alma de alguém 20 Diabo; defendem vendé-la pega por peca, pouco a pouco, a qual quer arrematador que compre a varejo, Bles néo constituem uma escola filosdfica de pensamento; so © produto tipico da omisséo filoséfica ~~ da faléncia intelectual que produziu o itracionalismo, na epistemologia; um vacuo moral, na ética; ¢ uma economia mista, na politica, Uma economia mis- ta é uma guerra amoral de grupos de pressio, destituida de prinei- pios, valores ou qualquer referéncia & justica; uma guerra cuja ar- ma tltima é 0 poder da fora bruta, mas cuja forma externa é um jogo de compromise, O culéo da moral indefinida é a morali- Gade da imitagdo que a tornou possivel e A qual os homens agora agarram-se numa tentativa tomada de pinico de justificd-la. Observe que seu tom excessivamente dominante ndo ¢ uma procura pelo “branco”, mas um terror obsessivo de serem rotula- dos como “pretos"’ (e com boas razdes), Observe que estiio pleite- 192A virtude do egeismo ando uma moralidade que conteria © compromisse como padrio de valor, ¢ assim tornaria possivel medir a virtude pelo mimero de valores que se est disposto a trair ‘As conseqiigncias ¢ os “bens adquiridos’” de sua doutrina es- tio visiveis 20 nosso redor. Observe, na politica, que ¢ termo extremismo tornou-se um sin6nimo de “mal”, independentemente do contetdo da questao {o mal ndo é sobre o qué voc’ & “extremista”, mas que voc’ é “ex- temista”” — isto é, coerente). Observe o fendmeno dos chamados neutralistas nas Nagdes Unidas: os “neutralistas”” sdo mais do que meramente neutros no eontlito entre os Estados Unidos ¢ a Russia Sovistica; eles esto comprometidos, por principio, a nao ver ne- nhuma diferenga entre os dois lados, a nunca considerar os méri- tos de uma questo ¢ sempre procarat um pacto, qualquer pacto, em qualquer conilito — como, por exemplo, entre um agressor ¢ um pais invadido. ‘Observe, na literatura, o surgimento de uma coisa chamada an- ti-herdi, cuja distingdo é ele ndo possuir distincao — nem virtudes, nem valores, nem objetivos, nem carater, nem significacdo —~, e que ainda ocupa, em pecas e romances, a posigo primeiramente ocupa- da pelo herdi, com a histéria centrada em suas agGes, mesino que nd faga nada endo va a Ingar nenbum. Observe que o termo “mo- cinhos e bandidos” & usado com desdém, e, particularmente na tele- visdo, observe a revolia contra finais felizes, a exigéncia de que aos “pandidos” seja dada uma chance igual ¢ um mesmo niimero de vitérias. Com uma economia mista, os homens de premissas mistas deve ser chamados “cinzas"; as, ein ambos os casos, a mescla ndo permanece “cinza’”” por muite tempo. “Cinza’”, neste contex- to, é simplesmente um prehidio para o “preto". Pode haver ho- ‘mens “‘cinzas””, mas no pode haver principios morais ‘“‘cinzas””. A moral ¢ um cédigo de preto e branco. Quando e se os homens tentam um pacto, € dbvio qual lado, necessariamente, perdera ¢ qual, necessariamente, lncrara. Estas so as razes pelas quais — quando se é perguntado: “Certamente voo8 ndo pensa em tetmos de preto e branco, nao 7" — a resposta apropriada (em esséncia, se ndo em forma) deve- fia ser: “E dbvio que eu penso!" (Junho de 1964) i ! EEE REXEUEEDEDOUULELE SEA EZALUEARUDRUUEEZUZUZETT2 UETALEZYRERIEE 1 AETICA COLETIVIZADA Ayn Rand Certas perguntas, ouvidas com freqiéncia, ndo representam dividas filosdficas, mas confissdes psigalézicas. isto é particular. mente yerdade no campo da ética. E especialmente em discussdes de ética que se deve revisar as prdprias premissas (ou lembré-las), € mais: deve-se aprender a revisar as premissas dos adversdrios. Por exemplo, os objetivistas seguidamente ouvirdo uma per- gunta como esta: “ que sera feito pelos pobres ou deficientes nu- ma sociedade livre?” A premissa altruista-coletivista, implicita nes- ta pergunta, é que os homens so “protetores de seus irméos””, © que o infortinio de alguns ¢ uma hipoteca que recai sobre os ou- tros, O questionador est4 ignorando ou fugindo das premissas ba- sicas da ética Objetivista ¢ tentando mudar a discussdo para sua propria base coletivista. Observe que ele ndo pergunta: “Deve al- go ser feita?””, mas: “O que serd feito", como se a premissa cole- fivista tivesse sido tacitamente aceita e tudo 0 que restasse Fosse uma discusséo dos meios para implementé-la, Uma vez, quando Barbara Branden foi questionada por um estudante: “O que acontecerd aos pobres numa sociedade objeti- vista?” — ela respondeu: “Se voet quiser ajuda-los, ninguém vai impedi-lo.” Esta ¢ a esséncia de toda a questéo e um exemplo perfeito de como alguém recusa-se a aceitar as premissas de um adversario como a base da discusso, Apenas os homens individualmente possuem o direito de deci- dir quando, ou se desejam ajudar os outros; a sociedade — co- 105

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