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CAPITULO xX A EFICACIA SIMBOLICA (1) © primeito grande texto magico-religioso conhecido, pro- Fanlente de cultura sul-americana, que acaba de set pullicnto editéres nao basta Har. NOs desejariamos retomar aqui o seu ) gxame, no na perspettiva Linguistica ou americaniste “ae | qual o texto foi sobretiida estudado (2), mus para tentar por i em evidéneia suas implicagdes gerais, ‘Trata-se de um longo encantamento, cuja versio indigena j Supa dezoito péginas, divididas em quinhentos ¢ trinta c Gea (1) | fate artigo, dedicado a Raymond de Saussure, foi pu- dasado, sob 0 titulo Letficacité symbolique, na, Revue we PAgiaes des religions, t, 195, 1.9 T, 1949, pp, BO fio, Nils M. Hotntrn o Henry Wassnx, Mu-Igals or the Way shefltte « medecine song from the Cunae’of Parone” Goteborg, 1947, 216 Ww © objeto do canto é ajudar um parto dificil, Ble & de tum emprégo relativamente excepcional, visto que as mulheres indigenas da América Central e do Sul dio a luz mais faci mente que aquelas das sociedades ocidentais. A_intervengio. ma é, pois, rata a se realiza na falta de é: da parteiraO” canto se 20 xami, a partida déste para a choca da parturiente, sua chegada, seus preparativos, que consistem em fumigagées de favas de cacau queimadas, in, vocagies, © confeccio das imagens sagradas ou muchu, Essas imagens, esculpidas nas esséncias prescritas que Ihes dio a efi. Acia, representam os espititos protetores, que o xama faz seus assistentes, e dos quais toma a diresio para conduzi-los 4 morada de Muu, poténcia responsivel pela formacio do feto. parto dificil se explica, efetivamente, porque Muu ultrapas. sou suas atribuicées e se apoderou do purba ou “alma” da futura_mée, Assim, o canto consiste inteiramente numa_busca : busca do_purbe perdido, ¢ que sera restituido apés inameras peripécias, tais como demoligio de obstéculos, vitéria sdbre ‘animais ferozes e, finalmente, um grande torneio realizado pelo xami © seus espiritos protetores contra Muu e suas filhas, vou a ajuda de chapéus magicos, cujo péso estas iiltimas so ineapazes de suportar. Vencida, Muu deixa descobrir e liber- tar o purbe da doente; o parto se dé, € o canto termina pela enunciagio das precaucées tomadas para que Muu nio possa evadir-se apds seus visitantes. O combate no foi empenhado contra a propria Muu, indispensdvel 4 procriaggo, mas sémente contra_seus abusos; uma vez que éstes foram retificados, as relagdes se tornam amistosas, e a despedida de Muu ao xami quase se equivale a um convite: “Amigo nele, quando volta- ras a me ver?” (412), Empregamos até aqui, em lugar de nele, 0 térmo xami, que pode parecer impréprio, j4 que a cura nio parece exigir, da parte do oficiante, um éxiaSe ou uma passagem a um se. gundo estado, Contudo, a fumaga do cacau tem por primeiro objeto “fortificar’ suas vestimentas” e de “fortificé-lo”, de “toré-lo bravo para afrontar Mu” . (65-66) ; e sovretudo, a classificagio Cuna, que distingue entre diversos tipos de mé- dicos, mostra bem que a poténcia no nele tem fontes sobrena- asso qu consistenuma visio ddoenga, ou seja, of @) E vey of the 7, editad ‘nographicai Studies, (4) Ta, pp. 860 88. Horna» E ii io se funda antes de tudo numa and- te da noqdo de purdo, O parte é um anti espa ga, que definimos acima. Ao contrari i Se a Soe ee fee nee nie a wh com ee tan neo fe seh so “ a idade. Parece pois que se poten sem Sepa inertia, YA ‘traducit niga por “forga vital” e purba por “dup 2”, ot al UE esas palavras nGo implicam wma dis. tingio entre 0 animado © o inanimado (tudo asimado-para os Guna), mas eorrespondem antes & nogio platdnica de “iia! 4) on de ‘“arguétipo”, de que cada ser on objeto é a realizagio ow de “‘arquétipo”, de q ES hel a doente de nosso canto perdeu mais do que seu y purba; 0 texto indigena the atribui febre, “quente vestimenta da doenga” (I, e passim) © uma perda ou enfraquecimento da vist, “extraviada...adormecida, sGbre a vereda de Mut Pultip" (07), ¢ sobreudo, ea desara a0 sand que a. in tervoga: Muu Pullip veio a mim, ¢ ela quer artar mex nigepurdatete pata sempre” (98). Holmer propée ia niga por forcafisiea e purba (ele) por alma ou essen, don- de: “a alma de sua vida’ (5). Avangar-se-ia talvez em ema siay sugerindo que o niga, atributo ‘de ser vivo, resulta da Sexisténcia, neste, no de um, mas de diversos purée funcional, J mente unidos. Contudo, cada parte do corpo. tem. seu particular, © © niga parece ser exatam exatamente, no plano espir » \tual, © equivatente da nocio de organismo: ddo_mesmo modo \que'a vida resulta do acordo. dos Orgios, a forgave aio setia_sendo o concurso harmonioso de todos os purba, cada ‘um_presidindo o aes eae oberta € imediatamente seguida da descoberta, situa cua Plano, de outros purba, que sio os do coragio, dos 0ss0s, dos dentes, dos cabelos, das unhas, dos pés (401-408 € 435-442), Poder-se-ia ficar surpréso de no ver aparecer, nesta (8) Loc. eit, p. 88, 0.9 44, 218 lista, © purba que governa os érgios mais afetados: os da ge- tasio. Como sublinharam os editéres de 0 _purba do iteto nao & considerado com responsivel pela desordem i muugan, ‘sio —NordenskiSld jo ba seus Aurngix, ow capacidades (6). nhuma referéncia a essas_atribuigoes como um fator de desordem, una“ rou ¢ paralisou as outras ra, 0 texto néo faz ne- Positivas. Muu aparece ai Mas 20 mesmo tempo, Muu deve perm 2 expedisgao, libertadora dos urbe, ‘corn a evasio de Muu pelo caminho def De onde as precaugées, cuja minudénem Parte do canto, O xami. mobiliza os Senh Tozes para guardarem © caminho, os taste, tendem-se rédes de ouro © de prata du nelegen vigiam © batem O patto dificil irante quatro dias, os "us basties (505 $35). Muu nao e ido afetivo da perturbacio fisio. legica, tal como pode aparecer, de maneira ban formulada, & consciéncia da doente, Para atingir Muu, 0 xama ¢ guir uma rota, “o caminho de Muu”,-que as ‘iltiplas alusdes ddo texto permitem identificar da mesma manera’ Quando o xamii, acocorado sob a réde da doente, termines de esculpir os rach, éstes se erguem “a entrada do caminho” (72, 83), © 0 xami exorta-os nestes térmos: seus assistentes devem se- A doente jaz em sua réde diante de vés; Set tecido branco esta estirado, seu tecido branco se move va- garosamente. (8) E. Nowewsxrdz0, toc, cit,, pp. 364 s9, fr rpo da doente esti estendido; Guando dies’ alumiam 0 caminho de Muu, éste escorre como sangue; : oa o cortimento se derrama sob a réde, como sangue, todo ve melho; : © branco tecido interno desce até o fundo da terra; : no meio do branco tecido da mulher, um ser humano desce (84-90). rt ido das duas iiltimas frases como Os tradutores dio o sentido das duas a duvidoso; mas éles reenviam ao mesmo tempo a um outro texto ff indigena publicado por Nordenskidld, que no deixa subsistir nenhum equivoco sdbre a identificagio do “‘branco tecido in- terno” com a vulva: ae sibugua molul arkaali blanca tela abriendo sibugua molul akinnali blanca tela extendiendo ibugua mobil abalase tulapurua ckwawali me centro feto caer haciendo (7). “cami " nsangiientado pelo O obscuro “caminho de Muu", todo ensangtientado Parto dificil, e que os muchu devem reconhecer 20 gato ae suas vestimentas chapéus migicos é, pois, incontestivelmente, a vagina da doente, E a “morada de Muu”, a “fonte turva’ onde cl reside, cortesponde exatamente ao iter, ji que o in formante indigena comenta o nome desta morada Amukkopi- ryewila em térmos de omegan purba amurrequedi, “a turva menstruagéo das mulheres”, também denominada “a profunda, sombria fonte” (250-251) e “o sombrio lugar interior” (8) (32). loRDEN 607-608; Houten e WASSEN, ci, gts, nas bb. (lS apanhel, mo oignal. francs = fo de. ti ipya por “turbilhio” parece forgada. a i sulamericanos, como aligs nas linguas ibé- Be Cee pas eae, ene, ies nie gone ibe 220 Nosso texto oferece pois um caréter original, que 0 faz maecedor de um lugar especial entre as curas xamanistns babitualmente descritas. Essas constituem tres tipos que nao So, ademais, mittuamente exclusives: quer seja que ¢ orgz0 taagh, Membro doentes experimentem flsicamente uma mantis fséo, ou sugio, que tem por objeto extrair a came Pin Se geralmente uma espinka, uum cristal, uma pluma, que se, {az aparecer no momento oportuno (América tropical “Aes trilla, Allsca) ; quer seja, como entre os Araucanos, que a Cura s¢ estabeleca em tno de um combate simulado, realizado a cabana, depois em céu aberto,"contra os espititos nocivos, Seja enfim, por exemplo, entre os’ Navaho,-que o oficiante pro: Tunce encantamentos € prescreva operagées (instalagio’ do doente sébre as diversas partes de uma pintura ‘tragads sobre © solo com areias € pélens coloridos) dos quais no se perceba a relagdo direta com a perturbagéo especial que se trata de Gurar, Ora, em todos éses casos, @ método terapéutico (que se save ser freqiientemente eficaz) ¢ de interpretagao dificl: duanco acomete diretamente a parte malsi, & por demais gros. Sciramente concreto (cm geral, pura fraude) ‘para que se Ine reconhesa um valor intrinseco; e quando éle consitte na re, Petiséo de um ritual freqientemente muito abstrato, nao ‘se chega a compreender sua incidéncia sébre a doenga. & cémode dlesembaracar-se_dessas dificuldades, declarando que se trata’ de cufas_psicolégicas. Mas éste térmo permanecerd vazie de Sentido, enquanto nao Comecemos por estabelecer a realidade e os caracteres desta inanipulasio; pesquisaremos em seguida quais podem ser seu fim ¢ sua eficécia, Fica-se inicialmente chocado, a0 constatar que © canto, cujo tema é uma luta dramética entre espiritos protetores espiritos malfazejos pela reconquista de uma “alma”, consagra um lugar muito restrito & ago propriamente dita: em dezoito paginas de texto, © torneio ocupa menos de luna, € a entrevista com Muu Puklip exatamente duas. Ao contririo, os preliminares sto muito desenvolvides, e a descricgéo dos preparativos, do equipamento dos nuchu, do itinerdrio e dos sitios € tratada com uma grande riqueza de detalhes. Tal & 0 80, no inicio, para a visita da parteira ao xama, a conversagio da doente com a primeira, depois desta com o segundo, é repro- duzida duas vézes, pois cada interlocutor repete exatamente a frase do outro, antes de responder-Ihe: A doente diz a parteira: “Certamente, eu estou vestida com a quente vestimenta da doenca” ; A parteira responde & doente: “Tu estas, certamente, ves- tida com a quente vestimenta da doenca, assim também ew te escutei”. (1-2), Pode-se acentuar (9) que éste procedimento estilistico é corrente entre os Cuna, ¢ que éle se explica pela necessidade, dos povos limitados & tradicao oral, de fixar exatamente pela meméria aquilo que foi dito. E contudo, éle se aplica aqui, nio smente as palavras, mas aos meios: A parteira di uma volta dentro da cabana; A patteira procura pérolas; A parteira di uma volta; A parteira pée um pé diante do outro; A parteira toca o solo com seu : A parteira colocao outro pé para a frente; A parteira abre a porta de sua cabana; a porta de sua ca- bana estala; A parteira sai, - (7-14). (9) HOLMER e WAssEN, loc. cit., pp. 65-66, 202 descrigio & repetida duas 45-47 reproduzem 33-35), Tico_dos acontecit que _poderiam tratados com grande luxo de detalhes, filmados “em camara lenta” e junto do texto, mas nio é aplicada em nenhuma sistemat hcamente como no. micio, € para descrever jt de interésse retrospectivo, . ® Tudo ‘S€ passa como se 0 oficiante tratasse de conduzir uma doente, Suja atengo ao real est§ indubitavelmente diminuida madd Seusibilidade exacerbada — pelo sofrimento, « temo at imaucira muito precisa intensa uma situagéo inal, © 2 per- Ser dela mentalmente os menores detalhes. Com efcta, erea fésser 3 ae 20s espirite 10 vento, das aguas e dos basques, e até i da plasticidade do mito — 9 Mae Paquéte prateado do homem branco’ (187). Os temas se retinem: como a doente, o8 much. setcjem, jorram sangue; © as dores da doente tomain proper, eas Essa técnica se encontra no con gies edsmicas: “Seu branco tecido interno se estende até o trio da terra... até 0 seio da terra, suas transpiragdes formar lw poga, da mesma maneira que sangue, toda vermelha” (89, 2). Ao mesmo tempo, cada espirito, quando aparece, tosna fe objeto de uma descrigio atenta, eo equipamento. migico, sue éle recebe do xami, € longamente detalhado: pérolas ne fhras, pérolas cér de fogo, pérolas escuras, pérolas.redondas, ‘ossos de jaguar, ossos arredondadas, osso da garganta e muite, Quttos ossos, colares de prata, osos de tatu, ossas do. péssaro herkettol, ossos de picango verde, ossos de fazer flautas, pérolas dle prata (104-118) ; depois a mobilizacéo geral continua, como fe essas garantias f6ssem ainda insuficientes, ¢ que tédas ss forsas, conhecidas ou desconhecidas da doente, devessem ser reunidas para a mvasio (119-229), Mas o vago tem um lugar tio pequeno no reino do mito, {que a penetragio da vagina, por mitica que seja, é proposta 4 dloente em ér-n0s coneretos e conhecidos. Por dias vézes, alids, “maw” designa diretamente 0 itero, ¢ nfo 0 principio spiritual que governa sua atividade (“o muu da doente”, 204, 453) (20). Aqui, sio 0s nelegan que, para se ‘introduzir ne caminhy de Muu, assumem a aparéncia e simulam a manobra do pénis em: ereggo: Os chapéus dos nelegan brilham, os chapéus dos nelegan cmbranquecem; os inelzgan se tornam chatos e baixos (2), cea. tamente como pontas, inteiramente retos ; 0s nelegan comecam a ser terrificantes (?), os nelegan se fornam completamente terrificantes (?) ; Para a salvagio do nigapurbalele da doente (230-233). E mais abaixo: Os nelegan vio oscilando em diresio 20 alto da réde, éles vio em diresio a0 alto, como nusupane (239) (11). {if} Howom © Wassen, p. 45, n.° 219; p. 67, ne 639, 21) Os pontos de intertogacao slo do tradutor: nueupane, Just, ‘“verme”, comumente empregado por “pénis” (ef. Hon. MER © Wasa, p. 47, n° 2805 p. Bf, n° BAD, © Be). 22h | i A téenica da natrativa visa, pois, reconstituir uma expe- riéncia real, onde o mito se limita a substituir os protagonts. tas, Bstes penetram no orificio natural, e pode-se imaginary que, apés tOda essa preparacio psicolégica, a doente os sente gfetivamente penetrar. Nao ‘somente ela os sente, mas les “aluriam” — para les préprios, sem divida, e para encon, trar sua via, mas também para ela, para Ihe tornar “claro” ¢ acessivel a0 pensamento consciente a sede de sensagées inefa- veis ¢ dolorosas— 0 caminho que éles se dispdem a percorrer: Os nelegan poem uma boa visio na doente, os nelegan abrem olhos Iuminosos na doente... (238). E esta “visio iluminadora”, para parafrascar uma for- mula do texto, Ihes permite detalhar um itinerdrio complicado, verdatleira anatomia mitica que corresponde, menos a estru. tura real dos drgios genitais, que a uma espécie de geogratia afetiva, identificando cada Ponto de resisténcia e cada movi- ‘mento impetuoso: Os nelegan se péem a caminho, os nelegan andam em fila a0 longo da senda de Mut, tio Ionge quanto a Baixa Mon- tanha; 05 1, etc., to longe quanto a Curta Montanha; 08 m,, etc, t20 longe quanto a Longa Montanha; 8 n,, etc, to longe quanto Yala Pokuna Yala (nio tra- duzido) ; =f tc, tio longe quanto Yala Akkwatallekun Yala (i 08 n,, ete,, téo longe quanto Yala Iamisuikun Yala (id.) } 03 n., etc., até o centro da Chata Montanha; 08 nelegan se poem a caminho, os melegan andam em fila 9 longo da senda de Muu (241-248), © quadro do mundo uterino, inteiramente povoado de ‘monstros fantisticos ¢ de animais ferozes, esté sujeito & mesma interpretagio, diretamente confirmada em outro lugar pelo in- formante indigena: sao, diz éle, “os animais que aumentam o3 ‘males da mulher no parto”, ou seja, as préprias dores perso- nificadas. E aqui ainda, o canto parece ter por finalidade prin- cipal descrevé-las A doente e nomeé-las, de thas apresentar sob uma forma que pudesse ser apreendida pelo pensamento cons. 225 ciente ou inconsciente: ‘Tio Aligétor, que se move por toda parte, com seus olhos protuberantes, seu corpo sinuoso e man- chado, acocorando-se e agitando a cauda; Tio Aligdtor Tiikwa- le corpo luzente, que remexe suas. luzentes barbatanas, barbatanas invadem o lugar, empurram tudo, arrastam tudo; Néle Ki(k)kirpanalele, 0 Polvo, cujos tentéculos vis- cosos sacm e¢ entram alternadamente; ¢ muitos outros ainda: Aquéle-cujo-chapéu-é-mole, Aquéle-cujo-chapéu-é-ver- melho, Aquéle-cujo-chapéu-é-multicor etc.; € os animais guar- diies: o Tigre-negro, 0 Animal-vermelho, 0 Animal-bicolor, 0 r-de-poeira; cada um ligado por uma corrente ‘de ferro, lingua pendente, lingua saliente, babando, espumando, a cauda flamejante, os dentes ameacadores e dilacerando tudo, “do mesmo modo que sangue, inteiramente vermelho”: (253- 298). Para penetrar neste inferno a Hyeronimus Bosch e alcan- car a sua proprietaria, os nelegan tém outros obstaculos a ven- cer, éstes, materiais: ‘fibras, cordas flutuantes, fios estendidos, cortinas sucessivas: coloridas de arco-iris, douradas, pratea- das, vermelhas, pretas, marrons, azuis, brancas, vermiformes, “como gravatas”, amarelas, torcidas, espessas (305-330); ¢ para esta finalidade, » xaind pede reforgos: Seulures-dos ani- mais-furadores-de-madeira, que deverio “‘cortar, reunir, enro- Jar, reduzir” os fios, nos quais Holmer e Wassen reconhecem as paredes mucosas do iitero (12). ‘A invasio segue a queda désses iiltimos obsticulos, e é aqui que se di 0 torneio dos chapéus, cuja discussio nos afas- taria demasiado da finalidade imediata déste estudo. Apés a Tibertagio do nigapurbalele ver a descida, tio perigosa quanto a ascensio: pois a meta de téda a emprésa € de ‘provocar 0 parto, ou seja, precisamente, uma descida dificil. O xama re- censeia seu mundo e encoraja seu tropel; mas Ihe & necessi- tio convocar reforgos: os “abridores de caminho”, Senhores- dos-animais-fossadores, tais como 0 tatu. Exorta-se 0 niga a se dirigir em directo a0 orifi ‘Teu corpo jaz diante de ti, na réde; sew branco tecidy std estendido; (12) Loe. cit, p. 85. 226 Em seu corpo, éles repdem seu nigapurbalele, . (430-435). © episédio que se segue € obscuro: dir no esta ainda eurada, © Seen ce ict os moradores da aldeia, para récolher plantas medicine eo ete sua ofensiva, sob uma nova forma: é éle, desta vez, umitando o pénis, penetra na “abertura de muw” ¢ se nowt at como Zusupane.... limpando € secando completamente o le. (453-454), Contudo, 0 emprégo de adstringentes te © parto jé se teria dado, Enfim, antes da nar. de poeira “para obscurecer 0 cami minho de Muu” de (468) Eada em todos os caminhos de Muy, desvios ¢’atalhos ), sua intervengao pertence também, sem diivida, acre: Tal Sai vez 0 episédiv auterior se retira a uma segunda técni tuterior la técni dss ea ape ee. sets nk mae commen GeOTTa, a0 contrério, durante a primeira viagem, rma igualmente metaférica. Haveria assi i . Haveria assim duas_ofensiva Tancadas em socorro da doente: escoradas, uma por ume na ages peienlisiaeion, a outra, por uma mitologia psico-social, indjcada pelo apélo aos habitantes da aldeia, mu ia per- manecido em estado de esbégo. O que fie cui taeee sitio notar que 0 canto se conclil apes feat niciado_antes da cura; 03 acontectnentor ave ores so cuidadosamente relat ‘Trata-se, efeti s asamente_relatados,. Trata-se, efetivamn cotstruir um conjunto sistematico. Nao € simente enue oo Jeaniades de evasio de Muu que a cura deve ser, por proce, mentos minuciosos, “‘aferrolhada”: sua eficécia’‘eila' con Sastio onde todos os protagonistas reencontraram seu lugar, 7 © ingressaram numa ordem s6bre a qual nao paira mais canes A cura consistiria, pois, em tornar pensivel uma situagio dada inicialmente em térmos afetivos, ¢ aceitaveis para 0 espi- tito as dores que 0 corpo se recusa a tolerar. Que a mitole | gia do_xama_néo corresponda a uma realidade objetiva, nd0 (em importancia: a doente acredita_nela, e ela é membro uma sociedade que acredita, Os espiritos protetores ¢ os espi- y Files malfazejos, os monstros sobrenaturais e os animais ma- 4 icos, fazem parte de um sistema coerente que fundamenta a * concepgio indigena do universo. A. doent i is exatamente, ela nao os pés jamais em davida, O que ela nao 1’, aceita so dores incoerentes e arbitrarias, que constituem um (lig lemento extranho a seu sistema, mas que, por apélo ao mito, {0 xama vai reintegrar num conjunto onde todos os clemen- 4) 198 se apéiam mituamente, Mas a doente, tendo compreendido, nao se resigna apenas: la sara. da disto se produz em nossos doentes, quando ) se thes explica a causa de suas desordens, invocando secre- © §6¢s, micrSbios ou visus. Acusai-sen0s-4 tilver de paradoxo, ‘a Tazio disto é que os micrdbios existem € que os monstros nfo existem, E nio obstante, a relagio entre microbio e doenga é exterior a0 espitito do paciente, é uma relagdo de causa € efeito; ao passo que a relago entre monstro ) € doenga € interior a ésse mesmo espirito, consciente ou in- ‘consciente io de simbolo 4 coisa simbolizada, ou, yp paren © vocabuldrio dos lingliistas, de significante a Sigiticado. "O'9ama forncee A sua decnte tina inguagem, na qual se podem exprimir imediatamente estados nio-formulados, de outro modo informuliveis. E é a passagem a esta expresso verbal (que'permite, ao mesmo tempo, viver sob uma forma denada ¢ inteligivel uma experiéneia real, mas, sem isto, an: quica e inefavel): que provoca o desbloqueio do processo fisio- ligico, isto €; a reorganizagio, nism sentido favorivel, da se- , \ iléncia cujo ‘desenvolvimento a doente sofreu, «Neste senti \)" entre nossa-medicina-orginica-e terapéuticas_psicolé @_psicandlise. Sua originalidade provém de que ela aplica a 228 ‘nosso pensamento, nenhuma des. tir precisar éste ponto. Em ambos os £asos, propée-se conduzir 4 consciéneia con- G0 conservatos inconscientes, ques as psicolégicas, tureza propria, | lesmente meca- 985 conflitos © as resisténcias conhecimento, real ou suposto, flitos e resisténcias até’ en fem razio de seu recalcamento a Por outras for quer — no caso do parto — por causa de sua nor que nao é psiquica, mas Organica, ou até simpk nica, Em ambos os casos também, ae se dissolvem, no ‘Por causa do que a doente adquire déles progressivamente é = da qual os conflitos se {ida em que esta experi / Ora do contréle do sujeito se ajustam espontinesmen Peace gone 2 um funcionamento ordenado, Osan sont ast luple papel que o psicanalista: um primeiro papel de ns niet, renin wr § Geatio imediata com a consciéncia (e mediata com o heome | & Sfente) do doente. # o papel da encantacio pripriameats aa jeto da transferéncia, induzitas no espirito’ do: do ‘te ste experimenta a meio-caminho entre o mundo organico ¢.0 mundo psiquico. O doente atingido de neurose liquida um mito individual, opondo-se a um psicanalista real; a partu- riente indigena’ supera uma desordem orginica verdadeira, identificando-se com um xama miticamente transposto, O paralelismo nao exclue, pois, diferengas. Nao se ficard admirado, se se prestar atengio ao carter psiquico, num caso, € organico no outro, da perturbacio que se trata de curar. De fato, a_cura_xamanistica parece cura psicanalitica, mas com uma o de todos os térmos ‘Ambas visam provocar’uma experiencia; e ambas chegam a isto, i), reconstituind um mito que o doente deve viver, ou revives nr Mas, num caso, é um mito individual que ‘om @ ajuda de elementos tirados de seu pasado; ni Py | com : =< um mito social, que o doente recebe do exierior, e que ep ep mde_a_um_antigo estado pessoal. Para preparar a abrea. (0! Glo, que se torna entao uma “ad-reagio”, o psicanalista escuta, Yag_passo que o xama fala. Melhor ainda:~quando as transfe- réncias se organizam, o doente faz falar o psicanalista, empres- tando-Ihe sentimentos e intengdes supostos; ao contrario, na en- cantagio, 0 xama fala por sua doente. Ble a interroga, ¢ poe fem sta béca réplicas que correspondem a interpretagao de’ seu estado, do qual ela se deve compenetrar: Minha vista se extravion, ela adormeceu no caminho de Muu Puklips Muu Puklip que veio a mim. Ela quer tomar meu ni- gapurbalele; ‘Muu Neuryaiti veio a mim, Ela quer se apoderar de meu nigapurbalele para sempre; ‘ete. (97-101), e E contudo, a semelhanca se tora ainda mais surpreen- dente, quando se compara 0 método do xamf_com certas tera- Péuticas de aparigio recente e que se valem da psicandlise. Ja Wey Desoillesublinhara, em seus tiabalhos sBbre 0 sonho acordado, {gue a perturbagio psieo-patolégiea ob & acessvel A linguagem (dos simbolos. Ble fala, pois, aos seus doentes por simbolos, mas éstes so ainda metéforas verbais. Num trabalho mais recente, © que desconhecfamos.no momento em que iniciamos éste es- 230 tudo, Sechehaye vai muito além (13) resultados que ela obteve, no Ta Genes sce: uizofrenia considerado incuravel, confirmam plenamente, Sy nsideragées precedentes acérca das relages entre a cts ise © xamanismo. Pois Sechehaye perceben que o denne gio Simbélico quanto possa ser, chocava-se ainda na being do ‘consciente, © que ela s6 por atos podia atingir os ane Plexos mais profundamente enterrados. Assim, para resolver im complexo de ablactagio, a psicanalista’ deve accumie -o-médico dialoga com seu doente, nfo pela a lavra, = »_de_operasies coneretas, verdadero wessam_a tela“da_conseiéncia sem encontrar obsticulo mame Yar sua_mensagem oo inonsciome ee fica, mas devemos ampliar bastante essa. d, wei abrange, ora uma manipulacio de nioulagio de érgios, sendo condigzo comum cue cla “ i 1 faca eativag “int? , Se simbolos, isto é, “de equtvalentes signe 1iatives, 0 significado, provenientes de uma ordem de Sot difcagio das fungdes orginicas d: i ic Bes | la parturiente. O esti bloqueado no inicio do canto, o ceca Behe 0 fa, S08 Progtessos do parto ‘se refletem nas etapas st lo mito: a° primeira penetraca: is nelegan se faz em fila indiana Gh es eee ont jaPsssagem. Quando vem 9 retérno (que corresponde fase do mito, mas A primeira fase do proceso fisio- que se trata de fazer descer a crianga), a atengao ara seus pés: assinala-se que éles témr sapatos (494. ') momento em que éles invadem a morada de Muu, ° AS mais em fila, mas “quatro a quatro” (388) ; e para 80 Ar livre, éles vio “todos em linha” (248), Sem di- Vidi, esta transformagio dos detalhes do mito tem por finali- pilade desPrrtar uma Teacio organica correspondente; mas a Jyploente 136 poderia apropriarse dela. sob Tefen ae experién- nao fésse acompanhada de um progresso real da icicia_simbélica que garante a_harmonia_do J paralelisme eotse mito oe operacoes. E mito e operagées formam yet Slide se encontra sempre a dualidade do doente e do miédico. Na cura da esquizofrenia, @ médico executa tages ¢ 0, produz.seu mito; na cura xamanistica, o m ilico fornece-o my 'o € a doente executa as operagoes, wie desloca A analogia entre os dois métodos seria mais completa Binds, 90 20 cudesse admitir, como Proed parece ter sugerido Por dias vases (14), que a descticéo em térmos psicolégicos BM EUUTA das psicoses @ das nesmeace deve desaparecer um Ala dante «1. ‘uma concepoio fisiolégica, ou mesmo bio-qui- lea Esta wentualidade poderia este mais préxima do que Widemcin N2 a4e pesquisas suecas recentes (15) puseram te Muiincia diferengas quimicas entre as eflulas nervosas do in- Be Baal c ina do allenado, concernentes cca Tiqueza tutta denna Polinucleados. Nesta hipétese. ou em “quafquee Otte do mesmy tipo, a cura xamanistica eo cura psicanali- ia), Bt Aiém do princiyio do praser © aaa Neves. con. {ilsiae, b. a9°e p. 198, respectivamente, das edigdes inglécas. Whe Vali, Kits, The’ Nature of Paychoanalytic Propositions Ye, Ye Mtation em Freedom anh Experience, Eesays presented MM, Koti Cornell University Press, 1947, p, 244. Watoolhnd, DE Chsrensson e Hoey, ner shalt Karolinska de TT ica tornar-se-iam ri Permitiu esclarecer Nio € certo que, inver- Vimos que a nica di gSobreviveria & liferenca entre os d lois métodos que QY como um tesouro coletiva. De fato, ure, Notes on talytic Study of the Child, of 0 ig Aa ‘he Analytical Discovery vol. I, Nova Tor mento em _que_se_apresentam, o_sujcita_as experimenta_ime- “( Wilamente sob forma_de mito vivido. Com isto, entendentios © que o poder traumatizante de uma situagao qualquer nao pode resultar de seus caracteres intrittsecos, mas da a; top acontecimentos, que surgem num contexto psicoldgico, ‘rico © social apropriado, para induzir uma ctistalizagao ate. tiva, que se faz no molde de uma estrutura preexi relagio 20 acontecimento ou & particularidade historica, ‘essas estruturas —ou, mais exatamente, essas leis de estrutura— sao Vetdadeiramente intemporais. No psicopata, téda a vida psiqui. cae tédas as experiéncias ulteriores se organizam em funsio de uma estrutura exclusiva ou predominante, sob a acio ca. itica do mito inicial; mas esta estrutura, ¢ as outras que néle so relegadas a um lugar subalterno, se encontram, tam: bém_no_homem normal, primitivo ou civilizado, O conjunto dcssas estruturas formaria o que denominamos de inconsciente. 7 Xetiamos_assim_dissipar-se a tiltima diferenga entre a tcoria 6 do xamanismo_e a teoria da psicandlise, O inconsciente dela de ser 0 inefavel refiigio das particularidades individuais, o Aeposititio de uma historia iimica, que faz de cada um nbs ym ser insubstituivel. Ble se reduz a um térmo pelo qual nds y designamos uma funsio: a_fungio simbélica, especificamente y Inumana, sem diivida, mas que, em Todos om hp yomens, se exerce Ne" segundo as mesmas leis; que se reduz, de fato, a0 conjuntd destas leis, Se esta concepgdo € exata, sera necessirio. restabelecer, \yProvavelmente, entre inconsciente e subconsciente, uma distin. s $0 mais acentuada do que aquela que a psicologia contempo- “y) tanea nos habituou a fazer. Pois o subconsciente, reservatério de recordagées © de imagens colecionadas a0" longo de cade y vida @7), se torna um simples aspecto da meméria; a0 mes- yo tempo que afirma sua perenidade, implica em suas limita. Ses, visto que o térmo suibconsciente se relaciona,20 fato de que as recordagées, se bem que conservadas, nao estio sem. "Pre disponiveis. Ao contrério, o inconsciente est’ sempre vazioy ou, mais exatamente, éle é tio estranho as imagens quanto @ (17) Esta definigio, tao eriticads, rétoma win sentido pela istingdo radical entre subconsclente ¢ inconseiente: 234 0 woeabulario importa menos a é rocabulé lO que a estry ¥o mito recriado pelo sujeito, quer doje sot sttttra. JY & tradicdo, ale 88 absorre ge ¥ tiva (entre as quais se produ, mesmas para todos, e para tidas as m a fungio, mas que elas sio poties nn ) 5 porque o mundo do simbolisms _] Por seu conte m ei ice popes mas sempre limitade por. ee as linguas, mas “muito poucas leis meee Existem Pare tédas'as’linguas. Us conhecidos ocuparia ina ic ima compilaggo de Coe Ue valem Se reduzem tambéin a algun agarrar-se a fluida multiplici '¢ © xami nfo psicanalisa seu rativa, Ao menos é 0 que a andlise de um texto indigena nos parecer ensinar. Mas, em outro sentido, sabe-se mito é uma procura_do tempo j forma_tn da_técnicaxamanistica, que é a psicanilise, tira, pois, seus caracteres particulates do fato-de que, na, sivilizasio mecanica, noha mais lugar para o tempo mitico, senio_no_préprio ho- mem, Desta constatagio, a psicanilise pode recolher uma con- fiMagio de sua validade, ao mesmo tempo que a esperanca de aprofundar suas bases teéricas e de melhor compreender o mecanismo de sta eficécia, por uma confrontagio de seus mé- todos e de suas finalidades com os de seus grandes predeces- sores: 05 xamiis e os feiticelros. tas han 9) 5 Meocreaa og \uetme Doge, 2 sbley suis}: ohattifa A Piso ebotbon cua vob CAPITULO XI A ESTRUTURA DOS MITOs (1) “Dir-se-ia que 0s universes mitolégi- gos sto destinados a ser pulverizados acabam de se formar, para que iversos mascam de’ seus frag introducio a: Ja- ‘ies elt, Traditions of the “hompaon River Indians ‘tomoise ©f the American Folklore Society, VI" (1898), p. 18. Nos iltimos vinte anos, apesar de algumas tentativas dis- Perses, 2 antropologia parece ter-se afastado cada ver mata do estudo dos fatos religiosos. Amadores de diversas provenién, clas se aproveitaram disto para invadir o dominio da ‘etnolo- gia religiosa. Seus passatempos ingénuos se desenvolvem no terreno que deixamos baldio, e seus excessos se ajuntam 4 nossa caréncia, para comprometer o porvir de nossos trabalhos, Qual € a origem desta situasio?.Os fundadores da eto. logia religiosa —Tylor, Frazer e Dygkheim—. estiveram sem pre atentos aos problemas #7mas, no sendo psi célogos profissionais, ‘Manter-se a par da ‘répida gvolugio, das idéias psicolégicas, e menos ainda pressenti-la, ‘Suas interpretasdes passaram de'moda vio rapidamente quanto

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