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Intengdo e recepg¢ao em lracema, de José de Alencar Cid Ottoni Bylaaradt* Resumo ‘0 sentido de um texto supera sempre as intengdes de seu autor, por- que os intérpretes ¢ 0s leitores que virdo terio uma carga de acumula~ ‘fo hist6rica adicional em relagio a ele. Isso no significa que 0s intérpretes tenham uma compreensio melhor, em que pese sua superioridade his- {rica em relag2o ao autor, mas uma compreensio diferente. Este texto pretende mostrar como, em Iracema, apesar de tantos cuidados © ex- plicagbes, José de Alencar no conseguiu evitar que o tempo trouxesse ‘sua obra novas visdes e interpretagies. Palavras-chave: Inten¢o; Recepcao; Iracema; Historia “efeitual’; Re- cictagem, + Professor Adjunto da Universidade Federal do Cearé, SCRIPTA, Belo Horizonte, v.11, n. 20, p.215-227, 1# sem. 2007 215 Cid Otwni Byleacct A questio da producio ¢ da recepcio em literatura, envolvendo intengio ¢ interpretacio, ainda provoca controvérsias. Esse € um dos varios assuntos levantados de maneira instigante por Antoine Compagnon (1999b), em O deménio da teoria. Em La notion de genre, Compagnon (1999a, p. 10) justifica o titulo de seu livro © deménio da teoria, atribuindo aos estudiosos de literatura 0 carter de génios da tentagdo: “Je voudrais faire de vous des protestants de la théorie, des démons de la théorie|...I". A teoria nfo pode, na opinido do autor, ser um vade-mécum comportado, cujo papel € 0 mais das vezes representado pelo senso comum, que inclui idéias preconcebidas, ve- Ihas concepgdes, linguagem corrente, nocdes populares. Sua agio tem de ser desafiadora e instigadora, deve provocar € propiciar “les conflits du sens commun et de la théotie, la résistence du sens commun, les excés de la théorie” (COMPAGNON, 1999, p. 10). Fazendo da perplexidade a nica moral literaria, Compagnon pretende empreender um “combate feroz ¢ vi ficante” (COMPAGNON, 19992, p. 10, traducao nossa) entre a teoria e senso comum, “toujours d'un point de vue sceptique, ironique, désabusé, non dupe” (COMPAGNON, 1999a, p. 10) Os capitulos do livro de Compagnon (19995) que tratam da problematica da concepgio € da recepgao sto principalmente *O autor” (cap. II) e “O leitor” (cap. IV), embora toda a obra esteja perpassada por essas e por outras preocu- pagdes concementes a teoria literdria. Ao abrir a discussio sobre intencionali- dade € nao-intencionalidade, 0 autor invoca trés “textos-guias” para iniciar 0 “delicado debate” sobre a pertinéncia ou nao de buscar a intengao do autor para a melhor compreensio de um texto, Os textos sio 0 prélogo de A vida inestimavel de Gargantua, pai de Pantagruel (1534), de Francois Rabelais, Contre Sainte-Beuve (provavelmente 1905), de Marcel Proust, ¢ © conto *Pi- erre Menard, autor del Quijote” (1941), de Jorge Luis Borges. ‘Compagnon (1999b) cita esses trés textos como instigadores de uma bus- ca. Procurar “o que 0 autor quis dizer” em um texto € acomodar-se a velhas noges; por outro lado, eliminar sumariamente o autor corresponde a ignorar a existéncia de um ser humano por tris do ato de criaglo. Que fazer entio? ‘Tentar conciliar os opostos? Partiremos das enunciagdes dos autores citados (e de mais alguns outros, especialmente Hans-Georg Gadamer) sobre 0 assunto, para em scguida empreender uma investigacio da resisténcia hist6rica relacionada ao 216 'SCRIPTA, Belo Horizonte, 11, 0 20, p.215-227, 1 sem, 2007 inteng0 recepedo em Iracema, de José de Alencs bindmio concepeio/recepeo de um cAnone da literatura brasileira: Iracema, de José de Alencar, obra publicada no ano de 1865. No prélogo a La vie trés horrificque du grand Gargantua pére de Pantagruel, Rabelais ((19—J, p. XIX) adverte os leitores de que o livro dele nao € recheado apenas de gracejos, zombarias € mentiras: “C'est pourquoy fault ouvrir le livre et soigneusement peser ce quy est deduict’. © autor segue mando que, embora os titulos dos capitulos possam parecer idiotices, 0 leitor deve esforcar-se por interpreté-los “A plus haute sens”, Comparando a Ieitura de seu livro ao trabalho de um cao ao quebrar um osso € comer o tutano, © leitor deve procurar o sentido alegérico de suas palavras, segundo os precei- tos da antiga hermenéutica; assim fazendo, ele ter sua recompensa: “car en icelle bien aultre goust trouverez et doctrine plus absconce, laquelle vous revelera de trés haultz sacremens et mysteres horrificques, tant en ce que concere nostre religion que aussi léstat politic et vie ceconomicque” (RABE- LAIS, [19 p. XEO), Rabelais diz no acreditar que Homero, ao escrever a Ifada ¢ a Odisséia, tivesse em mente as “allegories lesquelles de luy ont calfreté Plutarche, Heraclides Potieq, Fustatie, Phornute”; da mesma forma, as aventuras de Gargantua ndo tém quaisquer alegorias intencionadas por seu autor, mas 0 leitor pode interpreté-tas ou crid-las A vontade, responsabilizando- se por elas: “Pour tant, interpretez tous mes faictz et mes dictz en la perfectis- sime partie; ayez en reference le cerveau caseiforme qui vous paist de ces belles billes vezées, et, a vostre povoir, tenez moy tousjours joyeux" (RABE- LAIS, [19—, p. XIX). A intengio do autor, no caso de Gargantua, nao é revelada, € 0 leitor tem o direito de construir a significagao da obra Na narrativa de Borges (2000), 0 escritor Pierre Menard escreve 0 Dom Quixote de Cervantes. Sua proposta ndo era copiar o Dom Quixote mas “producir unas paginas que coincidieran ~ palabra por palabra y linea por linea ~ com las de Miguel de Cervantes” (BORGES, 2000, p. 47). O narrador recusa considerar 0 texto do personagem transcticZo ou c6pia do Dom Quixote do século dezessete, porque sio duas obras diferentes, separadas por trés sécuilos, O texto de Menard &, para 0 narrador, “casi infinitamente mis rico" (BORGES, 2000, p. 52). H4 ainda um con- traste de estilos: Cervantes maneja o espanhol corrente de sua época, enquanto 0 estilo arcaizante de Menard sofre de alguma afetaglo, Enfim, 0 fato de os dois textos terem sido escritos por autores diferentes em épocas diferentes provoca interpretagées diferentes. Nesse caso, 0 texto em si ndo é responsvel tinico pelas interpretagdes que se fazem dele: as circunstdncias de sua concepcao sio em grande parte responsiveis por sua compreensao. Assim, Pierre Menard enri- queceu ato de ler com uma técnica inovadora, “la técnica del anacronismo deliberado y de las atribuciones eréneas” (BORGES, 2000, p. 55). © terceiro texto citado por Compagnon consiste numa reflexo critica de Marcel Proust contra a critica literdria autodenominada “cientifica’, corrente no SCRIPTA, Belo Horizonte, v.11, 20, p.215-227, 1° sem. 2007 217 Cid Otoni Bylaardt final do século XIX, que Proust (1988, p. 52) chamava ironicamente “boténica literaria®. Essa critica preocupava-se com a biografia do autor, a histéria de sua familia, seus gostos, seus amores, 0 que pensava da religido € da natureza, sua condigdo de rico ou de pobre, scus vicios etc. Segundo Proust (1988, p. 52), esse método ldesprezava aquilo que uma convivéncia um tanto profunda com nés mes- ‘mos pode ensinar: que um livro € produto de um outro eu e nao daquele que ‘manifestamos nos costumes, na sociedacle, nos vicios. Aquele eu, se deseja- ‘mos tentar compreendé-lo, esti no fundo de nos mesmos; tentando rectid-lo em nés é que podemos atingi-lo. Proust nfo nega a existéncia de uma intengdo; ele nega é o fato de que essa intengio resica no homem comum, no escritor biografico, quando na reali- dade ela parte de um “outro eu”, que nao pode ser revelado pela historia de sua vida. Os ts textos-guias citados por Compagnon (1999b), portanto, levantam questdes concementes a existéncia de uma relacao entre 0 contexto € © texto: Rabelais pressupde uma intencao, mas nao a revela, deixando 20 leitor 0 encar- go de construir 0s significados; Proust admite a intengao, mas nao a deposita no. autor de came e osso; Borges declara a importincia dos contextos € das inten- des para a compreenso dos textos. © contexto ¢ a intengdo podem ter sua imporncia, sim, mas 0 “querer dizer’ do autor nfo pode ser o guia principal para a compreensio do texto, como postulava a hermenéutica roméntica, que pensava a compreens4o como uma reprodugao das idéias originais do autor, propondo-se a compreender um. autor “melhor” do que ele se compreendia. Hans-Georg Gadamer faz uma revisto dessa postura da hermenéutica ro- méntica em sua obra Verdade € método. Segundo ele, hd uma tensio que "se desenrola entre a estranheza ¢ a familiaridade que a tradi¢Zo ocupa junto a nés, entre a objetividade da distancia, pensaca historicamente, € a pertenga a uma tradiglo. E esse entremeio (Zwischen) é 0 verdadeiro lugar da bermenéutica’ (GADAMER, 1999, p. 442 ~ grifo nosso). A distancia histérica interpée entre © autor € © intérprete uma diferenga intransponivel, que impede o leitor de reproduzir uma obra em seu contexto original. Para Gadamer (1999, p. 443), Cada época tem de entender um texto transmitido de uma maneica peculiar, pois 0 texto forma parte do todo da tradigao, na qual cada época tem um interesse pautado na coisa ¢ onde também ela procura compreender-se a si ‘mesma, O verdadeiro sentido de um texto, tal como este se apresenta zo seu intérprete, nao depende do aspecto puramente ocasional que representam 0 autor € seu pablico originirio. Ou pelo menos nao se esgota nisso. Pois esse sentico seri sempre determinaco pela situacio hist6rica do intérprete e, por conseqiiéncia, por todo 0 processo objetivo hist6rico. Ss ‘SCRIPTA, Bolo Horizonte, v.11, n.20, p.215227, 1° sem. 2007 Intengio © recepgio em Wracema, de José de Alencar sentido de um texto supera sempre as intengdes de seu autor, porque os imérpretes ¢ 08 leitores que virio terio uma carga de acumulagao histérica adicional em relacdo a ele. Isso nao significa que os intérpretes tém uma compreenstio melhor, em que pese sua posterioridade histérica em relagio a0 autor, mas uma compreensao diferente, produto de uma reciclagem do texto. Esse € © conceito de compreensio que rompe com os postulados da herme- néutica romantica A constatagao de que compreender diferente nao significa trair 0 texto faz com que a distancia de tempo nao seja, por conseguinte, algo que tenha de ser superado. *Na verdade trata-se de reconhecer a distincia de tempo como uma possibilidade positiva ¢ produtiva do compreender" (GADAMER, 1999, p. 445). Gadamer vai além, afirmando que “a distincia € a Ginica que permite uma expresso completa do verdadeiro sentido que h4 numa coisa” (1999, p. 446). Isso ndo significa que esse “verdacleiro sentido” seja atingido em determinado momento, porque 0 processo é infinito, a distancia de tempo nao tem uma dimensao acabada, donde se conclui que 0 verdadeiro sentido sto muitos, dado. © cariter de continua renovagao da “verdade”. © autor atribui ao ato de com- preender um proceso de “hist6ria efeitual” (GADAMER, 1999, p. 449), isto é, hi sempre um efeito de acumulagio hist6rica (¢ acémulo de compreensio hist6rica) na propria compreensio da hist6ria das obras transmitidas. E sob esse ponto de vista que se investigarao aqui as relagdes entre 0 texto de Iracema, de José de Alencar, as intengdes de seu autor, ¢ a recepgao da obra no decorrer do tempo e, principalmente, na era contemporanea. Alencar teve para com seu texto cuidados especiais, tentando nao permitir que ele errasse pelo mundo ao sabor de variadas interpretages. © que pretendemos demonstrar € que, apesar de tantos cuidados e explicagdes, 0 autor no conse- guiu evitar que o tempo trouxesse novas vis6es e interpretagées a obra. © que chamamos “cuidados especiais” sio os textos adicionais que nor- malmente acompanham 0 romance. S20 eles: 0 “Prologo da primeira edi¢ao”, 0 “Argumento hist6rico", a “Carta ao Dr. Jaguaribe”, publicada como posficio primeira edic2o, 0 “Pés-escrito a segunda edigao” e as 116 notas distribuidas a0 longo dos capitulos, num montante de textos que seguramente equivale ao tamanho do préprio romance, quase como se cada palavra da narrativa tivesse um correspondente metalingiifstico a explicarthe a existéncia. As preocupacées do autor sfo muitas. No “Prélogo”, ele ja se pergunta “qual Sorte ser a do livro?”, ao qual se refere como “o filho de minha alma” (ALEN- CAR, 1965, p. 46). © romance foi escrito e publicado no Rio de Janeiro, ea grande expectativa do autor era a recepgao da obra em sua terra natal, o Ceara, No “Argumento hist6rico”, Alencar (1965, p. 145) procura dar ao romance © suporte mundano ¢ para tanto, embora tenha sempre 0 zelo de ser fiel a “verdade hist6rica” ¢ confiar nas cronicas e escritos do século XVII, elege a SCRIPTA, Belo Horizonte, v.11, n. 20, p.215-227, 1 sem. 2007 219 Cid Ononi Bylsard tradic2o oral como “uma fonte importante da hist6ria, e as vezes a mais pura € verdadeira” Outra preocupagio do autor, expressa na “Carta ao Dr. Jaguaribe", € a de que a linguagem de seus indios nao seja uma linguagem classica, portuguesa, ou seja, que “a lingua civilizada se molde quanto possa a singeleza prit da lingua barbara, € ndo represente as imagens ¢ pensamentos indigenas senio por termos ¢ frases que ao leitor parecam naturais na boca do selva gem" (ALENCAR, 1965, p. 141). Nesse ponto, José de Alencar demonstra ter vivido um impasse. Dar & lingua uma feigao mais primitiva exigiria a incorpo- ragio de termos indigenas que nao tinham correspondentes portugueses 2 altura da exigéncia poética. Essa tentativa seria, entretanto, compreendida pela recep¢do da obra? Valeria a pena concretizar a inovagao correndo o risco de nfo ser compreendido? “Que fazer? Encher o livro de grifos que 0 tomariam mais confuso e de notas que ninguém 1é? Publicar a obra parcial- mente para que os entendidos proferissem o veredicto literario? Dar leitura dela a um circulo escolhido, que emitisse juizo ilustrado?” (ALENCAR, 1965, P. 142). Uma das solugdes encontradas por José de Alencar foi escrever em rosa 0 texto que inicialmente deveria ser um poema épico, para que a flexibilidade desse tipo de escrita propiciasse maior espontaneidade as ino- vagées. Ele ndo péde, entretanto, abrir mo das “notas que ninguém Ie”, que contam mais de uma centena em trinta ¢ trés capitulos. Ao final da *Carta’, José de Alencar afirma que s6 a recepgio de sua obra determinaré a sua perseveranga nesse género de literatura indianista, ou o sew abandono dele, € conclui prometendo a corresao de alguns defeitos para uma proxima edigio, No enorme “Pés-escrito 4 segunda edicao" Alencar tece extensas conside- ragdes ortogrificas e gramaticais e defende-se da acusagio de um critico portu- gues, Pinheiro Chagas, que censura nos brasileiros ‘a falta de corregio na linguagem portuguesa ou, antes, a mania de tornar o brasileiro uma lingua diferente do velho portugués por meio de neologismos arrojados ¢ injustifica- veis € de insubordinagdes gramaticais” (ALENCAR, 1965, p. 168). Como argu: mento para tal defesa 0 autor invoca o direito de “criar uma individualidade nossa, uma individualidade jovem e robusta, muito distinta da velha e gloriosa individualidade portuguesa” (ALENCAR, 1965, p. 171). No mesmo artigo, argumenta a favor de uma linguagem brasileira e defen- de a verossimilhanga de suas imagens ~ como a do indio que, do alto de uma palmeira, flecha um peixe na gua -, a migraglo da jandaia e a existéncia do coqueiro no Brasil no século XVII. De tudo o autor defende sua utilizacio, citando documentos que comprovam sua existéncia. José de Alencar termina esse texto declarando: “E preciso por aqui termo a esse pés-escrito, para que nao fique um livre acostado a outro” (ALENCAR, 1965, p. 181). A proposito, esse pOs-escrito tem vinte € uma paginas. PI SCRIPTA, Bolo Horizonte, « 11, m. 20, p.215-227, 1 sem, 2007 Intengio ¢ recepcdo em tracema, de José de Alene As notas aos capitulos tm fungdes variadas, com informacées etimol6gi- cas € toponimicas, além de consideragdes sobre os costumes dos indios. Todo esse aparato metalingiiistico visa a proteger o “filho”, 0 texto, de possiveis outras interpretag3es. Qual 6, entio, a intenglo que o autor pretende preservar em relacdo ao seu texto? £ evidente que Alencar tem um projeto “brasilianista”, dentro da proposta burguesa do romantismo, especialmente se se considerar a €poca em que a obra foi escrita, um momento de busca de uma identidade nacional. © indio representou entio para uma parcela da intelectua- lidade brasileira uma maneira de exibir algo que nos fosse proprio, nao encon- travel na Europa, de onde se trazia tudo Croupas, misicas, instrumentos musicais, ‘moda etc.) para a nossa burguesia. Alencar, particularmente, assume essa bus- ca, quando defende, por exemplo, o abrasileiramento da lingua, contra a postu: fa preservacionista do logocentrismo portugues. Alencar tem um evidente objetivo de destacar a importancia do elemento aut6ctone como iniciador da raga brasileira, e sua proposta é apresentar aos leitores um mito de origem. Ha por certo a intengao do autor de cantar as glorias dos indios, exaltar a exuberdncia natural da Terra brasilis, bem como a beleza fisica ¢ moral de Iracema. Reside ainda em sua intengio dar valor a0 indio como espirito da civilizagtio nacional, como elemento histérico € poético de nossas origens, de nossa nacionalidade. ‘Muitas so as intengdes do autor, mas a leitura atual nao pode e nao deve se restringir a elas. Como afirma Compagnon (1999b, p. 63), “para uma herme- néutica pés-hegeliana, pois, ndo ha mais primado da primeira recepso, ou do ‘querer-dizer’ do autor, por mais amplo que seja 0 temo”. Assim, a “diferenga intransponivel” que separa o texto produzido na segunda metade do século XIX do leitor do inicio do século XXI, a “distincia histérica” entre produgio € recepcao tem de provocar uma nova leitura, por mais que 0 texto original esteja cercado de adverténcias € explicagoes. © fato é que o sentido da obra ndo pode ficar paralisado no tempo por efeito de declaracdes de intengdes e outras explicagdes. Assim como a intengao original pode ser enriquecida, novas significagdes podem ser agregadas no sentido de questionar a prépria intengio do autor a0 se confronté-la com a realizagio. Um exemplo de valor agregado € a “descoberta” emocionada do critico Afranio Peixoto (1931, p. 163), em Nogdes de hist6ria da literatura brasilei- ra, de que o nome “Iracema” € um anagrama da palavra “América”, “simbolo secreto do romance de Alencar que, repito, € 0 poema épico definidor de nossas origens, hist6rica, étnica e sociologicamente”. _ Silviano Santiago (1975, p. 11), em suas notas 4 leitura do romance, langa algumas perguntas sobre o texto € as explicagées do autor: “Seria possivel uma ontra Ieitura do texto de Alencar sem levar em conta prologos, posficios @ notas? Isto &, poderd o filho-texto ter uma circulacao independente dos cuidados ‘patemos”” ‘SCRIPTA, Belo Horizonte, v 11, w. 20, p.215-227, ‘ern, 2007 221 Cid Oxon Bylaarde Sem pretender apresentar aqui uma argumentacdo extensa em resposta as perguntas de Santiago, poderiamos dizer que a auséncia das notas poderia ter diversos efeitos. Na maioria dos casos, a leitura seria enriquecida, porque os 136 anos que nos separam da publicagio da obra certamente teriam produzido — como produziram ~ interpretacdes € mais interpretagdes que teriam preen- chido com vantagens as explicagdes “paternas’. Os simbolos maiores, entretanto, cremos que setiam preservados. As idéias de matemidade, patemidade e filiagdo relacionadas @ lenda do surgimento de ‘uma nagilo teriam permanecido como alegorias mais ou menos Gbvias; alegorias, , que o autor no explicita claramente em suas consideragGes metalingi ticas. Nao nos parece, portanto, que a auséncia de explicagdes pudesse ter dado ao texto um destino totalmente diferente do que teve até agora, até mesmo pela aco da “hist6ria efeitual” de que fala Gadamer (1999) Em que, na realidade, as sucessivas interpretacdes de um texto mais que centenario contribuiram para mudar o destino tragado pelo pai? Na questio da realizagao lingiistica, por exemplo, € hoje uma unanimidade © arrojo inovador de José de Alencar, daquele mesmo José de Alencar que se colocava numa posicao de receio em relacao a sua propria novidade, ameacando inclusive abandonar o projeto dependendo da recepeao da obra. HG, entretanto, outros elementos que somente a distincia historica pode detectar e que de cera forma desmistificam algumas das intengdes do autor. ‘Trata-se principalmente de sua visio inconscientemente etnocéntrica das rela- ‘gdes entre 0s indios ¢ os brancos. A tentativa do autor é sem diivida de encenar uma relacdo harmOnica entre aquelas que ele propde como as duas grandes etnias iniciadoras da “taga brasileira”, Toxtavia, uma analise mais detalhada da narrativa desvela um status quo que mesmo um escritor do porte de Alencar no conseguiria trair. Relacionare- mos a seguir alguns dos acontecimentos € comentarios que revelam uma visio ‘européia dessa relacio, No final do segundo capitulo, 0 personagem branco Martim demonstra possuir a linguagem dos indios, bem como suas terras: “Venho das terras que teus itmaos j4 possuiram, ¢ hoje tém os meus” (ALENCAR, 1965, p. 52). Ao final da narrativa, Iracema, seu povo € seu Deus morrem, demonstran- do uma fragilidade incompativel com sua presumida grandeza. Poti, o indio que se torna Anténio Felipe Camarao, acultura-se, renunciando a sua religido, ati- rando-se a cruz erguida no primeiro povoado, sem hesitar. A civiliza¢ao branca vence; 0 dominador se estabelece. elemento indigena cede lugar ao invasor, que consolida sua conquista: “A mairi que Martim erguera & margem do rio, nas praias do Cearé, medrou. Germinou a palavra do Deus verdadeiro na terra selvagem e 0 bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia 0 maraci” (ALEN- CAR, 1965, p. 138). 222 ‘SCRIPTA, Belo Horizonte, 11, n.20, p.215.227, 1 sem, 2007 Inteng3o e recepe3o em Iracema, de José de Alencar Considerando, entretanto, que Martim também havia sido “batizado” pelos pitiguaras, tomnando-se Coatiabo, ndo se poderia afirmar que a alianga entre Martim € Poti guarda elementos de reciprocidade, de intercdmbio de valores? ‘Vamos entéo examinar as duas situagdes. No caso do batismo de Martim, ele deveria tornar-se filho de Tup’, mas parece que nunca reconheceu a filiagdo, jf que seu “deus verdadeiro” nao 0 permitisia jamais. Na cerimOnia, ele recebe o nome de Coatiabo, que significa guerreiro pintado, E nao falta tinta para tanta pintura: virios simbolos indigenas — riscos vermelhos € pretos, flecha, gavito, raiz de coqueiro, asa, abelha, folha — sio pintados no corpo de Martim. Em seguida, recebe de Poti o arco e 0 tacape, que sio as armas nobres do guerteiro, e de Iracema 0 cocar € a arac6ia, omatos dos chefes ilustres. Apés a cerim6nia, vem a comemoracio: “Os guerreiros bebe- ram copiosamente ¢ trancaram as dangas alegres. Durante que volviam em toro dos fogos da alegria, ressoavam as cangdes” (ALENCAR, 1965, p. 114). E assim vai até o amanhecer. Passada a ressaca da esb6mia, supde-se que Martim olvida 0 novo nome, a nova filiaglo. Nunca mais se ouve falar das pinturas em seu corpo. Como ele era um guerreiro indio apenas pintado, su- de-se que a brancura de sua pele Ihe tenha sido devolvida pela agua do mar. As armas recebidas de Poti e os omatos dos chefes ilustres que Iracema havia tecido para o esposo perdem rapido a significagio. A alegria e 0 orgulho de receber tal honraria duram “o tempo que as espigas de milho levam para amarele- cer” (ALENCAR, 1965, p. 114), o que nfo parece muito, Tanta dogura comeca a enjoar: “A caca € as excursdes pela montanha em companhia do amigo, as caricias da tema esposa que 0 esperavami na volta, ¢ © doce carbeto no copiar da cabana, ji nfo acordavam nele as emogdes de outrora” (ALENCAR, 1965, p. 116). © apelido Coatiabo - guerreiro pintado — ndo consegue fazer frente a0 nome Martim — guerreiro verdadeiro, filho de Marte, divindade guerreira na mitologia dos europeus. © batismo de Martim € apenas uma representagio, uma concessao a cultura autéctone. © batismo de Poti, entretanto, reveste-se de uma significagdo perene. 0 evento coincide com a fundacio do primeiro povoado do Ceara: “Muitos guer- reiros de sua raca acompanharam o chefe branco, para fundar com ele a maiti dos cristios. Veio também um sacerdote de sua religiio, de negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem” (ALENCAR, 1965, p. 137). A cruz, plantada com raizes profundas, alastra-se pela “terra da liberdade” Giberdade de quem?). Poti precipita-se na reveréncia ao grande lenho, rene- gando Tupa, porque ele e Martim “deveriam ter ambos um s6 Deus, como tinham um s6 coragdo” (ALENCAR, 1965, p. 138). Além de um s6 deus, uma s6 cultura. Poti transforma-se em AntOnio Felipe Camario (0 nome do santo do dia, © nome do rei espanhol que entio governa Portugal, eo seu proprio nome traduzido para © portugués). Assim, 0 surgimento da nova civilizagio ocorre a SCRIPTA, Belo Horizonte, «17, 20, pi 7, 1 sem, 2007 223 custa do sacrificio da cultura indigena. "Tudo passa sobre a terra” (ALENCAR, 1965, p. 138), avisa 0 narrador ao final. As coisas sto transitérias, ¢ assim o a civilizagao dos indios. H4 outros momentos em que o enunciador, vigiado pelo autor, denuncia sua postura pré-brancos. Um € aquele em que descreve os sentimentos de Martim, quando este comega a enjoar do mel de Iracema e da fidelidade de Poti: ‘Como 0 imbu na virzea, era 0 coragio do guerreiro branco na guerra selva- gem. A amizade e oamor 0 acompanharam e fortaleceram durante um tempo, ‘mas agora, longe ce sua casa e de seus irmaos, sentia-se no ermo. O amigo e a esposa nao bastavam mais a sua existéncia cheia de grandes desejos € no- bres ambigdes. (ALENCAR, 1965, p. 122) Aj esta o que supomos ser um ato falho do narrador. Na ansia de expressar os sentimentos do cristo, deste eleva a0 maximo os desejos € as ambigdes, esquecendo-se de que, assim o fazendo, esti automaticamente atribuindo a0 elemento indio 0 oposto, ou seja, pequenos desejos e igndbeis ambicoes. grandioso est do lado do homem branco. Outro momento é aquele em que, numa das notas ao capitulo 11, autor desautoriza a magia indigena, a propésito de uma ago do Pajé Araquém: — Ouve seu trovio e treme em teu seio, guerrero, como a terra em sua pro- fundeza. Araquém, proferindo essa palavra terrivel, avangou até o meio da cabana; ali ergueu a grande pedra e calcou 0 pé com forca no chao; siibito, abriurse a terra. Do antro profundo saiu um medonho gemido que parecia arrancado das centranhas do rochedo. (ALENCAR, 1965, p. 74) A cena chega até nés como uma bela magica perpetrada pelo feiticeiro. Em sua nota 4 passagem, entretanto, o autor arranca toda a beleza de seu encanto: “Todo esse epis6dio do ruido da terra é uma asticia, como usavam os pajés € os sacerdotes de toda a nagio selvagem para fascinar a imaginacao do povo. A cabana estava assentada sobre um rochedo, onde havia uma galeria subterrinea que comunicava com a varzea por estreita abertura; Araquém tivera 0 Cuidado de tapar com grandes pedras as duas aberturas, para ocultara gruta aos guerre ros, Nessa ocasido, a fenda inferior estava aberta, ¢ © Pajé 0 sabia; abrindo a fendta superior, 0 ar encanou-se pelo antro espiral com estridor medonho, ede que pox dar uma idéia 0 sussurro dos caramujos. (ALENCAR, 1965, p. 154) .¢40 do autor € apontada por Silviano Santiago (1975, p. 28) como desnecessiria © preconceituosa: Dentto de uma determinada atinude alencariana de ceticismo quanto aos valo- res © mecanismos do sagrado entre os indigenas, percebe-se aqui o desejo cexagerado de querer, em nota fora do texto, propriamente, desmistificar pos- 224 'SCRIPTA, Belo Horizonte, v.11, a 20, p215:227, 1 sem, 2007 Intengio ¢ recepeio em tracema, de Jost de Alencar siveis agbes sobrenaturais que so plenamente verossimeis ao nivel da fieeo. Intromissio pouco pertinente e sobretuclo demonstradora do preconceito et- ‘nocéntrico do romancista, O que € manifestacio de magia entre os indigenas & ‘compreendico e traduzido pelo escritor “civilizado”, que no mito indigena apenas descobre um fenémeno que pode ser explicado pela fisica. Assim & que a linguagem da terra, ou fala de Tupa, descoberta e usada pelos pajés para acentuar seu poder religioso entre os companheiros, é vista, na nota, como ‘mera “asticia", enquanto o fato sobrenatural (dentro da 6tica indigena) & ape- ‘nas “natural” para Alencar. [... Talvez esse seja um dos maiores exemplos do conflito entre o texto € a nota, entre 0 filho-texto e o pai-autor, mostrando ‘como aquele se encontra tolhido em sua “verdade” pela nota esclarecedora do pai que logo o assinala como “falso” Apesar da intengdo de valorizar a cultura indigena, fica evidente que o autor adota uma postura etnocéntrica em favor do conquistador, e a dtica estru- turadora do romance é claramente a do civilizado e do cristao. Eis ai o que chamamos de paradoxo entre a intenclo e a realizacao. O mito da harmonia das ragas 6 funciona na intengio, € o resultado € a dominacao econémica e cultu- ral da terra pelo colonizador branco, tendo o indigena como aliado, aps a climinagio dos que resistiram. Essa dominaclo, emoldurada por um discurso lisico, consuma-se no amor entre Martim e Iacema, simbolo da terra que se recusa a0 proprio indio. Tetia sido possivel a Alencar perceber lucidamente sua postura em mea- dos do século XIX? Possivelmente no. O proprio Machado de Assis, dotado de extremo espirito critico, nao se permitiu extrair dessa narrativa uma hist6ria de dominagto, ou a alegoria do nascimento de uma raca. Em critica datada de 1866, 0 autor de Dom Casmurro exalta a histéria do amor entre Martim e Iracema, a nobreza dos sentimentos indigenas, bem como a do elemento bran- co, cada qual em sua cultura, como no caso da amizade entre Poti ¢ Martim: “a afeigao de Poti tem a expressdo ing@nua, franca, decidida; Martim nao sabe ter aquela simplicidade selvagem” (ASSIS, 1961, p. 82). Nem uma palavra sobre dominacio, nada sobre aculturagio nem sobre exterminio. Mesmo criticando a superabundiincia de imagens, Machado ainda assim a justifica como elemento proprio 8 “poesia americana”, a que hoje conhecemos como indianista, Mais para o final do século XIX, em obra publicada em 1888, 0 ctitico e historiador literério de linha positivista Silvio Romero demonstra um certo des- dém pela literatura indianista, embora elogie em José de Alencar sua capacida- de de observacio, seu vocabulirio rico € seu estilo “sonoro e brilhante”. O ctitico reconhece que Goncalves Dias e José de Alencar, principalmente, con- seguiram manter nossa literatura a salvo da imitagao do triunvirato romantico portugués: Garrett, Herculano e Castilho. Se formalmente o indianismo apre- sentava alguma virude, o “critério etnogréfico", que para o critico é a “base principal da compreensfo das literaturas’, coloca 0 elemento indigena como um “vulto mudo a esvair-se no centro de nossa vida, no marulho de nossa SCRIPTA, Belo Horizonte «19, 0.20, p.215-297, 1 som, 2007 225 id Ou tarde civilizaglo" (ROMERO, 1980, p. 919, 921). Na crenga do critico, os indios constituem um povo que “nao deu certo" na vida real e portanto devem ser eliminados da literatura: ‘Nao quis ou nao pade sentiras agitagées de um outro viver, escutar 05 ruidos de outras formas de anseios, de liberdade, de crengas, de lutas que a turba, as vvezes tirinica, dos conquistadores lhe quis fazer entender. & raga selvagem fest morta; nés niio temos nada mais a temer ou a esperar dela. (ROMERO, 1980. p. 921) Em confronto com a concepsio de Silvio Romero, Alencar certamente foi mais benevolente para com os indios, ao exaltar neles algumas qualidades morais e seu heroismo, que o critico nega. £ légico, portanto, que Romero nao quisesse ver na hist6ria aleg6rica de nossas origens nada mais do que uma justa tomada de posi¢io do conquistador em relagio a um povo fraco e fugidio. A recepgao do texto de Alencar 136 anos depois, portanto, tem de apre- sentar necessariamente uma “verdade” em relagio as outras que se realizaram no correr dos anos, Essa recepgio escapa das indicagdes do autor, por mais que ele cercasse seu texto de cuidados. Rabelais (119—D deixou ao encargo dos leitores transformar seu texto em uma obra-prima, sem maiores recomendagdes; Proust (1988), negando a inten- lo do escritor biografico, nega indirctamente as adyerténcias de Alencar; Bor- ges (2000), com seu “Pierre Menard, autor del Quijote”, sugere-nos que hé um. Iracema em 1865 ¢ outro Iracema em 2001. (© texto, enfim, supera sempre as intengdes de seu autor. Quando, entre- tanto, elas sfo explicitadas, podem fornecer novas possibilidades que se entre- lagardo & situagdo histérica do intérprete, cuja leitura sempre iré agregar a0 texto novas significagdes € atualizagSes, numa reciclagem que pode inclusive trar-la “de maneira fecunda”, como estabelece Antoine Compagnon (1999b, p. 63) € como acontece com uma leitura contemporinea de Iracema Abstract ‘The meaning of a text always surpasses its author's intentions, as inter- preters and readers to come will have an amount of additional historical accumulation towards it. That does not mean interpreters understand it beter, despite theic historical superiority over the author, bur they un- derstand it differently. This paper intends to show how, regardless ofall his care and explanations, José de Alencar could not avoid new visions and interpretations of Iracema along time. Key words: Intention; Reception; Iracema; Effectual history; Recycling. 226 0 SCRIPTA, Belo Horizonte, 11, n. 20, p215-227, 1° sem. 2007 glo e recepso em Iracema, de José de Alencar Referéncias ALENCAR, José de, Iracema — Edicao do Centenatio, Rio de Janeiro: José Olympio, 1966. ASSIS, Machado de. Gritica literdria. Sao Paulo: W. M. Jackson, 1961. BORGES, Jorge Luis. Ficciones. Maciric: Alianza Faltorial, 2000. COMPAGNON, Antoine. La notion de genre. Paris: Université de Paris IV — Sorbonne, 19994, Disponivel em: . Acesso em: 23 out. 2006. COMPAGNON, Antoine. O deménio da teoria, Tradugio de Cleonice Mourao et al. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999b.GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método: tracos funda- mentais de uma hermenéutica filosofica. Traducdo de Flavio Paulo Meurer. Petropolis: Vo- zes, 1999. PEIXOTO, Afrinio, Nodes de hist6ria da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1931, PROUST, Marcel. Contre Sainte-Beuve: notas sobre critica ¢ literatura. 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