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PAUL THOMPSON A VOZ DO PASSADO Histéria oral Traducdo de Létio Lourenco de Oliveira 2a. Rdicio PAZ E TERRA A ENTREVISTA __ Ser bem-sucedido ao entrevistar exige habilidade. Porém, hhé muitos estilos diferentes de entrevista, que vio desde a que se faz sob a forma de conversa amigivel e informal até o estilo mais formal e controlado de perguntar, e o bom entrevistador acaba por desenvolver uma variedade do método que, para ele, produz os melhores idos e se harmoniza com sua personalidade. ides essenciais que o entrevistador bem-suce~ /e possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas ide nas reagdes em relacdo a eles; capacidade de de- m do ¢ simpatia pela opinigo deles; e, acima de tudo, disposigio para ficar calado e escutar. Quem nao consegue parar de falar, nem resistir & io de discordar do informante, fe Ihe im ias, ind obter informagdes que, ‘ou so imiteis, ou positivamente enganosas, Mas a maioria das pessoas consegue aprender a entrevistar bem. O primeiro ponto é a preparagio de informagdes basicas, por meio da leitura ou de outras maneiras. A impottineia disso A melhor maneira de dar inicio ao trabalho pode ser ntrevistas exploratérias, mapcando 0 campo e co- Thendo idéias ¢ informagées..Com a ajuda destas, pode-se definir © problema ¢ localizar al das fontes para resolvé-lo. Do mesmo modo que a “entrevista piloto” de um grande levanta- mento, uma ta de coleta de informagies genéricas no ini- cio de um projeto local pode ser uma etapa muito itil. E natural- 254 mente no hé razo alguma para fazer uma entrevista, a menos que o informante seja, de algum modo, mais bem informado do que 0 entrevistador. Este vem para aprender e, de fato, muitas vezes consegue que as pessoas falem exatamente dentro desse espitito, Por exemplo, Roy Hay descobriu, em sua pesquisa com 0s construtores navais de Clydeside, que, muitas vezes, “nossa propria ignorincia pode tomar Em muitas ocasides, os trabalhadores mais velhos recebiam minhas perguntas ingénuas com divertida tolerincia e me diziam ‘Nao, nao, garoto, nio foi ‘a0 que se seguia uma descrigio clara e detalhada do que verdadeiramente acontecera”.' Nio obstante, 0 que se dé na verdade & que, em geral, quanto mais se sabe, mais provavel € que se obtenham informa- ‘Ges historicas importantes de uma entrevista, Por exemplo, se s estabeleceu, a partir dos jomnais, a descrigao bisica de uma deci- cat até que ponto sua experiéncia e observagies sto diretas, quais recordagies sio de segunda mio, ¢ reconhecer as falhas de me- miéria entre eventos semelhantes em momentos diversos — como as duas eleigdes gerais de 1910, ou as greves de 1922 ¢ 1926. Essas informages bisicas podem, por sua vez, ter sido construi- das de maneira muito completa a partir de entrevistas anteri resisténcia dos judeus durante a Segunda Guerra Mundi movimentos guerrilheiros locais na Itélia, onde a importancia de uum testemunho pode ser a de corroborar e preencher com deta- Ihes precisos os eventos, hora a hora, de um certo dia do ano de Um controle semelhante de detalhe pode ser estal para uma entrevista de histéria de vida, no caso de o sujeito ser uma personalidade publica, ou um escritor, ou possuir documen- tos pessoais em quantidade suficiente. Muito embora parte desse material — como os préprios textos do sujeito — seja acessivel antes do inicio da entrevista, pode-se conseguir mais resultados 255 com as ptimeiras entrevista, que levem a-correspondéncia, a descoberta de novos documentos e, finalmente, a mais entrevistas em outro nivel de indagagSes. Claro que nem todo informante proeminente se dispde a submeter-se a um processo de pesquisa 0. Thomas Reeves descobriu que entrevistar intelec- is norte-américanos exigia uma preparagio trabalhosa . Freqiientemente, eram ocupados demais para conce- der mais do que breves entrevistas, de modo que era essencial que se fizessem “perguntas especificas, muito bem fundamenta- das”. Ainda pior, se se parece “demonstrar hesitagio, ou estar procurando obter informagdes as cegas, o relacionamento entre 5 patticipantes de uma entrevista pode destruir-se rapidamente, Os intelectuais liberais parecem estar especialmente interessados cm testar suas credenciais para ser um historiador oral, mediante © exame de seu conhecimento do assunto em discusséo. Senti muitas vezes, principalmente no inicio de uma sessio de entre- vistas, que eles é que estavam me entrevistando (...) Esse tipo de inquirigdo sio estratagemas do status”? Esse tipo de informante exigente é raro. Nao obstante, mesmo um estudo histérico mais geral de uma comunidade ou de uma indistria, é imporfante que se obtenha o mais répido pos- sivel um conhecimento das priticas e da terminologia locais, John Marshall, por exemplo, indica 0 quéo enganosa pode ser a pergunta “Com que idade vocé deixou a escola?” nas cidades algodoeiras de Lancashire. Uma antiga fiandeira responderia: aos 14 anos; ¢ apenas porque ele sabia que a maioria delas trabalhara ‘em meio periodo nos teares muito antes de deixar a escola — fato que elas davam por sabido — é que cle entio continuava com outra a pergunta: “Quando vocé comegou a trabalhar?”. Muitos historiadotes orais descobriram que um conhecimento bé- sico sobre os termos ¢ itil, como um recurso para que se instaure respeito e confianga reciprocos. Beatrice Webb, dezenas de anos antes, disse a mesma coisa com sua perspicécia caracteristica: Inerogarrgorosamente um inspetor de fibrica sem saber distin- sui entre uma Fabrica e uma oficina (-) consti uma impertincia E 256 especialmente importante ter fiiidad com tees tenis ¢ com ‘Sin comin. Comeyaraentevisar alge espa sem te ese hominis nf apna ser mma pera de tempo, como nbn pd evar ‘ imncrament mason menos old d nti, depots de algn- tua obsraghes ges algunas opines baal (.) Poi 0 temas tric (slo ferent importa par fare om qe sua ma tonsienia ema expo efits se de fn mas obscures ¢ incomuns: pecsments ese eventos mas oalosé que sfoneces- fos yum compcara ise dessa cpm ves d pes E isso nfo se aplica apenas a0 especialista. Constitui igual “impertinéneia” submeter a interrogatério grande mimero de traba- Ihadores de uma comunidade ou indiistria, sem primeiro se assegu- rat, na medida do possivel, de que as perguntas sio historica- mente relevantes ¢ estio coretamente formuladas para aquele contexto. ‘Um estudo mais amplo sobre mudanga social, que dependa de um espectro relativamente amplo de informantes, também. exige que, antes das entrevistas, haja uma preparagio patticular- mente cuidadosa da forma das perguntas. Fazer perguntas da me- Thor maneira é evidentemente importante em toda entrevista. Contudo, ebta é uma questo que pode provocar forte reagao centre os historiadores orais. Pode-se estabelecer uma diferenga ‘entre os chamados “questionirios” de perguntas fechadas, cujos padrées Idgicos rigidamente estruturados inibem de tal modo a meméria que o “respondente” — a escolha desse termo é por si sé sugestiva — fica reduzido a respostas monossilibicas, ou muito curtas; e, no outro extremo, nao propriamente uma “entre- vista”, mas uma “conversa” livre em que a “pessoa”, o “portador- de-tradigao”, a “testemunha”, ou 0 “narradot” é “convidado a falar” sobre um assunto de interesse comum.’ A verdade é que & preciso grande destreza e um informante bem escolhido, para que se possa, como George Ewart Evanis, conseguir um material ex- traordindrio permanecendo “trangiiilo © sem pressa”, dando a0 informante “todo o tempo que quiser para ir em qualquer dire- go...” “Deixe que a entrevista flua. menos que se pode fazer é orienté-la e procuro fazer 0 menor 257 mimero possivel de perguntas (..) Todo o tempo necessétio, toda a fita necessatia, e poucas perguntas”.® Essas poucas perguntas ba- seiam-se em longa experiéncia, associada a uma idéia clara, obtida antecipadamente, sobre o que cada um dos informantes pode relatar. O argumento em favor de uma entrevista completamente livre em seu fluir fica mais forte quando seu principal objetivo nao é a bbusca de informagGes ou evidéncia que vaihnm por si mesmas, mas sim fazer um registro “subjetivo” de como um homem, ou uma mulher, olha para tris ¢ enxerga a prdpria vida, em sua totali- dade, ou em uma de suas partes. Exatamente 0 modo como fala sobre ela, como a ordena, a que di destaque, o que deixa de lado, as palavras que escolhe, é que sio importantes para a compreen- sGo de qualquer entrevista; mas para esse fim, essas coisas se tornam o texto fundamental a ser estudado. Assim, quanto menos seu testemunho seja moldado pelas perguntas do entrevistador, melhor. Contudo, a entrevista completamente livre nao pode ir. Apenas para comegar, jé é preciso estabelecer um contexto isso tudo, juntamente com os pressupostos no expressos, cpectativas que moldam o que vem a seguir. Experimentos feitos com essa abordagem geralmente tém se mos- trado decepcionantes: Janet Askham descobriu que “isso tende a resultar num relato curto, ¢ até mesmo conciso”, simplestnente por que “eles nio sabiam em que eu estava interessada”. Os relatos flufam muito mais livremente assim que ela comegava a fazer . ’ Mesmo para esse objetivo, € necessiria uma solugio No outro extremo, a busca de evidéncia “objetiva” do levanta- ‘mento cléssico aponta na direo de um espelho de incompreensio. objetivo de uma entrevista deve ser revelar as fontes do viés, fun- damentais para a compteensfo social, mais do que pretender que elas possam ser aniquiladas por um entrevistador desumanizado “sem um tosto que exprima imentos”.* Na verdade, nenhum. historiador oral, que eu saiba, tem defendido o estilo de entrevista com questionztio rigidamente inflexivel. 258 Realmente, as necessidades decorrentes de determinado tipo de pesquisa é que tornam essencial o planejamento antecipado das perguntas a fazer — por exemplo, em todo projeto em que 0 trabalho de entrevistar é repartido numa equipe, ou quando se entrevistadores pagos; lo o material se destina a izado para comparages sistemsticas. Os méritos defi- ciéncias das “duas escolas de entrevistas” estio muito bem resu- midos numa comparagio mais restrita, por Roy Hay: Em primeiro lugar, existe a abordagem “objetiva/comparativa” geralmente com base num questionétio ou, pelo menos, numa entrevista extremamente estruturada, em que o entrevistador mantéim 0 controle © faz uma série de perguntas comuns a todos os tespondentes. Neste caso, visa-se produzi um material que transcenda o respondente individual ¢ ‘possa ser uttizado para fins comparatives (..) Na mao de entrevistado- res flexiveis e sensiveis, preparados para deixar de lado o rotero quando necessirio, essa abordagem pode de fato gerar um material muito stil, | Muito facilmente linhas de inquitiglo promissoras ainda, as pessoas sio obrigadas a ajustar-se 20 cestudadas. [No outro extremo, esti o didlogo que flui livremente entre o entre- vvistador ¢ © respondente, sem nenhum padrio fixo, no qual se acom- panha a conversa para onde quer que ela vi. pproduz o mais inesperado e leva a Tinhas de hnovas, mas pode muito facilmente degenerar ‘Além disso, ha também o efeito das personalidades envolvi- das em cada entrevista especifica. Alguns entrevistadores so na- turalmente mais conversadores do que outros ¢, assim, conse- formantes variam desde os muito falantes, que precisam de pou- ‘cas perguntas apenes para dar 0 rumo ou, vez, por outra, uma para esclarecer algum ponto que esteja mente lacénicos que, mediante estimulo, pergunta muito espec obscura; até os rela 259 perguntas bastante abertas ¢ sugestées suplementares, podem re- ‘mais ricas do que parecia possivel de saida. comum. Nunca faga perguntas complexas ou de duplo sentido — fem geral, apenas uma de suas metades seri respondida ¢, em geral, nao ficaré claro qual delas. Evite um fraseado que leve a ‘uma resposta qiiéneia voos cia?”. Claro que uma portincia, ¢ até pode conseguir alguma simpatia por parte do informante, Mas estar freqiientemente confuso ¢ pedindo descul- pas é simplesmente desconcertante e dev: cer evitado especial- mente como um modo de fazer perguntas pessoais delicadas, uma vez, que s6 serve para passar para 0 informante seu préprio constrangimento. Muito melhor seri fazer uma pergunta caute- Josa ou indireta, previamente elaborada e proposta de maneira que demonstre seguranga. Isso mostra que vocé sabe o que esti fazendo, de modo que é mais provavel que a atmosfera se man- tenha relaxada. Vocé precisari belecer fatos ar um tipo diferente de fraseado para esta- sbter uma descrig&io ou um co- tipo de pergunta “aberta”, como pottante, vocé pode estimular mais longamente: “Muito bem, entao é Feche os olhos e vi me contando em seqiiéncia 8 vé, 0 que vocé ouve...”. Também se pode sugetir a. como um modo de chegar a avaliago do cariter de alguém. No correr de toda a entrevista, sempre que uum fato insuficiente, que considere que pode ser iImente, vocé pode inserir uma interjeigio provoca- 260 dora —"Isso parece interessante"; ou, mais diretamente, “Como?", “Por que nio?”, “Quem era esse?”. O informante pode, entio, pegar a deixa. Se, depois de alguns comentérios, voc quiset mais, pode ser mais enfético (“Isso € muito interes- sante”), ou um pouco provocador (“Mas ha quem diga que..."), ou experimentar uma pergunta suplementar mais completa. Na maioria das entrevistas, ¢ muito importante que se use ambos os tipos de pergunta, Por exemplo, pode ter-the sido dito, como um comentario geral, que “a gente se ajudava mutuamente”, “éramos todos uma grande familia na rua”, mas se voeé fizer uma per~ ‘gunta especifica como “quem, de fora da farnilis, ajudava quando fa mie estava doente”, pode ficar claro que a ajuda dos vizinhos pritica do que um ideal. Conseguir ir além ipadas ou evasivas e chegar a lem- 1s habilidades, das oportunidades, constituia menos uma erguntas diretivas. Se vocd apresentar suas proprias opi especialmente logo no inicio da entrevista, ser mais provavel que obtenha respostas que 0 wra que vocé gostaria de ouvir, € que, por isso, ou duvidosas, como evidéncia, Ha algu- Se vocé sabe que alguém possui larmente da perspectiva de uma ‘monstrar uma simpatia bisica mecar. Do mesmo modo, para permitir a possibilidade de algumas respostas que, convencional- mente, seriam desaprovadas pela maioria das pessoas, pode ser melhor fazer uma pergunta que obrigue uma resposta: “Vocé pode me falar sobre um momento em que voce teve que castigar 2", “Naquele tempo, a maioria das pessoas trazia ica?” ou “Ouvi dizer que 0 prefeito era um homem de trato m cil para quem traba- Thava com ele” — forma essa que, muito possivelmente, provo- cari uma reago mais franca do que se empregar-se uma forma mais branda como “Sei que o prefeito era uma pessoa muito ge- em relagio a clas para poder 261 nerosa ¢ judiciosa, Vooé achava isso dele?”."° Porém, perguntas desse tipo so perigosas na maioria das ocasiées ¢ normalmente nio so convenientes. A maior parte das perguntas deve set ela- borada cuidadosamente pata evitar que sugiram uma resposta. Isto, por si s6, pode ser realmente uma arte. Por exemplo, “Voce sentia prazer em seu trabalho?” é uma pergunta forgada; “Vocé gostava de seu trabalho, ou no?” ou “O que vocé achava de seu tra- balho?” sio perguntas neutras, Finalmente, evite fazer perguntas que levem os informantes a pensar do modo que vocé pensa, e nio do modo deles. Pot exemplo, ao tratar de conceitos como classe social, a informagio obtida ser uma evidéncia muito mais vigorosa se voeé estimular 6s informantes a apresentar os termos que habitualmente utilizam ©, a scguir, passar a utilizé-los na conversa que se seguit. E pro- ccure datar os eventos fixando o tempo relativamente a idade dos informantes, ou a uma etapa de sua vida, tais como casamento, ou determinado emprego, ou casa. Mesmo que vocé vii levar a cabo apenas um pequeno pro- eto pessoal de histéria oral, vale a pena pensar sobre a seqiiéneia icos das entrevistas e sobre o fraseado das perguntas. A cestratégia da entrevista niio é responsabilidade do informante, mas sua. E muito mais ficil orienté-la se voce. em sua mente, de modo a que vocé possa passar com natu dade de uma pergunta para outra, Isso também toma mais fi mesino aoe voce fae cabeca, e puder langar mio delas quando necessi- tio, seri mais fiieil concentrar-se sobre 0 que est dizendo o in- formante, em vez de ficar pensando em como conseguir fazer um aparte. 262 uma relagéo de titulos abreviados como menos freqiientes é 0 bastante. Para um. porém, ou para um projeto comparativo de , € conveniente haver um roteiro de entrevista elaborado de maneira mais completa. Exemplo disso, completado com instrugdes para os entrevistadores, esté ilustrado no apén- dice de Modelos de Perguntas. Um roteiro desse tipo pode ser vantajoso, desde que seja utilizado com flexibilidade e imagina- io; pois, em principio, quanto mais claro estiver para vocé 0 que vale a pena perguntar e qual a melhor maneira de perguntar, mais voc’ conseguir obter de qualquer tipo de informante. Com pes- soas relativamente reticentes que, logo de inicio, vio dizendo: “Tudo bem, contanto que vocé faga as perguntas”, isso é bastante evidente: ¢ informantes desse tipo so bastante comuns. Entio, voeé pode, mais, ou menos, metodicamente, seguir o que esti no roteiro, Com pessoas que falam bastante, 0 roteiro deve ser utili- zado de modo diferente, Se elas possuem idéia clara do que que- rem dizer, ou a direco em que deve caminhar a entrevista, acom- evite interromper uma narrativa. por consideré-la irrelevante, es- tard interrompendo niio apenas essa, mas toda uma série de ofer- tas posteriores de informagies que serdo relevantes. Mais cedo ‘ou mais tarde, porém, as pessoas desse tipo terdo esgotado seu estoque imediato de recordagées € elas mesmas irio querer que vvooé faga perguntas. Com essa espécie de informante serio ne- cessirias vérias visitas e, depois, vocé pode reproduzir as grava- ges feitas, conferindo com o roteiro 0 que foi coberto © 0 que vale a pena perguntar em sess6es subseqiientes. Neste caso, a forma impressa do roteiro se torna particularmente itil. Normal- ‘mente, porém, é muito melhor saber as perguntas, fazé-las direta- mente no momento oportuno, ¢ manter o roteiro em segundo plano. Ele é essencialmente um mapa para 0 entrevistador, pode- se recorrer a ele ocasionalmente, mas o melhor é té-Io na cabega, de modo que se possa percorrer o territério com seguranga. Certas outras decisées precisam ser tomadas antes da entre- 263 vista. Em primeiro lugar, que equipamento deve ser utilizado? ‘Numa pequena parte de contextos, a melhor resposta é: nenhum. simples ato de tomar notas, para nio falar no uso do gravador, pode despertar a suspeita em algumas pessoas. O temor dos gra- vadores ¢ bastante comum entre profissionais cuja ética de tra- balho dé grande énfase a confidencialidade e a0 segredo, tais como funciondrios piiblicos, ou gerentes de bancos." Por razdes diversas, pode ser encontrado também entre pessoas muito ve~ Ihas, que sio hostis & nova tecnologia; entre minorias que sofre- ram perseguigées e que temem que qualquer informagio gravada possa cair nas mios da policia ou de autoridades e ser utilizada contra elas; ou em comunidades muito fechadas, onde se teme 0 mexerico. Algumas pessoas podem opor-se a gravagiio, mas no a que se tomem notas. Ainda que nenhuma das duas coisas se possa fazer, um entrevistador qualificado pode aprender a reter 0 suficiente das informagdes principais e das frases essenciais para langé-las no papel logo depois, e fazer uma entrevista que valha a pena. Na verdade, até que o gravador fizesse que esse método das pessoas, porém, admitirio 0 uso do gravador com muito pouca ansiedade e rapidamente deixario de preocu- par-se diretamente com ele. O gravador pode até ajudar a entre- vista. Enquanto ligado, é um pouco mais provavel que as pessoas se mantenham dentro do asstinto e que outros membros da fatni- lia se mantenham afastados. é desligado, alguns fatos adigionais extremamente significatives podem ser fornecidos, os quais poderiam ter sido refreados, se nio houvesse nenhum gravador; informagdes que se pretende que © pesquisador fique sabendo como pano de far4o, mas em eariter confidencial (¢ que, naturalmente, devem ser tratadas dentro desse espirito). Ao utilizar um gravador é importante nao chamar aten- 0 para o aparelho, nem distrair-se ocupando-se dele. Se for um gravador novo, nio deixe de ler o manual que © acompanha, de pedir a alguém que mostre como funciona, ¢ de treinar instald-lo e 264 muito freqiientemente, quando ele + fazé-lo funcionat. Antes de sair para a entrevista, verifique se esti funcionando ¢ se vocé tem niio sé todos os componentes ¢ fitas de que precisa, como também pilhas ¢ adaptadores para tomadas. ‘Voeé pode também levar consigo diversos auxilios para a- meméria, Um velho recorte de jornal ou um guia das ruas do lugar podem ser iiteis, George Ewart Evans muitas vezes leva uma ferramenta de trabalho. “Na zona rural, muitas vezes levo comigo uma velha foice serrilhada. Com aquilo ali, nao € neces- sétia nenhuma explicagaio abstrata a respeito do que vocé esta indo fazer. O entrevistado vé 0 objeto e, se voc’ escolheu bem, ele nao precisa de nenhum estimulo para se abrir. Ambos estamos desde o inicio diretamente dentro do tema.” Do mesmo modo, se cele fosse encontrar um velho mineiro, levaria algum utensilio de xuso comum dos mineires.” Como 0 ponto central de suas entre- vistas & 0 processo de trabalho, uma ferramenta desse tipo & um ponto de partida ideal. Se 0 assunto fosse a infancia em familia, ‘uma pega de roupa seria melhor; ou no caso de uma historia de vida politica, um velho panfletoEssas coisas podem também es- timular o aparecimento de cartas antigas, didrios, recortes ¢ foto- grafias, que é algo que vale a pena estimular e que pode ser 0 mais valioso subproduto de uma entrevista. ‘A seguir, onde deve ser feita a entrevista? Deve ser um ugar em que o informante se sinta a vontade. Em geral, o melhor ugar serd sua propria casa. Isso é particularmente verdadeiro no caso de uma entrevista centrada na infaneia ou na familia. Uma entrevista no local de trabalho, ou num ba, ird ativar mais for ‘mente outras dreas da meméria, ¢ também pode ter como tado uma mudanga para um modo de falar menos “respei ‘Um passeio pelo bairro pode também mostrar-se compensa estimular outras recordagbes. Quase sempre, o melhor € ficar sozinho com o informante, ‘A completa privacidade proporcionard uma atmosfera de total confianga em que a franqueza se torna muito mais possivel. Em ‘geral, isto se dé mesmo em relagio a um casal de velhos entre os quais haja particular intimidade, Claro que nem sempre & fécil 265 encontrar um modo delicado de vé-los separadamente, (Isso é mais facil se vocé entrevistar os dois; e especialmente se dois entrevistadores forem juntos 4 casa do casal e ali se separarem, cada um em um cémodo,) A presenga de outra pessoa na entrevista nio sé inibe a fran- queza, como exerce ui | ptessio no sentido de um teste- munho socialmente aceitivel. Felizmente, porém, nem tudo é desvantagem. Um velho casal, ou um irmio e uma itm, freqiien- temente proporcionario comegdes de informagio positivamente liteis. Pode ser também que cada um estimule a meméria do outro. Esse efeito acentua-se ainda mais quando se reine um grupo maior de pessoas idosas. Nesse caso, haverd uma tendén- cia muito mais forte, do que privadamente, de que se apresentem genetalizagGes a respeito dos velhos tempos; mas como eles dis- cutem e trocam histérias uns com os outros, podem surgir alguns insights fascinantes. Claro que as narrativas, mais do que algo comum, devem ser compreendidas em parte como formas de /ezes, porém, um. grupo, por exemplo num bar, pode ser a via para se chegar ao mundo secreto de uma experiéneia de trabalho comum de sabotagem ou de roubo, ou aos estratagemas secretos das cagadores clandestinos no campo. O grupo pode também representar um recurso ttil em outras situagdes. John Saville e um estudante pesquisador reuniram-se com trés Iideres do Movimento dos Trabalhadores Desemprega- dos de Manchester, da década de 1930, e, em cinco horas de discussio cooperativa, reconsttuiram muitas das falhas da evi- mais que haviam reunido antecipadamente. Com fi- feito por dois ¢ até trés entrevistadores, e David Edge usou uma entrevista triangular para seu trabalho sobre rédio-astrénomos. Beatrice Webb, muito embora defendesse vigorosamente a priva- cidade para as entrevistas normais, desenvolveu também uma 266 técnica de “entrevista por atacado” na atmosfera mais relaxada de eventos sociais, por ocasiao de uma festa, “até mesmo lendo a sorte em suas mies, com todo tipo de resultados interessantes!”, na mesa do jantar, ou no saldo de fumar, descobriu que “se pode as vezes fazer com que varios especialistas discutam entre si; e, desse modo, se colherio mais informages em uma hora do que se conseguiria durante um dia inteito com uma série de entrevistas”."* ‘Uma vez que as decisées preliminares tenham sido toma- das, vooé tem que fazer contato com o informante que escolheu. Pode escrever-Ihe (anexando um envelope sobrescritado ¢ selado ‘para resposta), ou as vezes procuri-lo pessoalmente ou por tele~ fone. Seri sempre mais ficil se vocé puder dizer que foi uma outta pessoa das relagdes sociais do informante quem 0 recomen- dou. Vooé precisa explicar sucintamente o objetivo da pesquisa. Sugira uma data possivel para uma primeira visita, mas sempre petmita que o informante possa propor outra, ou possa recusar-se jnteiramente a participar, Com uma pequena parte de informantes, ‘como politicos ou profissionais de nivel superior, pode ser pru- dente expor, de maneira mais completa, sua proposta de pesquisa ¢ como voeé pretende utilizar a entrevista. Isso o ajudard a deci- dir-se por recebé-lo ou nio, e deixari claro seu direito futuro de utilizar © material. Alguns deles poderio comegar a pensar nos t6picos que Ihe interessam e a procurar alguns documentos anti- ‘20 antes de vocé chegar. ‘A maioria das pessoas provavelmente acharia desagradivel receber uma carta assim tio longa, de modo que é melhor esperar até o primeiro encontro, Comece entio explicando o tema de seu projeto ou de seu livzo ea mancira como o informante pode auxi- -Jo. Muitos dirio que nfo tém nada de itil para Ihe contar e precisardo que se reafirme que a experiéncia que possuem € pre~ isa, que ela é desconhecida dos jovens cujas vidas foram muito tes ¢ fundamental para que se construa a verdadeira histé- ria social. Alguns ficario verdadeiramente surpresos com seu in- teresse ¢ voeé precisari ser ainda mais encorajador nas primeiras etapas da entrevista. Alguns proporio explicitamente a questio 267 da confidencialidade e no quererio fornecer seus nomes. Seja franco quanto a suas intengdes ¢ honre todas as promessas que fizer. A maioria das pessoas confiars em que voeé sera discreto quanto ao que Ihe contarem — e essa confianga deve set respei- tada. Nao vinculem seus nomes, sem seu consentimento expli- cito, a citagdes que sejam prejudiciais a cles proprios ou a seus vizinhos. © comego desse primeiro encontro é em geral o melhor mo- ‘mento para perguntar se a entrevista pode ser gravada, embora és vezes isso possa set mencionado no contato inicial. Alguns histo- riadotes orais julgam que o primeiro encontro deve ser utilizado como uma visita exploratéria, curta, para preparar e conhecer um informante, sem usar 0 gravador. O inconveniente disso é que, ‘mesino ao se procurar obter os fates bisicos a respeito dos ante- cedentes do informante, é dificil nao penetrar na esséncia da me- maria. Vocé pode voltar aos mesmos dados numa segunda visita, mas provavelmente as mesmas coisas serio apresentadas de ma- neira muito mais bombéstica. Segundo minha propria experién- cia, o melhor é por 0 gravador a funcionar logo que vocé possa, assim que vooé comece a falar. Isso levanta uma outra questio controvertida entre os histo- riadores orais — a qualidade da gravagio. Para uma gravagio realmente boa, da qualidade exigida para ian programa de ridio, vocé deveria chegar com um bom equipamento e utilizi-lo ade- pamento caro pode tomar-se rapidamente obsoleto, Atualmente, voeé pode obter os melhores resultados com um aparelho de dois carretéis (de rolo), gravando a uma velocidade no menor que 3,75 polegadas por segundo (p.p.s.). Um gravador de cassete de boa qualidade pode aproximarse dessa qualidade de gravagio (ainda que nao para armazenamento) a um custo mais baixo; mas um gravador de cassete barato, com microfone embutido, sera absolutamente imitil. Vocé precisard, sem diivida, de um micto- 268 fone separado e valerd muito a pena gastar algum dinheiro a mais, na qualidade dele. Antes de comegar, vocé provavelmente teri que eliminar problemas actisticos do cémodo, instalando cuida- dosamente o equipamento ¢ posicionando microfone, que pode ser preso 4 roupa do informant. it em tomo de seu pescogo. Enquanto nao estiver tudo pronto, voce deve evitar falar a respeito do assunto que deseja gravar. Muito cembora os produtores de rdio saibam como fazer tudo isso de um. modo descontraido, em geral com pessoas com quem jamais se encontraram, nao ha diivida de que isso sempre aumenta um pouco a tensio do ambiente. Simples historiadores niio possuem, © prestigio que tém os meios de comunicagio de massa para sua- vizar 0s pedidos que fazem, nem os recursos financeiros para comprar equipamentos como os deles, ¢ nio Ihes resta outra peo senio satisfazet-se com padres menos elevados. Isto, porém, no quer dizer que no valha a pena saber como tirar o méximo do aparelho que voc! ‘mesmo modo que m0 ha nenhuma virtude especial em ‘mal um carro, ou em datilografar 56 melhor a qualidade das gravagdes feitas com qualquer gravador. Em primeito luger, procure utilizar um cémodo trangiillo fem que voeé niio seja perturbado por vozes de outras pessoas © onde nio haja outros ruidos fortes ou problemas actisticos causa- dos por superficies rigidas. © barulho do tréfego de fora pode ser abafado com o uso de cortinas, mas o erepitar do fogo soar sur- preendentemente forte na fita gravada, especialmente se o micro fone nio estiver préximo da boca de quem fala, Em sua experién- cia com a gravagio de dialetos em casas comuns, Stanley Ellis verificou que 0 ridio e a televisio, o tique-taque de um relégio, ‘ou um candrio podem estragar completamente uma gravagio (..) Deve-se observar bem a aciistica do cémodo, Um cémodo pequeno, cheio de moveis e com roupa dependurada num varal intemo pode ser um bom estidio. Uma ccozinha grande ledrithada e com paredes rebocadas pode, produzir enorme reverberagdo suficiente para estragar toda a gravagio. 269 A seguir, pense onde colocar 0 gravador e 0 mictofone, Nunea os eoloque muito perto um do outro, sendo voeé gravaré 0 ruido do préprio aparelho. O melhor lugar para o gravador é no chi, fora da vista do informante mas onde vocé 0 possa obser- var, olhando-o de vez. em quando para ver se a fita esté perto de terminar, sem chamat atengo para issd. U unicrofone nao deve ser colocado sobre uma superficie rigida, vibrante, nem muito distante de quem vai falar. Nao grave através de uma mesa de tampo rigido. Idealmente, 0 microfone deve estar a uns trinta centimetros da boca do informante. Se preferir sentar ao lado dele, vocé pode segurar 0 microfone, com mio firme; ou pé-lo num pedestal, ou sobre uma almofada ou um pano dobrado sobre uma mesa ao lado. Tudo isso pode ser feito muito rapidamente. Vocé pode enfatizar que é a voz do informante que vooé precisa € niio o som do relégio, do passarinho, ou do rédio, Ao mesmo tempo assegure-se de que o informante esteja sentado conforta- velmente, que néo tenha deixado de usar sua cadeita favorita. Entio, ligue 0 gfavador e deixe-o rodar, enquanto conversam. Reproduza o que tiver gravado para verifiear que o nivel de gra- vagiio est corretamente ajustado. Se o nivel estiver muito baixo, os ruidos de fundo dominario a gravagio; se estiver muito alto, 0 ‘som saiti distoreido. Entiio, ponha de novo gravadot a funcio- nar ¢, a no ser para trocar de fita, deixe-o rodar por todo o tempo que durar a sesso. E mau costume desligar o gravador quando 0 informante esta divagando fora do assunto, ou enquanto vocé faz as perguntas. E nunca comece fazendo uma abertura formal a0 “Esta fita é de Fulano entrevistando Beltrano em tal lugar’; isso é uma coisa que formaliza ¢ esfria o ambiente. Vocé pode deixar um espago livre no comego da fita para acrescentar isso depois, se quiser — néo antes, porém, porque pode ser repro- duzido quando vocé fizer o teste inicial de gravagio. Agora vocé esté pronto ingar sua pergunta ini que acontece a seguir variari muito, dependendo do tipo de in- formante, do estilo de entrevista que vocé prefere e do que voce quer saber, Mas aqui também hé algumas regras bisicas. Uma 270 i entrevista é uma relagio social entre pessoas, com suas conven- ‘¢des proprias cuja violagio pode destrui-la. Fundamentalmente, espeta-se que o entrevistador demonstre interesse pelo informante, petmitindo-Ihe falar 0 que tem a dizer sem interrupges constantes que, se necessirio, proporcione ao mesmo terhipo alguma orien- taco sobre o que discorrer. Por baixo disso tudo esté uma idéia de cooperagio, confianga e respeito mituos. ‘Uma entrevista ndo é um didlogo, ou uma conversa. Tudo 0 que interessa é fazer o informante falar. Voc’ deve manter-se 0 ‘mais possivel em segundo plano, apenas fazendo algum gesto de apoio, mas nao introduzindo seus préprios comentarios ow histé- rias. Essa nio é ocasiio para vocé demonstrar seus conhecimen- tos ou seu charme. E nio se deixe perturbar com as pausas. Ficar em siléneio pode ser um modo precioso de permitir que um in- fotmante pense um pouco mais e de obter um comentirio adicio- nal, Hora de bater papo é depois, quando o gravador for desli- ado, Claro que vocé pode exagerar nesse sentido, ¢ fazer com que 0 informante fique gaguejando por falta de um retorno seu. Ficar remoendo uma pausa em siléneio, depois de esgotado um assunto, é desanimador antes que isso acontega deve ser feita ‘uma pergunta firme. Mas em geral vocé no deve fazer mais per- guntas do que o necessério, de um modo elaro, simples, ¢ sem pressa, Mantenha o informante relaxado e confiante. Acima de tudo, nunca interrompa uma narrativa, Se voeé quiser, a0 final da digressio, volte a0 tema original, com uma frase como “Antes voeé estava dizendo...”, “Voltando a...", ou “Antes de a gente continuat...”. Porém, se 0 informante quiser continuar numa nova, linha, é axiomattico que se esteja preparado para acompanh-lo, Continue a mostrat-se interessado durante toda a entrevista, Em vez de ficar sempre repetindo “sim” — o que soari tolo na ‘gtavagio — é muito fécil aprender a fazer a mimica da palavra, balangando a cabega, sorrindo, erguendo as sobrancelhas, olhando para o informante de modo encorajador. Vocé precisa ter perfeita clareza sobre até onde chegou a entrevista e, sobretudo, evitar de perguntar sobre uma informagio que jé tenha sido dada. Isso 2m exige meméria viva e intensa concentragio. Voeé pode achar que precisa tomar algumas notas 4 medida que vai avangando, em- bor seja melhor dispensar essa ajuda se puder. Ao mesmo tempo, vocé deve estar atento 4 coeréneia das perguntas e a contradigSes com outras fontes de evidéncia, Se tiver divida a respeito de alguma coisa, procure voltar ao assunto de outro an- gulo, ou sugerindo, com tato e delicadeza, que talvez.haja uma opiniio diferente a respeito da questio — “Ouvi dizer que...” ou “Liem algum lugar que...”, Especialmente importante, porém, no contradizer o in- formante ou discutir com ele. Como observa mordazmente Bea- trice Webb: deve-se permitir que o cliente 3s, desenvolva suas torias sem qualquer objegio ou ex- ropésito, use os argumentos pressio de discordincia ou de ridiculo,”> Sem diivida alguma, quanto mais voeé demonstrar com- preensio ¢ simpatia pelo ponto de vista de alguém, mais vocé poderd saber sobre ele. Falar sobre o passado pode despertar memérias dolorosas que, por sua vez, despertam sentimentos intensos que, muito fortui- tamente, podem afligir um informante. Quando isso acontecer, dé-Ihe um apoio generoso, como faria a um amigo. Com alguns informantes, pode ser mais prudente deixar as perguntas mais delicadas para uma etapa posterior da entrevista. Se for abso! tamente fundamental obter uma resposta, espere até o fi vez até desligando 0 gravador. Nunea, porém, pressione de- mais quando um informante parega estar na defensiva ou relutando em responder. Em geral, ser melhor procurar orien- tar-se no sentido de uma conclusio mais aberta, pedindo que resuma o que sentiu em felagio a uma dada experiéncia, ou se acha que hd algo a acrescentar. Uma entrevista que termina em tom de relaxamento ser mais provavelmente lembrada com pra- zer e levard a outra. al- 272 Vocé precisa sempre procurar estar sensivelmente cons- ciente de como seu informante esté se sentindo. Se parece in- € 86 dé respostas muito concisas, pode estar cansado ou indisposto, ou preocupado com o relégio por causa de algum outro compromisso: nesse caso, encetre a sessio de gravagao 0 mais répido que puder, Embora evitando estar sempre olhando para o reldgio, adapte-se sempre a seus horétios, ¢ chegue pon- tualmente quando estiver sendo esperado, para que ele nao fique tenso a sua espera. Em circunstincias notmais, uma hora e meia ou duas horas seri em todo caso um tempo maximo razodvel. Uma pessoa de idade, pelo interesse da situagio, pode nio se dar conta do risco de se cansar excessivamente, mas certamente se arrepender disso depois, e pode no querer repetir a experiéncia, ‘Nio saia imediatamente depois da sessio de gravagao. Voce deve ficar um pouco, dar algo de si, € mostrar simpatia e aprego em retribuigo ao que Ihe foi dado. Aceite um ché, se lhe oferece- rem, € esteja disposto a bater papo a respeito da familia ¢ de fotografias. Esse pode ser o momento em que mais provavel- mente poderiio emprestar-Ihe documentos. E uma boa hora para combinar uma nov. Vocé pode pensar em retribuir com alguma ajuda pritica imediata, carregando ou pregando alguma coisa, ou com algum conselho sobre como fazer para resolver um problema que esteja preocupando o informante, Na verdade, como afirmou convincentemente Ann Oakley, s vezes pode ser “moralmente indefensdvel” abster-se de ajudar dese modo e de compartilhar experiéncia, falando mansamente sobre si mesmo ¢ suas idéias.'® Uma vez ou outta, este poderd ser o comego de uma amizade duradoura. Mas aja com tato e cautelosamente. Nao dis- cuta a respeito de assuntos que possam set controvertidos, tais como comportamento dos adolescentes ou politica, o que poder contribuir para criar alguma reserva posteriormente. Em algumas situagdes de entrevista, pode ser oferecida uma hospitalidade mais grandiosa — um farto almogo com bebidas — que talvez. dé énfase 20 problema normal de obrigagio mitua, produzindo uma pressio para criar uma versio “oficial” da histé- 273 tum debate informal & mesa do jantar. Nao obstante, vitios historia- dores orais, tais como James Wilkie no México, Lawrence Good- win no Sul dos Estados Unidos, e Peter Oliver no Canadé, tm defendido a necessidade de “interrogar insistentemente” de modo muito mais vigoroso. O historiador oral, segundo Peter Oliver, ainda que evitando uma postura de franea “oposigao”, rio deve hesitar em contestar as respostas que recebe e em esquadrinhar G.) "Or, vamos, senador, & claro que houve mais a respeito disso...? O st. Fulano afirma q perientes ¢ caleja rever sua resposta inicial, se isso for feito com tato e habilidade, e rmai- tas vezes 86 desse modo & que o entrevstador desvendard’ win material verdadeiramente significative.” Caso comparivel & 0 proporeionado pelos eiminentes ridio- astrénomos entrevistados por David Edge. Eles mesclavam uma di atitude defensiva necesséria para o éxito na iva de subvengdes do mundo cientifico, Ele de- senvolveu um mét talvez. amigo pessoal, e jd dominando segredos internos, estava armado pata cont de questies técnicas, e pot Mike Mulkay, um socié! te ingénuo, alerta para lan- ceptivel na voz do informante quando a pergunta vinha dele. Essa técnica argumentativa depends evidentemente, em parte, de algum tipo de co-participagéo num dado grup social e, em parte, de saber exatamente até onde se pode levar a contestagio. Na situagio inversa extrema, os principais problemas do en- trevistador encontram-se em nivel bastante diferente, na verdade mais bisico. Um historiador europeu coletando tradigao oral na Africa esti atuando dentro de uma cultura completamente es- 276 tranha, e geralmente preocupado em aprender algo de sua lingua c de suas regras bisicas. Entre os kuba, por exemplo, Jan Vansina descobrin que, a menos que todas as pessoas certas estivessem presentes € que fosse escolhido o local correto, apenas determi- seriam relatadas. “Entre os akan, tinham que ser feitos sacrificios aos ancestmais antes que fossem recitadas certas tradigdes, de modo que 0 pesquisador de campo deve estar munido de um carneiro ou de uma barrica de rum para esse fim.” Os bushongo precisam que se Ihes fornega vinho de palmeira fermentado domesticamente e sé recitam suas tradigdes & noite, na presenga das reliquias de seus antepassados. Em seu pais, um historiador inglés sabe que nio deve tentar en- trevistar um tavemneiro num dia feriado, ou um padre numa Sexta-feira Santa, ¢ pode concentrar a atengdo sobre nuances so- ciais menos clementares. Como também nao precisa, em geral, depender de intérpretes, ou pagar para que lhe oferegam testemu- nnhos. A maioria das regras bisicas, como evitar perguntas direti- vas ¢ a necessidade de se assegurar de que o informante esti relaxado, aplicam-se a quem coleta informagGes na Africa como ‘em qualquer outro lugar; ¢ com criatividade até mesmo alguns dos problemas peculiares podem ser postos uns contra os outros: Deve-se procurar perceber se o informante esta (.) impedido de sentirse tentado a prestar um falso testemunho a fim de cair nas boas agragas dos pesquisadores de campo (..) O informante nio deve saber se © pesquisador de eampo esti ou ni interessado em seu testemunho, pois se souber, cle o distorcerd. Por isso, 0s bons informantes no devem ser recompensados prego mais alto que os maus (...) Além disso, durante a gravagio do testemunho, deve-se a tica para com o informante, sem, contudo, d dadeitos sentimentos. Em Ruanda e em Bur nnhos em fita magnética, dei a entender que Estando convencido de que eu ado, achou que no importava 0 ve nenhum motivo para distotcer a 277 ria, Na maioria dos casos, porém, vocé pode mostrar sensibili- dade ao utilizar o material que foi oferecido, ainda que ele contri- bua para uma conclusio sua que no seja compartilhada por seu informante. Quanto a isso, Beatrice Webb nao tem diividas: Aceite 0 que Ihe for oferecido (..) Na verdade, quanto menos for- do de entrevista, melhor. A atmosfera da mesa de jantar ou 0 mndutor” methor do que o escritério durante 0 icdo pode ser uma perspectiva sombria; pode até parecer um desperdicio de esforgo examinar maquinarias ou instalagdes que nio se pode compreender, ou que foram vistas antes ad nauseam (..) Mas ser um ero nao aceitar No comer dessas caminhadas easativa cespe- tas aborrecidas, podem ser lembradas ou evocadas experiéncias que nio teriam aflorado na entrevista formal no escritério.'” © comentitio que ela faz baseia-se em seu proprio trabalho de pesquisa em que a situagdo normal de entrevista foi incomum sob dois aspectos: tanto a entrevistadora quanto o informante provinham dos niveis mais altos da sociedade e tinham ambos aproximadamente a mesma idade. Em geral, os entrevistadores, sejam histotiadores profissionais, ou mulheres casadas que geral- mente sio contratadas para 0 trabalho de pesquisa, sio de classe média e com seus 30 ou 40 anos. Seus informantes sio, geral- mente, gente comum da classe trabalhadora ou da classe média e, em trabalhos de histéria oral, freqiientemente muito mais velhos. Assim, a sua modéstia hi acrescente-se a fragilidade da velhice ¢ uma particular-vulnerabilidade a0 deseonforto e a an- siedade, A altetagio desse equilibrio social pode ter implicagées Para o método de entrevista, que devem ser tomadas em conside- xual, que provavelment pessoas casadas do mesmo sexo, Uma pessoa mui alguém de categoria muito superior, pode ter mais, conquistar confianga. A raga pode oferecer outro tipo de barreira. 274 Por outro Jado, uma pessoa com os mesmos antecedentes de classe operditia e da mesma comunidade que o informante conse- guiri uma boa relagio inicial, muito embora posteriormente ppossa encontrar difieuldade em fazer perguntas devido a um rede de relagdes comum, ou porque a resposta (muitas vezes errada- mente) patece dbvia. Do mesmo modo, pode-se enfrentar enor- mes problemas de reservas quando se entrevista alguém da pré- pria familia, Deve-se reconhecer que existem diferengas de antecedentes sociais , sempre que possivel, enfrenté-las va- riando o estilo da entrevista, problema que mais se repete é 0 apresentado pela petso- nalidade publica como informante. Pessoas desse tipo sio geral- mente mais tigidas e competentes, e talvez também mais jovens, do que o informante tipico. Podem possuir uma idéia tio firme a respeito da propria histéria, e do que € importante nela, que tudo que podem oferecer so recordagdes estereotipadas. Freqilente- mente, também, “no correr de longas carreiras na vida publica, terdo desenvolvido uma carapaga protetora por meio da qual se protegem contra perguntas incémodas e, embora parecam estar dizendo algo valioso, oferecem de fato o menos possivel”. Isso pode ter se tomado um habito tio arraigado que “o sujeito, ‘mesmo que tente ser franco e sincero, dard, quase sem pensar, as mesmas respostas-chavo que foram téo convenientes em outras ocasides. Esse véu defensivo é que precisa ser rompido pelo en- trevistador”."* Vez por outa, a prépria inocéneia pode conseguir perfurar a carapaga. “Os politicos possuem a experiéneia que mais os capa- cita a serem capazes de lidar muito sabidamente com um joven € inocente historiador”, observa Asa Briggs. Porém, “alguém ber jovem pode (...) conseguir um monte de coisas de um velho que iio seriam obtidas por membros da’mesma geragio”. O mais das ‘vezes, nio existe altemativa a niio ser tentar ser “ao mesmo tempo, sensivel ¢ firme”.'? Algumas das regras bisicas continuam a se aplicar: o perigo de interromper com um interrogatério insistente e por demais provocador, e também as vantagens de, por exemplo, 275 | Em certo set ral facilitado pelo tanto quanto os . esse exercicio de niio-comunicagio cultu- hheiro é uma parddia de como entrevistar, res exemplos de sedugdo e insinuago na tele- tal imperial. Esperamos que brevemente os afri- criando sua propria histéria oral. Mas esses casos i lustrar a necessidade de fle- de, também, de conseguir ‘obter material de valor em circunstincias extremamente adversas. Devemos, contudo, voltar ao historiador comum que deixa- mos batendo papo por sobre uma xicara de ché. Depois de deixar © local da entrevista, ainda hé trés coisas que devem ser feitas. Em primeiro lugar, registre o mais ripido que puder todos os comentiirios sobre 0 contexto da entrevista, @ personalidade do informante, observagoes adicionais feitas sem serem gravadas, © que talvez ndo tenha sido dito. A seguir, coloque uma etiqueta na fita ou na caixa, Depois, faga tocar a fita para conferir quais as informages obtidas € 0 que voe® ainda precisa obter. Em espe- cial, assegure-se de que possui os fatos essenciais a respeito do informante que todo historiador social gostaré de saber para utili- zar como evidéncia: idade, sexo, residéncia e ocupagio do in- formante e também a ocupagio de seus pais. Ao mesmo tempo, voeé pode relacionar todas os nomes euja grafia seja preciso con- ferir com o informante, Finalmente, se essa foi sua ultima visita, vocé pode verificar esses itens juntamente com sua carta de agra- decimento (mais uma vez, enviando junto um envelope sobres- critado € selado para resposta). Seré conveniente que essa carta reafirme 0 objetivo gera} da entrevista e, se for 0 caso, avente as questées de confidencialidade ou de direitos autorais. De todo modo, la seri um gesto de cortesia que seri apreciado, E desse tipo de cuidados pessonis, quase tanto quanto do conheci- mento especializado, que depende o éxito na atividade de entrevistar. 278 - ARMAZENAMENTO E CATALOGAGAO Completou-se a gravagiio: mas agora, como devemn set con- servadas as fitas? E como podem ser utilizadas para a construgao da histéria? Precisamos, primeiro, considerar os problemas de ar- mazenamento e de indexagio e, a seguir, as etapas da escrita e da apresentagdo da histéria com evidéncia oral. Como a gravagao em fita magnética é uma técnica relativa- mente recente, ainda nfo se tem total seguranga sobre quanto tempo ela pode durar, nem quais as condigées ideais para seu armazenamento. Ademais, a qualidade da fita tem sido gradativa- mente aprimorada ¢, com isso, mudaram as mais importantes considerges sobre seu armazenamento, A introdugio do éudio digital trard outras mudangas fundamentais dentro dos prdximos cinco anos. As fitas atuais de boa qualidade jé no possuem uma base propensa a deteriorar-se. Agora, o problema principal é evi- tar o “print-through”, ou ecos de som, que podem desenvolver-se durante © armazenamento. Alguns peritos recomendam diversos recursos para reduzir o risco do print-through, tais como fazer rodar a fita num gravador uma vez. por ano, de modo que ela seja rebobinada, mas nao é muito claro que isso constitua uma me- dida de seguranga que valha a pena — na verdade, no fim das contas, pode criar riscos maiores de outros danos. Até 0 mo- mento, ha apenas duas regras seguras. Em primeiro lugar, a qualidade da fita utilizada para ser ar- mazenada deve ser cuidadosamente escolhida. Se, para a grava- 279

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