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associagaéo foruns do campo lacaniano st lus sujeito e goz0 associagao foruns do campo lacaniano stylus revista de psicanalise Stylus | Rio de Janeiro [n.8 [p.1-168 | abr. 2004 © 2004, Associagao Féruns do Campo Lacaniano (AFCL) Todos os direitos reservados, nenhuma parte desta revista podera ser reproduzida ou. transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissao por escrito, Stylus Revista de Psicanilise € uma publicacdo semestral da Assoctacdo Fonuns Do Campo LAcANIANO Rua Miguel Calmon, 1210 ~ Centro Médico do Vale sala 110 40.110-100 ~ Vale do Canela ~ Salvador ~ BA hup://www.campolacaniano.com.br Comissto De Gestho DA AFCL Conseino Epitoriat Diretor: Jairo Gerbase Ana Laura Prates (AECL) Secretaria: Clarice Gatto Andréa Fernandes (AFCL/UFBA) Tesoureira: Angela Dias Angela Diniz Casta (AFCL) Angela Murida (AFCL/Newton Paiva) EQuire pe Pusticacko pe StvLus ia Teixeivea (EPCL/UFBA) Angela Mucida (coordenadora) Daniela Scheikman-Chatelard (AFCL/UnB) Maria Helena Martinho ‘Eclson Saggese (IPUB/UERJ) Dates Congres Eliane Z. Schermann (AFCL/CES-Juiz de Fora) Graga Pamplona Elisabete Thamer (doutoranda da Sorbone ~ Paris) [ASSESSORIA DE EDIcao Eugénia Correia Krutzen (Psicanalista / Natal ~ RN) ne Gabriel Lombardi (U. Buenos Aires) Gilberto G. Gabbato (AFCL/U. Titi) Helena Bicalho (AFCL/USP) Provera Grasico » ‘ 5% Henry Krutzen (Psicanalista / Natal ~ RN) Preulo de Andrade e Séxgio Antoni Silo See Ania Sts Keétia Bote (AFCL/PUCMinas) Revisho & Evrroragio ELerkontca Luis Andrade (AFCL/UFPB) Seis be Mariejoan Sauret (U, Toulouse le Miail) ‘Nina Araijo Leite (UNICAMP) Paulo Lima (UFBA) Real Albino Pacheco Fitho (PUCSP) ‘Sania Alberti (AFCL/UERJ) InaceM Da Cara, Enjeite indigena brasileiro, de pena de arava Forouros Vera Pollo (AFCL/CES-)utiz de Fora) Higuenacolor ‘Fisser eee 500 exemplares Griifca Eid FICHA CATALOGRARICA STYLUS : revista de psicanalise, n. 8, abril de 2004. Rio de Janeiro: Associaczo Féruns do Campo Lacaniano. 17 x 24cm, Resumos em portgnés ¢ em inglés em todos os artigos, Periodicidade semestral ISSN 1676-157X, 1. Poicanslise. 2. Psicanalistas ~ Formacio. 9. Psiquiatria social. 4. Psicanslise lacaniana, Paicanilise ¢ arte. Psicanilise ¢ literatura. Psicanalise ¢ politica ep = 50.195 | sumario 5 Editorial: Angela Mucida ensaios 11 Dominique Fingermann: A temporalidade do sujeito 21 Daniela Scheinkman Chatelard: A foice do tempo 28 Maria Célia Delgado de Carvalho: O sujeito na psicandlise 34 Henry Krutzen: Circuito subjetivo ¢ nodalidade 39 Angela Mucida: O swjeito ndo envethece: psicandlise e velhice trabalho critico com os conceitos 55 69 84 7 Christian Ingo Lenz Dunker: A crenga em psicandilise: ele- mentos para uma concepedo de ato Eliane Z. Schermann: O corpo, o exilio e 0 que pere-severa Vera Pollo: O corpo entre a psicandlise ¢ a ciéncia Elaine Starosta Foguel: Psicandlise ¢ dor: concentrada esta a sua alma diregdo do tratamento 109 Lenita Pacheco Lemos Duarte: A compulsdo @ repeticdo nas brincadeiras infantis 121 Maria Helena Martinho: Versdes do pai num caso de neurose obsessive entrevista 137 Angela Mucida entrevista Carmen Gallano: O discurso capi- talista ¢ seus efeitos sobre 0 sujeito e a direcdo do tratamento Sijlus Rio de Janeiro m8 abr. 2004 resenhas 153 Elisabeth da Rocha Miranda: Mutheres histéricas, de Vera Pollo 156 Sonia Alberti: A relacdo mde ¢ filha, de Malvine Zalcberg 158 Silvana Pessoa: O ato psicanatitico, coletdnea de textos da 11 Jornada do Campo Psicanalitico Sujeito © gozo Editorial ‘SE PERGUNTASSEMOS AOS ESCRITORES por que escrevem, en- contrarfamos um universo nada alheio aquele quando nos dis- pomos a escrever a clinica, a debulhar os conceitos, a interro- gar os discursos, ali onde eles se propdem a tratar o real. Es- crevemos para fazer disso tudo uma escrita possivel, necessa- ria, contingente... Os escritores ensinam que é sob o insuportavel que a escrita se faz. Ela se faz do que no se suporta ¢ escreve, apesar do fracasso. “A pratica da letra converge com 0 uso do incons- ciente”', assinalou Lacan, em homenagem a Duras. Para Lispector, “[...] escrever é 0 modo de quem tem a palavra pescando 0 que nao é palavra. Quando essa ndo-pala- vra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu' Maria Gabriela Llansol poderia completar: “Mas a escrita que me abrange é poder iluminativo, ¢ finalidade de vida que cau- sa temor. O Temor da escrita. Dela é mais preferivel nao falar do que falar”’, E Hélia Correia, mais incisiva: “Agindo sob 0 pavor da morte, os humanos criam a ilusio do tempo pondo as palavras por escrito. Mas a verdade é que o tempo vai nutrir a morte: dando tempo ao que existe € a morte que alimenta- mos”. Com Michel Schneider, ainda aprenderiamos que uma ins6nia do escrever, “noite branca em que me afundo, escrevendo, no impossivel desejo de escrever (...)"*, Escrever apesar do impossivel da escrita, escrever ape sar de seu fracasso: “Se soubéssemos algo daquilo que se vai escrever, antes de fazé-lo, antes de escrever, nunca escreveria- mos. Nao ia valer a pena [...] Escrever apesar do desespero. Que desespero, eu ndo sei, ndo sei o nome disso. Escrever ao lado daquilo que precede o escrito é sempre estragé-lo. E é preciso no entanto aceitar isso: estragar © fracasso significa retornar para um outro livro, para um outro possivel desse mesmo livro.”* E por essa via que insistimos em publicar aquilo que nos interroga. O necessario do fracasso nos impée a escrita. Toda forma discursiva, ao tentar escrever impossivel, esbarra no fracasso porque 0 goz0, interditado ao ser falante, diz de uma extracio da qual resta apenas o significante como representan- te, € este s6 pode nomear parte do que foi escrito. Aprendemos com Lacan que ha varias formas de escre- ver que jogam diferentemente com o impossivel, entrevendo uma relacdo entre escrever € as maneiras que fazem sempre Stylus Rio de janeiro on, 8 abt. 2004 * Lacan, Autres érits (200), p.193) *lispector Agua wie (1998, p.20) aso). Un fede no punto (1985, p. 134) “Schenider. acres ok pares (1990, 0,10) Duras, Escrever 1994, 9 um certo apagamento do que se escreve. Ha uma homofonia, subscrita por Lacan, entre Vécrit et léffacons (0 escrito e 0 ap: gamento) ¢ les fagons (maneiras, formas). Escrever e as manei: ras de apagamento nao se dissociam. Escrevendo e exibindo maneiras de apagar em cada escrito, interrogamos os concei- tos, para que eles tenham uma efetividade ~ certo tratamento do Real que a clinica impée. Nessa direcao, Stylus 8 expoe textos que focalizam, sob oticas diversas, sujeito ¢ gozo, O gozo, sendo real, impossivel, tem sobretudo 0 carater de efetividade, que se mostra nos sintomas por tracos que os significantes tentam nomear, ¢ por tragos nao significantizaveis, =o real do sintoma ~ que marcam a diferenga mais absoluta de cada sujeito. Nao existe sujeito sem sintoma e sem uma moda- lidade propria de gozar. Para a psicanilise, 0 sujeito ndo é uma substancia, nio tem qualidade. Efeito do significante, sujeitado a uma determi nagao significante, ele é apenas representado. Ele pode, contu- do, ser um sujeito responsivel analiticamente por aquilo que 0 determina - conforme formalizado por Lacan no discurso do analista — ao extrair a singularidade de seu gozo, marcas de seus significante-mestres. Isso faz. diferenga, por exemplo, no tratamento dado ao real na velhice. Mas como pensar a velhice a partir da nogao de sujeito que nao envelhece? Conforme sinaliza Dominique Fingermann, “Hé um tem- po necessério, por causa de uma falha no tempo que constitu © sujeito, Ha um tempo necessirio pois é somente depois de um longo desvio que pode advir para o sujeito esse saber de sua rejeicdo original (...]. Ha um tempo necessario para se fazer ser, fazer-se ao ser, acostumar-se A insustentavel leveza.” O sujeito como efeito das inscrigdes no tempo: um tem- po que passa, um tempo que retroage e€ um tempo que faz corte. Oné borromeu em seus trés tempos—enodamento, orien- taco das consisténcias e colocagao no plano - tornam efetivo 0 circuito subjetivo, indica Henry Krutzen. Algo pode ser lido a partir do que se escreveu. Trés tempos da constituic¢ao do sujei- to que tém como corte 0 que Lacan introduziu como tempo légico. A anilise inscrita pelo tempo légico introduz um corte entre 0 tempo que passa € 0 tempo que retroage, no instante mesmo de sua apari¢io pelo manejo da transferéncia. Ser’ essa légica suficiente para operar com a crenga do sujeito, interroga-se Christian Ingo Lenz Dunker: “{...] € 0 ato que pode interromper a cadeia de suposi¢des transformando 0 sa- ber em acreditar, ou seja, passando do saber a verdade”. Nes- sa direcio, podemos deduzir que 0 sujeito se mede pelos atos? ‘Sujeito € gozo Ou, nos termos de Daniela Scheinkmann: “A pratica analitica, a da fala, da linguagem, deixa o sujeito contar, relatar, dizer, mas da mesma forma subtrair-se gradualmente 4 ‘cifra mortal de seu destino’, que Ihe foi dada pelo Outro primordial”. Pelo ato, pelo tempo de conclusao de uma andlise, nos lembra Maria Célia Delgado, 0 “sentido nao passa de ‘pas de sense’ ~ passos de sentido ~, que passo a passo no decorrer da anilise vao se encaminhando ao ‘pas de sense’ — sem sentido” O sujeito encontra, ainda, diferentes estatutos confor- me sua posi¢ao na estrutura discursiva formalizada por Lacan. A psicandlise pode subverter 0 sujeito do discurso capitalista? Sua eficdcia diante do mestre atual estaria na estrutura do ato, 4 que 0 ato analitico - contrapondo-se ao ato médico ~ consti- tuise, exatamente, num momento sem fiador, sem garantia e sempre avesso A prescrig4o? Quais as diferengas entre a solidao inscrita no percurso de uma anilise e a solidao advinda pelos efeitos do discurso capitalista? Estas € outras questoes tém tra- tamento rigoroso e clinico de Carmen Gallano em sua entre- vista concedida a Solus Por via semelhante, Vera Pollo, propondo-se a abordar © lugar do corpo entre psicandlise e ciéncia, indaga como os psicanalistas podem se posicionar diante da ciéncia, que “nao- quer-saber-nada” da verdade como causa. Como enfrentar a falha “epistemo-somatica por meio da qual 0 objeto a se reali- za sobre 0 corpo?” Ou seja, como tratar © gozo que se inscreve nos fenémenos psicossomaticos, atravessa a dor, delimitando, como indica Elaine Foguel, uma relagio estreita com 0 gozo do Outro, que “nao se inclina diante das leis da linguagem” e faz surgir a dimensao do organismo? Diferente é 0 destino do que se escreve de repeticao sob a forma Iiidica do Fort-Da, como simbolizagao, introduzindo uma mediagao da linguagem da crianca com 0 Outro, tal como abordado no texto de Lenita Lemos Duarte. Destino diferente € ainda, como assinala Eliane Schermann, o corpo que, na histeria, “fala” e “é falado” pelo “gozo-sou”, introduzindo a pergunta “sou homem ou mulher?” “No sintoma, o corpo ‘fala’ © texto do simbélico, que se manifesta nas letras de gozo que o animam”. Que diferencas existem do pai traumitico e que pére-seve- ra da histérica, da funcao do Pai na neurose obsessiva, articula- das por Maria Helena Martinho, ja que “encontramos, na clini- ca do obsessivo, a conjugacao de dois significantes no Outro: 0 pai ea morte, denotando a articulagao da lei com 0 assassinato do pai"? Stylus Rio de Janeiro. 8 abr. 2004 Ao circunscrever questdes fundamentais & psicanilise, os textos ainda trazem a baila a atualizacio da clinica e da dire- cdo do tratamento, bem como resenhas pelas quais o leitor pode chegar a outros escritos. Escrever, ler, € poder reler € re-escrever a partir do pon- to pelo qual cada um € convocado a “colocar algo de si”, para que, malgrado a invasio de tantos escritos publicados, a escrita da diferenca faca aqui um estilo Acris Mucipa referencias bibliograficas Lacan, Jacques, Hommage fait 4 Marguerite Duras, du ravissement de Lol V. Stein. In: Autres écrits. Paris: Seuil, 2001, Lispecror, Clarice. Agua viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. L1aysoL. Maria Gabriela. Umaledo no punho, Didrio I. Lisboa: Rolim, 1985. Scrnener, Michel. Ladroes de palavras. Campinas Editora da Unicamp, 1990. Duras, Marguerite. Eserever Rio de Janeiro: Rocco, 1994. Sujeito € gozo ensaios o~ a temporalidade do sujeito Dowsigt r FINGeRMANY Osujeito, questéo de tempo? © THTULO DESTE TRABALHO DEIXA UMA DUVInA £, dessa forma equivoca, formula precisamente a questéo: ha uma tempora- lidade do sujeito, decorrente de sua relagdo com o significante, ou antes ele se distingue por sua a-temporalidade? A questao repercute de diversas formas. O sujeito deri- va, passa, erra, do passado ao futuro? Ou passa seu tempo pre- sente antecipando um futuro com referéncia a um passado que almeja rechacar ou reencontrar? Ou, ainda, o sujeito perdura atemporal, ancorado pelo objeto a, segredo de sua permanén- cia, mote de sua mesmice, trunfo de seu estilo? Ha desenvolvi- mento do sujeito ou sua estrutura o mantém infantil e imper- turbavel diante das circunstancias? A questio € clinica, isto , a clinica da psicanilise se fun- da nesse problema e em seu aparente paradoxo: qual é a pos- sibilidade de transformacao de um sujeito se a sua ficcao o fixa numa posi¢ao instituida? Se, como sabemos desde as primeiras observacdes e deducdes freudianas, o desejo é indestrutivel eo inconsciente Zeitlas, a-temporal, como entao “as formacdes do inconsciente” aparecem, sensiveis ao tempo, “aos restos diur- nos” e sob formas tio contemporaneas? Como, entao, a trans- feréncia, “relacdo essencialmente ligada ao tempo € ao seu manejo”, opera e incide na estrutura? Sabemos o quanto Lacan se ocupou da questo do tempo do sujeito e de suas conseqiréncias nos tempos da cura analitica; basta lembrarmos, evidentemen- te, do texto sobre o tempo légico € suas miltiplas retomadas no ensino de Lacan, ou mesmo de “As ressonancias da inter- pretaco © © tempo do sujeito na teoria psicanalitica’, terceiro capitulo de “Funcao e campo da palavra e da linguagem”, in- troduzido pela seguinte convocagao: A psicanilise s6 dara fundamentos cientificos 4 sua teoria € a sua técnica se formalizar, de ma- neira adequada, as dimensoes essenciais de sua experiéncia que sao, juntamente com a teoria hist6rica do simbolo, a logica intersubjetiva e a temporatidade do sujeite Stylus Rio de janeito on 8 p.11-20 abr. 2004 "acan, Postion de Tinconscient (1960/1966, lapadeet 844) acan Fonction et chan de ulangage (1953/ 1966, p 288 > Lacan le séminare - fine % iderahcanon( 1961-1969), (1997, p. 319) Ineo. “Lacan Faciophone (1970/ 9001, 496) Lacan, Positonde nconsciet (1960/1966, .835) Sabemos o quanto ele mesmo respondeu a essa convoc- cao até seus tiltimos semindrios, nos quais prossegue demons- trando 0 tempo € a topologia do sujeito sobre os quais a psica- nalise opera. Sabemos ainda que a experiéncia da psicanalise responde a questio do tempo do sujeito operando um corte — manejo da transferéncia, manejo do tempo, légico. Corte a partir do qual se organizam as superficies, suas formas e defor- maces, em que podem “se ordenar os tempos de nossa expe- riéncia de desejo"’; corte que separa o dito do dizer e produz uma pirueta, um giro, que permite, no fim, uma mudanca de posi¢ao na estrutura, até virar o sujeito ‘pelo avesso’: ($ 0 a) A (a0). Incisio que produz uma decisio mas, como diz Lacan, “Tl faut le temps”, ha um tempo necessirio: tempo de chegar conclusio de que a falta é causa. Wo Ex war, soll Ich werden. um sujeito em dois movimentos O movimento é uma mudanga de posi¢ao que implica 0 tempo. A possibilidade de mudar de posicao sem sair da estrut ra, sem derrogar 0 discurso, confere ao sujeito propriedades topolégicas especificas. A articulacdo do tempo do sujeito do significante com sua topologia se encontra explicitada por Lacan em O semindrio - livro 9: A identificagda, As duas partes desse semi- nario descrevem, sucessivamente, os “dois movimentos" necess rios ao sujeito para sua causacdo, para dar conta de sua consti- tuicao, para efetivar sua identificagio. Em “Posicio do inconscien- te", encontramos quase um resumo dos dois movimentos do sujeito que O semindrio 9 desenvolve com todas suas conseqiién- cias légicas, temporais ¢ topolégicas. Vale a pena lembrar: Efeito de linguagem, por nascer dessa fenda original, 0 sujeito traduz uma sincronia signi- ficante nessa prulsagao temporal primordial que € 0 ‘fading constitutivo de sua identificacao. Esse € 0 primeiro movimento. Mas no segundo, havendo 0 sujeito feito seu leito no corte significante em que se efetua a metonimia, a diacronia (chamada “historia”), que se inscreveu no fading, retorna a espcie de fixidez que Freud atribui ao voto inconsciente. Esse suborno secundario néo apenas conclui o efeito do primeiro, projetanda a topologia do sujeito no instante do fantasma, mas o sela, recusando ao sujeito do dese jo que ele se saiba efeito de fala, ouseja, que saiba o que é por nao ser outra coisa senao 0 desejo do Outro’. Sujeito © gozo Desde O semincrio questao na psicanilise é efeito do corte significante, hypokeimenon, sujeito suposto A articulagdo dos significantes que 0 determi- nam infinitamente: “O significante [...] é o que representa pre- cisamente © sujeito para outro significante”*. A entrada em analise, que Lacan qualificou de “retifica- cao subjetiva”, evidencia para o sujeito o primeiro movimento de sua causagio. Depois disso, “il faut le temps”, & necessario 0 tempo das miiltiplas voltas nos ditos que, embora deixem o su- jeito aturdido (“ks tours dits), evidenciam como ele tem “pro- jetado a sua topologia no instante do fantasma” para concluir a sua causacao, a sua identificacao, retornando “A espécie de fixi- dez que Freud atribuiu ao voto inconsciente.” Na psicanilise, “nossa experiéncia de desejo”, 0 sujeito se procura numa supo- siglo e nao se encontra, todavia se acha num cAlculo que o desejo de analista Ihe proporciona. Para concluir uma anilise, é necessario um tempo que demonstre que a temporalidade do sujeito nao é infinita, mas pode ser medida e calculada, fundan- do-se na propria a-temporalidade: Wo Es war, soll Ich werden. um sujeito em trés tempos, dois movimentos Os dois movimentos de causaco do sujeito estao bali- zados pelas trés escans6es de um tempo légico: instante de ver, tempo para compreender, momento de concluir. Entre o ins- tante de ver € o tempo para compreender, primeiro movimen- to; entre tempo para compreender € momento de concluir, segundo movimento. Trés tempos, dois movimentos, um sujei- to: “forma légica essencial de um Eu psicolégico”, explicita a metapsicologia lacaniana desde 1946. Além disso, Lacan, desde O semindrio 9, associa esses dois movimentos as trés modalidades de identificacao descritas por Freud em “Psicologia das Massas”: identificacao com 0 pai, iden lificaco com o trago € identificacdo com a histérica. A identificacao do sujeito é um momento inaugural, “pas- sagem ao ato” do sujeito, momento de concluir a sua “insondé- vel decisio do ser”: decisio/conclusio/separagao /identificagao. A “decisio do ser insondavel” podemos, no entanto, son- dita como acontecimento singular do sujeito, a partir das trés modalidades de identificacdo que Freud descreve, e que reme- temos aos trés tempos logicos que produzem o sujeito até seu momento de concluir inaugural. Essas trés escansdes do tempo légico que produzem 0 sujeito a partir de um corte, de uma ruptura de sua superficie, implicam uma topologia peculiar. Trés tempos, dois movimen- Stylus Rio de Janeiro nm. 8 pll-20. abr. 2004 “Lacan le séminae-Ive 9 ienacation (1961-1962), 1997, p. 60) In * Lacan, Le Temps togique et Tassertion de certude antcipée (1945 /1966,p.19 * Lacan 1510/80 Discion *Cestusraten de mon échec nateté.quto'yapasce rapponsenvel "Lacan. Le sémmate- ine 28 25 11974-1979), (1999) nesto M tos, uma topologia. “La topologie du sujet est tout autant temps qu’espace”. Essa estrutura topolégica conclui, posiciona, loca- liza o sujeito em torno da sua “extimidade”, ou seja, da articu- lacdo topolégica de seu furo “interno”, intimo, com o furo do Outro: banda de Moebius, garrafa de Klein, cross-cap, plano projetivo, diversos nomes para uma mesma demonstragio da estrutura do sujeito em questio pelo significante. tempo para compreender: assumir 7 ‘A primeira parte de O semindrio 9 desenvolve © primeiro movimento da constitui¢ao do sujeito: o sujeito do significante, fadado ao “fading constitutive de sua identificagao”. Lacan explicita esse nascimento do sujeito a partir do “segundo tipo de identificagao”, a identificacao pelo traco unario: 0 sujeito acontece quando assume um trago como aquilo que 0 repre- senta. A identificacdo é a transformagio que opera num sujeito quando este assume um traco como o que o re-presenta para outro significante. Assumir um taco € apagar 0 rastro de goz0 que marcou especificamente 0 corpo, elevando-o a dignidade de traco, de Vorstellungrepresantanz, de significante que repre- senta 0 sujeito para outro, sempre outro. O rastro se torna traco; 0 “Isso!” se torna “eu era Isso!?"; uma inscri¢do permite uma leitura: Wo & war; soll Ich werden. Um sulco, uma incisio, tornase decisdo. Onde era (Wo €s war) 0 rastro, a marca, advém 0 traco, marco Um, que enga- ta o acontecimento do sujeito ao seu desaparecimento sob 0 traco — subjectun. A identificacdo é um tempo para compreen- der que a marca do sujeito é marco da sua decisio. E um tem- po para compreender que o sujeito é suposto a um traco qual- quer, que nao quer dizer nada, que nao significa nada. Nesse tempo, compreende-se € assume-se a “heteridade™, a alteridade radical do taco unario, ou seja, do tempo em que 0 rastro de 070, da experiéncia primeira de satisfacao, torna-se taco: pas possible (impossibilidade) da identidade de percepeao, pas possible (passo possivel) da identificacao. Nesse tempo, compreende-se € assume-se a alteridade radical do traco undrio que marca a intervencio sempre intrusiva do Outro no corpo vivo € se repe- te, irremediavel, em qualquer tentativa do sujeito para se signi- ficar: 1 J 1 1... “Tudo se funda no Um, no Um enquanto furo que comunica a sua consisténcia a todos os outros”"”, Nesse tempo, é necessirio que © sujeito compreenda — em tempo — que tudo come¢a com Um, Um significante qualquer que nao significa nada, mas ao qual se atribui, supde-se um sujeito numa dupla pulsagio temporal: de substituicdo-retroacao sobre Sujeito € gozo aquilo que poderia ter sido (“Eu era Isso, Isso, ja era”), ¢ de antecipagao de um possivel porvir, de um talvez a um pode ser (“Wo es war... soll Ich werden"); tempo de “assercdo sub- jetiva’, de “cristalizacdo de uma hipotese auténtica”, é “a cer- teza antecipada pelo sujeito no tempo para compreender™; tempo da “Bejahung’, tempo de um consentimento ao Um, que marca ¢ transforma o rastro em traco. Tudo comeca com Um, Um significante qualquer que nao significa nada, mas que nao tem outro igual, nao tem outro que identifique, nao tem outro. instante de ver: constatar -7 O tempo para compreender, suposicdo do sujeito ao significante, sucede logicamente o instante de ver: instante de ver que esse consentimento comporta uma perda: 0 traco apaga © rastro, ha um vazio constitutive do cerne do sujeito. “A apa- rigdo em estado nu do sujeito que nao € nada senao isto: nada a nao ser a possibilidade de um significante a mais, um a mais gracas ao qual ele mesmo constata. que ha um que The falta’, O Um inaugural do sujeito infere um tempo primordial desta identificacao pelo nome, desde © pai que, nomeando, “faz buraco”, um menos um: -1 ~ foraclusio primordial da identificacao inaugural pelo significante. Nao se “compreen- de” o Um sem incluir 0 menos Um. “O nascimento do sujeito depende disto: que ele nao pode se pensar sendo como exclué do do significante que o determina”. Lacan se pergunta diver- sas vezes por que Freud chama essa primeira identificacao de identificagdo por incorporagao € de identificacio com o pai. Esse tempo primordial consiste na intrusio da alteridade do pai que incorpora: faz © corpo como Um (Um-conpore). “Se fala- mos de incorporacao, é porque deve se produzir alguma coisa no nivel do corpo... nessa incorpora¢ao da primeira identifica- do", Apesar e a partir da descontinuidade, da incompletude, do furo, da falha e do hiato que se inauguram ali, a “identifica- ao primordial “com o pai” destaca 0 ser do gozo da mae, do capricho da mae, promove © hiato a partir do qual 0 corpo se transforma num corpo pulsional, inscreve o furo em torno do qual a pulsio girara. “A primeira modificagao do real em sujei- to sob 0 efeito da demanda é a pulsio”™ momento de concluir: calcular a Mas como identificar, pergunta Lacan, “as trés identifica- Ges: com © pai, com o traco unario, com a histérica"? Qual € sua medida comum? Stylus Rio de Janeito. on 8 p.11-20 abr, 2004 "Lacan. LeTempslogiqueet [assertion de certtuce anicpée (1945 11966, p. 205 "Lacan. Le série ive 9 Licenacaron (1961-1962) 1997, 0 219) lod, 0 988 * lod, p 373. 15 * ibid, p 388, "id, p “Lacan Le sémnnare- ae 24 Uhsuquesatdelunebewe saledmoure (1976-1977),(1997, p 10). *Gumrdestose, Gande Sendo Verecs(198, p29), 16 A segunda parte de O semindrio 9 desenvolve o segundo movimento da dinamica da constitui¢ao do sujeito, que se con- clui a partir de uma certa “fixide2” atribuida ao desejo do Ou- tro: @. “Esse suborno secundario que conclui 0 efeito do pri- meiro, projetando a topologia do sujeito no instante do fantasma’, Aconclusio de uma medida comum, portanto, realiza-se nesse suborno secundario do sujeito ao objeto a. O mecanismo da identificacdo nao se sustenta sem o momento de concluir que, localizando seu gozo e referen- ciando-o a partir do desejo do Outro, condiciona a criatividade de sua repeticdo significante. “A terceira identificagao é a iden- lificacdo pela qual 0 sujeito se constitui como desejo: “é ai onde © sujeito vem se alojar enquanto tal”, A localizac4o de a é 0 ponto necessario para que a cadeia significante nao seja ape- nas uma série de pontos sem né, como na esquizofrenia. A lo- calizagao, a conclusio @ constitui um ponto que enlaca 0 “nun- ca mais” do -1 da privacio primordial ao 1 para sempre da repeticdo significante 1 1 1, em que pode ser que se (re) encontre a identidade perdida na forma de um gozo sempre malogra- do, um Um para sempre sozinho, “t40-s6”, sem outro para fazer identidade: “Y a d'Un’. Desde O semindrio 9, Lacan denota a Identificagao em termos de né: “A identificacdo, ou seja, este né que ja articulei com meu grafo"”. Em O semindrio 24, “A identificacao é 0 que se cristaliza numa identidade, A cristalizagao é um processo que junta elementos dispersos num todo coerente; é tornar fixo € estavel 0 que era fluido. O que era, wo es war... soll Ich uerden”. A identificacao junta as partes, faz sintoma: d4 uma consisténcia (I) a ex-sisténcia (R) a partir de um furo (S). Rio- baldo dizia “Criatura gente é nao e questao. Corda de trés tentos, trés trancos””, E nesse ponto a, nesse momento de concluir, que se de- tém 0 sujeito a deriva, em fading nas leis de combinacao do significante, é dessa referéncia ao ponto a que provém a per- manéncia do sujeito, sua atemporalidade. a-temporalidade A identificacio de a detém o sujeito numa a-tempora- lidade, cristalizagao “em uma hipétese auténtica” que enlaca, faz n6, a partir da antecipacao de um porvir que se molda num, poderia ter sido, ja era: Wo Bs war, soll Ich werden, Eu me identifico na linguagem, mas somente ame perder nisso como abjeto. O que se reali- za em minha histéria nao € 0 passado definido Sujeito € gozo daquilo que nao é mais, nem tampouco o per feito composto do que tem sido naquilo que sou, mas futuro anterior do que teria sido para aquilo que estou me tornando no porvir™. Wo es war soll Ich werden, “essa modulacao do tempo in- troduz a forma que no segundo momento se cristaliza em hipé- tese auténtica, pois ela vai visar a real incgnita do problema, isto é, 0 atributo ignorado do préprio sujeito”™. Essa légica da identificagao explicitada em trés tempos — constatar -/, assumir 1, calcular a confirma a que ponto “o tempo logico é o tempo necessario para produzir uma conclu- sio a partir daquilo que nao é sabido”®, como precisa Colette Soler. il faut le temps Ha um tempo necessario em razdo de uma falha no tem- po que constitui 0 sujeito. Ha um tempo necessario pois “é somente depois de um longo desvio que pode advir para © sujeito esse saber de sua rejeicao original”, “Ul faut le temps de se faire & tre”, HA um tempo necessé- rio para se fazer ser, fazer-se ao ser, acostumar-se a insustenti- vel leveza. Ha um tempo necessirio para produzir a conclusio de que ha algo de a-temporal que falha o tempo. H4 um tempo necessario para produzir uma conclusao a partir desse algo que nao esta sabido, incégnita, “célculo sobre 0 objeto a”, momento de concluir, calculo de gozo. “[A estrutura] faz 0 rastro da falha de um calculo por vir". “Il faut le temps pour faire trace de ce qui a défailli d s'avérer d’ abord”® , falta o tempo para fazer rastro do que falhou ao se verificar no inicio. “Se faire a Uétre", acostumar-se, suportar 0 irar-se” com “o saber de sua rejeic¢ao original”. “Se faire a © em produzir “a sorte de mais de gozar que faz dizer: isso é alguém!"®. Wo Bs war, soll Ich werden. Stylus Rio de Janeiro n.8 —p.ll-20.—_ abr. 2004 Lacan Fonctionet champ de laparol etd ngage (1953 1966, p 999) * Lacan Le Temps logue et assertion de certtude anticpée (1945/1966, p. 205) Soler Le temps quilfaut (1994, 0.93) Lacan. Cervest qvapiés un longdétou que peut adver Pure syet esavorde son tee oigne (1961-1962) (1997, p, 181), akg ndo conerializiveloo Ep. 194) * Lacan, Radiophone (1970/ 2001, p. 496) * ibid, p. 408 tid, p. 498 "ibd, 9.415, referéncias bibliogréticas Gutarazs Rosa, Joao. Grande Sertdo: Veredas, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Lacan, Jacques. Position de l'inconscient (1960). In: Eerits. Paris: Seuil, 1966. Lacaw, Jacques. Fonction et champ de la parole et du langage (1953). In: Eons, Paris: Seuil, 1966. Lacan, Jacques. Le séminaire - livre 9: L identification (1961-1962). Pa- ris: Association Freudienne Internationale, 1997 (Publication hors commerce). Lacan, Jacques. Radiophonie (1970). In: Autres éerits. Paris: Seuil, 2001. Lacan, Jacques. L’étourdit (1973). In: Autres écrits. Paris: Seuil, 2001 Lacay, Jacques. Le Temps logique et l’assertion de certitude antici- pée (1945). In: Eorts. Paris: Seuil, 1966. Lacan, Jacques. 15/01/80 Dissolution “C'est lillustration demon échec de m’identifier d. cette hétérité... qu’iln ya pas de rapport sexuel” Lacan, Jacques. Le séminaire - live 22: RSI. (1974-1975). Paris: Association Freudienne Internationale, 1997 (Publication hors commerce) Lacan, Jacques. Le séminaire- livre 24: L'insu que sait de l'une bévue s ale d ‘mourre. (1976-1977). Paris: Association Freudienne Internatio- nale, 1997 (Publication hors commerce). Soter, Colette. Le temps qu’il faut. La cause freudienne. Paris, n.. 26, p. 23, 1994. Sujeito e goz0 resumo Este trabalho trata da questio da tem- poralidade légica do sujeito, decorrente de sua relacao com o significante que inclui uma atemporalidade Os dois movimentos de causacio do jeito estéo balizados pelas trés escansdes de um tempo légico: instante de ver, tem- po para compreender, momento de con- cluir. Trés tempos, dois movimentos, um sujeito: “forma légica essencial de um Eu psicolégico” Essa légica da identificacdo explicitada em trés tempos ~ constatar - Jassumir J, calcular a; demonstra o tem- po légico como 0 tempo necessério para produzir uma conclusao a partir daquilo que nao é sabido. palavras-chaves Identificagao, tempo légico, constituigao do sujeito, instante de ver, tempo para compreender, momento de concluir Stylus Riode faneito n. 8 —p.l1-20. abr. 2004 abstract ‘This work develops the question of the logical temporality of the subject which depends on his relationship with the sig- nificant and therefore inchudes an a-tem- porality. The two movements of the subject's causation are bounded for the three scansions of the logical times: see- ing instant-time for understanding and conclusion moment. Three times, two movements, one subject: essential logical form ofa psychological self. This logics of the identification develops itself within three time: to distinguish-1; to assume 1; tocalculate “a” , and demonstrate how the logical time is the necessary time to pro- duce a conclusion since what is unknown. key words Identification, subject's constitution, logical time, seeing instant, under- standing time, conclusion moment Sujeito € gozo a foice do tempo' Danteta ScHEINKMAN CHATELARD Ao LONGO DE seu ENSINO®, J. Lacan se interrogou muito a respeito da contagem, recorrendo, de um lado, 4 teoria dos conjuntos e, do outro, a légica, até chegar & topologia. A priti- ca analitica, da fala, da linguagem, deixa o sujeito contar, rela- tar, dizer, mas da mesma forma subtrair-se gradualmente a “ci- fra mortal de seu destino”, que the foi dada pelo Outro pri- mordial. Ao longo da hist6ria do sujeito, em sua diacronia, esta em questio dar-The outro ritmo, outro tom, rumo ao en- contro de seu estilo pela sincronia do bem-dizer, a de uma psicanalise, Se, para Lacan, a experiéncia da andlise é a experi éncia de uma pura perda, ela é entao a experiéncia da consti- tuicdo do menos. O sujeito faz descobertas, mas nenhuma po- dera substituir nem recuperar 0 objeto perdido: “O encontro, Uo logo se apresenta, é reencontro e, de mais a mais, esta sempre pronto a sumir novamente, instaurando a dimensao da perda”’. O wm-amenos, nesse movimento de subtragao, denun- ciaa falta, uma falta que jé est ali, por estrutura; ela presentifica a auséncia, ela faz existir por sua presenga a falta fundadora. Para Lacan, a légica do ntimero introduz o contavel. Quanto ao limite deste, articulado ao limite da linguagem, Fre- ge € exemplar: ele trata 0 ntimero independentemente do ato de contar. O niimero pode ser considerado uma seqiiéncia serial €0 limite de uma fungao. Ora, o proprio Frege era um légico da linguagem e, como tal, sensivel a esse ponto de limite conti do pelo universo simbélico, 0 universo da linguagem. Com Lacan, esse limite da linguagem ¢ 0 irredutivel comparecimen- to do real, Frege usa 0 conceito de conjunto vazio cuja atribui- cdo de mimero é 0 zero a partir do qual os ntimeros se mul plicam indefinidamente, manifestando sob forma serial, uma infinitude. O Um tem duas fungdes, como assinala Lacan em O semindrio - livro 12: problemas cruciais para a psicandlise. “o Um de miragem, que é suscetivel de confundir 0 Um com o indivi- duo, e, por outro lado, o Um da numeragao que é outra coisa”. Lacan comeca definindo o sujeito da psicanalise como sendo a presenca da falta, o sujeito instaurando-se como zero, essa defi- nico permite que ele estabeleca a dialética entre 0 que 0 sujei- Stylus Rio de Janeito. n.8 —p2I-27 abr. 2004 “Termo exteido do texto FRadophone Em tancts, faut fo fab0], Ja faux [a foice]e fou (épreciso] temps tempo} pronuaar-sedamesmatoma.O tenponecessioaosurginento dose, 3 lia do Ser Tebaho aptesentadono Maruman! GBA, O Sueto em question Psicandse, 2003, noverioo, Siac. * fe pontotoi extaido oo tercero canituio de maha tse edoutorado —no pte da Ectora da UNB.Inspreimenels ara retoma questo sob um novo pra lacan Le sémnae fire 11. lesquareconceots foncamertax ce i esychrase (1963-7964), (1973, p 97) “\acan. Osemanso- bo 12: Problemas cucasparaa Ascandise(1964-1965),(nécito cade de3 de mago de 1965) 21 * Lacan. lesemnafe- lie 43 selaon cbjet (1956-57), (1934, p 254) to pode ter como objeto € 0 objeto que ele pode ser, da qual so oriundas a relacdo do sujeito com o Outro e a idéia de uma falicia do Ser. Assim, Lacan se servin da teoria da visio conjuntista classi- ca, seguida pela légica moderna de G. Frege, ¢ ofereceu a psi- canilise a possibilidade de abordar esse lugar ausente, vazio, existéncia de uma inexisténcia, o lugar fundador de um suje- to, O que nos interessa nessa teoria é pensar esse lugar ausen- te, cujo ponto de partida se encontra na ficgao do mito rumo a existéncia de uma estrutura, Essa passagem permite fundar um lugar vazio, da inexisténcia, mas também o Um O Um, em seu paradox, é 0 que ex-siste: por um lado, funda 0 lugar vazio e, por outro, inscreve-se na série dos significantes. Esse lugar va- zio marca a presenga de uma auséncia. O Um, que nao é ape- nas a adi¢do de uma contagem, apresenta-se como subtracao, como interrupcio, como fenda: 0 Um do traco que inaugura uma série, a qual paradoxalmente o interrompe como efeito. O Umintroduz. uma descontinuidade na experiéncia do incons- ciente, é 0 Umda ruptura, do hiato, de um traco. Para introdu- zir nessa passagem a descontinuidade na trajet6ria do ensino de Lacan, foi necessério retomar a questao do mito, tema caro a Freud, sobretudo em Totem ¢ Tabu e Edipo Rei, a fim de contextualizar e ressaltar a fungao do mito na estrutura de um sujeito. O semindrio - livro 4: a relagdo de objeto deu inicio a essa trajet6ria ao atribuir ao mito sua importancia na estrutura do sujeito, conforme as trés modalidades da falta de objeto nos caminhos edipianos de um sujeito. Em 0 semindrio - livro 4, Lacan inicia uma tese que apro- fundara, oito anos depois, em O semindrio - livre 17: O avesso da psicandlise, a saber, © papel desse lugar de inexisténcia na cons- titui¢ao do sujeito ao elaborar a passagem do mito a estrutura Neste seminario, 0 percurso consiste na abordagem das wés modalidades da falta de objeto ¢ em suas conseqiiéncias nas posicdes ditas passivas e ativas do sujeito e do objeto em seus lagos sociais, a comecar por seus primeiros objetos de enamorédio parentais extraidos da clinica freudiana. Os mitos infantis de- sembocam numa necessidade estrutural que traz consigo a ex- pressio de uma verdade que se tornara, com a operacao do recalque, uma meia-verdade sob forma de ficcao. Relembrando Heidegger acerca dos temas da vida e da morte, esse movimen- to faz perceber, diz Lacan, a relacdo com a existéncia e a ndo- existéncia, isto é, com o aparecimento daquilo que nao existe ainda®. Esses ja so, mesmo assim, temas ligados a existéncia do sujeito € aos horizontes que sua experiéncia Ihe traz, no Sujeito € gozo que diz respeito as questées da origem, do sexo © da morte Aqui se encontra a atividade mitica empregada pela crianca que, num tempo posterior e num movimento retroativo, par- ticipara de sua estrutura. A criacao mitica da crianga a prepara para seu funcionamento estrutural, Dessa ligacao mi maria ao objeto de amor, a crianca funda um primeiro logro intersubjetivo. Nas diversas tentativas de simbolizar o imagina- rio € os efeitos de permutacdes € metamorfoses surgidas nessas maneiras de fazé-lo, a crianca entra num sistema de significantes e de linguagem. O sujeito entra num sistema de discurso cuja dinamica, em seu duplo movimento sincrénico € diacrénico, remaneja a fixacao de uma ficcao mitica pela instalagao de um sintoma criado e surgido nesse lugar de existéncia de um vazio estrutural, Ex-sisténcia que insiste em comparecer na compulsio A repeti¢ao € nos sintomas. A existéncia do sintoma cai justo num locus marcado por uma inexisténcia, e desse mito resta um real cujo operador simbélico, o funcionamento da lingua- gem, fara seu contraponto. Em 0 semindrio - livro 17: O avesso da psicandlise, Lacan introduz 0 que chama “o mais além do complexo de Edipo”, isto @, as incidéncias e as conseqtiéncias da travessia edipiana apés a operacao do mecanismo de recalque que efetua a passa- gem do pai real ao pai simbélico. E nesse Seminario munido de novos elementos, sobretudo no tocante a articulacao do real no simbélico, que Lacan avanca e sublinha a importancia do que permanece como residuo do mito, do que resta como real para dar lugar a simbolizacdo, e do qual decorrerao as repeti- cies na contagem da historia ficcional do sujeito. O parricidio deixa neste movimento o rastro de um resto de gozo nao trata vel pelo simbélico. Sera preciso um trabalho de elaboracio simbélica ~ Durcharbeitung — desse ato do parricidio 4 fungao simbélica do Nome ou, dito de outro modo, uma elaboragio do D’us o pai ao Nome-do-Pai, cuja versio desse pai morto pére- severa em sua estrutura, Ou seja, a maneira como 0 sujeito lidara com esse residuo de gozo em seu proprio sintoma, que caiu no locus da inexisténcia e que, com sua roupagem fantas- mAtica e a incorporacao da linguagem, conduz o sujeito a bem- dizer esse sintoma, a tratar diferentemente esse residuo de g0z0, fazendo dele seu sinthoma, Lacan, na virada de O semindrio - livro 17, antes de passar segunda parte sobre o “mais além do complexo de Edipo", retoma a XXXV Nova Conferéncia de Freud, Weltanschanung: uma visio do universo®. E curioso notar que nem Projeto pare wna psicologia cientifica, que inaugura a psicanilise, nem a titi- Stylus Rio de Janeiro. 8 p.21-27 abr. 2004 * Wetanschawingé um conceto especticamente alemio, cya teducio podena se aproxina i nogao de conceto ouponto de vstado mundo Freud, AXKV Nave Conferéncia, Wetanschawng (1933 1932]/1976,p, 199). Lacan. le sémnaite- fire 10 angoisse( 1969-1963) (inédto:aulade 05 de dezembro de 1962), 24 ma conferéncia de Freud sio bem lembrados, Apesar do longo espaco de tempo entre um e outro, esses dois grandes textos falam da origem: o primeiro, do surgimento do funcionamen- to do aparelho mental segundo o modelo da experiéncia de satisfac; 0 segundo, da origem do Universo, de um conceito de visio do cosmos numa era negra que se iniciara com a Guerra e que marcaria toda a humanidade. Com Projeto, abre-se a pos- sibilidade do surgimento de uma nova visio de funcionamento do aparelho psiquico e de suas conseqiiéncias, que prendem 0 sujeito nos lagos sociais. Projeto trata da origem da constitui¢ao subjetiva, do nascimento, ¢ a tiltima conferéncia, da origem de uma visdo de cosmos baseada na idealizacao de D'us o Pai, este mesmo que inaugura a passagem do mito a estrutura, criando esse lugar de inexisténcia e, a0 mesmo tempo, de nascimento: “O Universo fora criado por um ser semelhante ao homem, contudo aumentado em todos aspectos, em poder, em sabedo- ria € em forca de suas paixdes (sobretudo a ignorancia) -, um super-homem idealizado. Nosso caminho torna-se mais facil de reconhecer, uma ver. que esse criado D'us é chamado de pai”. O mito do parricidio funda a estrutura. A passagem do mito a estrutura cria a existéncia de um espaco vazio e possibilita, as- sim, a construgao de uma criago. Em outras palavras, uma criagao comparece, tamponando a hincia deixada nessa pas- sagem. Assim, 0 que é criado nesse espaco da passagem da ficcdo A estrutura é determinante na posi¢do fantasmatica e sin- tomatica do sujeito. Falamos do surgimento de um lugar que acontece segun- do 0s tempos futuro anterior e a posterion, tempos que retornam na propria pritica psicanalitica. No surgimento desses dois tem- pos inscreve-se a fundagao de uma constituigao subjetiva a par- tir do investimento de um Outro num duplo movimento pul sional. O Um nao se constitui sem a presenga do Outro; 0 Ow tro nao existe sem o Um. O hetero advém do homo e introduz a diferenga, a separtigao. A anatomia é 0 destino, 0 que lembra a etimologia do termo ana-tomia em sua fungao de corte do cor po. E essa primitiva separtigao — “nao separaco, mas particao no interior” ~ que, desde a origem, esta no nivel da pulsio oral como demanda, mas estrutura o desejo. Em 0 semindrio - livro 10: A angistia, Lacan, a propésito da inquietante estranheza, ressalta esse fendmeno e recorre ao texto de Freud, “Das Unheimliche”, de 1919. Essa inquietante estranheza é 0 momento, ainda que s6 um instante, em que © sujeito nao se acha mais, ou seja, um ponto de referéncia que o sujeito busca, mas no encontra. Esse sentimento € essa ameaca Sujeito € goz0 estao ligados a castragao, 4 posi¢ao do sujeito em torno dadialética do ter ou do ser. Freud escolhe primeiro a via da lingiifstica em torno da palavra em alemao: Unheimliche, termo que tem certo parentesco com temor, medo, angiistia, e que costuma coincidir com 0 que provoca a angiistia’. O sentido de algo que deveria permanecer secreto e que sai, que deveria permanecer escondi- do € retorna, como na nogio de recalque: 0 que foi retirado do inconsciente retorna, algo que fora desde sempre familiar, ape- sar do recalque, € em que sujeito nao mais se reconhece. Nes te Seminario, Lacan se refere ao radical Heim como sendo a casa do homem para além das imagens; esse lugar representa a ausén- cia, 0 lugar vazio que nao é especularizavel: “O homem acha sua casa num ponto situado no Outro, para além da imagem de que somos feitos, e esse lugar representa a auséncia onde estamos, [...] Ele (0 lugar ausente] se apossa da imagem que o suporta € a imagem especular se torna a imagem do duplo com o que ela raz de estranheza radical (...] fazendo-nos aparecer como obje- to por nos revelar a nao autonomia do sujeito"”. Quando algo de nossa existéncia é subtraido, seja do ponto de vista fenomeno- logico, de afetos, seja algo que toque mais o subjetivo, a angustia surge ante a ameaca de um novo comparecimento desse lugar- tenente da inexisténcia. Quando nossa vestimenta fantasmatica nos € roubada, sobretudo por um objeto de amor, ou ainda quando na aproximagio da retirada do véu filico a nudez com- parece, esse véu que sempre revelara a auséncia colocando so- bre ela um brilho falico, ai surge a anguistia. ‘Como pano de fundo da estrutura do sujeito e da dialética de seu desejo esta, desde Freud, a angtistia de castragao. Ela é também um sinal de perigo, a resposta a um sinal que anuncia uma perda e que pde em jogo a presenca € 0 desejo do Outro: “A angiistia nao é o sinal de uma falta, mas [...] a auséni desse apoio da falta” A experiéncia desse estado de angiistia seria 0 proprio nascimento do sujeito. O recém-nascido tende- r4a repetir o afeto de angtistia em outros acontecimentos que © fardo reviver a experiéncia do nascimento, ja que este impli ca uma primeira separagao. A auséncia € o principal elemento da angistia. Freud da trés exemplos muito simples, mas bem significativos sobre a auséncia sentida pela crianca em relacao & pessoa por quem ela sente amor, desejdncia. Precisa ele: é, Primeiro, quando a crianga esta s6; depois, quando esta no escuro; enfim, quando encontra uma pessoa estranha no lugar daquela que Ihe é familiar, de habito, a mae Com efeito, Freud, no fim desse artigo, sublinha que a solidio, o siléncio e a escuridao sio elementos sempre ligados Stylus Rio de Janeiro on 8 p.2t-2?_—_ ab, 2004 Freud Oesterto (1919/1976) "Lacan de séminae hve 10 angorsse(1962-1963), recto aide de 5 de dezenxo de 1960), @ angtistia infantil. Nessas trés condig6es, a crianga pode expe- rimentar um estado de angiistia ligado A perda de amor ea perda do objeto, o que ji esta delineado desde Projeto, com a experiéncia da primeira satisfagao que inaugura 0 funciona- mento do aparelho psiquico, e também com a clivagem do objeto entre o objeto perdido e 0 objeto reencontrado, sua redescoberta. A auséncia do seio da mae a crianca responde pela alucinagao do objeto: o objeto alucinado se inscreve como faltante. A homeostase é rompida justamente quando o objeto alucinado nao basta mais, a crianca desperta e apela para o Outro. Assim, inaugura-se 0 principio de funcionamento men- tal: 0 espaco deixado entre a alucinagao e a busca de reencon- tro com 0 objeto perdido marcando 0 movimento do desejo. Doravante, sujeito e objeto nao se encontram mais. Por estru- tura, o reencontro se torna impossivel e ndo para de ndo se escre- vernas insistentes € repetitivas contingéncias desse sujeito. Com © movimento de repetica, encontramos o estatuto necessario do sintoma, tendo tido sua inscrig3o na ficcao primeira do su- Jjeito e em sua fusio com a fantasia; mas encontramos também © comparecimento da vertente real do sintoma (sinthoma): aqui- lo que ndo prira de ndo se escrever no a posteriori da estrutura © no contra-tempo da hist6ria ficcional do sujeito referéncias bibliogrdticas Ferup, Sigmund. (1933[1932]) XXXV Nova Conferéncia, Weltan- schauung. In: Edigdo Standard Brasileira das Obras Psicoldgicas Completas de S, Freud, Rio de Janeiro: Imago, 1976. Vol.XXII. Freup, Sigmund, (1919) © estranho. In: Ediedo Standard Brasileira das Obras Psicolégicas Completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Vol. XVI Lacan, Jacques. Le séminaire - livre 4: La relation d objet (1956-1957) Paris: Seuil, 1994. Lacan, Jacques. Le séminaire- livre 10: L‘angoisse (1962-1963). Inédito. Lacan, Jacques. Le séminaire- livre 11: Les quatre concepts fondamentaux de a psychanalyse (1963-1964). Paris: Seuil, 1973. Lacan, Jacques. O semindrio- livro 12:Problemas cruciais para a psicandlise (1964-1965). Inédito. Sujeito € gozo resumo O artigo aborda a tese da passagem do mito a estrutura, proposta por Lacan em O semindivio-tivro 4: relagio de objeto, apro- fundada em O seminério-livro 17:0 avesso da psicanilise, a0 abordar 0 “mais além do complexo de Edipo” ¢ suas incidéncias no psiquismo do sujeito e em sua estru- tura, Esses dois momentos do ensino de Lacan sho retomados para explicar a pas- sagem do ficcional 4 estrutura, a qual in- troduz uma ruptura na temporalidade diacrénica do sujeito, referido & mudan- ¢a de estatuto da funcio paterna em con- seqiiéncia da travessia edipiana, abstract This article discusses the process of tran- sition from myth to structure, first put forth by Lacan in the seminar The Object Relation. The theme subsequently re- ceives further elaboration in the seminar The Other Side of Psychoanalysis, when its ‘occurrences in the subject's psyche and in his structure asa result of undergoing the transition from the real father to the symbolic father. The Name-ofthe-Father is examined in relation to Beyond the Oc- dipuus Complex. palavras-chave Mito, estrutura, fungao paterna key words Myth, structure, paternal function Stylus Rio de Janeiro on 8 p.2I-27 abr. 2004 27 can Ielenséo (1973/1993), 28 0 sujeito na psicandlise ‘Marta Cts DELGADO DE CARVALHO Griatura gente é ndo e questao, corda de trés tentos, tréstranges. Joio Guimariies Rosa AS DIVERSAS ABORDAGENS DO CONCEITO DE SUJEITO trazem con- seqiiéncias para a clinica psicanalitica orientada pelas desco- bertas clinicas de Freud e Lacan, Lacan considerou sua tinica criacao 0 objeto a, no entan- toas articulagdes que fez em torno do conceito de sujeito, muitas das quais fazia questio de atribuir a Freud, mostram-se de ex- trema originalidade nao s6 pelo que introduzem como articu- lacio clinica, como também pelos recursos de que langa mao em suas apresentagées. Do paradoxo do desejo as formacées do inconsciente, Freud estabelece a diferenga entre 0 eu € © sujeito do inconscien- te. A fenda do recalcamento faz com que, na fala, 0 eu que toma a palavra diga sempre mais do que pretende. Esse “a mais” fala de uma verdade que ha por enunciar, uma verdade do gozo que toca a particularidade de cada um. A partir de Lacan, nao podemos mais tomar essa particularidade como individual ou pessoal. Se ela é 0 mais intimo do ser, 0 Kern unseres Wesens, 0 cerne do ser, é também o mais “éxtimo”, cons- tituido desde 0 Outro. Por essa raz4o, Lacan usou a banda de Moebius, figura em que nao ha avesso nem direito, para repre~ sentar 0 sujeito. Se num primeiro momento € nos significantes que 0 su- jeito encontra seu “sentido”, esse sentido nao passa de pas de sense, passos de sentido, que passo a passo, no decorrer da anilise, vao se encaminhando ao pas de sense, sem sentido. Por intermédio da associacao livre, emergem as formacées do in- consciente, cuja funcdo nao é designar isso ou aquilo, mas jus- tamente apontar para um mais além do sentido. Em Televisdo', Lacan diz que Freud escolheu mal o signi- ficante “inconsciente”, pois seu prefixo negative pode deixar margem A consideracao de que est4 em funcdo do consciente. Certamente nao se trata disso. O conceito de inconsciente Sujeito e goz0 extremamente preciso para definir 0 que se passa com o falan- te, 0 qual, a0 falar, depende da linguagem, mais especificamente da alingua, que € 0 discurso do Outro, o qual engendra o suj € ultrapassa a linguagem, delimitando o campo da psicandlise O inconsciente instaura um corte, uma divisio, uma im- possibilidade de tomar o sujeito pelo eu. Se o eu se quer com- pleto, uno, correto, 0 sujeito & por éstrutura, dividido, falho, emergente entre um significante € outro, desconcertado e mui- tas vezes desconcertante, inconveniente, intruso, Por compare- cer pela fala, carrega a marca do equivoco, do engano. Se o tomassemos por uma pessoa gramatical, seria pelo ele que 0 to- mariamos, 0 sujeito que, em francés, € 0 assunto, aquele de quem se fala e que no esti 14 ou sé comparece pelo que dele € dito. O corte é, propriamente, o que constituira sujeito, ou seja, 0 sujeito que é levado em conta na psicandlise aparece como um eclipse, um raio que transcreve uma irrupcao e di xa cair um objeto, diante do qual aparece ou desaparece, com- parece ou some, deixando aparecer a marca disso que é tao- somente a borda do vazio, 0 objeto a, esse conceito em que Lacan condensa causa, falta, Outro e gozo. Para demonstrar 0 corte que constitui o sujeito em sua relagdo com o objeto, Lacan langou mio da topologia, mais precisamente da esféra provinda de um crosscap, a qual se presta a responder as trés problematicas do sujeito: a) a continuidade entre o dentro eo fora, entre o intimo e 0 éxtimo, como cita- do; b) 0 corte entre 0 sujeito € 0 objeto a $0 a; c) 0 objeto ase desprendendo do sujeito pelo corte Essa figura, que ndo é tridimensional, precisa ser imagi nada para servir as demonstragdes que Lacan pretendeu fazer por meio dela. Ao ser cortada, destaca do sujeito, represen- tado pela banda de Moebius, um disco maleavel nao especu- larizavel que representa 0 objeto a. Ao ser destacado, esse dis- co leva com ele 0 ponto em torno do qual a banda se formou, O sujeito esta construido em torno de algo que nao est 14, isto é, destacou-se com 0 objeto que caiu no ato do corte. A formalizacao da psicanalise levou Lacan a introduzir trés categorias por meio das quais buscava demonstrar a estru- tura do sujeito tratado na anilise: pelo /magindrio o eu se cons- titui, presidido pela Lei do Simbélico, que risca o Real com suas construcdes significantes. O real nao tem limites. E uma categoria formalizada por Lacan para definir 0 que é impensavel, inimaginavel, irrepre- sentavel. Ea categoria do impossivel. A cada vez que precisa- mos formular algo, temos de bordejar esse impossivel com al- Stylus Riode Janeiro on. 8 p.28-33 abr. 2004 29 *tacin Osen As fomagées do inconscerte (1957-1958), aan Alég infio- hr 5. 1998) ica a anti resumo do Semin de 1966-67(2003,p, 326) 30 gumas premissas imaginadas para construir uma ordem, esta- belecer uma relagao, uma fungao, simbolizar alguma coisa. Ea partir da linguagem como lugar do Outro que o analisante, tentando explicar sua existéncia, buscara alguma delimitagio do sentido. A busca de algo que Ihe dé uma identidade, que aplaque seu desconforto de sujeito, redunda em identificacoes que, ao deslizar metonimicamente pelos significantes, repetem um traco tinico e particular, marcado por ter sido apagado, 0 trago undrio. Desde seu primeiro Seminario, Os eseritos téenicos de Freud, Lacan se esforgou em demonstrar por miiltiplas vias, pasando de uma elaboragao formal a outra, que é porque “alguma coi- sa foi atada a alguma coisa semelhante a fala, que 0 discurso pode desaté-la”® Também na matemitica, para delimitar algo no real, pre- cisamos imaginar algumas premissas que comporao um par ordenado. O ponto de amarracao dessa premissa a uma outra pode representar o que, na fala, constitui-se como um significante representando 0 sujeito para outro significante Num primeiro momento, é no rastro dos significantes fun- dadores do sujeito - significantes entre os quais 0 sujeito se cons- titui — que a andlise conduz o analisante pela associacao livre. Dizer disso que o assujeita e o faz govar com o sofrimento de seu sintoma pode levar a desatar os significantes que © avassalam, porém se pararmosai, a andlise se mostra insuficiente para mudar a posicdo do sujeito, pois a insisténcia repetitiva da tyckhé, 0 ene contro faltoso com o real, mantém o sujeito atrelado a seu gozo. As irrupgdes do sujeito no discurso sao interpretacdes que, a0 serem apontadas pelo analista, indicam sua posi¢ao diante do g0z0, sua fantasia. A fantasia se constitui como a tinica “entrada para o sujeito no real”. E a fantasia como resposta ao desejo do Outro que fixa © sujeito em uma posigdo de gozo. A aposta que ha ai é a de que, pela reconstrucao da fan- tasia, engajada nessa relacao forjada pela transferéncia, “o su- jeito, tornando-se tema [sujet], possa ser reeditado”, Entrar no mundo do desejo implica suportar a Lei imposta pelo Ou- tro a que 0 sujeito esta submetido, ou seja, o sujeito se defronta com sua exsisténcia na linguagem e tem que dar conta dela Quando ele se apaga e desaparece atras do significante que 0 representa, € pelo objeto que é suportado. Esse real precisa ser desvelado e construido para que o sujeito encontre seu ponto de mutacao na andlise. O que constitui a virada, a subverso do sujeito na andli- se, € que se o analisante busca um significante final que exp! Sujeito € gozo que sua existéncia e assegure sua posi¢ao no mundo, ele pode chegar aos significantes mestres que 0 assujeitam ¢ o fixam em sua posicao de gozo. A cadeia significante retomada, no entan- to, ira levé-lo a descobrir que ela provém do zero, e que é a partir desse zero que se tem a possibilidade de criar seja li que premissas forem. Se, de um lado, essas premissas tm a limita Gao de estarem submetidas ao desejo do Outro, de outro, des vela-se na analise que esse lugar € um lugar vazio, em torno do qual se bordaram as tessituras do objeto causa de desejo para © sujeito. Aanilise conduz o analisante a retomar esses objetos cau- sa de desejo um a um € a rever sua posi¢ao diante deles. Identi ficar-se com seu sintoma pode ser lido por nés como identificar- se ai, nesse ponto de gozo que o paralisava € o fazia sofrer, e, a partir do nada cingido, circunscrever vazio, tal qual 0 oleiro a criar um tacho. No tacho, 0 sujeito pode, entao, colocar 0 que melhor the aprouver. referéncias bibliogréticas Bovrr, Carl B. Histiriada matemitica. Sao Paulo: Edgar Bliicher, 1974. Daron, Mare. Essais sur la topologie lacanienne. 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Sao Paulo: Atual, 1998. Nasio, Juan-David. Os olhos de Laura, Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. Vitacea, Ivete. As operarées analiticas. Seminario ministrado em S40 Paulo, setembro de 1999. Inédito. Sujeito € gozo resumo Desde a descoberta feita por Freud em sua clinica de um sujeito dividido que no se confundia com o eu, até a deseri- ¢40 por Lacan do sujeito evanescente ocorreram mudangas significativas no conceito de sujeito em psicandlise. Ao longo dos seminarios e escritos de Lacan encontramos recortes que indicam as incidéncias clinicas que se despren- dem desses avanos conceituais, possibi litando cada vez mais a formalizacao da clinica psicanalitica atravessada por es- ses significantes. Este trabalho visa a re~ colher alguns desses recortes, tirando deles suas conseqiiéncias. aostract Since Freud’s discovery in his clinic of a divided subject that cannot be taken as the self, and to Lacan's evanescent sub- ject, there have been significant changes in the concept of the subject in psycho- analysis. ‘Throughout Lacan's seminars and writ- ings, we find extracts that indicate the clinical incidences that derive from such conceptual changes, making the formal- ization of clinical psychoanalysis more and more possible, This work intends to reflect upon some of those extracts, and explore their consequences. palavras chave Sujeito, inconsciente, corte, cross-cap, objeto key words Subject, unconscious, cut, crosscap, object Stylus Rio de Janeiro m8 p.2833 abr. 2004 33 Testo escrito em homenagem a nosso amigo flecido Hervé Coste, que nicioueste trabalho * Lacan. le séminaie- ie 83: le snttome (1975-1976), ala Ge % dedezeriovoae 1975. hnécto "Essa cneragio deveraser acrescentadaporuma soresetagiodamesma esturuanas supeticies, ‘considerenco as consisténcias comotoros,suportesde une esta * Lacan, Le sémnare re 99, 251 (1974-1975), Inéaito. 34 circuito subjetivo e nodalidade! Henry KRUTZEN No sesinAnio Le sivrnome*, Lacan faz comentarios sobre © n6 borromeano. Os elos do borromeano sao equivalentes — logo, R, Se I; 0 Simbélico como furo, o Imaginario como consis- téncia € 0 Real como ex-sisténcia. Se o Real bate contra 0 Sim- bélico € o Imagindrio, essa situacao se reproduz do ponto de vista do Simbélico e do Imaginario, e o Simbélico, por exem- plo, bate contra o Real e o Imaginario. Isto implica a necessidade de uma escolha, de um ponto de vista. E preciso, portanto, pensar esses termos como se juntan- do uns aos outros. Sendo analogos, por que nao supor uma continuidade dos trés? Essa suposi¢ao leva Lacan a propor o né de trevo. Para fazer essa operacio, é preciso juntar por identificacdo certos pontos de corte da colocacio no plano da estrutura borromeana. O resultado é algo da ordem do sujei- to, enquanto © sujeito é somente suposto. Entao 0 né de trevo homogeneiza o borromeano. A per- gunta de Lacan a seguinte: se 0 nd de trevo é 0 suporte do sujeito, como podemos interrogé-lo de um jeito tal que se trate efetivamente de um sujeito? Propomos uma hipétese de resposta Retomamos a nocao de circuito subjetivo a partir da sua apresentacao na primeira topologia do sujeito, ou seja, dos grafos. Um grafo precisa de linhas e setas. Aplicaremos depois essa topologia no objeto do terceiro tempo do ensino de Lacan, © né borromeano. Essa operacio permitira uma orientacio suplementar da apresentagao no plano do né, ou seja, da escri- ta dele; as consisténcias se tornarao linhas com setas, logo, ori entadas’ Vejamos 0 borromeano com as nominacées propostas por Lacan‘, 4 a way Je sentido R Sujeito e gozo Consideramos 0 né na sua apresentacao armilada, tridi- mensional. Isso ja demonstra a falha entre essa apresentacao € aescrita dela no plano, ou seja, na folha de papel. O espaco fica, assim, cortado em oito regides. Chamemos esse enoda- mento borromeano de articulacao do dizer, isto é, de suposi do do sujeito. Num segundo tempo, orientamos as consisténcias ¢ con sideramos essa orientagao como efeito da fungao falica. © terceiro tempo da colocacao no plano produz uma segunda orientagao a partir da apresentacao escolhida entre as oito possiveis. E o tempo da identificacao sexual. Depois desses trés tempos, uma leitura se torna possivel, * Paderiaserum ouro panto a uma vez que se trata agora de uma escrita, A leitura se apéia Geermneenase sobre as duas orientacdes produzidas durante 0 segundo € ter xno waaay quae ceiro tempo da operagao. Escolhendo 0 triquetro central como —__greseagio da colacacio 0 ponto de partida da leitura’, os eixos da leitura se apoiam so- plano daestutua bre a orientacao centrifuga ou centripeta das setas e a caracte- ristica levogira ou dextrégira desse triquetro (chamemos essa carateristica de “giro”). giro orientacio VS CY VS giro dextrégiro centrifugo centripeto Stylus Rio de Janeito on. 8 = p.-38 abr. 2004 35 * Tecuzmos@ pala francesa “raboutage” pel expresséo “idetiicagdo porto aponto’ ” Apu dacolocagSono plano, destacando a zone 5 como ‘riqetro cena *Tiese ca produyio doeeto sujetoe néo sgnifca que esta ajetos‘aferetes’ fs eleto seta seinscrevers raestutue como efeto de fp, ou sep, oresutado de um recaeue * Apatt a colocagionopino, destacendo zona 9 como triqero central 36 A partir de cada uma destas apresentagées orientadas, podemos agora estudar 0 processo de colocacao no trevo e, logo, o circuito subjetivo assim produzido pelas novas opera- Ges de corte € de identificacao ponto a ponto®, Observamos que estas operacées vao precisar levar em conta as orientacdes para produzir a homogeneizacao em trevo. Comecemos com um exemplo cujas orientagdes das con- sisténcias sio homogéneas. $6 existem quatro casos: levogiro centrifugo, levégiro centripeto, dextrégiro centrifugo e dex- trégiro centripeto. O exemplo seguinte é dextrégiro centripeto”: trevo dextrégiro centripeto produgao do trevo 3 ~e dextrégiro centripeto trevo levégiro centrifugo As orientacdes agora podem ser heterogéneas. Nesses casos, como cortar e identificar para produzir 0 trevo, ou seja, construir um circuito subjetivo* Propomos como um exemplo de apresentacao heterogénea, 0 caso do levégiro com duas con- sisténcias centripetas e a terceira centrifuga’: levogiro com trevo dextrégiro 2 centripetos e 1 centrifugo centrifugo R % 1 R 1 pontos > de corte s s Sujeito e gozo Segundo a zona escolhida para a colocagio no plano, 0 circuito subjetivo se estrutura ao redor de uma hinula que pode ser nomeada a partir das hipéteses propostas por Lacan no i Seminario R. S. I, Isso poderia ser uma nova abordagem de "Por exemplo, sev queum cfcutoaoredordakinda ‘sentido’, comonoexero, apreseranauma sco leitura da clinica conforme a especificidade da hinula central reurbtca como eta do circuito”. A clinica deve agora comprovar ou recusar essas esse? hipéteses, teferéncias bibliogréticas Lacan, Jacques. Le séminaire- livre 22: R. S. 1. (1974-1975). Inédito. Lacan, Jacques. Le séminaire- livre 23: Le sinthome (1975-1976). Aula de 16 de dezembro de 1975. Inédito. Stylus Rio de Janeiro on Bp.34-38 abr. 2004 38 resumo Seguindo as indicagdes de Jacques Lacan em 1975, este artigo propoe uma forma- lizagao do né borromeano em trés tem- pos: enodamento, orientagao das consis- téncias e colocacao no plano. Isso abre a possibilidade de uma leitura apoiada peloscortes ¢ identificacdes ponto a pon- to. A partir do tipo de colocacao no pla- no da estrutura, um circuito em né de trevo pode ser mostrado, abrindo-se uma reflexio sobre as abordagens clinicas do tratamento. abstract Following the indications of Jacques Lacan in 1975, this article presents a for- malization of the borromean knot in three moments: knot, orientation of the con- sistencies and putting to plan. This opens the possibility of a reading sup- ported by the ruptures and identifica- tions point by point. Depending on the type of the structure's putting to plan, a Gircuit in clover knot can be seen, which leads to a reflection on the clinical ap- proaches of treatment. palavras-chave Topologia, né borromeu, né de trevo, sujeito key words Topology, borromean knot, clover knot, subject, Sujeito € goro © sujeito nao envelhece: psicandlise e velhice! Avceia Mucipa 0 stjeito néo envelhece e velhice Por QUE A VELHICE, SENDO ALGO TAO VELHO, to familiar, assombra-nos tanto € surge préxima daquilo que Freud no- meou de Unheimliche? Lembremos, de inicio, que uma das formas do Unheimliche 0 duplo, wma duplicagdo da imagem como defesa da extingad? Como indica Freud, a idéia de duplo ndo desaparece apés a passagem do narcisismo primério ao secundario, mas recebe um novo significado nos estagios posteriores'. Freud propde tam- bém uma determinada cadeia com a fantasia, wm estddio em que 6 duplo tinha um aspecto mais amistoso, transformando-se em horror apés 0 recalque. O Unheimliche se associa ainda ao de- samparo, a repeticao, aos futuros nao cumpridos, 4 queda da onipoténcia do pensamento, a angiistia (dirfamos com Lacan, quando a falta, falta), ao assustador e A morte. Todos tém uma aproximagio com 0 real da castracio, um real diante do qual o sujeito esta desamparado, apartado de significantes que © nomeiem. Como destaca Freud, um es- tanho efeito se apresenta quando se extingue a distincao entre imaginagao € realidade, “como quando algo que considerava- mos imaginario surge diante de nés na realidade, ou quando um simbolo assume as plenas fungdes da coisa que simboliza LJ". Tudo isso ndo é estranho a velhice. Nao temos exatamente uma imagem de nés mesmos como, velhos, jé que esse processo é silencioso, lento, feito passo a passo, traco a traco. Temos, contudo, uma antecipacao da mes- ma pelo Outro, um Outro no qual nem sempre nos reconhece- mos. Percebemos mais facilmente a velhice no Outro, princi- palmente se ficamos muitos anos sem ver alguém,podemos di- zer “como fulano envelheceu”, esquecendo-nos de que, aos seus olhos, n6s também estamos certamente envelhecidos. O duplo pode advir como esse estranho inquietante até mesmo numa fotografia; muitos idosos afirmam ter reconhecido em fotos a imagem de seus pais ou de seus avis. Stylus Rio de Janeiro. 8 —p.39-62 abr. 2004 {Esse vabahoforsoresentado ro frcontra Nacional oa Associagio Fours do Campo Lacanano, Osypto emauestio napsicanlie; 2003, rovenbo, Sahador e ser pate de univ ‘ser brevemente publicado: O suyjetonioenvelhece: candice evetice "Freud. Oestanho (791971975, 307) 2 id, 9 994, * bid p. 304 39 S wassy.lapersonne égée rienstes(2008, p18) esse respet, ve Freud, A senualdade na etoioga das rnewoses (1898/1976, p. 309). "reud Alémdoprincisiodo prazar (1990/1976, p.57) 40 Como assinala Massy’, a palavra velho (vieux), em fran- cés, guarda tanto a palavra vie (vida) como o pronome pessoal eux (eles). Velho é sempre 0 Outro, no qual no nos reconhe- cemos. A psicandlise demonstrou até entio pouco interesse por tal questao, seja por nao distinguir uma clinica diferenciada na velhice, seja pela heranca advinda de Freud® ¢, principalmen- te, de Ferenczi de que na velhice as defesas estariam por de- mais assentadas € nao haveria tempo habil para as retificagoes © mudangas subjetivas. Vale ressaltara partir dos conceitos fundamentais da psi- canilise, que na anilise s6 existe um sujeito, 0 sujeito do in- consciente, € este nao envelhece. Tratando-se da realidade psi quica, ndo existe diferenca entre um fato passado e um atual sintoma sinaliza a atualidade do passado e o que importa na indicacao de anilise € a forma como o sujeito se situa diante da falta do Outro ¢ sua relacdo com o desejo, que nao é determi nado pela idade e, muito menos, pela “quantidade de material psiquico”, como pensava Ferenczi. O conceito de pulsio é avesso a qualquer nocao desenvolvimentista; esta € sempre parcial e a sexualidade adulta é a sexualidade infantil. Parafraseando Freud em Além do principio do prazer’, cada um envelhece apenas de seu proprio modo. Destacamos ainda que a velhice nao se inscreve hoje da mesma forma que na época de Freud; 0 fato de vivermos mais tempo, decorrente dos avangos da ciéncia traz diversas conse- qiiéncias para a velhice. Mas, o que é estar mais envelhecido para além da consis- téncia da imagem que traca modificagées visiveis e, tantas ve~ zes, imperceptiveis a nés mesmos? Quando nos tornamos ve- Thos? Se o sujeito nao envelhece, pois ele nao é uma substancia € nao tem atributos, isso indica que, para a psicanilise, nao existe velhice? A tese fundamental do estatuto do sujeito para a psicana- lise que este nio envelhece, orientando-nos na formalizagao do conceito de velhice bem como na clinica do idoso, nao re~ cobre, todavia, toda a questao. E consenso entre os autores pesquisados que a velhice nio se iguala a um amontoado de doengas, & idade cronolégi- ca, a aposentadoria, que o inconsciente nao envelhece e 0 de- sejo ndo tem idade. Outros autores reafirmam a tese de que a velhice se refere posigao do sujeito com seu desejo. Nesse sentido, o que conta nao é ser velho (idoso), mas o sentimento diante de tal fato, podendo existir velhos de vinte, trinta, no- Sujeito € gozo venta anos... Nao podemos, todavia, desconsiderar que as inci- déncias do que se poderia conceber como “velhice” aos vinte, trinta ou aos noventa nao sio as mesmas. Ha algo que nao cessa de se escrever de maneira diferenciada em cada uma des- sas idades, Ha, por exemplo, uma distancia entre alguns proje- tos que se gostaria de realizar e a possibilidade efetiva de reali- zacao, que nao é a mesma para os de vinte ¢ os de noventa. Mesmo que os jovens nao os realizem, existe uma inscri¢ao temporal bem diferente nos dois casos, € nao € possivel desco- nhecer o tempo que passa. A velhice se associa ainda ao limite do fantasma de eternidade (imortalidade do eu), impondo uma nova prova de realidade. Uma contraposicao entre a tempora- lidade do eu x a atemporalidade do inconsciente. Em outros termos, a velhice atualiza a problematica da castracao a partir do luto do que se foie 0 que se é Apesar de todas as teses indicarem pontos importantes do conceito de velhice, elas se detém ora sob a perspectiva do real, ora do imaginario ou do simbélico, faltando a todas uma formalizagao pela qual a velhice possa ser pensada em torno do enodamento entre real, simbélico e imaginario. Se a velhi- ce atualiza de forma intensa a problematica da castracao, ela impée também um tratamento do real e do imaginario pelo simbélico, ¢ isso nao indica por si sé uma perda do desejo ou 0 irreparavel. Propomos, a principio, pensar a velhice valendo-nos do conceito de desamparo no sentido freudiano. Tal conceito foi desenvolvido por Freud em diferentes momentos de sua obra, sendo relacionado ora a uma situacao traumatica — excesso de excitagdo que nao encontra palavras -, ora A imaturidade do ego € A insuficiéncia do sujeito para conduzir sua sobrevivén- cia, Cada um desses tracos, além de nao desaparecer, nunca é totalmente ultrapassado. O infantil, constituinte do aparelho psiquico, inscreve o desamparo sob diferentes formas, em con- formidade com o perigo em questao em cada momento da vida do sujeito. Dessa forma, é facil entender que também na velhi- ce infantil continuara a impor seus efeitos sob a pena do desamparo, apresentando-se como 0 perigo da perda do amor, da insuficiéncia para conduzir a sobrevivencia, da angiistia re- lativa ao desejo do Outro € ao préprio desejo, podendo ser, inclusive, o momento em que © sujeito vive seu desamparo de maneira mais agucada. Pois bem, se 0 sujeito do inconsciente nao envelhece, isso ndo implica que nao exista a velhice. H4 um encontro en- tre a atemporalidade do inconsciente, que nao deixa espaco a Stylus Rio de Janeiro. on 8 p.39-52 abr. 2004 41 velhice, com algo do temporal e do inevitavel. Pretendemos problematizar um pouco maisa tese de que 0 inconsciente nao enyelhece, entrelagando-a com a perspectiva do tempo que passa € traz modificacées inevitaveis. Nessa diregao, outra concepgao de velhice se delineia; ela seria a exposicao no real de uma imagem que se modifica visivelmente sem nenhuma promessa de aquisi¢ao, de diferen- tes perdas que se dirigem também a um enfraquecimento dos lacos sociais, demandando um outro enodamento entre real, mbélico € imaginario, € necessariamente um trabalho inten- so de luto, Outrossim, nao ha uma welhice natural, mesmo que exista um corpo que envelhece € uma pessoa que se torna mais idosa. Esse “destino pessoal” tragado na velhice € completa- mente singular e cada um inscrevera a forma de gozar que Ihe é propria. velhice, tempo e temporalidade Freud aborda a concepgao de tempo de maneira bem original. De inicio, pela concepcao de a posteriori, ou seja, um. tempo que se atualiza no presente, podendo dar a idéia de eternidade. Tal concepcao é de fundamental importancia para © conceito de velhice, j4 que deixa em aberto a possibilidade de que os tragos marcados, e que nao se perdem jamais, sejam reinscritos. Ela indica a existéncia de marcas que foram inscr tas para o sujeito antes de qualquer sentido, como também possibilidades de uma nova reordenacao. Confirma nossa hi- ,Atese de que cada um envelhece apenas de seu préprio modo, 4 que o escrito sera reescrito, atualizado com base em tracos particulares, Dito de outra forma, ha uma histria que se escre- ve no diacrénico do tempo, e ha algo que faz ai corte, permi- \do reinscrevé-la, Podemos afirmar, a partir de Lacan, que antes de ter acesso as palavras 0 sujeito recebe uma série de significantes que, a principio, nao formam uma cadeia signifi- cante € que somente no a posteriori poderao ser articulados. Ha, em Freud, trés concepcdes de tempo: um tempo que se faz pelo atemporal, no qual se situa a tese da atemporalidade do inconsciente; um tempo que se faz no a posteriori e um tem- po do sistema consciéncia. Vejamos mais detalhadamente tais concepeoes. Em O inconsciente, texto de 1915, Freud afirma que “os processos inconscientes séo atemporais, isto é, nao sio ordena- dos temporalmente, no se alteram com a passagem do tempo; nio tém absolutamente qualquer referéncia ao tempo. A refe- réncia ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho do siste- Sujeito € gozo ma consciéncia”®. A primeira tese é clara. O inconsciente nao se ordena em conformidade com o tempo cronolégico no sen- tido de uma histéria linear ou desenvolvimentista. Outra tese refere-se 4 nao alteragao dos tracos; uma vez inscritos, nao se perdem jamais. Nesse sentido, 0 sujeito na condi¢ao de efeito do significante nao envelhece jamais. ‘Ao mesmo tempo, confor me descrito por Freud na Car- ta 52.a Fliess’, esse material presente em forma de tracos sofre, de tempos em tempos, rearranjos, “segundo novas circunstan- cias” e novas reinscrigdes. Gonclui-se, com esas pontuacdes, que ha para Freud, como também para Lacan, duas formas nao excludentes de inconsciente se apresentar. Juntamente ao que nao se modifi ca, oatemporal do inconsciente, ha o que se modifica. O incons- ciente se mostra pela cadeia significante, pelas formacdes do inconsciente, pela vertente metaférica do sintoma que tém efei- tos de interpretagao. O inconsciente é também 0 imodificavel e © que nio se traduz. Apesar disso, impde seus efeitos, sofre outras inscriges € novas combinacoes. Pode-se situar, com Freud e Lacan, duas concepgdes de sujeito que se cruzam € nao se anulam. Ha um sujeito se cons- tituindo sob 0 efeito da acio do significante, tendo com este uma relacio de impossibilidade, formalizada por Lacan pelo discurso do mestre ou discurso do inconsciente"®, H4 uma bar- rado recalque entre o sujeito e os significantes que 0 represen- tam: Discurso do mestre we sujeito “em si" nao existe, ele s6 existe enquanto re- presentado e como representacao, O sujeito do inconsciente, tal como inscrito no discurso do mestre, é um sujeito que esta sob a barra do recalque, quer dizer, sofreu a intervengao dos significantes mestres. Sujeito dividido pelo menos entre dois significantes, tendo como verdade sua propria divisdo e surgin- do pelas formacées do inconsciente, faz atos falhos, chistes, sin- tomas ete. Hi também 0 sujeito que, estando sobre a barra, tal como demonstrado no discurso do analista,"! inserido no lugar do trabalho, pode construir aquilo que o determina, bem como um saber completamente particular sobre si mesmo. Stylus Riode Janeiro n. 8 p.39-52 abr. 2004 * Freud Oinconsciente(1915/ 1976p. 914) * Freud, Cara 52 (1896/1976, pat) "Lacan, Osemnio iro 17. Qcvesso os psicansse (1969 1970), (1998, cap. 1,2) 43 "Sobreacuestiodotenpoen Lacan, remetemos olor sos tevos:O tempo lbgcoea ascercio de coteraatecinac, Poscio doinconscient, Fungo ecampodapdawae ds Inguagen emsicandsee Radoforia Vetanbémos Seonnatios: tes non-aupes een, (insaquesatdetune béive sie} mosre Aiderticxéoe Asfomscées do inconscerte (1957-1958) * Lacan Oseninsio- io 15: Oatopscenaico (1967-1968, Ugfo de 9971167) nécto 44 Discurso do analista fear 4] Como assinalado, esse sujeito ndo apaga ou anula o pr meiro. Neste caso, todavia, € um sujeito responsavel por sua divisdo, trazendo conseqiiéncias para o tratamento do real e para as respostas as perdas falicas advindas com a velhice. Concluindo, ha um tempo marcado pelo atemporal, esse nio cessar de no se escrever, 0 real, tempo do inconsciente, tempo do sujeito que nao envelhece. Ha também um tempo que nao cessa de se escrever € que passa. Por fim, ha um tempo que funciona como a posteriori e permite novas inscrigdes, tem- po marcado pela contingéncia definida por Lacan como 0 cessar de nao se escrever. E 0 a posteriori que faz unir os outros dois tempos, 0 atemporal e © temporal. E ele que fara jungao do que nao envelhece com o que envelhece e passa no decurso do tempo. Para Lacan, o tempo légico é aquele que faz corte nos dois tempos, tempo que passa € tempo que retroage, a posteriori”, O tempo légico permite reinscrevé-los no instante de sua apari- G40, 0 que nos remete novamente ao conceito de atualizagao assinalado anteriormente. Com Freud, temos que 0 passado é reatualizado; nao existe um passado imével ou morto, mesmo que alguns idosos insistam em dizer “no meu tempo”. Na velhice, muitos tragos “adormecidos” podem advir, impondo ao sujeito diferentes respostas, inclusive a formagao de novas formas sintomaticas para tratar o real. Para Lacan, de forma bem sucinta, a questéo da atualiza- 40, em conformidade a estrutura do ato implicado no fazer psicanalitico como indicado no seminario O ato psicanalitico (1967-1968)", inclui o sujeito, bem como o objeto causa do desejo. Pelo ato o sujeito surge representado, constatando-se que ha um saber encarnado, mas que deixa um residuo. O ato est articulado ao significante e, ao mesmo tempo, remete a um inominavel do significante, exibindo um limite a significa- ao. Exibindo a falha, todo ato é falho e, ao expor a verdade do sujeito, tem seus efeitos de sentido. Em razao de tal estrutura a velhice € um significante que representa 0 sujeito para outro significante. Os significantes advindos s6 tomarao um sentido a partir do ato que promove a passagem desse saber geral para um saber ndo-todo. Nessa di- reco, propomos outra hipotese: a relacao do sujeito a velhice Sujeito € gozo se mede pelos atos. Sio estes que pern © que passa no decurso do tempo. jem ao sujeito atualizar Na velhice, em analogia com o funcionamento do né “Sobreo nbboraeano.ve borromeano™, quando uma dessas dimensées — pasado, pre- Lacan Osemiaio- ro 2 sente ou futuro se rompe, provoca o desnodoamento das 2S 109741995) demais; 0 passado nao é atualizado no presente e © futuro se torna obscuro, sem perspectivas. A velhice seria 0 momento em que, ao prevalecer um determinado enfraquecimento do tempo presente ~ varidvel para cada sujeito - devido ao afrou- xamento dos lacos afetivos sociais ¢ a intimeras perdas, seria imposta ao sujeito a criagao de novas formas de atualizar seu passado, enlacando-o ao futuro, Ela demanda um novo enodar do tempo, importando, sobretudo, que nessa atualizacao haja um sujeito responsdvel analiticamente por sua prépria historia, o signficante “velhice” no tempo de uma andlse Para encerrar, retomarei sucintamente um caso clinico que ilustra algumas reflexdes levantadas. Clara estava em anilise ha mais de sete anos - era sua sgaeesieniilcosreiee segunda anilise, a primeira durara trésanos — quando, proxi- ccs sgicartesutlzados pla mo de completar sessenta anos - a entrada na terceira idade! -, adsate apresentou uma crise de angtistia muito forte, respondendo, a principio, com inibicdo, recusando-se a vir as sesses e evitan- do a fala, Apés seu aniversario, retornou completamente an- gustiada e, ao tentar nomear esse real diante do qual nao en- contrava palavras, disse: “Sessenta!” Ao marcar o significante, assenta-se no diva: “Que espanto, 86... a-ssentando mesmo!” A principio, seu espanto, real que Ihe angustia colocando-a assentada, referia-se a0 encontro daquilo que pressupunha ape- nas no Outro, a entrada na terceira idade e na velhice. Esta Ihe advinha sem aviso prévio, 4 diferenca de sua aposentadoria, adquirida bem mais cedo. “Como lidar com isso? O que é isso em que estou entrando? Isso é insuportavel”, dizia-me. Sua angtistia presentificava nao apenas 0 encontro com © gozo do Outro mas também sua forma de gozar e as incidén- cias dessa nova etapa sobre seu desejo. O horror de que a partir dai seria entregue, como objeto, a0 goz0 do Outro the trouxe a angiistia e, como resposta, a inibicao. Esse insuportavel, esse acontecimento, impossivel de ser nomeado, foi aos poucos encontrando em sua cadeia significante um certo tratamento que Ihe permitiria, a partir de entao, a travessia fantasmatica, Os significantes sessenta e entrada na terceira idade (do dis- curso social) nao foram indiferentes a esse sujeito ¢ fizeram Stylus Rio de jancito. nn 8 39-52 abr. 2004 45 cadeia com o real de tantas perdas que tinham se agudizado para ela nos dois anos anteriores (trés irmaos mais velhos, duas amigas e outros parentes proximos, todes com mais de sessen- ta anos), acenando-lhe que os efeitos insistentes do real tam- bém Ihe tocavam. O real que Ihe acenava e trazia anguistia e horror nao era, todavia, relativo apenas ao real da morte. Ela passava pelas mortes, fazendo os lutos, suportando a falta de inscrig4o que toda morte traz, e construindo com cada perda aquilo que the concernia. O significante sessenta fez, inicialmente, eco A dependén- cia do Outro. Ela que sempre cuidou de todos na familia € os sustentou poderia, de repente, estar nesse lugar de ser ampara- da pelos outros, lugar do desamparo. Isso a remetia a alguns de seus significantes mestres: forte, decidida, arrimo de familia € putas, significante advindo do discurso paterno, o qual interdi- tava 0 prazer; 86 as putas podiam buscar prazer Alguns sonhes tém importancia particular na direcio do tratamento € no fim de sua analise. No primeiro, uma som- bra Ihe apontava: Vga, Clara! Ao olhar, vé um ovo € um pint nho saindo. Associa o sonho com o que Ihe metia medo, e nao era, entretanto, apenas a velhice, mas 0 que nomeava uma nova etapa em sua vida. Que novo é esse que causa medo, horror, sendo aquele familiar que retorna sob a face do Unheimliche? As ondas, um misto de dor e éxtase, um prazer inesperado, estado de plenitude... e medo, que atravessavam sua andlise havia trés anos, tornam-se mais freqiientes. Indaga-se se elas nao seri- am, quem sabe, efeitos de sua menopausa. Todavia, enquanto ondas de éxtase, liberdade e, por veres, de agonia, escapavam 20 saber médico. Conclui que isso nada tem a ver com a meno- pausa, que se trata de outra coisa. A sensagao de desgarramento, prazer imenso, indescri- tivel, que as ondas Ihe traziam, mistura-se ao prazer proibido do discurso paterno; isso que do pai ela tomou como sendo dela: tudo que néo pode ou néo podia?, indaga-se. Enquanto isso sua casa em reformas prepara o que nomeou de sala dos prazeres. Alguns meses antes do encontro com o sessenta, esse sujeito tem um trabalho fecundo de analise e decide reformar seu apartamento, construindo sua sala dos prazeres, lugar aberto a miisica, 4 danga e a leitura, alguns dos prazeres antes interdita- dos pelo discurso paterno. E se indagava: como isso (velhice) pode chegar agora quando minha sala dos prazeres esta para ser ter- ‘minada? Um incidente, na mesma época, faz com que encontre um outro Real: uma ponte fixa dentaria, fixada ha mais de vinte Sujeito e gozo anos, quebrase. Sente-se decepcionada, triste... Eu imaginava que isso seria para toda vida... feita de ouro para suportar 0 tempo, quebra-se exatamente quando entro nos sessenta anos, como wm lapa na minha cara escancarando-me a velhice. Conta ter dividido esse insuportavel com a faxineira, que Ihe pergunta: “Mas D. Clara, a senhora nao tem ainda dentadura?” Tem um ataque de riso ao se deparar com a pergunta que Ihe expunha a possibilidade de um real ainda mais duro. “Mas que é uma ironia, ah, isso é!, quebrar essa ponte logo agora que sinto a travessia de um lugar para 0 outro, para outra etapa...” Entre o éxtase € a agonia, isso que poderia barrar seu prazer, Clara encontra novamente a figura do Pai, Juntamente ao pai tiranico, que impunha a Lei de forma implacavel nao deixando espaco a nenhuma dialética, ela tem alguns sonhos nos quais uma outra figura de pai é construida, Um homem envelhecido (talvez como o seja todo pai) permite dar ao pri meiro um outro tratamento. Vejamos dois desses sonhos, No primeiro, um homem morto havia muitos anos surge € a con- voca para que o acompanhe, e ela Ihe responde: “Nao, eu nao vou com vocé"! No outro, a figura da morte, outra morte, ecoa pela voz de outro homem, também bem mais velho que ela: “Vocé deve arrumar as malas”. Ela novamente responde: “Nao, eu nao vou". Segundo ela, tais sonhos nao remetiam a premonicao ou ao medo de sua morte, mas a rela¢4o com seu pai. Suas associ- aces trazem representacOes paternas que, ao contrario de al guém que s6 proibia, fazem surgir um pai a Ihe indicar o pos- sivel olhar de outros homens sobre ela: “como essa menina é bonital” Ser bonita aos olhos do pai era poder ser bonita aos olhos de outros homens. Para ela, esses sonhos tém a fungao de “tratar” a raiva © panico vividos diante da proibicao pater- na. Conclui, entao, ja estar pronta para aceitar um homem em sua vida, Abrir-se a possibilidade de uma relacio amorosa foi 0 primeiro efeito dessas construcées. Conchui que 0 mau-caratismo dos homens, traco presente em seu pai (distorcer a realidade em prol de si mesmo), nao era, finalmente, algo presente em todos os homens ¢, menos ainda, uma caracteristica apenas masculina. Filha predileta do pai, diferente de todas as outras filhas ¢ filhos, corajosa, forte, confidvel, como ele proprio, ela assume, apos sua morte, seu lugar na familia, Tal demanda, sinalizada pela voz do pai no leito de morte, entrelaga-se aos pontos de identi- ficag4o com 0 mesmo. Outro sonho rico em metaforas Ihe per- Stylus Rio de Janeiro nm. 8.3952 ab. 2004 "8 Oconcétode Up Um pai perveroflabordadopor lacanapatr denogiotreudana co papers, paramo, Saber que (interatividade) Alo <— Gonar com/Se fazer de (interpassividade”) a clinica da crenga Voltemos ao problema representado pela apresentacio subjetiva fortemente marcada pela adesio a um sistema de cren- ¢as, Sabemos que uma atitude indiferente 4 natureza legitima ou ilegitima dessa crenca é genericamente favordvel ao inicio do tratamento. Sujeito e gozo Ocorre que, em alguns casos, o analista logo se vé diante de uma rotacio discursiva refrataria ao prosseguimento da ana- lise. Isso se da porque a histerizacao do discurso, ou seja, sintet camente, a colocacao do sujeito na posigao de agente, ¢ imedia- tamente revertida em interpassividade, que visa restabelecer © circuito ternario da crenga. A andlise pode caminhar bem no plano da interatividade significante, mas a abertura do incons- ciente é rapidamente absorvida no fechamento da crenga, ou seja, é lida como uma outra crenca concorrente, a crenga no inconsciente. Em outros casos, percebe-se que a relagio com o sistema de crengas muda nao por uma acao direta sobre ele, mas como efeito do deslocamento significante. Acontecem efeitos benéfi- cos no plano da redugao do gozo, os quais podem ser atribui- dos 4 gradual agao separadora do saber em relacao a cren¢a, pela acdo da transferéncia. Por fim, a implicacao subjetiva, que desta vez ndo se confunde com o convite a atividade, permite uma subjetivacio da crenga. Nao € possivel creditar a crenga a0 Outro, é preciso assumi-la como uma decisio (a aceitac4o subjetiva), o que na verdade ela nao é. Isso costuma levar a analise a uma redugao do sistema de crengas que forma numa posicao mitigada, relativamente isolavel e protegida ao longo do tratamento. No caso da crenca clinica no eu ideal, a analise da inter- passividade do sujeito mostrar que o fato de que ele se decla- re ndo crente é francamente uma denegagio de sua crenga fundamental no gozo através do Outro. E comum na progres- sio favordvel desses casos que a crenga na analise, € mais especi- ficamente no analista, torne-se imediatamente um problema. referencias bibliogréficas Bantou, Alain. Para uma nova teoria do sujeito (1996). Rio de Janeiro: Relume-Dumara. Hecet, G. W. A fenomenologia do espinto, parte II (1807). Petrépolis: Vozes, 1998. Koyéve, A. Introdugdo d leitura de Hegel. Rio de Janeii 2002, Lacan, Jacques. Da psicase parandica em suas relagdes com a personatida- de,(1982). Rio de Janeiro: Forense-Universitaria, 1988. Contraponto, Stylus Rio de Janeiro. 8 p.55-68 abr. 2004 65 66 Lacan, Jacques. 0 semindrio - livro 3: As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989, Lacan, Jacques. O semindrio-livro 11:0. quatro conceitos fundamentais da psicandtise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988 Lacan, Jacques. A ciéncia e a verdade (1966). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, Lacan, Jacques. O semindrio - livro 17: O avesso da psicaniitise (1969- 1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. Winvicort, Donald W. Privagdo ¢ delingtiéncia (1984). Sao Paulo Martins Fontes, 1999. Zizex, Slavoj. On belief. London: Routledge, 2001 Zmex, Slavoj. The interpassive subject. Disponivel em: http:// lacan.com/frameziz.htm. Acesso em: novembro de 2003. Zurancic, R. Ethics of the real. London: Verso, 2000. Sujeito € gozo resumo O objetivo do presente ensaio é examinar a nogao de crenga a luz da psicanilise. Parte de uma apresentacao das formas de sua incidéncia subjetiva, tendo em vista sua fenomenologia, para em seguida discernir alguns elementos logicos de sua constituicao. Leva-se em conta prin- cipalmente as contribuicdes de Zizek (1998) e Badiou (2000) a respeito da re- lagio entre acrenga eo ato. O objetivo do trabalho € contribuir para o enfrenta- mento clinico de apresentagdes subje- tivas fortemente marcadas pela crenca, especialmente no inicio do tratamento. Para tanto, propde uma distingdo entre interatividade, interpassividade e ato ana- litico como forma de clarificar a aborda- gem psicanalitica da crenga palavras-chave Pricanalise, crenca, andlise de discurso, sujeito Stylus Rio de Janeiro n.8 © p.$6-68 abr, 2004 68 abstract The aim of the present essay is to exam- ine the notion of belief in the psycho- analytical perspective. It starts with a pre- sentation of the forms of the notion's sub- jective incidence in terms of its phenom- enology and after that attempts to point out some logical elements of its constitu- tion. Wemainly take into account the con- tributions of Zizek (1998) and Badiou (2000) on the relation between belief and the act. The aim of this work is to contribute to the clinical confrontation of subjective presentations strongly marked by belief, especially in the begin- ning of treatment. A distinction between interactivity, interpassivityand the analyti- cal act is made in order to enlighten the psychoanalytical approach to belief. key words Psychoanalysis, belief, analysis of discourse, subject Sujeito € goz0 0 corpo, 0 exilio e 0 que pére-severa LIANE Z. SCHERMANN, DESDE SEUS PRIMORDIOS, a psicanilise se interessa pelo cor po em relacao ao real que Ihe concerne. O enigma de uma vida e do sexo é marcado pelo que dela se subtraiu e abriu um buraco, o trauma. O trauma’, como o sonho ou a fantasia, deixa suas marcas no corpo, fazendo com que neste ecoe € escoe 0 que dele se subtraiu. Freud faz a descoberta do inconsciente com as histéricas, ao perceber que elas exibiam e dramatizavam no corpo © que cram impedidas de dizer. A histeria € um belo exemplo de incorporagao do gozo no corpo. A partir delas, 0 corpo “fala” ¢ “é falado” pela linguagem. O “acontecimento do real”, efeito traumatico que nomeamos de sintoma®, subsiste em sua ma terialidade de gozo pelo equivoco significante. As histéricas mos- tram que o sintoma participa da linguagem que “nao é imat rial”. E “corpo sutil mas é corpo”. Para Lacan, © corpo “en- carna” € toma ao “pé da letra” as coisas vistas e ouvidas com as quais se edifica, se constitui, goza e ganha corpo, enfim, encor pa/Um-corpo. Quantas vezes constatamos na clinica a histeria @presen- tando suas versdes de corpo sintomaticamente quase tao despe- dacado quanto aquele das esquizofrenias? Por ter um corpo crigido no litoral do imaginario e do real, impedida de local zar no simbélico sua modalidade peculiar de gozar, a questao histérica poderia ser traduzida por “gozo-sou” homem ou mu- Ther? Enderecando a Freud as desordens da fantasia que se manifestavam no corpo “sinto-mal”, as histéricas articulavam pela associacao livre a verdade recalcada de um gozo impossi- vel de ser dito, gozo insistente e ex-sistente no sintoma, efeito do “trowmatismo”. No sintoma, o corpo “fala” o texto do sim- bolico que se manifesta nas letras de gozo que o animam. Para que esta manifestacao exista, € preciso que 0 gozo dele exilado seja enunciagao e discurso de desejo. A lingua francesa permi- te equivocar Uétre e lettre, ou seja, 0 “ser” 0 seu sintoma ea “letra de gozo” que nele ressoa como “ser de goz0”, manifesta- ao de uma modalidade peculiar de gozar. Stylus Riode laneito n. 8 69-83 abr 2004 * Téunen emalenso sigs “sorha’.TadgSoenconradno Mehoramentos, 1994 "Lacan uta os signticantes Sn(pecedodopal tom pas eqivocarcom Sio Tons de Acuino. Be ema ser imagen consid pels economisclegozo (Coneréncia deGenebrasobreo stoma} queprotegeocorpo do desmemiiamenio do gozo,e recerre Sia Tomi de Aino psaabords ocorposepired emposaseparticuls gozosas decompo Recorre tanbém a tomofonis ent os signifcates “sepigelsepvee’ “separa parecer com Lacan Fangio canpo data echinguigen, (1953/1998, p 302) “bid 69 fate se emums crane Prefers eta trecucéo "Uma cnanga éespanceds' porque conotamos ose retlewvocom afontedo gozo que escoae ecoa no recaqu, Obsenars tanbéma ndetnigio do Otro edocbjeto. Quem bate? Quen enh ™ O pai traumitico da histérica € abordado por Freud des- de © inicio de seus estudos sobre a origem da fantasia’. Primei- ramente, Freud considerava o pai perverso das histéricas. De- pois da faléncia de sua neurética, ousamos dizer que Freud fun- damenta 0 que Lacan abordara como Um pai-verso. A nocao de Um pai acompanha os avancos de Lacan em seu percurso ao campo dos gozos. Sera Um pai correlato a versio dada, metaforizada ou fantasiada, ao furo real aberto no simbélico como efeito do traumatismo? Foram as histéricas que ensinaram a Freud sobre o pai traumtico! Por um excesso de gozo ao qual elas no podem responder com seu dizer, ou ainda, devido a um gozo @menos do qual elas tanto se queixam, 0 apelo ao Um pai se faz impres- cindivel, esperando receber dele um nome de gozo. Por exem- plo, a histérica se endereca a Um pai para dele fazer mestre € amo, embora sempre se furte a seu governo, Entretanto ela se depara com 0 fato de que todo pai é falho. Enderecando seus apelos a Um pai, 0 que a histérica encontra é Um pai trou matico. Nesse empreendimento, cai na armadilha € nos engo- dos de seus sintomas, suportados pelo Um traco distintivo que se manifesta como gozo parasitario no imaginario do corpo Correlato ao sintoma, Um pai suporta uma modalidade de gozar do inconsciente, uma vez que é 0 inconsciente que 0 determina. Como ensina Lacan, podemos prescindir do pai, contudo é preciso saber se servir dele! Nao ha Um traco identificatério para permitir ao dese- ante localizar seu gozo. Esse Um pai traematico, pelo excesso ou falta de gozo, instaura um enigma no saber sobre o sexual. Um pai nada pode dizer sobre 0 sexo, porque sobre o sexo ele nao tem nenhum saber. Ele apenas pode indicar um saber disjunto do gozo. Do pai extraimos a nogao de Um que, segun- do Lacan, no R. S. L, € correlato ao “nimero” Um, ou seja, é correlato ao traco da repeti¢ao do vazio de sentido, furo aber- to no simbélico. Neste oco escoa a vaga lembranca de um memorial de gozo correlato ao objeto a, “Nada melhor do que © conjunto vazio para sugerir 0 Um", Introduzindo um trago distintivo na sexualidade, o Um se subtrai a imagem, é redugao simbélica € aloja o real no Outro. Depreendemos ainda da histeria que Um pai péresevera, © que permite pensar no equivoco significante que 0. torna correlato a Um “pai severo”, que é, a0 mesmo tempo, perseve- rante por evocar 0 supereu em sua face de exigéncia e insistén- cia pulsional em gozar. Ele € impar e nao se encadeia em 5,5, Nio pode representar nenhum sujeito, apenas @presenti-lo ~ ayjeww © gueo com o que se manifesta no corpo que goza. Contudo Um pai evoca, invoca € convoca o desejo. Quais serao os efeitos dos “pecados" de Um pai de suas “fraquezas da carne” no corpo, se considerarmos 0 corpo que goza mais préximo ao real? Dos “pecados do pai”, termo correlato aos “pecados da carne”, 0 desejante/ falasser* recebe como heranga apenas sua castragao. ‘A substancia gozante evoca no corpo, por uma vaga lembran- ¢a, a heranga do pai, ou seja, a prépria castracao. Um pai, portanto marca sua progenitura com a castracao escrita a “fer- ro € gozo" na carne gozante para transformé-la em corpo, ou seja, para Ihe “dar corpo” e “Um-corporé-la”. Um pai péreseve- ra para que 0 gozo impossivel de ser dito advenha ao verbo. Enfim, ao Um pai cabe 0 tracado ¢ as comportas por onde escoam as distintas modalidades de gozar que se desvelam no sintoma como metafora do sujeito, 4 medida que o inconscien- te as determina. um corpo, semblante e sintoma: modslidade de gozar A direcao de um tratamento, entao, visa ao “entre” da letra do sintoma, visa aos tragos € As marcas que traduzem a deriva e os impasses do gozo no circuito da pulsio, para que dali, também, emirja uma modalidade peculiar de gozar. O goz0 pode ser concebido na letra como “fraqueza da carne”, ja que © gozo é sem-sentido, é non-sense, embora seja sentido por re- percutir no corpo. Ali esta o mais intimo e singular de uma subjetividade. Consideramos aqui o sentido dado por Lacan ao lembrar que © analista deve visar a diferenca absoluta: a singularidade do gozo que intervém na marca do significante primordial do recalque’. Como abordar 0 corpo sexuado suas modalidades de gozo, masculina e feminina? A experiéncia da psicanilise deve, em sua ética, permitir a0 sujeito captar um vazio de significagao em que o Um-a-me- nos significante Ihe falta na enunciagao do discurso. Ao Um- significante-a-menos no discurso corresponde um a-mais de g0z0, correlato ao objeto a. O objeto a é heterogéneo ao in- consciente por ser relativo ao @sexual, no que equivale ao irre- presentavel da pulsio. Operando em sua funcao de separador no campo dos gozos, rebotalho de gozo, é passivel de ser metaforizado como sintoma/semblante nos jogos do amor Destacamos no objeto aa letra de gozo do sintoma, o que ha de mais intimo €, a0 mesmo tempo, mais estranho/estrangeiro a0 falasser. E letra que advém ao amago do “sinto-mal”, é su- porte do gozo exilado do corpo. Sustenta ¢ distingue o sintoma que, por ser © mais particular do falasser, permite erigir e no- ¢ Optamospor utiza‘o ‘sgufiant lacanano fiasser orquesugere oeaivoco signficante entre “aquele que fala para sero falante, 20 faecer, qe evoca amotteonde apuiséoe sienciosa. A homofons ene “aquele ave fala paraser’eo falecer evaca faba da inguagem e seus impassesdevdos apusiode morte, que faz0 deseo Fetornar a um ponte que evoca ‘osiéncio pusonal eo corvaca aumnovo dizer Alem asso, essetermo que equocacom 0 signficante “faecer sgere abe amertficacdo da cane, dessa substéncagozante,€ eleto cs ao do prog signficante da pusio de matte sobre 0 crpo, para cue este ganhe sentido (que ndo é cto sendo.ode gozo) no ao oedzer Lacan. Osemindio- fio 11 Osqusroconceitos indtmertas ob pscaralse (1964/1979, p 260) syne Lac 0 soninito- Avo 17 Oavessocapscaitse (1969-1970, 1999, p. 169) "bid 7 nur we janine pure ak een os mear no ser sexuado pela diferenga dos sexos os semblantes homem ou mulher. Um corpo somente ganha sentido porque goza. O fato de um objeto passar do real ao simbélico sempre evoca uma perda, necessitando do corpo para conjugar o que é pura per- da, Essas marcas do gozo em perda convocam e relancam o desejante a um novo dizer. Dizer-se homem ou mulher é um “para-ser”, € um “parecer”, “Para-ser” homem ou mulher, no sentido de “ser sexuado”, termo homofénico a “parecer”, mos- tra que 0 corpo sexuado é um semblante, por dar a ver uma modalidade especifica de gozar. O corpo sexuado-sintoma é ento um “pare-ser”/parecer edificado sobre 0 que dele foi separado ¢ exilado, 0 ozo. Nesse sentido, 0 sexo, masculino ou o feminino, é semblante e pode ser dito sintoma, porquan- to traduz distintas modalidades de gozar. Por outro lado, 0 retorno aos pontos de impasse do de- sejo torna a pulsdo de morte correlata 4 nogao de repeticao. Com seu circuito, a pulsio, que se satisfaz sem um objeto espe cifico, mas insiste no gozar, contorna o espaco aberto ocupado pelo objeto a, memorial de gozo, mantendo © desejo aceso € “realizando-o” em ato. Dito de outra forma, a pulsio se satisfaz nos tracos memoriais de gozo; satisfaz-se em um gozo em per- da, Af o desejo é impasse porque repete um vazio de sentido. Accada vez é Um, uma vez mais, mais um... E 0 gozo é efeito do cAlculo da repeticao do vazio de sentido, & non-sense. Assim, “a cada conto (calculo do gozo?) se acrescenta (ou se perde?) um ponto”. O gozo “é exatamente correlativo a forma primeira de entrada em agao do que chamo a marca, 0 traco unario, que é a marca para a morte. Observem que nada toma sentido até que a morte entre na jogada”, Enfim, 0 Um-traco distintivo e fora-do-sentido é correlato ao einziger zug freudiano, traco unario que nao identifica um sujeito, contudo, nele evoca a marca do gozo em perda, manifestando-se “como bastao” nos confins do corpo. No corpo 0 gozo apenas “ronrona” como um rastro. Que bastéo sera esse que Lacan destaca como correlato a0 trago undrio se nao aquele que convoca o gozo filico, goz0 excluido do corpo, a se manifestar? A pulsao sempre insiste em se satisfazer ¢ se manifesta por uma “eflixio". Recorremos ao equivoco significante entre “fixdo”, ficcao ¢ afligdo para evocar © gozo-sentido no corpo pelaletra de gozo, convocando a pulsio, insistente e persisitente, a se satisfazer. Neste ponto de “aflicdo” e “afixdo/ficcao”, 0 sintoma, erigido como semblante do sexo, enlaga o que se fur- ta.ao desejo: 0 traco do Um, que nos remete ao gozo falico que Suiita e on estudaremos adiante. No lugar onde gozo estanca a deriva da pulsio, uma fic¢40/aflicao advém para responder € mos- tar o que é da ordem do real. Consideramos esta “fixdo/fic- ao” correlata ao semblante convocado pelo falasser para su- prir 0 “acontecimento do real”, © que esta exilado do corpo por efeito do trauma, correlato, por sua vez, a um goz0 «mais ou @menos. O semblante € convocado pelo desejo para dar consisténcia ¢ articular no discurso a enunciagdo do gozo que perdura em pura perda O sintoma nomeia um modo particular de gozo que se furta pelas comportas do litoral e dos confins do corpo. Gozo- sentido no corpo, o sintoma é pulsio ¢ traco significant. As sim, podemos dizer que 0 gozo é correlato a uma valéncia negativa. E “pura perda”, como diz Lacan em Teéleviséio, poden- do ir do “pai ao pior”. Ao percorrer 0 ensino de Lacan, verifi- camos a amplitude do conceito de sintoma. O sintoma é convo- cado como o mais singular do falasser para enlagar 0 que é memorial do simbélico, do imaginario € do real. De significa- do do Outro ao modo de gozar peculiar do inconsciente, 0 sintoma se estende & nog&o de semblante porque é o semblan- te que, na condigao de supléncia, enlaga no falante/falasser 0 que dele se subtrai de simbélico, de imaginario € de real. O semblante advém ao corpo em supléncia ao buraco aberto pelo significante, lugar onde © gozo se manifesta, insiste € consiste ao ser falado em um dizer. O gozo “ganha corpo”, encorpa/Um-corpa, adquire consisténcia pelo dizer. Em contra- partida, ndo podemos falar em gozo sem o corpo. No corpo, enfim 0 gozo ganha consisténcia de discurso 4 medida que, em extimidade, calcula € opera a falta-a.gozar do vivente, langan- do-o em uma anterioridade logica, ou seja, em um futuro ante- rior, para conoté-lo no sintoma como “é isso ai”. A psicandlise trabalha visando a manejar a falta-a-ser € a falta-a-gozar. Ou seja, visa a facultar ao sujeito do desejo, a0 falasser, a percepcao de sua modalidade de gozo. Para Lacan, “o homem pensa com a ajuda das palavras”. “E é no encontro entre as palavras € seu corpo que algo se esboca"”. Esse algo € 0 “sentido” do gozo ressoando no litoral" do corpo. Trata- se do gozo-sentido, do sentido do gozo. Dito de outro modo, © termo “sentido” evoca um enderecamento, além de um modo peculiar de gozar. A quem o gozo se enderega? Ou ain- da, onde © gozo é “sentido”? Eo que nos ensina em toda sua amplitude o termo “sentido” na equivocidade significante per- mitida pela lingua francesa —jouis-sense, jouissance, jouir-sense, Ent, 0 gozo-sentido nao sera outro sendo aquele reduzido Lacan Conferenciaen Gnebra Scbreelsntoma itenvencinesy textos 9(1989) "*Recorenos as nogoes de tora ou de conins do corpo em gar de frontera ou superfoe porcye, como estacoua colega amen Galanone Encontro da AFCLe aE, em Savador em overrode 2003, estas cdelmtam das Zonas dstintas, enquanto uma frontera ou uma supercie pode deimitar testes damesma qualidade " Fours sense, joussance, sous sense, que taduzimos por “eu ‘ouco sentido’, “goo, “gozar (do) senior xynus Lacan Fingioe campo data eda inguagen (1953/1998, p.%82) ™ bid, p. 308 “Lacan £51 (1974785), (héaito:Semnsio de 18 de fevereroce 1975) "*Eoquelacenensnaem 0 serinéro-r0 SoM 3nd AW UE JaNEHU Ho puro aul. eu vs A realidade sexual, ou seja, aquele que da sentido ao sexo, faz rir ou chorar. Em Fungéo ¢ campo da fala e da linguagem'*, Lacan define 0 sintoma no “significante de um significado recalcado da cons- ciéncia do sujeito. Simbolo escrito na areia da carne e sobre 0 véu de Maia”, Nesse momento de seu ensino sobre o sintoma, Lacan prioriza a articulacdo simbélico-imaginaria, ao dizer que “as palavras sio tiradas de todas as imagens corporais que cat vam o sujeito: podem engravidar a histérica, identificar-se com 0 objeto do Penis-neid, representar a torrente de urina da am- bicdo uretral ou o excremento retido do gozo avarento™* A partir do avango teérico em relac4o ao campo dos gozos, nao ha mais prevaléncia de um registro sobre © outro. Lacan aborda as trés consisténcias R. S. Ie afirma: “o sintoma nao é definivel sendo pelo modo como cada um goza do In- consciente, na medida em que 0 Inconsciente o determina”. Desde a apresentacio de seu seminario De um Outro a outro, Lacan esclarece que “a esséncia da teoria psicanalitica é fungao do discurso, mais precisamente, € por mais paradoxal que isto pareca, tratase de um discurso sem palavras”. Como abordar © conceito de inconsciente sendo pelo sintoma que enlaca 0 que a0 desejo se furta? Se, no inicio de seu ensino, Lacan cor- relacionava 0 pai morto ao significante, depois do Avesso da psicandlise, 0 pai morto passa a ser correlato ao goz0. o falo e 0 “para-ser/a-parecer” Como significante, 0 falo porta a marea da falta simbéli- ca ao universo do discurso. Correlato a falta-a-gozar, 6 traco simbélico, significante tinico ¢ sem par, que nao remete a ou- tro significante e, portanto, nao representa o sujeito. Entretan- to evoca © gozo sexual € sua falta que escoa, se furta e ecoa pelas comportas que o tracado da pulsao delineia no corpo. falo permite uma certa articulagao entre o “pare-ser” (ho- mofonia entre ‘parecer’ ¢ ‘para-ser’ homem ou mulher) do desejante/fala-ser € o real do goz0 no verbo ou seja, a relacao entre a funcio do verbo e 0 gozo subtraido do corpo ‘Tomemos 0 dizer de Lacan em R. S. [: “o falo € a c6pula deste gozo parasitario com a fungio da palavra”, Enlagando 0 real do gozo ¢ 0 simbélico da palavra, signo de gozo, 0 falo nao significa nada. Ele requer um outro significante - §, - para se constituir em saber € ter efeito e sentido sexual. O falo é sem sentido, é reticente em sua unicidade de gozo. Seu “dessenti- do” evoca a “descéncia", que faz homofonia “ao que desce”, “desprende-se’, separase. Por outro lado, equivale ao que, por ‘sujeito e goz0 pudor, resiste na rede significante a dar sentido falico e sexual. falo é “inde-sens”, homofonia com “indecente”, por portar a equivocidade entre 0 decente e indecente, entre a castracao que convoca 0 gozo sexual a se escrever €, 0 gozo feminino que nao se escreve, € irrepresentavel e esta a deriva do sentido (em toda a ambigiiidade do termo “sentido”). O falo enfim convoca 0 gozo ao dizer” sobre o que insiste ¢ se furta ao sentido. Ele nao unifica. Ao contrario, apenas indica faltar um instrumento para o gozo. E marca supléncia da divisio subjetiva, da cas- tracdo e da irrupgao de gozo nas entrelinhas da cadeia associa- tiva, ou seja, é trago daquilo que se repete nas letras de gozo. Ele advém ao lugar onde objeto @sexual clama e inflama 0 sexo. falo é uma aflicao para o homem porque “a menos que haja castracao, quer dizer, alguma coisa que diga nao a funao falica, nao ha nenhuma chance de que um homem goze do corpo da mulher. Dito de outro modo, de que ele faca amor”, Entio, é preciso haver a captura pela linguagem, pe- las falas de amor, melhor dizendo, é preciso que as letras de amor capturem as letras de gozo para que cada sujeito falante possa fazer uso de seu gozo e de seu corpo sexuado no encon- tro entre os sexos. A funcao do falo nao é requisitada simplesmente para estabelecer a c6pula; ele é requisitado para permitir escrever 0s tracos distintivos da diferenga sexual. Sua l6gica é a da dife- renca dos sexos, ou seja, ele se apresenta distintamente nos dois sexos. Convocado ao dizer, por um lado, pelos que sio castrados se enganam com 0 ter, por outro, é convocado para suprir 0 que é “pura auséncia € sensibilidade”” naquelas que, a sua logica, extravasam em continuum porque dele sio priva- dase a ele se furtam. Nesta classe, inserimos a vertente lacaniana que, nas formulas da sexuacio, é relativa a “mulher néo-toda”. Significante impar da elisio simbélica, marca da presen ¢a e auséncia da descontinuidade significante, marca da dife- renga sexual, o falo, entretanto, é um impasse para 0 encontro entre os sexos. Paradoxalmente, é requisitado pelo corpo sexuado por portar a marca da diferenga sexual e da castragio. Rastro de gozo, trago correlato ao einziger zug freudiano, falo também abre a cadeia significante e delineia as vias por onde o 070 indizivel vagueia no litoral do corpo. Ao falo, instrumento de gozo, se endereca o gozo especificamente feminino. O gozo da mulher nao-toda — gozo mais proximo ao real pulsional, gozo quase impossivel de dizer ~ extravasa para além da castra- do € da conseqiiente descontinuidade significante. Considera- " Schemann, O goz0 encena sobre omasoqusmo eater (2003, n 214) *Lacin Oseminino- ro 20: ‘Nas, ance (1979-1973), (1962, p.97), “Lacan Dretizesparaum Conggessa sobre a sensidade femnna(1998, 0749) Lacan DunAutedaure nédte alade 13 denoverbro de 1968) ‘stylus Rio de janeno on &p.b8S abr. 2008 75 moo gozo excedente a l6gica falica. Embora sentido no cor- po, mesmo as mulheres pouco podem dizer sobre ele. Entre- tanto © falo € sua contrapartida, a castracio, comprovam que “nao ha unido do homem e da mulher sem que a castragao determine, a titulo da fantasia, precisamente, a realidade do parceiro em quem ela é impossivel™, Entao, se nao ha castra- cao, nada de encontro sexual. © encontro entre os sexos ocor- re quando 0 falo enlaga 0 gozo sem palavras ao verbo, permi- tindo entéo a cépula entre dois significantes - homem € mu- Iher — para que, na contingéncia do encontro sexual, engen- drem efeitos de significado. Lacan define 0 gozo falico como gozo fora-do-corpo. Por que Lacan afirma ser © gozo falico exilado e subtraido do cor- po? Primeiramente, porque o falo é um obstaculo ao encontro entre 0s sexos. O goz0 falico, contudo, permite conceber logi- camente: “existe a0 menos Um que diz nao a castragao”. Sendo a excecio que faz a regra, o falo sustenta © corpo para que este, na castra¢ao, ndo se desmembre em pedacos de gozo, ou seja, em pequenos a. Por exemplo, lembremos © que dizem algumas mulheres: “Eu nao quero ser amada pelos meus pei- tos, ou minha bunda ou algum outro pedaco de meu corpo” Caso a vertente mulher se restringisse ao alcance da imagem e permanecesse impedida de convocar 0 falo em supléncia ao gozo especificamente feminino, ver-se-ia despedagada em mil pedacos de objetos a. Uma mulher, entdo, convoca o falo em supléncia ao que nela é “pura sensibilidade ¢ auséncia” Sendo 0 gozo falico gozo fora-do-corpo, ao fazer suplén- cia no verbo, ele também convoca o campo do Outro a se ma- nifestar para que, ali, seja encontrado um valor falico aos obje tos em causa no desejo. Objetos que conotames como pulsionais €, que como vimos, s4o correlatos 4 pura perda. Por vezes, quando a pulsio tenta encontrar sua satisfacio nesses objetos e quando estes nao sio conotados em seu valor de ozo falico, 0 empuxo ao gozo pulsional em continuum pode conduzir a mu- Iher do “pai ao pior”, ou seja, a uma devastagdo. Somente refe- rido ao valor falico € castracao, ou ainda, quando suprido em seu valor falico, © goz0, que é pura auséncia, pode produ- zir seus efeitos de significado na contingéncia do encontro en- tre 0s sexos. Enfim, 0 gozo falico sempre necesita de um lugar Outro por se situar em alteridade. Por isso, 0 dizer é convoca- do para que cada um, regido por distintas modalidades de in- vestir no goz0 falico (goz0 este que enlaga no verbo o pulsional que se furta ao corpo), seja significado como homem ou como mulher nas contingéncias do sexo e do encontro amoroso. t aujeww © gue Ocorpo € 0 outro, Um corpo no é sem 0 Outro. Lacan chega a afirmar que 0 “corpo é © leito do Outro”. Para que dois corpos se encontrem nas contingéncias do amor, 0 campo do Outro é convocado para a enunciacao do gozo. © Outro da linguagem se impoe a0 corpo € modula 0 gozo. Norteia os semblantes € nomeia no sintoma as modalidades de gozar, porquanto 0 ob- jeto @ nada pode dizer sobre o sexo. E asexual ¢ estd mais proximo ao real pulsional. Do Outro somente resta um oco para convocar 0 gozo a se manifestar como desejo. Lugar da “Outra cena”, ein anderer Schauplatz, 0 Outro é lugar onde falta © significante - (KX) é lugar da perda original de gozo ~ a. Paradoxalmente, é no campo do Outro que © sujeito/ falasser, efeito da cadeia associativa, encontra uma certa possibilidade de localizar seu gozo para conoté-lo como sexual. Isso ocorre porque © vivente/falasser “encarna” os semblantes falicos aos quais é convocado a apresentar em supléncia ao que se per- deu do Outro ex-sistente. Quando eclode Um-a-menos na ca- deia significante, a falta do Outro é conotada por um amais de g0z0 , entao, é condicao de desejo. O desejo convoca os semblantes, o parecer/@para-ser a se presentar em supléncia ao que desvario. O semblante de a comparece ao corpo sexuado para que ali uma mulher se torne Outra para si mesma. Uma mulher se serve do semblan- te falico como supléncia ao asexual para que, além de se cons- tituir como Outra para si mesma, nao mergulhe na devastacao que @ ameaca caso nao encontre um ponto de basta ao que é da ordem do pulsional. © Outro é conotado por Lacan em sua vertente tanto significante quanto real. No real do Outro a experiéncia do inconsciente é efeito de elisao significante. No discurso, a ca- deia 5,8, mostra a relatividade do entre-significantes copulan- do com 0 saber. Dizer que © Outro é um corpo incorporeo é outra forma de abordar 0 Outro como signo de presenca/au- séncia, corpo simbolico e lugar da ex-sisténcia. O Outro enfim € lugar onde falta ao-menos-um significante para definir 0 sexo € representar 0 sujeito em seu ser de gozo. Entretanto e para- doxalmente, 0 gozo é dito sexual e “ganha corpo” nos sem- blantes convocados ao lugar onde o significante € reduzido a letra de gozo O ato sexual é referido por diversos autores literarios e poetas como “pequena morte”, Por isso, € necessario que a contingéncia do encontro sexual se “realize” no campo do uyius * Aquotemo “csnaturaaacéo da came” é Usado pare mostaro eteto ds incioéncissinboica sobre substincia gozate - ove chamamos came ~;0 axe Produz como eteto oexsiodo gozodocopoque roertato, inst para se toma um czer € enncagio de desejo Lacan O semmnio =o Oevesso cepscardie (1969-1970) (1992, p. 74) Lemoremosadefigdo lacarina desujstocomo ‘aquele ae se represents de un signtcante pa o outro RIUUE JanEHO on ployed — abt, cu “uw Outro. Efeito ¢ causa da desnaturalizagao” da carne, e, como dissemos, nela deixando ressoar os “pecados da carne”, 0 objeto 26 visado pelo desejo do homem como complemento de sua falta como sujeito. Um homem se engana com as equivaléncias que delega ao objeto a, conotando-o com um valor falico. Para uma mulher, este objeto é suporte do gozo em desvario, que Ihe permite “ousar a mascara da repeticao”®. Nas contingéncias do amor e do encontro entre 0s sexos, uma mulher extrai do objeto a seu “ser” de gozo tornando-o equivalente a falta falica daquele que € o desejante, o homem E quando entao uma mulher pode consentir em “encarnar” 0 objeto convocado pelo desejo masculino para que acontegam as contingéncias do encontro amoroso. Uma mulher erige seus semblantes em supléncia ao objeto de gozo que ela consente “encarnar” para se localizar na fantasia de um homem, Nao se trata, contudo, de qualquer objeto, mas apenas daquele no qual ela também encontra ressonancia com 0 Amago de seu ser de gozo. Nao ha A mulher, artigo definido para designar o univer sal, porquanto, por esséncia, a mulher é ndo-toda. O objeto aé © que separa 0 gozo do corpo do govo falico. Embora «sexual, este pequeno objeto é responsavel pelas contingéncias do sexo Uma mulher se endereca ao significante distintivo e sem par para que este advenha ao inominavel. O gozo especificamente feminino insiste e persiste conduzindo uma mulher a buscar um. suplemento no corpo do homem escolhido. Seu gozo nao todo “apaziguado”, gozo impossivel de ser todo dito, contudo, € gozo sentido no corpo que nem mesmo as mulheres conseguem facil- mente enuncislo, Para ser enunciagao, este gozo em continuum se endereca ao falo para que, através do amor, faga com que o 020 consinta no desejo. Assim, uma mulher pode suprir € no- mear 0 gozo-sentido nas metaforas do amor. gozo especificamente feminino nao se escreve no tra- Co significante, a ele extravasa. O gozo Outro se furta ao traco do Um. A légica falo/castrag’o nao chega a intervir no gozo especificamente feminino, deixando um rastro de pulsao a de- riva. Trata-se de um gozo em que © falo, como menos-Um da castracio, nao chega a apagar o rastro, lembrando a mulher de seu gozo amais. E preciso um certo “saber” sobre o gozo sexual. Trata-se, no entanto, de um “saber sem sujeito”, “saber nao-sabido”. Embora possamos dizer que nao “ha mais do que Um (signiti- cante) para dizer 0 sexo”, ou seja, 0 falo, este nao é um significan- te de identificacao. Significante Amo da diferenga entre os se~ Suieita & onze, xos, um homem ¢ uma mulher se reportam a ele de formas distintas para erigir, cada um a sua maneira, seus semblantes. As distintas modalidades de escrita de cada logica, a da mulher ado homem, tém como efeito modos diferentes no exercicio de suas fungdes. Cada sexo se servird e lidara de maneiras dife- rentes com sua modalidade peculiar de gozar. Enfim, o sujeito, masculino ou feminino, constitui suaimagem e seu mundo com as palavras, com as coisas que o rodeia, sobre as quais deposita seu olhar € erige seu semblante. A “relagao sexual impossivel”, © real do sexo, encontra um acesso as contingéncias do encon- tro sexual quando © gozo-sentido se enlaga ao imaginario do corpo e faz sintoma, com sua forma particular de gozar, A me- dida que o inconsciente o determina. O “continente negro” da mulher conduziu Freud a se \dagar e construir um saber sobre o que é “um pai”, sobre 0 que “quer uma mulher”, sobre o “tornar-se mulher”. Embora nao se detivesse especificamente na nogao de gozo, em especi- al, no gozo da mulher, Freud foi por ele questionado ao perce- ber os signos do que se furtava a descontinuidade do desejo. Também foi a mulher quem questionou Freud sobre sua metapsicologia. Em lugar do “ter 0 falo”, Lacan avancou a teo- ria sobre © sexual ao abordar o “ser” de uma mulher, Suas descobertas o levaram ao que é da ordem do impossivel de ser dito, contudo desenvolveu seus estudos sobre “ser 0 falo”, com © qual a histérica tenta se enganar. A histérica se enderega ao mestre tentando fazé-lo consistir imaginariamente para que o falo adquira valor de gozo no simbélico. Embora se trate, mais especificamente, de um S, repetitivo e distintivo, nele a histeria busca localizar € encontrar sua forma de lidar com 0 Outro sexo, alteridade absoluta, gozo peculiar 4 mulher. Para res- ponder a vertente mulher nas formulas da sexuacao, mais uma ver é a histérica que nos ensina ser o falo um semblante. Segun- do Lacan, sio também as mulheres que lembram os homens de que os semblantes falicos, com os quais eles se enganam, pouco valem quando comparados com 0 real do gozo. Ao considerar 0 gozo falico um dos nomes possiveis de Um pai, Lacan ensina que é preciso dele prescindir para dele saber se servir. Destaca-o no enodamento do gozo furtivo no ver- bo. Nem 0 falo nem 0 objeto a portam algum saber sobre 0 sexo. Ambos, no entanto, sio semblantes convocados pelo indizivel Resta ao Outro sexo, a “mulher que nao ex-siste”, a al teridade que extravasa a l6gica falica, suprir a sua privagio nos semblantes fornecidos pelo falo. Por se tratar de um gozo radi calmente ausente do discurso, gozo mais préximo do real e do Stulie Bin de taneion on 8 KO82 ahr Ad wesw ue yemeny pues aut, eu extravio pulsional, o gozo Outro clama por um ponto de basta € convoca o falo para enlacar ao corpo o que é pulsao a deriva Se o falasser recorre ao falo para erigir os semblantes de a, cada sexo ira dele se ocupar de formas diferentes: por um lado, convocando-o no verbo ou traduzindo-o em gozo de Grgao, por outro, recorrendo aos semblantes erigindo o falo em supléncia ao que dele se subtraiu € se furtou a castragio. Para operar qualquer semblante em um “para-ser”, ou seja, “pare- cer” um corpo sexuado, é preciso saber se servir do que € falta, silencio, impasse no discurso do desejo, como exemplificam as metaforas do amor. No mal-encontro com o sexual, cada um goza de seu corpo: que o diga © objeto a que, como dissemos, é signo da disjungao entre saber e gozo! Para que 0 corpo nao seja redu- zido ao real do gozo parasitario, é preciso introduzir a econo- mia do gozo no verbo, nos significantes ¢ semblantes do desejo cuja enunciagao deriva da ex-sisténcia do Outro. Nesse lugar, 0 toma é correlato 4 modalidade de gozo mais particular de um sujeito. E a esse ponto enigmatico, de wopeco e impasse no desejo, que um analista se endereca. Dele advertido, pode ‘er- rar’ (no sentido de vagar) para deixar emergir 0 que é efeito € @feito ao discurso inconsciente. referéncias bibliograticas Frevp, Sigmund. Sobre 0 narcisismo: uma introdugao (1914). 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A long theoretical trajectory was necessary to arrive at the notion de- scribed by Lacan asa “body”, distinguish ing what was detatched from it~ the phal- lic jowissance and something that the im- pulse does not inscribe because it is be- yond the logic of phallic/castration. [twas also necessary to study the notion “One” father as agent and castration cause. In this function, “One” father is equivalent totraumatism. Itwasalso necessary study his effects regarding sexual distinctions in order to build a "mask/visage” by the imaginary register, the symbolic and, at last, the real one. key words Body and impulse, visage and symptom, mode and destiny of the “jouissance”, One traumatic father, traumatism, phallic *jouissance” and specific feminine “jouissance”. stylus "TYabaho aresentadonasY Jeomacas cd Formages Cia dp Campolacariano I Retomo doedio Ocapoentea pacandiseeaciéncia; 2003, zero; tiode knero. Lacan A clénciae averdade (1966/1996, 870) Ver aesserespetoos trabahosreundos em Novees (org). Ofomenrmgqurs, 3 ceéncia macula o corpo 9003) Lacan Aciénoie averdade (1966 1998, p 889). oid, © BBP Rio de Janeiro n. 8 p.69-83 abr. 2004 © corpo entre a psicanilise e a ciéncia! ‘Vera Po1.o Despe. FREUD 0 EMPREGO DO TERMO SUJEITO em psicandlise implica necessariamente 0 suporte corp6reo dos pensamentos inconscientes. Em outras palavras, implica a impossivel disso- ciagdo corpo-espirito. Porém isso nao tera sido sempre assim, ja que, para Lacan, 0 cogito cartesiano representa 0 momento do sujeito historicamente definido em que 0 corpo se exila do pensamento?. Nao como corpo imaginario, 0 qual Descartes tao bem interrogou para demunciar sua prevaléncia sobre a forma dos objetos e responsabiliz-lo por introduzir no pensa- mento obscuridade ¢ confusao. Exila-se 0 corpo de sua nature- za de gozo, do qual 0 fildsofo nada quis saber. Para alguns pesquisadores da contemporaneidade, gene- ticistas, antropélogos e cientistas sociais em sua maioria, que prenunciam 0 advento, em breve, da transposi¢ao computa- dorizada de um corpo a outro, nao apenas de dados fisicos, mas também de dados psiquicos ¢ afetivos, o século XXI repre- sentard o grande marco da realizago do voto de Descartes da separacio, enfim definitiva, entre espirito ¢ corpo? Na opiniao de alguns, nao tardara o dia em que um cor- po robético, porém constituido de material biolégico, estara pronto para servir de receptaculo ao cérebro humano. Outros ainda, seguindo a mesma linha de raciocinio, profetizam que, gracas 4 reprodugao assexuada, em breve nos encontraremos cara a cara com nossos “duplos somaticos”, dos quais seremos a um s6 tempo 0 genitor € 0 irmao gémeo. Em que pese 0 maior ou menor grau de delirio coletivo desse pressigio de um novo laco social, as perguntas que for- mulamos nao sio exatamente novas. Como devem os psicana- listas se posicionar em face da ciéncia que nao-quer-saber-nada da verdade como causa‘? O que podem aprender com os assim chamados “cientistas deste novo século"? Ser-lhes-4 possivel, ainda e sempre, conforme o voto de Lacan, reintroduzir 0 Nome-do-Pai no seio da consideracao cientifica®? Em primeiro lugar, buscaremos apontar sucintamente o modo como 0 corpo se exilou no pensamento de Descartes; em seguida, abordaremos seu retorno no pensamento de Freud; por fim, levantaremos, com Lacan, algumas questées acerca da 84 Sujeito € gozo hiancia entre 0 corpo e o saber, a falha epistemo-somatica’, tal como se apresenta na clinica psicanalitica de nossos dias Descartes, como se sabe, foi acima de tudo um homem de método. O método cartesiano parte do pressuposto de que, para quem investiga a verdade, é preciso, 20 menos uma vez na vida, duvidar de todas as coisas tanto quanto possivel. Além disso, assevera que € necessario ter por falsas as coisas duvida- veis, Causado pelo desejo de certeza, como salientou Lacan, 0 filosofo nao apregoava a diivida pela diivida, € com ela a para- lisia da aco. Ao contrario, estipulava que nesse interim, isto é, enquanto ndo se aleancam as percepcdes claras e distintas, a dtivida nio deveria ser transportada para a pritica da vida. Entre suas Regras para a direcdo do espinito’, encontramos uma a qual Lacan conferiu relevo singular, Trata-se da famosa regra dez, a qual enuncia a necessidade de que cada um per- corra por si préprio caminhos jé percorridos pelos outros, como forma de desenvolver a sagacidade do espirito. Esse percurso parecera necessario a Descartes, entre outros motivos, porque verificara a existéncia de mentes débeis ou “homens embru- tecidos”. Além disso, a regra enuncia que se deve observar € aprender com a arte dos artesaos de telas € tapetes, com a arte das mulheres que bordam e fazem renda, bem como com to- das as combinagdes de ntimeros e todas as operacdes que se ligam aritmética e coisas semelhantes. Tal caminho nos con- duz necessariamente a descoberta da regularidade implicita em grande niimero de arranjos diversos entre si, isto é, @ des- coberta das leis combinatérias que regem até mesmo as ativi- dades que nos parecem mais simples ¢ intuitivas Chamaram-Ihe a atencao 0s muitos erros cometidos pe- los drgios do sentido ¢ o fato de que, nos sonhos, “sentimos ou imaginamos intimeras coisas que ndo existem em lugar algum”. Por isso, na segunda meditacao metafisica, logo apés levantar a suposicao do Génio maligno, astuto ¢ enganador, e indagar até que ponto ele proprio dependia de seu corpo e de seus sentidos, foi levado a “concluir e sustentar que a proposic¢ao: Eu sou, eu existo, & necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espirito” Concluiu também que corpo € mente sao os dois géne- ros supremos das coisas, as quais convém o nome de “substan- . pois nao precisam do concurso de nenhuma outra coisa para existir. A diferenga dos estéicos, que consideravam a lin- guagem um corpo incorpéreo, uma vez que sua subsisténcia *Sxpresso conde Lacan em 1966, ra ccasiio de sua pstcpagin enmesitedonds 1 lego de Mectcna de Pats sobre o tame "Pscandlsee Nesiora’ * Descartes (1596-1650), Rises pow b ctrecon ae fest (163460), Descares. Parcs ds fosoia 1644/2008, 0,93) * Descartes. Méalttions méaotysues (1641/1956, p38). Stylus tacan, Osemvniro «luo 11 Cseparo corcetos hnckmentas anpsicanive (1964/1979, 0,38) * Neologismo cade porlacan porcondensagao dos vacabuos Diay Deus, e oe, dizer. Rio deJaneito. on 8 p.84-56 abr. 2004 a5 dependeria de outro corpo, para os cartesianos corpo é sem- pre matéria, no sentido de “uma certa coisa extensa em com- primento, largura e profundidade”. De um lado, Descartes profetizou © dia em que a indtis- tia humana engendraria as maquinas que Ihe aprouvessem € por elas se deixaria enganar; de outro, excluiu dese conjunto ‘© homem-maquina, pois acreditava que as maquinas jamais reuniriam as palavras € os signos da mesma forma que os ho- mens, com vistas transmission do pensamento, Entendendo o erro nao como a negacao simples ¢ sim como a privacio de um positivo, localizou nos pré-conceitos da infancia a primeira causa de nossos erros, pois, em conseqiién- cia de sua estreita ligag4o com 0 corpo, a mente do infans s6 se ‘ocupa de pensamentos pelos quais sente as coisas que o afe- tam, Afirmou, enfim, que uma coisa que pensa — res cogituns ~, diferentemente de uma coisa extensa, “é uma coisa que duvi- da, que afirma e nega, que quer € nao quer, que imagina sente”. A partir dai, podemos dizer, com Lacan", que os can nhos de Descartes e de Freud convergem para um mesmo pon- to, a fungao da diwvida, motivo pelo qual ambos empregam o termo “pensamentos”. Freud, todavia, nao buscou nenhum Deus como garantia tiltima de seu ato. Ao verificar a existéncia de um pensamento inconsciente no exato lugar em que a divi da adveio, instaurou uma nova discursividade no mundo. Suas visadas eram diferentes, pois enquanto 0 eu penso de Descartes, visando ao real de um “caminhar com seguranca nesse mundo”, derivou no eu sou, 0 eu penso de Freud, visando ao verdadeiro do “sonho impregnado de desejo sexual”, deri- vou no eu ndo sou. Ao interpretar os desejos de um e outro, Lacan pde dizer que Descartes escolheu a via do desejo de certeza, € por isso introduziu na trajetéria do sujeito 0 Outro enganador. Freud, por sua vez, ao escolher a via do desejo pelo verdadeiro, instaurou uma nova ruptura, em que o Outro enganado, e nao mais enganador, passou a ser 0 correlato es- sencial do sujeito; nao apenas porque “isso pensa antes de en- tar na certeza", como também porque um analista é sempre bastante diferente do Deus de Descartes, que “goza efetivamen- te, atualmente e infinitamente de todas as coisas pelas quais os homens almejam e cujas idéias tém em si”, O Dieudire” de Descartes ~ lugar do dizer ou do real, sem o qual nenhuma verdade se sustenta — é um deus volunta- 86 Sujeito e goz0 rioso: as operacées da aritmética sio “verdades eternas” sim- plesmente porque Deus assim as quer. O real freudiano, no entanto, é sem sentido ¢, por isso mesmo, corpo: “umbigo do sonho”, denomina-o Freud. “Automutilacao” ou “libra de car- ne’, diz Lacan, para dar nome a esse “resto que surge entre 0 sujeito ‘outrificado’ em sua estrutura de ficcAo e 0 Outro munca completamente identificavel", ‘A psicandlise é contempornea da ciéncia com a qual “Deus nada tem a ver” ¢ nela constatamos o retorno do “corpo verdadeiro em sua natureza’, Trata-se de um retorno que par- te da crianga perverso-polimorfa, a que Freud se refere em Tris ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905, passa pelo Pe- queno Hans, classificado como “modelo vive de todas as per- versdes", € desemboca na pulsio cujo objeto representa ape- nas de forma muito parcial a funcdo biolégica. O retorno do corpo na psicanilise se estende também da fragmentacao cor- poral, alucinada na esquizofrenia e sonhada na histeria, a0 masoquismo erégeno e primordial, em que 0 corpo préprio é objeto de uma permanente tensao erético-agressiva. Como Freud observa, a idéia que temos de nosso corpo préprio en- contra seu substrato no masoquismo fisiolégico da infancia, pelo qual a tensao devida ao sofrimento culmina em excitagao sexual ‘A experiéncia analitica demonstra que a indugao do Ou- to do significante é a prépria possibilidade de desvio do que seria um corpo puramente biolégico. Demonstra que a fungao da necessidade é sempre menor que a funcao biolégica. A fome, por exemplo, nao se sobrepde & amplidio do processo alimen- tar. Tais fungdes podem inclusive separar-se. Por esse motivo, o termo “psicossomatica”, para Lacan, esta longe de se restringir a0 paralelismo psicofisico em que corpo seria apenas 0 duplo somatico da mente. Indica, entre outras coisas, “a passagem feita para além de todo 0 valor da fé”*. Em outros termos, a propria causalidade psiquica do sintoma ou, se preferirmos, 0 testemunho de que “o Verbo se faz carne”. Corpo sem Deus, em que a fungao biolégica, ao desprender-se da fungao da ne- cessidade, pode ser recortada, isolada ¢ articulada aquilo que s6 funciona valendo-se de sua diferenga absoluta: um signi- ficante, O objeto a, por sua vez, que nao é objeto direto nem indireto, € um outro nome lacaniano para a falha epistemo- somatica. S6 é corpo real na condi¢ao de orificio ou dejeto corporal que nao responde a nenhum saber. ® Lacan, Oseméio- 0 10 Aangista (1968-1963) (nest aulnde 93 de anero.de 1963.) Expresso emoregada por Freud emseutextoAndoe de \unafobizem ummennodecrico anos (1909/1969) "Lacan Osemnéno- lio 8: A tanseréncia( 1960-1981) (1992, p 974) Stylus Rio de Janeito. n.8 — p.84-96 abr, 2004 87, Por fim, a clinica. Um s6 caso, dois sujeitos, dois corpos um discurso. Ha alguns anos, mie e filha me procuraram juntas, movidas inicialmente por encaminhamento médico, logo apés a conclusao do diagndstico da segunda. Filha tempora, aos doze anos ela ja é portadora de um litpus eritematoso sis- témico. Nos termos do médico que a assiste, Tais sofre de uma doenga “que se apresenta de diferentes formas, podendo ter inicio agudo ou insidioso, acometer apenas pele, diversos or- gaos em diferentes graus de gravidade e estar associado ao uso de algumas medicacées. Sua etiologia é desconhecida, mas va- rios fatores parecem implicados em sua génese: susceptibilida- de genética, alteracées relativas ao meio ambiente, agentes quimicos e agentes infecciosos, horménios e alteracGes na esfe- ra emocional”, Como se pode ver, 0 sintagma “esfera emocio- nal” indica aqui o estreito lugar que os compéndios de ciéncia médica atual reservam ao sujeito. Segundo a fala materna, a filha muito desejada — porque cacula € tinica mulher depois de quatro filhos homens -, foi uma crianga sem nenhum problema grave de satide, embora propensa a estados febris sempre que © pai se ausentava de casa por qualquer motivo. Conforme relata, abandonou o emprego logo apés seu nascimento, para dedicar-se inteiramen- te a ela e por sentir-se culpada de ter dado pouca atengao aos filhos homens quando criangas. E capaz, todavia, de recordar- se também do quanto Ihe era dificil t@1a em seus bracos, pois a filha Ihe parecia demasiado fragil, de modo que temia inces- santemente sua queda, se nao algo pior, Observa que temia incessantemente machucéla, se a pegasse no colo, Vale ressal- tar que, até hoje, s6 chama a filha de “Ném". Qual pequena Electra, Tais era de certo modo abando- nada pela mie, pois esta, malgrado seu desejo, era incapaz de tomé-la em seus bracos. Os termos de que se serve o mito para descrever a vida de Electra podem ser aplicados a vida de Tais. Diremos entio que ela “vivia em terrivel pobreza, estreitamen- te vigiada”. E se Electra era vigiada para que se abstivesse de vir um dia a acusar publicamente a mae Clitemnestra com os termos de “adiiltera e assassina”, podemos indagar se o temor da mae de Tais nao Ihe era equivalente. Se for possivel levar um pouco mais longe nossa analo- gia, diremos que parece pesar sobre Tais a mesma ameaca que pesara sobre Electra: “o exilio em uma cidade afastada e ali enclausurada em uma torre onde a luz do sol jamais penetra- 88 Sujeito © goz0 ria", Pois, se assim nao fosse, ela hoje nao estaria proibida de" Gaves(1988,v01 2.0.54) pegar diretamente a luz do sol por recomendagao do médico, nem sonharia morar em uma cidade afastada, para pertencer a uma comunidade de religiosos leigos que, segundo informa, nao necessitam de dinheiro para viver, pois vivem do que plan- tam e colhem, Nesse ponto, lembramos, como acentua Carneiro Ribei- ro (2003) em seu texto “O trago que fere corpo”, que a fora- clusao do “efeito sujeito” na ciéncia promove a proliferacao dos fendmenos psicossomaticos. Nos termos da autora, ao dis- curso capitalista “nio interessa sujeito portador de FPS, pois este desafia os planos de satide, cria despesas inesperadas ¢ onera as companhias seguradoras. O sujeito portador de FPS se equilibra em uma posicdo paradoxal, como efeito de um discurso que o renega”®. * Cameo Rivero (2003,p.51) Os primeiros sintomas da doenga coincidiram com a pri- meira separacao de corpos entre mae e filha, quando esta foi passar uns dias na casa de um irméo ja casado. Lembramos que Tais nao é apenas a tinica mulher entre cinco filhos, como também cagula € tempora. Apresentou nessa ocasiao um acen- tuado emagrecimento, com perda de sete quilos em apenas um més e dores nas articulagdes. O exame de sangue acusou leucopenia € outros exames laboratoriais foram requisitados, uma vez que o diagnéstico de hipus requer outros exames que nio os clinicos Em seis anos de atendimento, Tais s6 falou de sua doen- a uma tinica vez, ¢ isto ha bem pouco tempo. Nessa ocasiio, disse que “deveria estar comemorando 0 fato de se encontrar ha um ano sem tomar medicacao”. Mas ao longo de aproxima- damente trés ou quatro anos de anilise, suas sess6es consistiam em breves comentarios sobre Mimi, a gatinha da casa. Relatava se © pequeno animal comera ou nao, escondera-se ou nao, fugira ou nao de casa, na cama de quem dormira, se fora ou nao perseguida pelo gato da vizinha, quem da casa Ihe dera comida, e assim por diante. O felino parecia desempenhar para elaa fungao do que Winnicott identificou e nomeou de “objeto tansicional”, 0 qual, como sabemos, nio se encontra nem do lado de dentro nem do lado de fora, nao corresponde nem a me nem ao bebé, mas cria para o sujeito o assim chamado “ 9 ” ' a "Vale lemborar que Lacan vis no ‘espaco da ilusio”, em que se inscreverdo posteriormente to- “cheto rensicon oe das as si as filos6ficas, religiosas e sua atividade artisti- Wricctto peciser dei cal”, ‘objeto & Tais nao dizia mais do que uma ou duas frases por ses- sio, porém sempre fazia um convite ao olhar do Outro, em seu Stylus * Refrome aouiao debate cue teve uga emum seminéno da BCL Forumtio (agosto de 2003), em ovetves coportnicace de apresentar alguns aspectos deste caso, ¢ doaua paticoaam, ene ‘utos, Antonio Qunet, Der Cestanet emaiaAntaCarero era Rio de Janeiro n. 8 — p.84-96 abr. 2004 89 dar-a-ver do gozo sem sentido que a consumia. Seus bracos, invariavelmente, € pernas, ocasionalmente, traziam as marcas dos arranhdes que Mimi The fizera. Tratava de um dar-a-ver silencioso, pois, somente quando indagada, explicava a origem das cicatrizes, Dela munca escutei uma palavra sobre amigos e pouquis- simas sobre a escola que freqiientava. Censurava e censura até hoje o pai, qualificando-o eventualmente de “pessoa grossei- ra®, Censura igualmente a conduta das cunhadas, sobretudo no que diz respeito 4 educacao dos sobrinhos. Nessas ocasides, seu aprisionamento nos significantes do discurso materno se torna mais evidente, porém neles se pode ler também sua par- ticipagao no gozo falico. De forma mais regular, em época pre- a, queixava-se também de Pingo, alcunha de um irm3o com quem disputava o videogame. Embora Tais, como dissemos, nao tivesse 0 costume de trazer a anilise seus problemas de satide fisica, preocupase muito, segundo a mae, com qualquer sinal de dor ou de man- cha sobre a pele. Na opiniio desta, a filha solicitava uma con- sulta médica “por tudo e por nada”, por exagero € por medo. Para nés, trata-se antes do signo de sua atribui¢ao de saber ao Outro, pois tampouco falta as sessbes de analise € suporta com dificuldade as férias de andlise. Em determinada ocasiao, fui procurada pelo médico, que comentou ter ouvido dela que sua tristeza era causada pela auséncia da analista. Concluiu 0 segundo grau em 2002 ¢, desde entao, aban- donou 05 estudos por nao ter sido aprovada no concurso de vestibular. O que significa dizer que, em 2003, ficou ainda mais tempo em casa que nos anos anteriores, uma vez que saia ape- nas para ir aos tratamentos ou A igreja. Vale ressaltar que & afilhada de batismo de um padre que seus genitores praticam regularmente o catolicismo, Nesse sentido, seu voto de castida- de ~ além de nao se interessar por rapazes, namoros etc., diz que nao pretende se casar nem ter filhos ~ pode ser interpreta- do como a sustentagio, histérica e inconsciente, do desejo do pai. Tais, no entanto, insiste para que a mae a acompanhe a todos lugares, recusando inclusive a companhia do pai ou de um irmao, Perguntamo-nos se a presenga fisica da mae func na como um parapeito, uma seguranga de controle dos prépri os impulsos, sexuais e agressivos Com base principalmente na concomitancia do desapa- recimento dos arranhdes € dos sintomas da doenga fisica, po- demos levantar as seguintes questoes™: seria possivel pensar em ciframento do gozo do fenémeno psicossomatico através 90 Sujeito € gozo dos arranhées que Tais trazia sistematicamente em seus bracos € pernas, ou seja, poderiamos ler tais arranhdes como marcas de traco unrio, ja que este, por defini¢ao, comemora uma irrupgdo de gozo? Poderiamos entendé-los também como in- dices do que Lacan chamou 0 “Outro gozo”, que se inscreve na intersecdo entre imaginario ¢ real? Tratar-se-ia, nesse caso, do gozo de um significante-mestre que nao encontra o represen- tante da representacao, ou seja, um S, que nao encontra o S, que o recalcaria € sob 0 qual o sujeito desapareceria? Ora, sabemos que © Vorstellungreprasentanz, S, ou signifi- cante bindrio, apresenta necessariamente um sentido ao me- nos duplo. Produz-se assim a hiancia, o intervalo em que o sujeito escapa, ao mesmo tempo em que permanece represen- tado no inconsciente pelo §,. Na hol6frase, como ensina Lacan, ha o fracasso da metafora subjetiva e, sem este desaparecimen- to do sujeito sob 0 significante que o representa, nao ha espaco para a queda do objeto que instauraria a castragio do Outro. Neste ponto, nao ha desejo nem busca de qualquer significa- cao. Tais nada associa ao significante Itipus, mas se sente no dever de comemorar 0 aniversério da suspensao de medica- mento. O niimero se faz presente, pela primeira vez em sua anilise, como um significante no real que assinala o corte na cadeia discursiva, mas também ~ é esta a nossa aposta - como a possibilidade de constituigio de um sintoma que semi-diga sua verdade de sujeito. A formula imperativa que emprega, “devo comemorar”, sugere o fisgar do corpo pelo significante. Eventualmente sonha. Diz ter apreciado uma viagem ao interior do Estado para visitar alguns parentes, em companhia da mae € de um dos irmaos. Indagada sobre o que gostara durante a viagem, responde sem hesitar: “Da aventura de nao saber onde estava”. Em seguida, explica-me que estava se refe- rindo ao dia em que erraram de caminho € nao sabiam como fazer para voltar, acrescentando que caminharam muito, mui- to, muito. Em sua elaboragio tedrica acerca do fendmeno psicos- somatico, Didier Castanet levantou a seguinte pergunta, que desejamos retomar: “Como se pode dizer que, com o fendme- no psicossomatico se fabrica alguma coisa que é como o nome, que tem uma relagdo com a marca, mas que, no entanto, nao se prende na ldgica do significante e é feita com 0 que é total- mente exterior ao significante, que é 0 goz0?!"" Gomo quer que seja, © corpo simbélico com seu goz0 falico bem diferente do gozo da vida, corpo histérico expulso ™ Castanet. Oreal do corco: fendmenes pscossomitcas € foma -incidéncesccas (2003.9. 75) Stylus Rio de Janeiro n. 8 p.84-96 abr. 2004 a1 do discurso da ciéncia, encontrou acolhida em outro discurso Freud o acolheu e, com ele, inaugurou um novo lago social. Lacan Ihe deu continuidade, renovou-o inclusive, ¢ enfatizou a necessidade do didlogo permanente da psicanalise com a cién- cia, Dentro dessa visada, atribuiu a nés, analistas, a dificil tare- fa de reintroduzir 0 Nome-do-Pai - 0 qual funciona como pon- to de basta do desvio que o significante opera sobre 0 corpo biolgico — nas elucubracdes dos homens de ciéncia. De que modo enfrentaremos a falha epistemo-somatica, por meio da qual 0 objeto a se realiza sobre 0 corpo é algo a que nao se pode responder de forma conclusiva, menos ainda univoca. Como lidar analiticamente com 0 gozo que se inscre- ve sobre o organismo e que assinala a satisfacio autista de al- guns sujeitos nao psicéticos, mas para os quais as palavras pare- cem por vezes portadoras de um peso extraordinario? Sabere- mos acompanhélos na ventura de “a’, na aventura de quem nao sabe onde esta? referéncias bibliograficas Azeri, Sonia & Carnerro Runetro, Maria Anita (org.). 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