You are on page 1of 8
Anais do V Congresso de ANPTECRE ~Religdo, Direitos Humaros_ Laicidade” TSSN:2175-9605 A IMAGINAGAO MORAL E A EDUCAGAO EM TOLKIEN Diego Genu Klautau Pés-doutorando PucisP dkiautau@ gmail.com GT 01 - RELIGIAO E EDUCAGAO Resumo: Este trabalho & uma investigaco sobre a pertinéncia da imaginagéo moral como base da cosmovisao literaria de J.R.R. Tolkien (1892-1973). Essa perspectiva é fundamentada na reflex sobre as virtudes classicas e a lei moral, conforme percebida pela Cristandade medieval e expressa até hoje pela Igreja Catélica Romana. O termo imaginacao moral foi cunhado por Edmund Burke (1729-1797) e desenvolvido por Russel Kirk (1918-1994), Ambos 08 autores so considerados expoentes do pensamento politico conservador anglo-saxénico, que critica fundamentalmente a utopia revolucionaria iluminista racionalista que se manifesta com toda forca na revolugao francesa no século XVIII, atravessa todo movimento socialista no século XIX e se toma triunfante nas revolugdes comunistas do século XX. O objetivo do trabalho é compreender como a base para esta cosmovisao conservadora indica uma proposta pedagégica na qual é preciso cultivar imagens e propiciar a absoreao pessoal e criativa de experiéncias literarias, que tratam do desenvolvimento das possibilidades ¢ poténcias da natureza humana, assim como de que forma esta proposta pedagdgica da imaginacao moral apresentada na obra literdria de J.A.A Tolkien. Somente apos esta experiéncia estética € imaginaria, conforme Aristoteles (384 a.C.- 322 a.C.), € possivel entéo exigir um maior esforo racional em diregao a ética e a politica. Essa defini¢ao de imaginagao moral se coaduna com as reflexdes do filssofo Alasdair Macintyre (1929), que busca unir a filosofia moral que trata da formagao das virtudes com as investigagoes da perspectiva narrativa @ historica da experiéncia humana. O método do trabalho é de revisao bibliogrética dos autores citados, sendo que os resultados obtides demonstram que esta conjungao de virtudes e narrativa tem como representante no século XX o eseritor J.R.R. Tolkien, que com sua obra conseguiu resgatar uma proposta de educacao com base na imaginagao moral ¢ as possibilidades e poténcias da natureza humana, fazendo sucesso entre criancas, jovens ¢ adultos da data de lancamento de eu primeiro livro (O Hobbit, em 1937) até hoje. As refer€ncias Lei Moral, conforme propostas por Tomas de Aquino (1225-1274), estao presentes na obra de Tolkien em diversos momentos, sendo um exemplo central da defesa das coisas permanentes que, conforme explica Kirk, é um trago essencial de uma educacao fundada na imaginagao moral. Palavras-chave: Tolkien, Imaginacao Moral, Educagao, Conservadorismo, Lei Moral Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || Em 1925, o escritor inglés J.R.R Tolkien publicou a tradugéio do poema medieval Sir Gawain and the Green Knight. Datado do fim do século XIV, 0 poema do ciclo arturiano escrito na Inglaterra medieval narra as aventuras do cavaleiro Sir Gawain, ou Dom Galvao, que parte da corte do Rei Artur para enfrentar 0 cavaleiro verde, que é na verdade um nobre dominado pela feiticeira Morgana. Apés sofrer as tentagdes dos jogos de cavalaria, do amor cortés adiltero e da magia como artificio para enfrentar a morte, Sir Gawain acaba derrotando Morgana e libertando 0 cavaleiro verde e seu castelo. Ao retornar para a corte arturiana, 0 cavaleiro recebe 0 reconhecimento de seus pares e 0 perdao de seus deslizes. Junto com a traduedo, Tolkien escreveu uma série de notas e estudos sobre 0 poema, pois sendo professor de filologia na universidade de Leeds, procurava elaborar certas chaves de interpretagdio que facilitassem a definigao dos signiticados centrais do texto. Tal hetmenéutica compreendia 0 poema como uma reflexéo moral a partir da narrativa e da imaginagao, elaborando uma literatura que se relacionasse com uma educagdio e uma critica ao ambiente inglés do final da idade média, quando o auge da aristocracia cavalheiresca ja rumava para a decadéncia politica, religiosa e moral, sendo lentamente substituida em prestigio social pela burguesia e pela concentragdo de poder na figura do rei. “in any case it is clear that before he achieved his final version the author was fully aware of what he was doing: vaiting a “moral’ poem, and a study of knightly virtue and manners under strain; for he put in two stanzas (though it may tarry my story’, and “though we may not now lke it”) about the Pentangle, as he sent off his knight to his til, And before he pus in the passage about confession at tho end of the major tal, he has already drawn our attention to the divergence of values, by the clear distinction expressed in lines 1773-4; lines which place the moral law higher than the laws of ‘courtesy’, and explicitly reject, and make Gawain reject adultery as part of courtesy possible to a perfect knight.” (TOLKIEN, 1997, p. 91) Neste trecho, Tolkien se refere ao Pentaculo descrito no poema como o simbolo de Salomao, que esta inscrito no escudo do cavaleiro e significa a sabedoria biblica como defesa contra as tentagdes do jogo de cortesia. A cena da confissdo a qual Tolkien se refere acontece depois que Sir Gawain finalmente recusa os apelos da dama do castelo no qual o cavaleiro esta hospedado, que é casada com seu anfitriéo e mesmo assim © chama para 0 adultério. A confissao acontece justamente porque Sir Gawain aceita um presente da dama, um cinto magico, que supostamente o protegeria dos golpes do cavaleiro verde. Ao aceitar um presente derivado da magia, Sir Gawain cai em tentaco e procura o confessionario para aliviar a consciéncia. Mesmo assim, ele acaba utilizando o cinto no momento fatal, o que na verdade, ao contrario do que se alegava do cinto, acaba permitindo que ele seja ferido. A distineao percebida por Tolkien entre a lei moral ¢ as leis da cortesia é o mote do poema. Mais ainda, € a superioridade da lei moral diante das leis da cortesia (adultério, jogos, orgulho) que a narrativa de Sir Gawain encerra. Essa distingdo se Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || insere entdo na tradigao catélica da literatura pedagégica medieval, afastando-se da tematica corteséo e mesmo citadina na qual a cultura inglesa ja se estabelecia Entender entao a lei moral € a principal chave do texto, A discussao sobre a lei moral é elaborada por Séo Tomas de Aquino no século XIll, na Suma Teolégica, onde apresenta a lei moral como uma pedagogia divina que abrange o reconhecimento racional da origem do homem e da criag&o em Deus assim como a finalidade de tudo o que existe como retomno a Deus. Nesse sentido, a lei moral uma consciéncia da estrutura da realidade do homem, da criagdo e de Deus e de quais consequéncias morais (comportamentais e cognitivas) so necessarias para um corteto ordenamento nessa estrutura da realidade. A lei moral é um reflexo possivel de ser conhecido pelo homem da lei etema que harmoniza o proprio cosmo criado por Deus, sendo tal lei eterna a prépria vontade de Deus que sustenta tudo que existe. Sao Tomas divide a lei moral em trés pilares: a lei natural, presente em todos os povos humanos pela propria estrutura da racionalidade, seja nas manifestacdes miticas barbaras e tribais ou no auge da filosofia grega e romana; a lei antiga, presente no Antigo Testamento e preservada pelos judeus com seus preceitos morais, cerimoniais e judiciais, que revela a dependéncia do homem a Deus, a condico inescapavel do pecado a insuficiéncia do homem de estabelecer a justiga sem a completa entrega a Deus; e finalmente a lei nova, trazida por Jesus Cristo e o Evangelho, que revela a possibilidade de participacdo do homem na prépria Trindade e imersao do homem em Deus, sendo esse processo de santidade promovido pela graga de Deus, pelo sacriticio de Cristo e pela agao do Espirito Santo juntamente com a vontade e a busca do homem, Come catélico romano, Tolkien tinha a educagéo moral fundada nesta visio e consequentemente expressa estes dilemas em suas obras literdrias. Todavia, a percepedo dessa relagdo entre imaginago, moralidade e conhecimento expressa na literatura medieval endossava suas criagdes literdrias de uma perspectiva muito maior que uma simples tabula alegorica moralizante. A moral entao no era apenas uma mensagem pronta a ser transmitida pela imagens, cenas, personagens e didlogos, mas a0 contrario, era uma descoberta pessoal que continha elementos universais que eram percebidos com a beleza da narrativa ficcional. A forga narrativa, sua coeréncia, harmonia € capacidade de estimular o leitor estavam juntas a com a verdade moral presente no texto. A concepgdo de que uma boa narativa era necessariamente bela e Verdadeira, no sentido conter a moralidade universal em sua ficgao, era endossada por Tolkien tanto como escritor quanto como pesquisador de filologia medieval No decorrer de sua carreira, j4 nos anos trinta, ocupando a cadeira de anglo- saxo na universidade de Oxford, Tolkien estabelece a célebre amizade com o professor de literatura C.S. Lewis, iniciando 0 grupo de estudos Inklings, onde muitos outros professores, estudantes e interessados em geral discutiam e produziam obras sobre religido, mitologia, teologia, filosofia e literatura. Dentre os trabalhos derivados deste grupo, esta o livro de Lewis Mero Cristianismo, publicado em 1942. Neste livro, Lewis apresenta explicitamente a lei natural como elemento integrado da natureza racional do homem e confirmado pela experiéncia cist, sendo um dos patriménios do cristianismo de carater universal, especificamente a lei inscrita no coragao dos pagaos, Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || como cita Sao Paulo na Carta aos Romanos (Rm 2, 14-15). Assim, nas décadas posteriores, muitos outros trabalhos tedricos ou literarios de Lewis, Tolkien e os Inklings, perseguiriam essa relagao entre racionalidade, imaginagao e moralidade. Essa perspectiva moral da humanidade ¢ intrinseca a sua natureza, entendendo natureza humana como aquilo que distingue o homem dos demais seres existentes e a0 mesmo tempo define o lugar do homem na existéncia, delimitando sua finalidade (téios) € assim as poténcias (possibilidades de desenvolvimento) que cada homem pode manifestar em vida. Essa discussio remete diretamente a Aistételes, com a atribuicgo da racionalidade especifica (da espécie) do homem, juntamente com a corporeidade e a sensitividade que 0 homem compartilha com os outros animais. Essa perspectiva aristotélica e tomista engendra a discussao sobre a verdade da moralidade humana entendendo verdade como a adequagao da imagem mental com a coisa representada, numa consonancia analogica e proporcional entre o que guardamos na mente com a realidade que podemos perceber com os sentidos. Assim, € possivel investigar a natureza humana em sua realizagdo, seja na vida boa aristotélica (eudaimonia), seja na visdo beatifica de Deus segundo Sado Tomas. E aqui que a literatura serve como expressao desta investigagao, demonstrando atos, didlogos e decisdes de personagens que manifestam essas possibilidades da natureza humana. E por esta razio que Aristételes, no livro Arte Poética, afirma que a literatura € mais filoséfica que a historia, porque esta trata do particular, das contingéncias individualizadas, do acaso e do fortuito, enquanto aquela trata das dimensdes universais, dos comportamentos, reagdes @ pensamentos que podem ser abrangidos para toda a humanidade, justamente porque trata de situagdes nas quais a natureza humana é posta em questao. Contudo, devido a varios fatores histéricos, tanto os conceitos de racionalidade e de verdade quanto 0 de natureza humana foram questionados e alterados a partir do séoulo XVII, criando até hoje uma equivocidade e polissemia que muitas vezes inviabiliza a compreensao de textos antigos e medievais. Essa crise da razio e da natureza humana possibilitou desdobramentos politicos que geraram as doutrinas politicas contemporaneas, desde o liberalismo do século XVIII, os imperialismos do séoulo XIX até os totalitarismos nazistas, fascistas e comunistas do século XX. Especialmente as duas grandes guerras mundiais, provocadas por estas tens6es, foram vividas por Tolkien de forma muito proxima, sendo tenente britanico na primeira guerra e com dois filhos lutando na segunda. Nesse sentido, a atragdo de Tolkien pela discussao da lei moral na literatura, conforme expressa inicialmente em seu estudo de Sir Gawain and the Green Knight e desenvolvida largamente em publicagdes posteriores, possui uma contrapartida na teoria politica no mundo anglo-saxdo com o escritor americano Russel Kirk. Historiador @ literato, Kirk vai desenvolver 0 conceito de imaginagéo moral, para definir essa ‘operacao da racionalidade humana de condensar atos, cenas e didlogos em valores da moralidade através do juizo acerca das possibilidades universais da natureza humana contidas nas obras fiecionais. Destes juizos € possivel entéo estabelecer valores morais Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || € politicos em formas conceituais e tedricas, postulando um senso moral, equivalente a lei natural aristotélica-tomista. Em seu livro A Politica da Prudéncia, Kirk resgata a virtude classica da prudéncia (fronesis), ou sabedoria pratica, para afirmar a necessidade da interagdo entre os meios e fins na atividade politica. A discussao dos fins (té/os) do homem tinha naufragado com a dissolugéo da nogéo da natureza humana universal numa perspectiva individualista e relativista ou numa perspectiva coletivista e totalitéria, enquanto a discussao dos meios se restringia a calculos materialistas e utilitaristas que por si s6 nao poderiam garantir a estabilizagdo politica necessatia para promover uma justa € pacifica ordem social. Dessa forma, Kirk denuncia 0 controle do imaginario e da cultura realizado pelas perspectivas redutoras da raz4o e da natureza humana, buscando defender 0 que chamava de coisas permanentes, que sao os valores universais (bom, belo e verdadeiro) que sao mais adequados a realizagao humana. Essa concepeao politica influenciou o movimento nos Estados Unidos conhecido como conservadorismo, cujo apice foi a administragao de Ronald Reagan nos anos 80 do século XX. Os desdobramentos dos livros de Kirk e suas pesguisas em historia, filosofia politica, moralidade ¢ literatura se estenderam por toda uma geragao de americanos em sua consolidagao contra as ideologias totalitarias e relativistas. Em sintese, Kirk estabeleceu os dez principios conservadores, citados largamente como introdueao a essa corrente de pensamento politico. A relacao entre natureza humana, moralidade e ordem social € referida logo no primeiro principio. “Primeiro, 0 conservador acredita que ha uma ordem moral duradoura. Essa ordem & feita para o homem, @ 0 homem ¢ feito para ela: a natureza humana é uma constants, © as verdade morais $40 permanentes. A palavra ordem significa haimonia. HA dois aspactos ou tipos de ordem: a ordem inteina da alma © a ordem oxtema da comunidade politica. Platéo (427-947 a.C.) ensinou tal doutiina ha vinte ¢ cinco séculos, mas hoje em dia até mesmo pessoas instruidas tm dificuldade para fentends-la. O problema da ordem 6 uma preocupagao priméria dos conservadores dasde que conservador &6 tornou um conceito em politica. Nosso mundo do século XX experimentou as torriveis consaquéncias do colapso da crenga em uma ordam moral, Tal como as atrocidades ¢ os desastres ocorridos na Grécia do séoulo V antes de Cristo, a ruina de grandes nagdes no nosso século mostra o abismo no qual caer fas sosieciades que confundem 0 autointoress9 intoligente ou controles sociais fengenhosos com altemativas agradaveis a uma ordem moral ultrapassada, vA toi dito por alguns intolectuais do esquorda que o conservador aciodita que todas as questées sociais so, no fundo, quastées de moralidade privada. Entendida corretamente, essa afiimagao 6 bastante verdadira. Uma sociedade em que os homens 9 as mulhares sao governados pala crenga numa ordem moral duradoura, por lum forte senso de certo e errado, por conviogdes pessoais de justica © honra, sera uma sociedade boa - soja qual for 0 mecanismo politico utlizado; enquanto, na sociedads, homens @ mulheres astiverem moralmente a dariva, ignorantes ‘das noimas © voltados principaimente para a gratiicagao dos apetites, essa sord uma sociedad ruim = nao importa quantas pessoas votem, ou quao liberal saja a ordem constitucional formal.” (KIRK, 2013, p. 105) Em contraste com a imaginagéo moral, Kirk indicava dois tipos de imaginagéo corompidas e frequentes no mundo contemporaneo: a imaginacdo idilica e a imaginacdo diabélica. A primeira se refere & uma tendéncia de construir utopias Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || politicas fundadas numa reformulagéo completa da sociedade, seja das instituigdes publicas e estatais ou das estruturas culturais que regulam os relacionamentos, como a familia ou a religido, Essa imaginagao é predominante nos movimentos totalitarios socialistas, comunistas ou fascistas, e € resultado de uma tendéncia do iluminismo francés que culminou com o terror do jacobinismo da revolugao francesa. O segundo tipo é a imaginagao que volta suas esperancas para um controle absolut da natureza humana, buscando uma libertagao prometeica dos grilhées naturais e sociais, a partir de uma independéncia voluntarista que impSe os interesses pessoais sobre qualquer norma objetiva. A natureza humana entéo se torna maledvel e mutavel, ao vento de um relativismo moral agudo, engendrado pelo pragmatismo e por uma politica utilitarista e individualista. © termo imaginagéo moral foi utilizado primeira mente por Edmund Burke, politico briténico do século XVIII que criticou intensamente a revolugdo francesa, principalmente pelo descaso dos revolucionarios com a tradi¢ao, com a religiao, com 0 conservadorismo moral e pela utépica busca de uma refundagao social pautada nos delirios de uma razdo fechada ao transcendente, absoluta nas mediagées politicas absorvidas por um estado soberano e inquestionavel. Da mesma forma, Kirk endossa a critica aos totalitarios e estende esta critica aos partidarios do sistema de mercado que esquecem que 0 iluminismo inglés foi baseado numa afirmagao contundente de que o mercado deve ser livre e 0 estado deve garantir a propriedade e os negécios, mas que justamente essa liberdade deve estar sustentada numa moralidade publica forte, clara e tradicional, com as virtudes morais como base da educagdo e das agées dos governantes e dos setores produtivos. Finalmente, esse debate acerca da natureza humana e seus desdobramentos morais € politicos é fulcral hoje na definicao, orientagao e afirmacao juridica dos direitos humanos, ou direitos fundamentals. A critica de que a nogdo de natureza humana como fundamento moral é uma teorizagao politica preconceituosa, ocidental, judaico-cristra e ultrapassada pelos avangos das ciéncias socials, biolégicas e psicolégicas se alinna a um ataque sistematico as diversas religiGes em geral e ao cristianismo em particular, que supostamente afirmariam essa plataforma seméntica em ambito juridico com o interesse em manutengzo do poder ideoldégico tanto junto as massas quanto aos espacos juridicos e institucionais. Um exemplo desse pensamento é a acusagéio de que natureza humana é um conceito sem vinculo com a realidade plural e variada da humanidade, com seus contextos culturais determinantes na formacdo moral e assim sua imposigao a priori favoreceria aos grupos de interesse colonialistas e controladores. Nesse mesmo sentido, a nogéo do voluntarismo individualista recusa as obrigagées politicas advindas de uma identificagdo coletiva de natureza humana universal, preferindo manter a distancia um suposto bem comum como uma finalidade inerente (télos) a essa natureza, O filésofo Alasdair Macintyre, no livro Depois da virtude, apresenta uma resposta que toca nos dois pontos levantados. A concepeao teleolégica da natureza humana se apresenta nas diversas culturas € contextos sociais, pois desde as natrativas miticas Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || das sociedades tribais até os projetos de vida pessoais dos cidadéos das grandes metrépoles, cada ser humano busca construir uma historia que estabeleca um significado condizente com seus valores. Mesmo os que buscam o instantaneo e 0 espontaneo como apice da agéio moral, realizam cdlculos e medigdes para atingir seus objetivos, mesmo que a curto prazo. Essa concepedio narrativa da pessoa aspira necessariamente certa unidade e coeréncia de propésito, que pode ser estabelecido universalmente em trés aspectos. O primeiro como os elementos basicos da preservacdo da vida biolégica e corporal, consequentemente dos prazeres sensiveis; em seguida pela preocupacdo com os relacionamentos sociais, desde os individuos que originaram e propiciaram a vida individual, a estrutura familiar, passando por amigos e grupos escolhidos até a grande discussao do bem comum, que é téo ampliada quanto o horizonte de consciéncia dos sistemas comunitarios, econémicos e politicos do individuo em questo, desde a aldeia tribal até as organizacdes globais; em terceiro, a racionalidade como distintivo da espécie humana, considerada nao apenas em aspectos técnicos, empiricos e instrumentais, mas também nas formulagdes artisticas, filos6ficas e religiosas. Essa investigagao aristotélica proposta por Macintyre admite que existe uma natureza humana identificavel através do estudo das narrativas que fazem parte da estrutura da consciéncia das pessoas e, por isso, a dimensao teleolégica da moralidade humana é passivel de ser estudada, comparada e posta numa investigacdo racional que transcende o contexto em diregao a uma universalidade. Assim, a discuss sobre © sentido da vida baseado nos propesitos de vida, comunidade e razdo, faz parte integralmente da distingdo do homem dos demais seres existentes. E a ordem moral duradoura da qual Kirk se refere no primeiro principio conservador. Por outro lado, essa concepcdo admite a existéncia da influéncia das mediagdes sociais, da forga do contexto cultural na formagao da consciéncia individual. Afinal, ninguém pode participar de uma histria sozinho, pois a realidade humana é de interagdo e os limites de deliberagdo e autonomia pessoal so evidentes na vida em sociedade e nos costumes e tradigdes de comunidades. Nao por acaso este é o quinto principio conservador de Kirk, 0 principio da variabilidade, que afirma a pluralidade de organizagao dos povos para a moralidade dos trés aspectos de vida, comunidade e razo é varidvel de fato e isso incide na responsabilidade individual de cada integrante daquele contexto especitico. Com efeito, essa afirmagao retira do individualismo a prerrogativa de se isolar do bem comum e das consequéncias de seus atos diante do coletivo. E da natureza humana a vida coletiva, assim como as consequéncias morais € politicas que dai advem, ‘Como encerramento, é possivel entdo verificar que as relagdes entre literatura e educagéo sao muito maiores que um alegorismo moralizante ou de um veiculo de transmissdo ideol6giea, mas que a prépria concepedo narrativa da pessoa entende as historias como estruturas da consciéncia teleolégica da natureza humana, atreladas pela inseparavel condigao de agente coletivo na realidade social e politica. A lei moral percebida por Tolkien no poema do século XIV revela uma dimens&o da humanidade que nao trata apenas de contetidos adestradores e manipuladores, a serem Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 || administrados como alienagao e dominagao, mas sim de uma investigagéo profunda acerca da existéncia do homem, dos seus propdsitos mais essenciais e de suas relagSes com seus semelhantes. Referencias ARISTOTELES. Poética. Tradugéo e notas SOUSA, Eudoro de. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1986. ____. Etica a Nicémaco. Sao Paulo: Edipro, 2009. BIBLIA DE JERUSALEM. Sao Paulo: Paulus, 2002. LEWIS, C.S. Mero Cristianismo. Sao Paulo: Quadrante, 1997. MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. Bauru: EDUSC, 2001 KIRK, Russel. A Politica da Prudéncia. Sao Paulo: & RealizagSes. 2013. TOMAS DE AQUINO, Suma teolégica. Sao Paulo: Loyola, 2002. TOLKIEN, John Ronald Reuel. New York: Ballantine Books, 1975. ir Gawain and the Green Knight, Pearl, Sir Orfeo. Anais do Congreso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GTO105 ||

You might also like