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A ESCRAVIDAO NA ROMA ANTIGA POLITICA, ECONOMIA E CULTURA Fasio Duarte Jouy So Pano. 205 Fone Copyright © 2005 Fabio Duarte Joly Inpice Fligho: Joana Monteleone - Organizagio da coleio: André Slemian Jodo Palo G, Pimenta Introdugao Capa: Clarissa Braschi Maria CCopydesk Carlos Villarul Escravidaio romana: modelos e conceitos Projeto grificoe diagramagio: Clarissa Boraschi Maria Sociedade escravista: a ginese dos modelos Imagem da capa: Gladiador em mosaico da Galleria Borghese Escravidio: estado ou processo? Para uma ampliagio do conceito de sociedade escravista Escravidao ¢ politica entre a Repiiblica e o principado Dados internacionais de Catalogosna Publicado (CIP) (0s priméndios de Roma ea esravidao (Clara Braileira do Livro, P, Basi) Republica: gueras,conquista ereblis servis Joly Fabio Duarte Princpado: o imperador,aaristocrcia ea escravidto ‘A cscravidso na Ror antiga: politic, economi € cultura/Fébio Duarte Joly, ~ Sao Paulo: Alameda, 2005. Escravos ¢ libertos na economia Bibiografa, Escravido e poder nas ill Ison assenos ax Escravidio colonato 1. Escraviddo ~ Roma ~ Escravidao e cultura: teorias e metaforas 2. Historia antiga 3. Roma— Histéria 1. Titulo, ‘Séneca e Epiteto:escravidao, estoicismo e 0 poder imperial Salistio e Ticito: escravidao e interpretagao histérica los-7a0s cop-937 Indices para catélogo sistemitico: Consideragdes finais 1. seravidao: Roma antiga: Histria 937 Indicagdes de leitura 2,Roma antiga: escravidio: Historia 937 iS Indicagdes de filmes {2005} Indicagdes de pesquisa “Tados os direitos desta edigto reservados & ALAMEDA CASA EDITORIAL va Ministro Ferreira Alves, 108 ~ Perdizes CEP 05009-060 ~ Sao Patilo - SP ‘Te. (11) 3862-0850 ‘wew.alamedaeditorial.com.be o n R a1 23 31 32 34 45 37 58 6 a 1 99 101 InTRODUGAO Ao penecrar nas sociedades modernas desruin-Ihes a esera- vidio a maior parte de seus fundamentos morais ¢ alterou as nogdes mais precisas de seu e6digo, substituindo um estado, com- parativamente ¢ para todas, de progresso pelo mais obstinado re- ‘greso até fizé-las encontrar a velha civilizgde de que sairio, através de chamas purificadoras. Na verdad, somente quem olha para essa insttuigo,ceyado pela puixio ou pela ignorineia, pode nio ver como cla desagradou vitios povos modernos,a ponto de torné-los panalelos 2 povos corrompidos, que pasaram. Nio & somente 0 adiantamento material que ela entorpece com @ t- batho servil também o moral,¢ dizendo moral eu compreendo © adiantamento da civilizagio,a saber, das artes, das ciéneias, das letras, dos costumes, dos governos, dos povos: o progresso, enfin, Joaquim Nabuco escreveu essis linhas a0 niciar © seu ensaio Juvenil, A esravidio,em 1870. Escrevia num Bnsil escravista, onde, ‘entretanto, ji se fazia sentir a campanha abolicionista, cujo argu~ ‘mento central & acima bem apresentado: o trabalho escravo signi- fica um atraso material e moral e,portanto, é um estigto da historia humana que deve ser necessariamente suplantado, Procurariamos em vio, na literatura grega ou romana, qualquer argumento seme~ EEE 8 Fem Duanre Jour Ihante. Por mais que se denunciasse a violéncia da instituigio, man- case colocou em pauta a questio da sua legitimidade, pelo simples motivo de que nio se concebia uma sociedade sem escravos, ¢ tampouco a escravidio era vista como um problema moral que levantase a questio do fim do trabalho escravo. Os pressupostos abolicionistas, alguns deles derivados da eco- nomia politica clissca e da filosofia das Luzes, tiveram, no entanto, tuma in‘lnéncia considerivel sobre os estudos sobre a escravidio _greco-romana, que muitas vezes partiram da idéia da escravidio como um obsticulo, em especial para o desenvolvi mico, E nfo raramente as teorias antigas sobre a escravidio sio estudadas descoladas de seus contextos sociopoliticos, como se tra yento econ tassem do fendmeno servil como algo isolado € de uma forma incompleta, uma vez que nunca chegam a propor sua aboligio. Este livro pretende, por um lado, fornecer a0 leitor as linhas ge- rais do desenvolvimento dos estudos sobre a escravidiio greco-ro- mana ¢ suas principais implicagdes para 0 estado atual das pesquisas ©, por outro, apresentar uma proposta de abordagem da escravidlio nna qual se buscar acentuar as inter-relagdes entre os proces- s0s histéricos — politicos e econdmicos— que tiveram lugar na Roma ‘com as visdes contemporineas sobre a escravidio, O recorte ico privilegiar’ o periodo que se estende dos séculos IT 4.C.20 iI d.C., por abrangerem, respectivamente, desde © momento de consolidagio do sistema escravista na Peninsula Itdica até aquele de seu declinio. A documentagio utilizada 6, sobretudo, literiria, tanto latina como grega, e de natureza variada: historiogeitica (Dionisio de Halicarnasso, Diodoro da Sicilia, Apiano, Salstio, Tito Livio, Ticito), técnica (os tratados sobre agricultura de Catio,Varrio © Colurnella)e filoséfica (Cicero, Séneca, Epiteto) A idéia norteadora do livro & a de que, na Antigiiidade roman: a escravidio era vista também como uma instituigio social e poli- fica no sentido de que a relacio senhor-escravo tinha conseqitén- cias para a organizacio sociopolitica da cidade, pois © excravo libertado por um cidadio romano podia vir a se tornar cidadio, E, ABscmuipso Ni Rows Anion 9 no plano cultural, a relagio senhor-escravo era utilizada concei- tualmente para pensar outras formas de exploragio e subordina- ‘¢io. Data proposta,no que tange 4 Roma antiga, de uma rediscussio do proprio conceito de “sociedad escravista”, ainda demasiada- mente centrado num entendimento da escravidio como mera ins tituigdo econdmica. O livro divide-se em quatro capitulos, que abordam temas es- pecificos. No primeiro, intitulado “Eseravidio romana: modelos conceitos”, io apresentados os principais modelos interpretativos da escravidiio romana em particular, ¢ antiga em geral, assim como as definigdes mais correntes de escravidio € escravo, € suas respec tivas limitagdes. Ese capitulo introdutério tem a fingio de explicitar as bases teGrico-metodolégicas em que se apéiam os capftulos sub- seqitentes. “Escravidio ¢ politica entre a Repiiblica e © principa~ do” aborda dois processos historicos ~ a expansio de Roma pela Peninsula Itlica ¢ pelo Mediterraneo a partir do século M.a.C.ea formagio da nobilitas romana, e a instauragio do prineipado € a nova configura¢io do poder que se Ihe seguiu a partir do final do século 1 a.C, ~ ¢ respectivas influéncias nas concepedes da escravi- io por parte das elites em Roma, O terceiro capitulo —“Escravos ¢ libertos na economia” ~ trata inicialmenté das modalidades de emprego da miio-de-obra servil e das atividades econdmicas em- preendidas por libertos na Roma antiga, para depois se deter na visio da escravidio que desponta da leitura dos tratados agronémi- 08 latinos. Por fim, “Escravidio cultura: teorias € metiforas” analisa alguns exemplos do uso metaférico que se fez da figura do €scravo no pensamento politico ¢ filosifico na Roma antiga © leitor pode-se perguntar, ¢ com razio, sobre a relevincia de se estudar hoje em dia a escravidio romana, Ora, cabe lembrar que © Brasil foi, por tanto tempo quanto a Roma antiga, uma socieda— de escravista, © que necessariamente nos leva a indagar sobre 0 impacto da escravidio no processo de formagio da sociedade bra- sileira. Mas o principal interesse do tema para o historiador reside no fato de a escravidio ter sido uma constante na histéria da hu- 10 Fao Deawre Fo manidade, subsistindo inclusive até hoje. Analisar tal fendmeno, por tanto, mesmo que seja numa sociedade to diferente e distante da ‘nossa como aquela de Roma, é uma forma de refletir sobre as mo- dalidades de exploracio do trabalho vigentes no mundo contempo- rineo e suas conseqtiéncias econdmicas, politicas e culturas. A realizacio deste livro foi possivel devido & pesquisa de douto- rado desenvolvida no Departamento de Hisdria da FFLCH-USP com fin iamento da Fapesp. Agradeo a leitura e comentirios de Fabio Favers Andréa Slemian, Joio Paulo G. Pinsenta e Marilena Vizentin Norberto L. Guarinello, Rafiel de Bivar Marquese, Escravidao romana: modelos e conceitos E quase consenso atualmente, no campo dos estudos histéricos, que a Italia antiga, sobretudo entre os séculos III a.C. € II .C,, fez parte, 0 lado da Grécia clistica, do Brasil, do sul dos Estados Uni- dos e do Caribe inglés ¢ francés entre os séculos XVI e XIX, do, restrito grupo de sociedades escravstas. De acordo com 0 histori dor Moses Finley (1991, p.84-5), uma sociedade ¢ genuinamente escravista quando a escravidio se torna uma institui¢io essencial para asua economia e seu modo de vida, no sentido de que os ren~ dimentos que mantém a elite dominante provém substancialmen- te do trabalho escravo. Como se vé, é uma definigio circunscrita a0 plano econémico © que no considera os aspectos sociais ¢ culturais da escravidio. Esse limite tem sido apontado pela historiografia mais recente, seja nos estudos que buscam salientar 0 impacto das relagdes escravistas na conformacio da visio de mundo ~ expressa sobretudo na lite- ratura ~ dos antigos romanos (cf. Fitzgerald, 2000), seja naqueles fm que se observa umta tendéncia a minimizar 0 peso econén da mio-de-obra escrava na Itilia, alegando a preponderincia de ‘utras formas cle exploragio do trabalho. Nesse filtimo caso, pode- se citar a indagacio de Jean Andreau (1999, p.105):“A sociedade romana era escravista? A resposta ja nao é tio imediata, mas nio nos aprofundamos na questio, Ela nio é respondida, mas simples 12 Famo Dusire Jou mente colocada de lado”. Pode ser a alternativa mais facil, porém certamente n3 & a mais aceitivel, cso se queira avangar na com- preensio de um importante aspecto da histéria social, politica e econdmica de Roma Trata-se antes de rediscutir 0 conceito a fim de que ele permita uma maior intetigibilidade da fungio da escra~ vidio no mundo romano. Logo, convém iniciar com uma breve sintese das vises moder- nas sobre a escravidiio antiga. Breve porque se resumiré a delinear as principaislinhas interpretativas sobre o tema que vém se desenvol- vendo desde a segunda metade do século XIX e que nos ajudam a compreender o estado atual das pesquisas e as concepgdes mais cor- rentes sobre a escravidio romana. Essa exposicao serviri como pre- mbulo para uma discassio dos conceitos de escravo e liberto ¢, por fim, para uma ampliag2o do proprio conceito de sociedade escravista. Sociedade escravista: a génese dos modelos E inevitével que simplificagdes ou omissdes fagam parte de qualquer modelo explicativo da escravidio romana, Todo histo dor deve, obrigatoriamente, selecionar e classificar os dados hist6~ ricos presentes na documentacio pertinente, apresentando-os de jum modo coerente ¢ persuasivo sob a forma de uma narrativa, Os pressupostos ~ teéricos ou mesmo politicos ~ que norteiam a ela- boragio dessa narrativa 4s vezes, no sio expressos explicitamente, embora estejam sempre subjacentes. Ter em mente essas observa- (Ges, até certo ponto de dominio comum, ajuda-nos a adentrar na tradigao historiografica que elegew a escravidio antiga como seu foco de reflexio, Foi no bojo dos debates acalorados sobre a aboli- 20 do trabalho escravo nas colénias inglesas ¢ francesas a partir da segunda metade do século XVIII que despontaram os primeitos estudos sobre a escravidio entre os gregos ¢ romanos, apesar de, ji no século XVI, existe algumas obras a respeito, frutos da erudi- «Go antiquéria humanista, A Bscrauoko na Roma Antica 13 Embora desde 0 mundo antigo a escravidlio fose objeto de ‘riticas ~ mas sem nenhuma mengio a sua total extingio =, foi apenas a partir de 1750 que sua legitimidade passou a ser questio- nada ¢ sua aboligio irrestrita defendida. Em linhas gerais,a critica parti de erésfrentes, praticamente simultineas (cf. Joly & Marquese, 2003, p.25). Em primeiro lugar, longa associagio entre cristianis mo € escravidio foi posta em diivida pelos quakers, sete que surgi na esteita das revolugdes inglesas do século XVI. Equiparando a escravidio a um pecado, os quakes contribatram para minar 0 idesrio prd-escravista que também tinha na tradigio cristi uma de suas bases, Muitas das primeiras sociedades antiescravistas inglesas ¢ nnorte-americanas eram compostas, em grande parte, por membros dessa seita. Em segundo lugar, 0s filésofos da Hustragio ~ a come- ‘car por Montesquieu ~negaram que o trabalho escravo fosse con forme 20 direito natural e, portanto, legitimo. Enfim, o discurso da economia politica proposto pela fisiocracia e pelo ilurainismo es- ccocés ~ cuja figura maior foi Adam Smith ~ atacou os fundamen- fio, questionando sua eficiéncia tos econdmicos da escravi produtividade em comparacio com o trabalho assalariado. Esse clima intelectual desdobrou-se particularmente na Gri~ Bretanha ¢ na Franga, onde despontaram os primeiros grandes trabalhos sobre a escravidio antiga. Em 1785,a Universidade de ‘Cambridge anunciou um prémio para o melhor ensaio que discu- tisse 0 tema da validade de um homem ser escravizado contra sua vontade.Em 1794,a Convengio, na Franga,liberou to¢os 0s escra~ ¥os em territérios sob dominio francés e,em 1807, o Parlamento britinico votou a favor do fim do trifico escravo, mas a abolicio da excravidio nas colénias ocorreu apenas em 1833, no, aliis,em que {61 publicada em Edimburgo, pelo historiador escocés William Blair, uum livto intitulado An Inquiry into the State of Slavery amongst the Romans from die Earliest Period il the Establishmevet of the Lombards in Italy (cf-Yavetz, 1991, p.118-19). Na Franca veio a lume a monumental Histoire de Psclanage dans FAntiquité, de Henri Wallon, Publicada em 1847, respendia a duas 14 Fao Duarse four indagagdes colocadas em um concurso de 1837 pela Academia de c “Por que causas a escravidio antiga foi abolida? A partir de que época a escravichio desapareceu completa ‘mente da Europa ocidental, restando apenas a servidiio da gleba?” (Ora tais questdes remetiam,na realidade, is difculdades para erradicat, na pritica, 0 trabalho escravo nas coloni ‘as Morais ¢ Politica , taMto que, no por acaso, © proprio Wallon redigiy um texto intitulado “Leesclavage dans les colonies", post mente incorporado como introducio 3 sua obra maior na reedigao de 1879. Em ambos os escritos, encontramos 0 ‘mesmo raciocinio: a eseravidio & contriria a0 direito natural, com rompe tanto senhores como escravos ¢ impede 0 desenvolvimento do trabalho livre e sua respectiva produtividade. Nao devemios, entretanto, esquecer que também ocorreu um movimento inverso, em que se apelava para a Antigtiidade a fim de |justficar 0 trabalho escravo. Assim, na cultura escravista dos Esta- dos Unidos,a fim de legitimar a instituigio da escravidio nos Esta- dos do Sul, comparava-se o trabalho assalariado a uma “escravidio’ € 0 sistema politico sulista A democracia grega no sentido de que os livres podiam dedicar-se ao bem piiblico justamente porque 0 trabalho manual estava a cargo de escravos. Essa foi, por exemplo,a ideologia apregoada nos escritos de John Caldwell Calhoun (1782- 1850), figura de relevo da politica norte-americana (vice-presi- dente em 1824, senador em 1828 e secretirio de Estado em 1845) (c£. Canfora, 1991, p.31-2). Em seus Remarks om the State Rights, Resolutions in Regard to Abolition, de 1838, criticava aqueles que confundiam democracia com igualitarismo, condenava 0 trabalho industrial do Norte que convertia o operiio em “escravo assalaria- do" € fazia uma apologia da democracia grega. Pari passu com essa critica, postulava-se uma visio paternalista~ tenazmente combatida pelos abolicionistas ~ da escravidao: nas plantations, 0 tratamento conferido pelos senhores seria mais humano do que aquele preva lecente nas onganizagdes industriais urbanas. Em suma, tanto no idesrio abolicionista como no pro escravista, 2 escravidio antiga era abordada de um ponto de vista moral. No A EscRivioto XA Rows ANmIGA 15 pprimeiro e280, buscando-se ressaltar seus efeitos deletérios sobre a sociedade; no segundo, para desqualificar o trabalho livre. No en- tanto, mesmo depois de completos os processos de emancipacio tna segunda metade do século XIX (nas colénias inglesas fiance sas em 1833 € 1848, respectivamente; nos Estados Unidos,em 1865; em Cuba, 1886; e no Brasil, 1888),' algumas das idéias aqui ja ‘expostas continuaram a ditar os caminhos de abordagem da escra- vidio antiga. Nesse sentido, merece destaque a concepeio propa- gada pela economia politica clissica de que essa instituigio representava tum obsticulo ao pleno desenvolvimento das forgas econdmicas, pressuposto aceito,em grande parte, pela historiografia, desde 0 final do século XIX. Data desse momento um dos principais impulsos a0 estudo da ceseravidio antiga, que agora colocava a questio no apenas em ter ‘mos estritamente morais, mas sociolégicos. A escravidio passou en- ‘G0 a ser situada no contexto de uma discussio sobre a evolugio da sociedade humana, Em 1789, Johann Friedrich Reitemeier publi- cou um enstio sobre a escravidio grega, localizando a origem da instituigio em um periodo némade da histéria grega em que se tornou necessirio 0 trabalho compulsério para a produgio de sub- sisténcia da comunidade. Posteriormente, no séculoV a.C., com 0 1 de vida e, forma clissica da escravidio. Reitemeier, como lembra Finley (1991, aumento do, conseqtientemente, do luxo, surgitt a P.38), por seus trabalhos no campo da histéria juridica, pode ser consiclerado um dos findadores da Escola Hist6rica Alem A teoria dos estigios do desenvolvimento econdmico, um dos Principais legados dessa escola, enraizou-se no historicismo da Nationalokonomie (economia politica), que procurava relacionar as concepgdes econdmicas is condigdes em que elas surgiram. Desde © inicio, a economia politica hist6rica defendeu sa ligagio com 0 historicismo, contra aqueles que pensavam em separar a economia 0 Hse repeentow un cao prs A colina anes com si independ eabol- ‘oda eserovidio ap um proces nvcliconiri inca eo 791 encerad cov 10, 16 Fano DuaereJouy da histéria, visando a uma ciéncia tedrica que estabelecesse as leis gerais que regem os fendmenos econdmicos. O pano de fundo da abordagem historicista era a expansio do capitalismo europeu como vinha se expressando na Inglaterra, na Franga, na Alemanha e na ‘Ruswia. nade, paw eayiteass aaginiente dastove davens oben. mico que se impunha com uma velocidade e impactos sem prece~ dentes, adotou-se uma visio evolutiva e gradativa da histéria, em que as etapas anteriores eram mis atrasadas economicamente do que a contemporinea. A economia da Antigtiidade greco-romana, ‘com sua base escravista, passou a ocupar o iltimo lugar do pédio, aparecendo como um reflexo invertido da economia capitalista moderna, Temos aqui 0 nascimento daquela que posteriormente seria denominada querela entre “primitivistas” e “modernistas” Em 1849, Wilhelm Roscher, um dos principais representantes dda escola histérica em economia, pronunciou-se sobre o tema, Em ‘um ensaio sobre a relagio da economia politica com a Antigitidade clissica, Roscher distinguia trés fises do desenvolvimento econd- mico. Num primeito periodo, predominon como principal fator da produgio a natureza, no segundo o trabalho humano, no tercei- +0 0 capital, Na Antigilidade,a escravidio doméstica preponderava, com os escravos sendo responsiveis por todas tarefas produtivas, ‘que posteriormente seriam assumidas pela inckistria, Mas atribui- a0 ensaio de Karl Rodbertus sobre a histéria da tributagio romana desde os tempos de Augusto, de 1865, a inauguragio da vertente primitivista. Nessa obra, apresentava a idéia de que, entre os roma- 1nos, havia um inico tipo de tributo, aquele pago pelo senhor da casa (oikos) a partir dos rendimentos de sua propriedade. Essa cen tralizagao nao existia no mundo moderno, em que a tributagio estava distribuida entre os diversos grupos sociais e suas posicdes hho mercado: assim, hi taxas sobre a propriedade da terra ou de capital, ¢ 0 capital pode ser industrial ou comercial, © qual pode, por sua vez, ser investido em bens ow em dinheiro, No entanto, 0 que ficou dessa “teoria do viks" de Rodbertus foi sua Gio da economia romana como fundada em unidades fa ABsceasipaona Roma AxmGA 17 aute-suficientes. Em 1893, Karl Biicher, em sua obra O swagimento da economia nacional, etomou esse ponto,afirmando que, na Ani gilidade, predominou uma “economia doméstica fechada”, cuja mio-de-obra utilizada era predominantemente escrava:“A. partir dla autonomia econdmica das casas onde se empregavam escravos, explica-se toda a historia social, e uma boa parte da politica, da Roma antiga” (apud Gummerus, 1979, 3). [Em contrapartida a ess visio, ganhou corpo uma postura oposta, “modernista”, que, em vez de realgar as diferengas entre as econo- imias antiga € moderna, insistia em suas semelhangas. Nessa linha, Eduard Meyer, em 1895, publicou um ensaio, que tinha como alvo atese de Biicher, sobre o desenvolvimento econémico da Antigiii~ dade (Die wirtschafiliche Entwicklung des Altertums). Aqui desapa © abismo entre a Antigiiidade e a modernidade, e qualquer men 20 economia natural, do oikos: a economia antiga é tratada como se jf fosse totalmente industrial e com um comércio desenvolvido, além de subordinada a um Estado de tipo nacior pa do século XIX. Alias, Meyer utilizava sem ressalvas conceitos como na Euro- como fibrica e simplesmente comparava os escravos a operirios ‘modernos. Contra essa metodologia de Meyer, ¢ também contra 0 modo como Biicher aplicava 0 conceito de “economia do oils”, insurgiu-se Max Weber na segunda edigio de sua obra Relagdes sgedrias na Antigiidade, de 1909. Em primeiro lugar, ressaltou que o coneeito de Biicher devia ser empregado como um “tipo ideal”, ‘on seja, como uma construgio tebrica cue auxilia a compreender ‘uma dada realidade, mas que necessariamente nio pode se identi- ficar com ela em todos os seus tracos. Em segundo lugar, censura ‘Meyer porque scus conceitos modernizantes nao encontravam res~ aldo na documtentagio antiga ¢, portanto, promoviam distorgdes do fendmeno histérico. Quanto a escravidio, Weber adota um meio= mas nio do tipo moderno. Em sua opiniio, © capitalismo antigo, sobretudo aquele praticado na Roma republicana,tinha méveis politicos, sendo termo: entende-a como subordinada a um capitalism 4 guerra o principal deles. A expansio militar gerava uma maior 18 Fano Duan Jorr disponibilidade de escravos e incentivava sew uso capitalista em plantagdes, empresas maritimas, mineragio etc, Ademais, a oferta de terras a baixo custo, muitas vezes resultado das campanhas mili- ‘ares, era uma condicio essencial, pois compensava o alto investi- ‘mento realizado na compra da escravaria eo capital nela imobilizado, No entanto, aceitando os pressupostos da economia politica de seu tempo, descartava o escravismo como mais rentivel que o empre- go de mio-de-obra livre, pois aquele impossibilitava um cilculo racional do capital investido. Dentro desse mesmo contexto intelectual, pois partilhando de suas idéias bisicas, deve-se citar ainda © marxismo como outro importante impulso aos estudos sobre a escravido antiga. Mas deve~ se distinguir a posigio de Marx a esse respeito daquela que surgiu posteriormente,a partir da década de 1930,adotada na Unido Sovi ética, de orientagio leninista ¢ stalinista. A Antigitidade clissica — Grécia e Roma —nio era um terreno desconhecido para Karl Marx (1818-1893), Comhe ler no original, e defenden uma tese de doutorado, em 1841, sobre a literatura grega e latina, que era capar de filosofia antiga, intitulada Diferenca da filosofia da natureza em Demécrito ¢ Epiauro. No entanto, tanto ele como seu companheiro de escritos, ‘iedrich Engels (1820-1895), no tiveram como objetivo desen- volver uma anzlise sistemitica da escravidio grega ou romana Quando a mencionavam, tinham em vista a preocupagio em delin fat 0 pro= ceso hist6rico que levow ao surgimento do capitalismo e da corres- pondente sociedade de classes. Para tanto, partiam da tradicional ~ que remonta ao sécuilo XVI ~ esquematizagio da historia em trés etapas: Antigiiidade, Idade Média ¢ Epoca Moderna. Nesse contex- to, escravidio era considerada um elemento essencial das socieda- ddes antigas ¢, como ta situada no processo de desenvolvimento da divisio do trabalho, Como escreveram na Ideoagiaalemi (1845-1846), © trabalho escravo estava presente nas duas formas de propriedade que existram nas sociedades antigns:a propriedade da tribo e a pro- priedade comunal. No primeiro caso, predominava a unidade fami- liar, sendo a escravidio marginal, mas empregada a partir do momento A.Bscrauioko na Roos Antic 19 fem que se teve um aumento da populagio & de suas necessidades iateriais.Jé a propriedade comunal decorreu da uniio de virias tribos, formando cidades. Aqui a pose comumn da terra que define a pertenga a uma comunidade e que, portanto, permite aos cidadios explorar escravos. Todavia, desasafirmagSes nio pode ser, de imedia- to, derivada a conclusio de que a oposigio entre livres e excravos tenhasidoa € especificamente para o caso de Roma, Marx sublinha que a luca nica contradigio das sociedades antigas. Pelo contririo, entre 0s grandes proprietirios de terras e os pequenos camponeses, sempre foi uma constante, mas influenciada pelo escravismo que formava a base da produgio, Foi a elevagio dos escritos de Marx e Engels a categoria de “clissicos” pelos lidetes politicos da revolugio russa ~ sobretudo Lénin e Stalin ~ que cristalizou de modo esquemitico e rigido na Unio Soviética a teoria dos cinco estigios da evolugio da huma- ‘nidade: ociedade patriarcal arcaica, escravismo, feudalismo, capita- lismo e comunismo. Como se vé, comprovar a existéncia de um a,j que cra uma etapa rumo a0 fim da sociedade burguesa capitalsta e & perfodo escravista tornou-se entio uma necessidade poli futura instauragao da sociedade comunista. Entre 1930 ~€ de 1934 © 1950, predominou essa linha de interpretagdo em que © objetivo era de- aba, A his da antiga Sociedade exraviia, de Tjumenev ‘monstrar que a escravidio foi o principal sistema econdmico da Antigiidade e que sua superagio deu lugar 4 servidiio medieval. A partir da década de 1950, com a morte de Stalin, a produgio sovie- tica comegou a abandonar o dogmatism, atentando para a diversi- dade das formas de exploracio do trabalho na Antigitidade ‘grec0-romana,embora o grande tema continuasse a ser a explicagio das “contradicdes internas” do modo de produgio escravista que Jevaram a0 seu fim no Ocidente. Q clima tenso na Europa apos a Segunda Guerra Mundial, com separacio do bloco socialist, também deixou sua marca nas abor- dagens sobre a escravidio antiga. Parcialmente como reagio ao mar ‘sismo, levantaram-se algumas vores, como a de Joseph Vogt (1965), 20 Fano Dunere four dda Universidade de Mainz. Voge propunha uma visio da escravidio antiga de acordo com a qual também prevaleciam relagdes humanas centre senhores e escravos € nio apenas opressio € exploragao. Para ele,a escravidio nio era incompativel com a existéncia de uma cul- ura hnmanista na Antigitidade, discassio que, em iiltima instine remetia ao debate sobre a fingio da cultura clissica na Alemanha do pOs-guerra, retirando-a de sua associag0 com o nazismo. Mas, se houve uma obra sobre escravidio antiga que se desta~ cou na segunda metade do século XX, foi a de Moses Finley, que chamou a sia tarefa de rever a tradig2o historiogrifica anterior € colocar o debate em outros termos. Obrigado a deixar a Univer- sidade de Rutgers nos Estados Unidos em 1954 por causa do arthismo, Finley instalou-se em Cambridge, onde ocupou a cadeira de Historia Antiga entre 1970 ¢ 1979. Embora tenha sido aluno de W. L, Westermann, autor de uma das principais sinteses sobre escravidio greco-romana (The Slave Systems of Greek and Roman Antiquities, de 1952), mais relevante em sua formagio foi © contato com intelectuais exilados da Aleman, sta que se la de 1930. Em 1934, 6 Instituto para Pesquisa Social, sob a diregao de Max Horkheimer, transferiram para os Estados Unidos na dé mudou-se de Frankfiart para Nova York, associando-se & Univer- Se em varias atividades no sidade de Columbia, Finley envolve Instituto e partilhou de sua preocupacio em revisar os principios don resume Thomas Wiedemann (1987, p.7-8): ixismo, muitas vezes luz dos escritos de Weber. Como Para Finley, como para Weber, 0 conceito de uma " auténoma" no exist na Amtigidade,dai que devemos ver os e

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