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S 8 ce ro de Araujo Antunes Fiat Justitia: os Advogados e a Pratica da Justiga em Minas Gerais (1750-1808) Este exemplar corresponde a redagao Final da Tese defendida e aprovada Pela comissdo julgadora em 16/12/2005 Banca Prof* Dr.* Leila Mezan Algranti Prof. Dr. Fernando Antonio Novais Prof* Dr* Izabel Andrade Marson Prof* Dr* Jtinia Ferreira Furtado Prof. Dr. Luiz Carlos Villalta Prof Dr* Laura de Mello e Souza Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Histéria do Instituto de Filosofia. e Ciéncias Humanas da Universidade de Campinas sob a orientagio da Prof*Dr.* Leila Mezan Algranti Prof Dr* Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Prof* Dr*Jara Lis Franco Schiavinatto uninand Lf oe CHAMADA Z| Vai came SO wi 329992 FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP An8of Antunes, Alvaro de Araujo Fiat Justitia : os advogados e a prética da justica em Minas Gerais (1750-1808) / Alvaro de Araujo Antunes. - - Campinas, SP fs. nJ, 2005. Orientador: Leila Mezan Algranti. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanes. 1, Historia - Brasil - Sec. XVIII, 2. Cultura, 3. Administracéio Historia. 4. Justica - Histéria._5. Histéria social |, Algranti, Leila Mezan. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas. _III.Titulo. (stmv/ifeh) Palavras-chave em inglés (Keywords): History - Brazil - Sec. XVIII Culture Administration - History Justice - History History - Social Area de Concentragao: Histéria Cultural Titulagao: Doutor em Histéria Banca examinadora: Profa. Dra. Leila Mezan Algranti Prof.Dr. Fernando Antonio Novaes Profa. Dra. Junia Ferreira Furtado Prof. Dr. Luiz Carlos Villalta Data da defesa: 16/12/2005 7 Alvaro de Araujo Antunes Fiat Justitia: os Advogados e a Pratica da Justica em Minas Gerais (1750-1808) Tese de Doutorado apresentada a0 Departamento de Histéria do Instituto de Filosofia. e Ciencias Humanas da Universidade de Campinas. Area de Concentracio: Histéria Cultural Orientagdo: da Prof* Dr.* Leila Mezan Algranti Linha: Sociabilidade e América Luso-Espanhola Cultura na Campinas Universidade Estadual de Campinas 2005 m ENVOLVIMENTO | cOLEgAG ICAP ALVARO DE ARAUJO ANTUNES Fiat Justitia: os Advogados e a Pratica da Justica em Minas Gerais (1750-1808) Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Hist6ria do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientagao da Profa. Dra, Leila Mezan Algranti Este exemplar corresponde a redago final da Tese defendida e aprovada pela Comissio Julgadora em 16/12/2005 BANCA, Profa. Dra. Leila Mezan Algranti (orientadora) fa. Dra, Jinia Ferreira Furtado Profa, Dra, Laura de Mello e Souza (suplente) Profa. Dra. lara Lis Franco Schiavinatto (suplente) Profa. Dra, Lucia Maria Bastos Pereira das Neves (suplente) ‘ DESENVGLVIVENTS ' COLEGAD DEZEMBRO/2005 | UNIGAMP Em meméria dos membros da minha familia Para de Alice e Priscila, por cada sorriso AGRADECIMENTOS Passada a eternidade de quase cinco anos, formou-se um mundo de pessoas que contribuiram com 0 andamento desta pesquisa e deste pesquisador. Com certeza, nao me Jembrarei de todos aos quais devo agradecimentos, ainda mais as quatro horas da manhii de uma segunda-feira. Gostaria de contar, ainda, com um pouquinho de inspiragao para poder reiribuir tudo que recebi, todo o carinho, compreensio, paciéncia, apoio, incentive... Porém, 0 mais que dissesse, por inspirado e desperto que fosse, nao seria paga suficiente, Peco, entdo, que aceitem apenas minha gratidao ¢ que perdocm meu eventual ¢ fatigado esquecimento. Pela etemidade desse doutorado, pela forga, atencdo, consideragses, indicagses, carinho, amizade, agradeco a Leila Mezan Algranti. Ao longo desses anos, a Fapesp me proporcionou minha dedicagdo total a essa pesquisa. Ela viabilizou minhas investigagdes nos arquivos de Mariana, Lisboa, Coimbra e*Vila Rica”, onde contei com a atengdo de todos os funcionarios do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo da Universidade de Coimbra, Arquivo Camara Municipal de Mariana, Arquivo da Casa Setecentista de Mariana, Arquivo Eclesidstico da Atquidiocese de Mariana, Arquivo Histérico do Museu da Inconfidéncia, situado na Casa Setecentista do Pilar. Em especial agradego a “Dona Sao”, Carmem, Sueli ¢ a0 “Dom Cassio” pela paciéncia em retirar caixes e caixas de documentos, sempre tacilitando minha pesquisa e fazendo indicacdes preciosas de verdadeiros conhecedor das fontes. VI Yoda 2 recolha de documentos dependeu da ajuda de pessoas que fizeram indicagdes, forneceram dados coletados, transcreveram alguns inventarios, selecionaram acdes judiciais © fizeram levantamentos, Nesse sentido, nfo posso esquecer de mencionar: Fred, Daniele, Doralice. Kely Adriana transcreveu grande dos inventarios agdes de que fago mengdo ao longo da tese com uma competéncia impressionante, s6 comparada a de Tereza e Maria José Ferro, grandes conhecedoras dosa arquivos de Mariana ¢ Vila Rica e que dispuseram documentos preciosos de seus bancos de dados. bem como se prontificaram a me ajudar em tudo, Muito Obrigado. Também contribuiram com a pesquisa Edna Mara ¢ Maria do Carmo Pires que disponibilizaram livros e documentos ¢ documentos, bem como Adalgisa Campos do Nascimento e Renato Franco que pesquisaram no banco de dados: Registros de Batismos da Matriz, Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. (FAFICH-UFMG). Maria Beatriz Niza da Silva disponibilizou seu tempo e me presenteou livros de sua autoria, sou devedor. Agradego ainda ao meus amigos que ajudaram com apoio e muito mais essa minha peregrinacdo académica madrugadas a dentro, O Guina me ofereceu abrigo ombro amigo em Mariana, bem como Madalena Lane Gastelois, a Madé, que além da casa, comida e carinho que ofertou, corrigiu o capitulos dessa tese. Zé Luiz “cumpadi” ‘Também me deu abrigo ¢ étima companhia, além de fazer o abstract dessa tese. A dona Alexandrina que me acolheu em Portugal, ao sabor de vinho e jardineiras de lula, meu muito obrigado, Meu irmao Amauri Antunes ¢ a Carol, sempre abriram mao do conforto de onde moravam para acother a mim e a minha esposa. Meu irmio sempre esteve presente durante essa tese dividindo angustia de doutorando que ele bem conhece. vil Aproveito para agradecer toda minha familia por todo o apoio financeiro e emocional que me deram. Pelo meu nome e meu sangue, obrigado, obrigado, obrigado. Obrigado aos amigos presentes Lucinha e ao Villalta por tudo que fizeram: nprestando suas casas para que pudesse trabalhar em paz, fazendo companhia e nos ypoiando quando fraquejamos. Ao Villalta devo ainda varias indicagdes, empréstimos de Evros € textos ¢ por ter participado da minha qualificaggo com uma leitura atente, motive pelo qual também sou devedor da Isabel Marson, seguramente uma das melhores professoras que ja tive. Aproveito para lembrar dos meus mestres e amigos da graduacdo e do mestrado, preocupados e solidarios com minhas angiistias profissionais. Em ra Furtade especial, agradego a minha amiga e sempre orientadora, Jinia Ferz Agradego ainda aos meus amigos do doutorado e da vida, em especial: Luciana, Roberto, Nadia, Socorro, Daniel, Rodrigo Vivas, Evandro, Adriana Romeiro, menino Claudio ¢ Miucha, A Priscila, companheira dessa etemidade, obrigado pelo apoio forte, pelo sev amor e pela filha linda que me deu. A Alice agradego sua existéncia, cada sorriso, cada descaberta ¢ desculpo pela minha dolorida auséneia Ao Pai, muito obrigado. vin “Vos senhores, fazei o que for de justica e equidade a vossos servos (...]” Colossenses; Capitulo 4, Versfculo 1 x SUMARIO ABREVIATURAS, LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS INTRODUCAO, Capitulo 1 ~ ESPAGO E VINCULOS SOCIAIS 1.1 Nome e Sangue 1.2 Casamento e “Familiatizagao” 1.3 Compadres ¢ Amigos 1.4 Congregagies e Conjuragies i 's e Espaco Social Capitulo 2~ ADVOGADOS E FORMACAO ESCOLAR As Primeiras Letras dos Letrados Viver em Coimbra 2.3 A Formacio dos Advogados e a Reforma da Universidade de Coimbra Capituio 3 ~ OS ANIMOS E A POSSE DE LIVROS EM MINAS GERAIS, Um “Estado D’alma”: a Posse de Livros em Minas Setecentista As Livrarias dos Advogados Obras Sacras: 0 “Dizimo de Deus” Livros Sacro-Profanos: Entre 0 “Bem” ¢ 0 “Mat” 5 Obtas Profanas: 0 “Tergo do Diabo” i 2 4 pitulo 4 ~O CAMPO JURIDICO: ESPACO E LIMITES DAJUSTICA, stiga na Concepeao de Estado Portugués Espagos e Limites de Atuago da Justiga 4.2.) A Justica dos Auditérios 2 Linaites Intemos da Justiga Oficial 32 46 64 74, 83 109 3 138 146 168 197 209 216 219 24) 244 244 253 262 ga Paralela em Vila Rica ¢ Mariana Os Sertdes ¢ os Rusticos 4.3. Advogados: Mediadores da Justiga Letrada Capitulo 5 - OS LETRADOS E O EXERCICIO DA JUSTICA: A FUSAO DAS. FORGAS 287 1 Os Advogados € 0 Exercicio da Administragao Local. 289 “onflitos, Favorecimentos e Interesses na Pratica da Justia. 304 5.3 Advogados “Velhos e Experimentados” e “Letrados Novos” 315 5.3.1 Retdrica, Citagdes e Hermenéutica 318 5.3.2 © Uso das Leituras nos Processos Judiciais 329 5.4 A Lei da Boa Raziio ¢ a Pratica de um Advogado “Velho ¢ Experimentado” 339 CONCLUSOES 349 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS E FONTES IMPRESSAS FONTES MANUSCRITAS 371 ANEXO. XI ABREVIATURAS 1, Documentos Impressos. ADIM ~ Autos de Devassa da Inconfidéncia Mineira CAB ~ Constituigdes do Arcebispado da Bahia RE - Reino da Estupidez 2. Documentos Manuscritos. ACSM - Arquivo da Casa Setecentista de Mariana AEAM — Arquivo Eclesidstico da Arquidiocese de Mariana AHCMM ~ Arquivo Historico da Camara Municipal de Mariana IANTT ~ Instituto Arquivo Nacional da Torre do Tombo AUC - Arquivos da Universidade de Coimbra BPEM — Biblioteca do Palacio Episcopal de Mariana (Museu do Livro) AHMI - CSP — Arquivo Histérico do Museu da Inconfidéncia ~ Casa Setecentista do Pilar LISTA DE FIGURAS QUADRO | ~ Mapa de professores ¢ mestres das escolas ¢ das terras em que se acham estabelecidads as aulas ¢ escolas, 116 QUADRO 2 - Relagio de cadeiras dos professores régios de Gramética Latina e primeiras letras existentes ¢ Vagas até o fim de 1814 —Comarca de Ouro preto 138 QUADRO 3 ~ Posse de livros em Mariana 1714-1822 174 QUADRO 4 ~ Posse de escravos entre os proprietérios de livros da Vila Rical 750-1808 177 DRO 5 — Posse de bens de raiz entre os proprietitios de livros da Vila Rical75i 1808 177 QUADRO 6 ~ Numero de inventarios com livros em Vila Rica 1750-1808 179 QUADRO 7- Distribuigao de obras sacras (titulos) por livrarias de advogados 210 QUADRO 8- Distribuig&o de obras sacro-profanas (titulos) por livrarias de advogados 218 QUADRO 9 - Distribuicdo de obras profanas (titulos) por livrarias de advogados 220 QUADRO 10- Distribuigdo Classificagdo de obras profanas por livrarias de advogndos GRAFICO I - Titulos e volumes de livros nas livrarias dos advogados 203 IMAGEM- Delalhe de agio juridica onde se nota um texto grifado 330 ORGANOGRAMA - 363 xt Fiat Justitia: 0s Advogados e a Pratica da Justiga em Minas Gerais RESUMO ‘a tese analisa as praticas socioculturais de um grupo de advogados de Vila Rica e Mariana, Minas Gerais, entre 1750 € 1808. Seu objetivo € conhecer como a relacdes sociais ¢ a formagao desses homens de letras, em seus mais variados niveis, intervieram ¢ conformaram a pratica da Justiga em Minas Gerais. A Justiga era a principal via de reconhecimento do poder régio em meio & sociedade e, por definigdo, constituia a tude de atribuir a cada um 0 que é seu. Adotando a concepsio de justiga enquanto pratica essencial a caracterizagio do poder régio, esta tese investiga: 0 exercicio tidico dos advogados, as redes de sociabilidade que firmaram, suas formagies universitérias, a composiggo de suas bibliotecas, suas priticas de leituras, as ropriagdes que faziam destas nos pleitos judiciais, a influéncia ¢ os desdobramentos da politica modernizadora pombalina no Ambito do ensino e da justiga. Trata, portanto, da conjungao das politicas da Coroa portuguesa com aspectos socioculturais dos advogados em um microcosmo da justiga local de Vila Rica e Mariana um: Fiat Justi Lawyers and the Practice of Justice in Minas Gerais (1750-1808). ABSTRACT ‘This PhD thesis analyses the socio-cultural practices of a group of lawyers in Vila Rica (the former name of Ouro Preto) and Mariana in the state of Minas Gerais, Brazil, between 1750 and 1808. It aims at identifying how the social relationships and schooling of these men of letters, in various ways, interfered in and determined the practice of justice. Justice constituted the principal means by which the society recognized and accepted the power of the Portuguese crown, and by definition, resented the virtue of assigning to each what belonged to him/her. Adopting the onception of Justice as a practice essential to the identification of the king’s power, this ation includes the legal activities of these lawyers. the social networks they established. their university education, the libraries that they established. their reading habits and the adaptations that they brought into court disputes, as well as the influence and implications of the Marques de Pombal’s modernizing policy on issues of teaching and justice. Therefore, this work deals with the correlation between Portuguese Crown policies and lawyers’ socio-cultural issues in a microcosm of local justice in Vila Rica and Mariana. xIV Introdugio “Eu el rei fago saber aos que este meu Alvard em forma de lei virem, que tendo particular cuidado na conservagdo ¢ aumento dos meus dominios da América, a0 qual epende muito da boa administragao da Justiga [...]”. Com essas palavras, D. José I dava inicio a um Alvara que regulamentaria “os saldrios e as assinaturas” dos oficiais da Justica cm Minas.' Nesse pequeno excerto, distingue-se uma preocupacdio com a “conservacdo e aumento” dos dominios régios na América portuguesa, bem como o reconhecimento da importéncia da Justiga na execugdo dessa tarefa. Afinal, segundo a doutrina politica setecentista, a Justica era um dos principais instrumento de exercfcio do poder régio, sua face mais visivel. Ela fazia parte da arte de bem governar e deveria ser a preocupactio primeira de todas as autoridades que representavam o poder régio. Na tradicGo literdria da época, era comum se destacar a Justica como parte integrante ¢ fundamental do poder régio. Um dentre muitos autores que desenvolveram esse t6pico, Manoel Lopes Ferreira, autor setecentista que escreveu uma obra sobre a pritica criminal, resumia as prerrogativas reais em premiar os bons ¢ punir os maus. Cabia ao rei fazer a Justiga e ordenar a sociedade, pois “sem rei e sem Justica tudo so roubos e lairocinios”? Para esse autor, o rei consistia “a cabeca dos magistrados e estes reputam por membros do mesmo corpo”. Considerou Ferreira que os magistrados ¢ demais oficias da Justiga representavam o poder régio, exerciam a “Jjurisdigio” que “se the comunica pelas seus superiores [por] todos os ditos oficial A Justiga dependia, portanto, de uma estrutura, funcionérios, “membros” que Ihe desse movimento, corpo e vida. E dessa Justica, que ganhava vida na ago de seus agentes, que esta tese trata. A tese enfoca um grupo de advogados que atuaram em Vila Rica e Mariana, Minas Gerais, entre 1750 e 1808. Mais precisamente, investiga 0 universo sociocultural desses homens de letras, entendendo-o como fundamental para a compreensio da administrago da Justiga em { Arquivo Nacional da Tome do Tombo (ANTT) ~ Livros de Leis, Livro 9. p51 * Manoel Lopes Ferreira. Prética Criminal expandida na forma di Prase.. ANTT — Fundo Real Mesa Cons 3 ia, Caixa 507 © Diogo Barbosa Machado. Biblioteca Lusitans. Lisboa: Biblioteca Nacional, sd. v3 3.298, {Cé-rom) uma das regides de vital importancia para o Império portugués.’ Assim sendo, mais que a recotha das leis ou a descrigdo da estrutura administrativa, o presente estudo da Justiga pretende enveredar pelos caminhos da ago, 0 cotidiano dos auditérios de primeira instncia, a “linha de frente” da atuag3o dos agentes da Justica.* Direta ou indiretamente, uma série de trabalhos, em especial os dedicados aos aspectos administrativos, se dispés @ desenvolver a questio da Justiga na América portuguesa, Em um quadro geral, pode-se observar que esses estudos: 1) normalmente versam sobre cariter legal e estrutural da administracio colonial; 2) hé uma aproximagio entre a concepgiio dos estudiosos acerca da estrutura administrativa colonial ¢ a caracterizagao que fazem dos agentes administrativos; 3) tais concepgdes variam entre a defesa do “sucesso da imposig&o da ordem publica [...] a eficdcia do aparelho burocratico repressive fiscalizador” e aqueles que advogam o fracasso ou relativo sucesso na transposigéio do aparelho administrative do Além-Mar para a América; 4) em alguns abalhos, especialmente os mais recentes, existe uma articulago entre a anélise estrutural- legai-administrativa © o universo social com o qual interagiam os letrados, o que denota uma aproximacdo do cotidiano administrativo; 5) todavia, quando versam sobre a pratica dos serventuéries da Justia, fazem-no, geralmente, sem considerar aspectos importantes do instrumental cultural que envolve e viabilizava a pritica da advocacia, Os pontos resentados serio explorados na seqiiéncia com a finalidade de esbogar o caminho que foi adotado nesta pesquisa do universo sociocultural dos advogados e da pritica da Justica em Minas Gerais. Em varios trabalhos, inclusive nos memorialistas do século XVIII e XIX, nota-se a preocupacdo de se compreender melhor a estrutura e a organizagio do. sistema * Faoro estabelece uma diferenciago entre “funciondrios” e “agentes”. Para ele, os primeitos tinham suas atividades remuneradas pela Coroa portuguesa ¢ os segundos no anferiam rendas, mas sim titulos e patentes. diferenciago foi colocads de lado, pois trataremos tanto de magistrados. come Tomas Ant6nio como de advogados que auferiam renda da atuag3o em processos. Assim, optamos pelos termos axlvogados e/ou homens de letras. sem a especificagdo vinculada aos cargos juridicos. FAORO. Raymundo, Os donos do pader: formagdo do patronato brasileiro. 10 ed, Sio Paula: Globo, 1996. p. 194. v1 "A nooo de “Cotidiano™, a qual se referiu, é fundamental para a tese. em especial nos iiltimos capinulos. O jano constitui um espaco para asticias, para antidisciplinas. “Essas maneiras de fazer constituem as mil ticas pelas quais usuérios se reapropriam do espaco organizado pelas técnicas da producto socio-cultural [uJ operacdes quase microbianas que proliferam no seio das estruturas tecnocrdticas e alteram 0 seu funcionamento por uma multiplicidade de titicas articuladas sobre os deiaites do cotidianof...|".CERTEAU, Michel de. A invenedo do cotidiano, Trad, Ephraim Ferreira Alves, Petroootis: Vozes. 1994. pal administrativo na América portuguesa. Em tempos mais recentes, Hélio de Alcantara Avelar, Graga Salgado, José Subtil, Arno Wheling entre outros tantos, avancaram com seus esiudos sobre esse campo, buscando tracar contornos mais definidos da estrutura inistrativa na Metropole e na Colénia.® As analises assentadas e restritas as leis, regimentos, trutura administrativa seguem uma de tendéncia que, ainda hoje, pode ser entendida & luz da alegada dificuldade de se entender a organizagio administrativa, a disposigao e atribuic&o dos oficios, a fusto de instancias ¢ a sobreposiglio dos poderes. De fato, com suas obras, os memorialistas dos estudiosos precursores na drea da historia administrativa buscavam apresentar caminhos para que seus leitores, de ontem ¢ de hoje, pudessem se orientar em meio as leis, atribuicdes e regimentos deseritos por Caio Prado Junior, nao sem um certo anacronismo, como um verdadeiro cipoal.” Nessas sendas da administraco, os trabalhos de Caio Prado Junior e de Raimundo Faoro tornaram-se referéncias obrigatérias. Para Faoro, o sistema administrative que se desenvolveu no mundo ibérico, ao longo de alguns séculos, foi instalado com sucesso no Brasil. Por meio de seus agentes e da legislacao, o soberano teria controlado a Colénia com éxito © impedido que atitudes lesivas ao Estado prosperassem a ponto de botd-lo a perder. ¢ sistema administrativo, que teria se fixado nas Minas antes mesmo de sua populacdo, ‘ara Minas. entre outros estudos. podemos citar: VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve do geogrifica ¢ politica da Capitania de Minas Gerais, Belo Horizonte, Fandagio Joao Pinheiro, Centto de Estudos Hisi6ticos ¢ Culturais, 1994. ROCHA, José Joaquim da. Geografia Historica da Capitania de Minas Gerais: Deserigao Geogrifica, Topagrafica, Histériea e Politica da Capitania de Minas Gerais. Meméria Historica da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundacio Joio Pinheiro: Centro de Estudos Historicos ¢ Culturais, 1995. Nesse sentido. as edmaras. embora sejam comuns em todo império porwgués, trazem peculiaridades, por exemplo, na formagao do quadro dos funcionérios 4 ela vineulados, Ao (ratur da administrago do senado da Camara, Renato Pinto Venincio observa, ainda, que os trabalhos de “Rodolfo Garcia, Vicente Tapaiés, Gras jo ¢ Amo Wheling, ao elegerem os c6digos e leis como fonte, simplificaram em muito © perfil e 0 alcance do poder camarério”, Em um livro ainda recente, Laura de Melo e Souza também considera que os conados trabalhos, ndo obstante © cardter das obras de referéncia, no se preocupant com “o sentido, ou melhor, os sentidos da administrap3o. o que dependeria de trabathos mais empiricos. Laura de Melo Souza... (inédito) VEMANCIO, Renato Pinto. Estrutura do Senado da Camara de Mariana, In. Termo de Mariana, Mariana-MG: Imprensa Universitiria da UFOP, 1998, p.140. AVELAR, Hélio de Alcéniara Historia Administrativa do Brasil: administragde pombalina. 2 ed. Brasilia: FUNCEP/ Ed. Universidade de Brasilia, 1983, SALGADO, Graga. (coord.). Fiscais e meirinhas: a aidministracdo no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Brasilia: Instituto Nacional do Livro, 1985. SUBTIL, José, Os poderes do Centro, In José Matioso (org.). Historia de Portugal: 0 antigo rogime. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. v.4, p.157, Na analise negativa que Caio Prado Junior faz da administrago portuguesa que foi transposta para a Colénia ‘ome por pardmetros a organizacio ¢ o funcionamento do Estado Moderne. Desenvolveremos essa discussio ais adiante. Laura.... PRADO JUNIOR. Caio. Formacdio do Bresi! conemporineo: Colénia, 24 ed. s ‘aslo: Brasiliense. 1996. p, 299 seria integro, rigido, racional e coeso.§ Nesta perspectiva. a ordem publica seria mantida, ainda que houvesse certos espacos para itregularidades. Para Raymudo Faoro. distincies grandes e as comunicagdes dificeis deixavam, nas dobras do manto do governo. muitas energi is soltas, que a Coroa, em certos momentos reprimira drasticamente, em ‘outros, controlara pela contemporizagao”.° Fosse com violéncia, fosse com iransigéncia, 0 Estado manteria 0 controle. Contribuia para isso funciondrios sempre figis 4 ordem, “uma carapaca burocratica vinculada a metrépole, obediente ao rei, [que] criou a espula da ordem politica”.'° Assim, 0 autor acaba por subordinar a realidade as leis, fiel 4 crenga de que o Brasil foi construide com decretos e alvards.'’ Em Formagéo do Brasil Contempordneo Caio Prado Jinior apresenta uma perspectiva contrastante A de Faoro. Para Caio Prado Junior, 0 aparato administrativo colonial, ante a “incapacidade” dos portugueses em criar algo mais apropriado as condicdes especificas de suas possessdes, foi simplesmente transposto de Portugal para o Brasil. Este herdou das terras lusas todos os inconvenientes de scu modelo administrativo secular, como a falta de uniformidade, de simetria ¢ as indefinigdes das fungdes.'? Outro ponto negative do mor jo portugués diz respeito 4 centralizacdo dos érgios do governo nas vilas das capitanias, 0 que deixava grande parte do imenso territério do Brasil apartado da ordem metropolitana, Adstritos as vilas e distantes do olhar vigilante da Metrdpole, os serventuarios contribuiam para o sistema administrativo irracional e ineficiente descrito por Caio Prado Jinior. A analise da administragao colonial empreendida por Caio Prado Junior no se restringia as leis, envolvendo as contingéncias e a dinamica social E certo que os estudos que deserevem e elucidam a intrincada estrutura administrativa porte esa ¢ seu funcionamento trazem contribuigdes importantes e, em alguns dos casos * Pare Hespanha, Faoro pode ser considerado um exemplo de historiador que “esta completamente cego por um modelo de interpretagao ‘absolutista’”, 0 que leva o autor a uma série de contradicées entre o modelo adotado € 0 trabalho empirico efetuado. Hespanha completa sva critica: “Desde que se tirem as conclusdes ‘oposias a suas. sua sintese sobre o sistema politico-administrativo é bastante bos”. HESPANHA, Anténio Manuel. "A coastituigao do império portugues. Revisto de alguns enviesamentos comrentes.” In. FRAGOSO, Jofo, GOUVEA. Maria de Fatima Silva; BICALHO, Maria Femanda Baptista. (orgs) O antigo regime os mépicos: a dincimice imperial portuguesa (séculos XPEXVIID. Rio de kaneiro: Civilizagao Brasileira, 2001. p 168 FAORO. Reymundo, Os danas do poder: formacio do patronato bra FAORO, Raymundo. 1996, p.146. O que prefere Leila?) ‘° FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formagao do patronato brasileiro. p.165. FAORO, Raymundo. Os dons do poder: formagao do patronetc brasileiro. p.187. e SOUZA, Laura de Mello, Deselassificadas do ouro: poder e miséria no século XVIII. Rio de Janeiro: Grael, 1982. p. Jieito. p.146, (poderia citar assim tb: smencionades, chegam a constituir verdadeiros paradigmas analiticos.'* Todavia, a natureza elacional da Ju a exercicio vivo e cotidiano da administragao, que, para além dos aspectos estruturais, possu ga pede um maior aprofundamento analitico dos estudos sobre as mens6es sociais que ela procurava regular e gerir. Tais aspectos so bem visiveis no sues part © especificidades regionais, Assim. a investigag&e da pritica administrativa dos homens de letras, além de considerar as diretrizes explicitas nos entos € leis, pede uma atengo especial sobre a relagio da Justiga com a sociedade. Nesse sentido, 0 trabalho de Stuart Schwartz sobre o Tribunal da Relagfo da Bahia pode ser considerado um marco. Para o periodo de 1609 a 1751, Schwartz investigou as telagdes sociais firmadas pelos magistrados e constatou que tais relages compunham um campo de “poderes no oficiais” que intervinham na execugo da Justica. O autor considera que 0 governo ea sociedade no Brasil se “estruturavam a partir de dois. sistemas ados de organizagio”: o sistema controlado pela metrépole, burocratico € impessoal;, 20 sistema das relagdes interpessoais, de parentesco e amizade, um sistema formal, mas no oficial. No ral, constata que, os magistrados seguiam as diretrizes legais e doutrin s zelando pelos interesses da metropole, no obstante, em determinadas. © PRADO JUNIOR, Caio, Formacio do Brasil Contempordneo. p.301. Os trabalhos de Raymundo Faoro e Caio Prado Jinior deram origem a duas vertentes analiticas que foram tomadas como paradigmas para outros estudos sobre a administracio colonial. Alguns historisdores, contudo, atentaram para o quanto poderiam ser complementares as visSes de Faoro ¢ Caio Prado Junior, principaimente ppara o caso de Minas Gerais, que contaria com um maior controle do Estado portugués devido a producio de Ieiais ¢ pedras preciosas. Francisco Iglesias. por exemple, concorda com Faoro ao afirmar que no sécule XVII o Estado foi vitorioso, contudo, relativiza: “é claro que nio pode vencer de todo”. Laura de Mello Souza, por sua vez, é explicita 20 apresentar sua intengo de conjugar as perspectivas de Faoro com as de Prado Junior. A autora concorda com Francisco Iglésias ao afirmar que as premissas estabelecidas por Faoro se “adaptam admiravelmente 20 caso mineito”, ¢ acrescenta: “talvez nunca as leis tenham. na colénia precedido 2 fixacio das populagdes com tanta intensidade quanto nas Minas”. Em compensa “Alterosas, 0 Estado nao teria se mostrado to racional e a ordem nao seria tio rigida como asseverou Faoro Para Laura de Mello € Scuza, a administragio em Minas Gerais “funcionava de maneira contraditoria” mesclando 0 agre ao doce. Assim, ressalta: “nio é de se admirar que ante as contradigdes do aparetho adminisirative das Minas. as explicagdes de Faoro e Prado Ir. possam caber com igual justeza”. SOUZA, Laure de Mello e. Deselassificados do ouro: poder e misétia no século XVII. p.95 ¢ 99. ¢ IGLESIAS. Minas e imposicao do Estado no Brasil. Revista do Instituto Hisidrico, 0.50, 1974. p.265. * Pare o cvso das Minas Gerais, os trabalhos como os de Laura de Melo. Carla Anastésia, Marco Ant6nio sIveire. entre outros, n80 se restringiram a investizagdo das leis, atentando. outrossim, para as contingéncias ovieis da Colénia, SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Confltn: aspectos da historia de Minas no século XYHI. Belo Horizonte: UFMG, 1999, SOUZA. Os desclassificados do ouro.; ANASTASIA. Vassales rebeldes: violencia coletiva nas Minas na primeira metade do seule XVID. p.19. 3164 © peso das relacdes sociais, familiares e comerciais fizessem a balanca pender para o lado das arbitrariedades.'* Em seu trabalho sobre a Relagde da Bahia, Schwartz ainda faz meng sobre o papel empenhado pelas universidades européias, especialmente a Universidade de Coimbra, 2 formacde um corpo de funcionarios ligados @ administragao da Justica.'® Segundo o © “estudo do direito de um ponto de vista téenico mais que preparava o estudante pare 0 exercicio de sua profiss 10 € para o ingresso no servico real; inculcava nele também m complexo padrio de agdes e critérios aceitos”. Para o autor, a educago coimbra servia para “eriar um senso de lealdade e obediéncia ao rei”.'7 Cabe acrescentar que a educagao livresca ¢ universitaria - e, em menor grau, a ormagde que @ antecede ~ dotavam o letrado de uma espécie de “capital cultural” que 0 nobilitava socialmente.'* Formava-se “uma verdadeira nobreza de Estado, cuja autoridade e legitimidade sio garantidas pelo titulo escolar”, mas também pelos signos do saber. que incluia os livros que possuiam e liam." De fato, esse “capital cultural” se multiplicava em dividendos se traduziam em “capitais sociais”? Desempenhando 0 oficio ou ocupando algum cargo administrativ, os advogados concentravam um mimero grande relagdes sociais respaldadas pelo poder dispensado pelo rei — jurisdigio - ¢ homologado pela SCHWARTZ, Burecracia ¢ sociedacle no Brasil colonial: a suprema corte ¢ seus juizes: 1609-1751 sossivel encontrar varios trabalhos que se dedicaram a investigaeo do ensino, das primeiras letras a niversidade, Poderia citar os importantes € abrangentes estudos de Romulo Carvatho, Theéfilo Braga, Joaquim Ferreira Gomes, José Ferreira Carrato, Caio César Boschi, entre outros. BRAGA. Theophilo, HiisiGria da Universidade de Coimbra. Lisboa: Typographia da Academia Real de Sciéncia, tomo II, 1898. CARVALHO, Romulo de. Hist6ria do ensino em Portugal: desde a fundacio da nacionalidade até o fim do vegimne de Salazar-Cactano. Lisboa: Fundagao Calouste Gulbenkian, s/d.; GOMES, Joaquim Ferreira. Estudos para a histéria da Universidade de Coimbra. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 1991. CARRATO, Tosé Ferreira. Zgrejas Ilninislas ¢ escolas mineiras coloniais. Sto Paulo: Editora Nacional, 1968. BOSCH Caio César. A Universidade de Coimbra ¢ a formasdo intelectual das elites mineiras coloniais. Estudos Historica Rio de Janeiro. v, 4. n. 7, p.100-111. 1991: ALGRANTI. Leila Mezan. Os livros de devorao a relligios perfeita: normatizacdo e praticas religiosas nos recolhimentos femininos no Brasil colonial. In: SILVA, Maria Beatriz Niza da (coord), Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz, Lispoa: Editorial Estampa, 1995. SILVA. Maria Beatriz Niza da. Educacio masculina © educagao feminina no Brasil colonial. Revista de Hisidria, Sto Paulo. n.55, vol.109, jan/mar. 1977. SILVA, Maria Beatriz Niza da, Cultura no Beast ‘olonia. PetrSpolis: Vozes, 1981 SCHWARTZ, Stuart. B, Burocracia e sociedade no Brasil colonial: a suprema corte e seus juizes: 1609- 1751. Sa0 Paulo: Perspectiva, 1979. p.60. © capital simbolico ¢ uma propriedade qualquer (de qual tipo de capital, fisico . econdmico, cultural. social), percebida pelos agentes sociais cujas categorias de percepeio soa (ais que cles podem entende-las (percebé-las) e reconhecé-las, atribuir-thes valor”. BOURDIEU. Pierre. Razdes Priticas: sobre a teoria da ago. Tradugao de Maria Corréa. Capinas-SP: Papirus, 1996. p.10 '"BOURDIEU. Ruzoes Présicas:.9.39. Iniversidade Coimbra e ostentado nos signos do saber, como o anel de bachare! ou uma fornida biblioteca pessoal. Mas, em que medida essa formagio intervinha efetivamente na Justi¢a? Estariam elas afinadas aos interesses entre Coroa? Haveria difereng a pritica dos funciondrios? Nao seriam essas questies esséncias para a compreenstio da pritica da Justica? Mais do que fazer uma explanagdo sobre a bibliografia pertinente ou detectar uma “lacuna historiogrifica”, esta introdugio busca sublinhar a relevancia do objeto de andlise — a pratica da Justica — e de uma abordagem que privilegia o universo social e cultural dos advogados.”! Ao invés de buscar conhecer a Justiga, considerada a area de exceléncia do veo portugués, privilegiando exclusivamente a legislagGo e a doutrina da época, este balho volta-se para 0 cotidiano dos advagados, entendido como o espago produzido socio-culturalmente e constantemente reordenado pelas estratégias governamentais e pelas ashi ¢ antidisciplinas. Assim sendo, o objetivo dessa tese ¢ estudar a efuso de forgas que conformam 0 cotidiano dos advogados a da justica em Minas Gerais. De forma mais esquematizada, este estudo pretende analisar: a fungdo que os advogades desempenhavam na representacdo do poder régio e os cargos que ocuparam na co local; os usos dos “capitais simbélicos” as redes de soviabilidade que ‘mavam: a formacao que adquiriram na Universidade de Coimbra e os usos que fizeram icla na pratica juridica: as diretrizes fixadas para 0 andamento da administragao da Justi¢a: a composigao de suas “livraria ; suas priticas de leituras ¢ as apropriagdes que faziam destas para a composi¢io de seus discursos nos pleitos judiciais; bem como os * A tese enfoca as prdticas que envolvem o exercicio da Justica pela Otica de uma histdria social e cultural, A escotha desta perspectiva di-se em meio & discussées feéricas quanto a relagio do social com o cultural Alguns estudiosos, inspirados por L. Althusser, por exemplo. consideram que “o cultural ou 0 ideolégico formam @ parte [...] ds realidade social". Mas seria possivel ume historia cultural que estivesse apartada do vniverso social? Para Roger Chartier a resposta € negativa, Chartier considera que exista uma articulacao contre “estratura social” e “estrutura cultural”, na qual uma “insténcia” nao determina a outra © nem é 0 reflex da outra, Ja para Michel de Certau, as investigacdes culturais devem se preocupar no apenas dos produtos culturais, mas das “maneiras diferentes de marcar socialmente 0 desvio operado num dado por uma pritics” infas, ao definir os campos da nova histéria cultural, observa que sio trés as caracteristicas capaz de defini- a: A recusa do conceito vago de mentalidades; 2) a preocupagio com o popular: 3) a valorizagao das icages e dos conflitos socioculturais como objeto de investigacdo. Tais priticas. que “se reapropriam " ocorriam no cotidiane des advogados ccoloniais, do que results a opedio por uma abordagem que considere o social e o cultural de forma articulade. Aina © as interagdex estabelecidas no espaco privitegiado da sociedade estio prenhes de significades que so transmitidos @ esperam ser reconhecidos. como sirtbolos dados a ler. CERTEAU, 4 wo. p. 13. ¢ 41. CHARTIER. 4 histéria cultural: enire priicas e representsgbes.p.06 & 67. UNT. Lymn. 4 nova histéria culural, p. 13; VAINFAS, Roralds. Micro-histéria: Os protagonistas micropoderes associados as posigdes de letrados e mediadores que ocupavam. Por tras da conformagio desse conjunto de relagdes encontra-se a idéia de que Yendmenos complexos, como a pritica da Justiga, devem ser decompostos em seus titutivos, em cujo ceme esta a aco humana, uma ago essencialmente ‘a? Assim, sendo a propria documentacio investigada (agdes judiciais, inventérios, stros de batismos, processos matrimoniais etc.) é entendida como resquicio de relagdes de ordens diver s entre agentes, valores, instituigdes... as quais constituem aquilo que em nossa Cisscrtacio de mestrado denominamos de “universo relacional”.** Trata-se de se aproximar as lentes distinguir a riqueza dos contornos do cotidiano da administracao local da Justica, a vida “microbiana” que pulsa nos auditorios e na sociedade de Minas Gerais. Aproximando o foco das lentes, busca-se conhecer para assim descortinar uma dimensdo mais viva da administragdo da Justiga em Vila Rica e Mariana, Nesse sentido, o problema a ser analisado consiste em saber qual era o efetivo papel dos advogados coloniais no desempenho da Justiga, Quais eram e que fatores intervinham nas priticas cotidianas desses serventuarios da Justiga? Como elas reordenavam e contribuiam para a instituigdo de um espago da Justiea oficial conformado pelas leis e regimentos? Nesse sentido, a hipétese central que perpassa toda a argumentacdo apresentada e que 4 desonvolvida nesta tese é a de que a Justiga, fundamental prerrogativa ¢ instrumento de der do governo, extrapolava os limites do que era determinado por lei e adquiria seus ‘ontomos na pritiea juridica dos advogados. Uma pratica que envolvia as redes de sociabilidade de um grupo socio-profissional formado por individuos letrados que ¢ iletrada. Uma pritica dominavem os cédigos legais em meio a uma populagio largament gue era capaz de desfigurar a Justiga, considerada a face visivel do poder régio, & consequentemente, relativizar a idéia de “sucesso da imposigio da ordem piiblica” em Minas Gerais, entre 1750 © 1808. Ainda que as investigagdes sobre 2 administracio tenham avancado quanto A Historia, Rio de Janeiro: Campus, 2002. p.59 - John. Pegas © engrenagens das cigncias Seciais, Trad. De Anténio Transito, Rio de Janeiro. st, 1994. p.7 & 29, Relume Dus Essa perspectiva ¢ claramente inspirada na tcoria da agao ou Filosofia reiacional que se antepdem a uma perspectiva substincialista que consideram as praticas ou o consumo em si mesmos (a compra de um livro ou 2 pritica de sua leitura, por exemplo) sem considerar © “universo de priticas intercambiaveis” que se esiabelece entre os agentes, suas posigdes sociais, gostes, valores. instrumentos de controle etc. Ademais. segundo Laurence Fontaive, esses registros documentais, “essas alas, sto zcdes”. BOURDIEU. Pierre. Razdes infiuéneia das relagdes sociais, ainda existe muito que se fazer no campo da tormagdo dos advogados e seus desdobramentos na pratica da Justiga. Existem aspectos de universo cultural dos advogados importantes que merecem maior atengiio. Assim sendo, uma ot hipétese que sera desenvolvida nesta tese é a de que os alunos que cursaram a Faculdade de Leis da Universidade coimbra no periodo anterior as reformas pombalinas teriam ume formagio distinta daqueles que a freqiientaram posteriormente, Por conseguinte, a chamada -forma” na Universidade de Coimbra, bem como outras medidas tomadas pelo Marques Pombai no émbito da Justiga, acarretaram mudangas na pritica juridica dos advogados Mariana e Vila Rica. Essa hipétese ¢ subsididria da que foi lancada por Antonio Manuel Hespanha e Angela Barreto Xavier, segundo a qual as reformas pombalinas instauraram uma rupture nos paradigmas politicos € na tradi¢o educacional dos advogados que, até entéc, vinha sendo pautada pela escolastica jesuitica. Tal ruptura levou ainda 20 que E panha © Xevier denominaram de “separagao do universo das leituras”, questo que sera analisada nesta tese em momento oportuno.* Essa hipétese, todavia, tem a sua “contra-face”. No cotidiano exereicio cotidiano da Justica nos auditorio: supde-se que tenha ocorrido uma circulacdo de informagées, uma troca de experiéncias entre os advogados de formagdes distintas. Por um lado, os advogados formados na reformada Universidade de Coimbra buscariam adequar seu -cimento as pritticas assentadas dos auditérios de primeira instincia, De outro, os advogades que estudaram antes da reforma, procurariam acompanhar as novas diretrizes ridicas apresentadas pelos letrados mais jovens e/ou em determinacdes legais passadas no governo de D. José I. Assim, considera-se que as politicas modemizadoras desenvolvidas nesse perfodo influiram na pritica da Justiga Minas Gerais, mas seguindo o ritmo de 0 dos anditérios de Mariana e Vila Rica, entre 1750 ¢ 1808. A tese trata, portanto, de um petiodo que presenciou um projeto de centralizagio ‘0 do Estado portugués, bem como a difusio do pensamento Tuminista, nerceptivel em apelos revolucionérios ou de cardter reformador 's.* No plano institucional. a concentragio do poder processava-se por meio de um progressivo controle da Coroa Pweiticas. p.16 @ 18: Fontaine p.2 ¢ Antunes) * HESPANHA, A. M., XAVIER, Angela. A representagao da socied (org.). Hisiévia de Portugal: 0 antigo regime. p. 121 ¢ 122. Novais, © do poder. In. MATTOSO, José sobre a Fiscalidade, Justica, Defesa, Cultura... Outrossim, na América portuguesa, a oberta das jazidas de pedras e metais preciosos estimulara uma maior atengio ¢ jo. Entre as providéncias tomadas, em 1751. foi criado o de Janeiro e, em 1763, a cidade tomava-se sede do governo- °° No plano das idéias, a segunda metade do século XVIII presencia uma preocupacdo com a modemizagao das estruturas do Império portugués assentadas nas idéias adaptadas do Huminismo. ?7 A importincia das reformas empreendidas no reinado de D. José | faz de meados do setecentos um marco inicial para diversos estudos, incluindo a presente tese. Do reinado de D. José 1 ao de D. Jo&o é possivel tragar uma linha de continuidade. Grosso modo, a politica de despotismo ilustrado que foi adotada por D. José I, foi seguida BD. Mi via 1 e por D. Jo&o, pelo menos na fase inicial do seu reinado.”* Apesar dos aspectos em comum, em 1808 houve uma ruptura significativa. Nesse ano, a fuga da famflia real, motivada pelas guerras napoleOnicas, resultou em uma reordenaco do Império , gue passaria ter sede na América. Acompanharam a transferéncia da Familia agic. Com isso, o Tribunal da Relagao do Rio de Janeiro deixava de ser a ca maxima na Colénia. Balizado pelos anos de 1750 € 1808, 0 projeto aborda 0 periodo no qual se nota um esforgo de ali magio e de maior burocratizacdo da “maquina administrativa” na Colnia, em especial na Capitania de Minas Gerais.”” Segundo Francisco iglésias, “Minas foi o centro da politica portuguesa no século XVII" e, consequentemente, a regio da Colonia onde “[foi] mais severa a nota centralizadora’.*° Motivada pelos interesses fiscais e pela necessidade de manutengio da ordem social, a Coroa Portuguesa fomentou uma Ft Schwartz, a criagio do Tribunal significou “o fim de wma cra na historia da estrutura judicial e administrativa da colénia (...]" ¢ fortaleceu 0 controle da Coroa aa regido centto-sul. SCHWARTZ. Stuart, B. Burocracia ¢ sociedade no Brasil colonial: a suprema corte ¢ seus juizes: 1609-1751. p.288. FURTADO. linia Ferreira. O livro da capa verde: o Regimento Diamantino de 1771 e a vida no distrito Diemantino no periogo da Real Extragao.Sdo Paulo. ANNABLUME. 1996. *” Ex iltimo aspecto é notavel no absolutismo esclarecido que em terras lusas teria principiado na metade do écuio XVII ainda que as Luzes fossem visiveis jé em 1738. com a traduglo de obras de Voltaire, ou ainda em 172], com a criagho da Academia Real de Historia stado de Antigo Regime: alguns problemes conceituais e de cronologia. (1750-1808) reforgou, na Coldnia, uma tendéncia centralizadora da Coroa. dado o ixe econdmica na sociedade lusa e o declinio das rendes geradas pelas princiapis atividades loriais, fundamentalmente, a mineragio”. SALGADO. Gs Meirinhos. 2 ed. Rio 2 Froateirs, 1985. p.20. reestruturacéo do fisco ¢ da Justica.” A ago destes drgios foi sensivel em Minas e. especiaimente, em Vila Rica e Mariana, respectivamente, sede de governo temporal © espiritual da capitania, Os ouvidores ¢ a Junta de Justiga serviam de segunda instancia Judicial as causas movidas nas regides pertencentes 4 Comarca de Vila Rica, como era 0 caso da cidade de Mariana. © Estado também estava presente em Mariana que possuia uma cémnara de vereadores, regida por um juiz de fora nomeado pelo rei. Mariana e Vila Rica majores autoridades do governo temporal e espiritual da Capitania de Minas localidades, conjugavam-se e relacionavam-se instincias © personagens civersos da administragdo ¢ da sociedade nas Minas, em meio a tudo 0 que ela possuia de ordem ¢ “indistingio”.** Destarte, Minas, em especial Mariana e Vila Rica, pode ser considerada um cendrio privilegiado para abordagens que buscam destringar os poderes “micropoderes” que compunham e se atritavam na administracio da Justia.” Para a analise desse conjunto de relagdes essenciais para a compreensdo da pratica da Justiga em Minas Gerais, foi necessério selecionar um grupo de homens de letras dos quais fosse possivel resgatar o maior conjunto de informagées. O primeiro passo nesse sentido foi @ andlise de cerca de 800 inventérios de Vila Rica e Mariana, confeccionados entre 1730 & 1808, dentre os quais foram selecionados os que se referiam aos advogados ¢ que registravam a composigdo de suas bibliotecas.** O registro da posse de livros é um critério ESTAS. Minas ¢ a imposiydo do estado no Brasil. p.268 € 270, ' Em meados do sécuio XVI, a crise na producdo do ouro na capitenia das Minas Gerais principiava a omar core, conforme presenciou @ govemo de D. José I (1750-1777). Essa crise abalou a economia de oisugal e serviu de estimalo para que D. José I promoveste, através de seu ministro Sebastiao de Carvalho © ‘icin, uma série de mudangas visando melhorar a arrecadagao de impostos © ampliar 0 controle real sobre seus dominios. Enire outras providéncias, foi criado o Tribunal da Relagao do Rio de Janeiro, om 1751 Segundo Stuart Schwartz, a criagdo do Tribunal significou “o fim de uma era na historia da estrutura judicial © administrativa da colénia j..J" ¢ forteleceu o controle da Coros na regio centro-sul. SCHWARTZ, Stuart. B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: a suprema corte e seus juizes: 1609-1751. p.288. Considera Marco Anténio Silveira que “o processo de formagiio social em Minas se desenvolveu. a partir de 1735, em termos paradoxais. Se, de um lado. delineava-se melhor a ossatura institucional daquels sociedade. restringindo 0 espago de potentados ¢ afirmando 0 poder do Esiado, de outro, criava-se, desde Jogo, um quadro de instabilidade cujo sentido apontava para a desagregacio. O surgimento desse paradoxo como fenémeno inerente 4 ordem social que se constitu‘a implicou 0 problema da indistingdo, Ox confitos deixaram de ser expressos por meio de revoltas para se manifesterem na violéncia cotidians.” SILVEIRA, Marco Antonio. O wxiverso do indistinto. Sdo Paulo: Hucitec, 1997 9.26, ‘OUCAULT. Michel. Microfisiea do poder. Rio de Janeiro: Graal. 185. Nas fichas do Arquivo da Casa Pilar nic consta a condico e/ou profisséo dos inventariados, © que pediu a ‘uma andlise mais detalhada do acervo. Das mais de 4600 fichas referentes aos inventarios e testamentos do acervo, enite 1721 € 1936, selecionou pouco mais 770 que di 0 ao period de analise dessa tese. Estes inventirios foram analisados um a um, na busca por advogados. Se, por um lado, este obstéculo fez com que & anatise Fosse miais morosa, por outro lado, proporcionou alguns frutos, como a (piBuio | | pesenvowvisento | \ \ importante de selecdo, pois, como se disse, um dos objetivos da tese é cruzar a posse de 's com o uso dos mesmos nas ages judiciais e com uma formacdo posterior ou anterior a reforma da Universidade de Coimbra. Outrossim, foran escolhidos os advogados que ofereciam registros da sua atividade profissional, isto é, que tivessem exercido 0 oficio nos avditérios de Mariana e Vila Rica entre 1750 e 1808. Esse segundo critério implicou a s de 1900 ages judiciais para Vila Rica e cerca de outras 989 acdes erimina’ ‘¢ Mariana. Uma vez estabelecido o grupo que seria analisado © 0 conjunto de ages ecivi ¢ inventirios que seriam coletados, buscou-se fontes completares ~ tais como atestados de b acordios da cdmara, correigdes etc - capazes de revelar variados aspectos sociais e culturais nO, processos matrimoniais, registro de dbitos, registro de matricula, chancelarias, de cada um dos membros do grupo. Segundo os critérios apresentados ¢ a partir de um grande esforgo investigativo, dos 12 advogados, sendo 8 para Mariana e 4 para Vila Rica. Para esta dos advogados selecionados, duas excegdes foram feitas com o objetivo de se ampliar 05 critérios comparativos e langar algumas luzes sobre dois dos personagens envolvidos com a inconfidéncia Mineira, ainda que este movimento nao seja objeto direito das andllises desta tese. So eles Claudio Manoel da Costa e Tomas Antonio Gonzaga. Ambos tiveram suas bibliotecas seqiiestradas na ocasiao da suas prises para a apuragik crime de lesa majestade ou inconfidéncia. De Claudio Manuel da Costa foram arrolades aiguns titulos de sua biblioteca, enquanto que os livros de Tomas Anténio Gonzaga i infelizmente, muito pouco precisos, 0 que demandou alternativas anédinas. como a andlise das citagdes feitas por este advogado em sua obra, intitulada O Tratado de Direito Natural.** © primeiro capitulo desta tese, intitulado Espagos e Vinculos sociais, apresenta os es dos advogacos que compiem o grupo selecionado, aqueles que servirdo de guias em sendes da administracio da Justica, da cultura e da sociedade mineira. Neste estigadas as diversas relagdes sociais dos advogados, que se explicitam omo inventarios, testamentos, om uma empla e veriada gama registros documentais, banco de dados sobre a posse de livros para Vila Rica. No Arguive da Casa Setecemtista de Mariana, os registros trazem referéncia & profisso dos inventariados. possibilitando cue as andlises ficassem restritas & 87 referéncias « advogados, entre inventirios, testamentes, notificagBes, justificages ete. * GONZAGA, Tomas Ant6nio, Tratado de direito natural. Rio de Jazeivy: Instituto Nacional do Livro, 1957. esos matrimoniais, Autos da Devassa da Inconfidéncia Mineira etc. Vinculos que serio ev ados no ato simbélico de se conferir um nome, na constituigao das familias s casamentos, dos apadrinhamentos, das amizades. Investigar e-4 0 papel Gessas relagdes na constituigéo dos grupos sociais, as normas gerais que ensejavam € 0 valor que adquiriam nume economia de “capitais sociais”. Esses capitais, juntamente com o “capital econdmico” dos advogados, que também serio analisados neste segmento, servindo para iocalizar os advogados no espaco social de Mariana e Vila Rica. No capitulo 2. intitulado Os Advogados ¢ a Formagiio eset 1, serio investigadas ‘outras formas de capital, em especial o cultural. Buscar-se-4 identificar as formas e as possibilidades de aquisigdo do saber escolar, bem como os interesses familiar nessa empreitada que envolveria considerdveis somas em dinheiro, tempo de estudo ¢ uma estrutura educacional. Nesse capitulo, importa saber que tipo de instrugdo os advogados receberam e em que medida as jd mencionadas reformas promovidas por Pombal no sistema de ensino interferiram nesse processo. As fontes exploradas nesse capitulo, estio: os registros de matricula na Universidade de Coimbra; as leis passadas para a reforma do péndio Histérico do Estado da Universidade de Coimbra; Relagéio geral do esindo de Universidade, de Francisco Lemos; 0 Ratio Studiorum; entre outros os ¢ as Livrarias em Minas Gerais, terceiro capitulo, pretende-se analisar em que medida a formaco adquirida pelos advogados intervinham na composigio das suas livrarias. O capitulo procura ainda desvelar outros “Animos” ou motivacées que levaram os advogados a constituirem as suas bibliotecas. Antes disso, porém, traca — por meio de andlises qualitativas ¢ quantitativas de inventirios, testamentos, catilogos de iivrarias, solicitagdes das solicitades junto a Real Mesa Censéria para envios de livros ete ce ~ um panorama da posse e da circulagao de livros em Minas Gerais, corm a inteni melhor localizar os advogados entre os proprietarios de tivros. O capitulo procura ainda apontar para a importancia dos livros, niio apenas para a profissio dos advogados, mas também para 2 composigdo de um “capital simbélico”, de uma imagem de “letrado” © quarto capitulo ~ O campo juridico: Espacos e Limites da Justiga em Minas ~ trata do espaco © da incumbéncia dos advogados na execugde da Justiga © na ‘oGagie do poder régio, enquanto mediadores de um saber escrito e legal. Por meio da obras doutrinais e juridicas, busca resgatar o papel da Justica na conformagio ¢ stentaciio do Estado. fesse aspecto, o capitulo desenha o espago de atuagdo da Justica oficial ¢ seus limites, impostos por & lores internos 4 estrutura administrava e/ou por contingéncias, que dizem respeito aos “sertiies” e a existéncia de ordens paralelas ¢ de uma Justica “extra-oficial”. Para além de tratados da época, o capitulo anelisaré as agé Judiciais e alguns registros da Camara de Mariana ¢ Vila Rica © capitulo 5 foi intitulado de Os Advogados e o exereicio da Justica: A efusto das forces. Como o subtitulo sugere, trata-se de um capitulo gue concentra todos os principais elementos que foram investigados nos precedentes. Apresenta de forma mais \da_@ inserco dos advogados escolhidos no quadro da administragao local ¢ os agens acvindos dessa posi¢do. Procura conhecer como as redes de relagdes no primeiro capitulo intervinham na execugio da Justiga ¢ como poderiam fomentar a constituigio de forgas concorrentes ¢ rivais. Outrossim, o capitulo analisa o uso Gos livros, cu melhor, das leituras na constituicdo argumentos judiciais escritos pelos edvogados selecionados, Por meio das citagdes, do uso da retérica, e da relagio com as leis, busca-se desvendar as diferengas entre os advogados e em que medida elas estariam vinculadas as instrugies litera s ¢ as formagdes universitirias distintas. Preocupa-se, por fim, em reconhecer a influéncia das reformas na Justica no ambiente dos auditérios de Mariana e Vila Rica Nos capitulos serio avaliados, portanto, aspectos do universo sociocultural dos homens de ietras que sdo relevantes para a compreensio de uma dimensio viva da administracdo da Justiga. ICULOS SOCIAIS. Querkyver coises cote E tinie no infita, Episddins, Fernanle A analise de um grupo de homens de letras de Minas setecentista tem certes eristicas que se aproximam de uma abordagem de tipo prosopografico. prosopografia & uma espécie de biografia ou, mais precisamente, uma “biogratia coictiv . que buscaria conhecer as origens, a trajetdria, a vida dos componentes de um grupo. de modo a estabelecer aproximagées e identificar formas tipicas de comportamentos.! Em vista desses objetivos, formula-se um conjunto uniforme de tentativa de estabelecer variaveis corpora de vide © pete metodo! a empreendida, a investiga e. jariana e Vila Rica se identificaria com a prosopografia.” Essa identificagio parcial e ndo desconsidera os limites © pe’ sbordagem prosopogrifica. Esse tipo de estudo demanda a coleta de um conjumo consideravel de documentos capazes de fomecer dados suficientes para 2 reconsiitticae wa da vida dos componentes de um grupo. A auséncia de informagées pode tev vista. 2 prosopografia parece ser dispare de biografia, uma vez que aquela lida com grupos € rn com © individuo. Ainda que 2 presopografia seja arrolads como am tipo de biografia, Geovani Levi considera que ela nao € uma biogratia verdadeira, A prosopogratis se uilizaria Ue elementos viogrifices. sas sins finalidades seriam diferenciadas, pois estar voliada para a conformacio de um grupo. Todevia, i de se considerar que a biografia, ainda que se dedique @ estudar objetos aparentemente pontuais, romets fs generalidades, em mator ou menor grau. A analise biogrifica pode promover ilagSes entre 0 inJividuo © um grupo (biografia modal). entre o individuo e seu contexto (biogratie ¢ contexto). entre 0 ingividue ¢ um ambiente de contaste (biografia e casos extremos), 0: ainda entre 0 individuo estudado ¢ © prapria ato imerpretative (biagrafia e hermenéutica). VAINFAS, Ronaldo. Os protagonisias Andvimos cis Fistérin: miero-histéria, Rio de Janelro: Campus, 2002, p.140, In: FERREIRA, Mariets Mz AMADO, Janaing, Usas e Abuvos dei Historia Oral. Rio de laneiro: Fundacko Gesilio Vargas. 1996, p. 174-178, LORIGA, Sabina. A biogtafia com problema. In: REVEL, Jacques Org.) woyus de Bscrlas: a eroandlise. Trad. Dara Rocha, Rio de Jansire: Editora Fundacdo G a8 us = Journal af the Amarin Academy of Sets sad sctences. Lp. 46. Nos estudos sobre a administraeao da Justia, a prasopograf lume smipliagdo das andtises que se apogavam oxclusivamente dae instiuigbes". CAMARINHAS, Nuna Miguel de Moraes Letras: andlise prosopoerifiee do grupo dos jivisas ferndas os Porvcse! nos sécuios XIN e SUI Lisboa, 2000. Dissertacdo (Mestrade em Cincias Socials) - Instivie de Cigneies Sociais, Universivaie aouca, Lelvados © Logeres 29

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