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fa? a0 4 Gustavo Tepedino wr Heloisa Helena Barboza Maria Celina Bodin de Moraes CODIGO CIVIL INTERPRETADO Conforme a Constituicéo da Republica VOLUME 1 Parte Geral e Obrigacées (arts. 1° 2 420) 2° EDICAO REVISTA E ATUALIZADA ABPDEA RENOVAR _ Rio de Janeiro * Séo Paulo + Recife 2007 Todos vs direitos reservados & LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RI CEP: 20011-901 - Tel.: (21) 2531-2205 - Fax.: (21) 2531-2135 LIVRARIA CENTRO: Rua da Assembléia, 10 - loja E - Centro - RJ CEP: 20011-901 - Tels.: (21) 2531-1316 / 2531-1338 - Fax.: (21) 2531-1873 LIVRARIA IPANEMA: Rua Visconde de Piraj4, 273 - loja A - Ipanema - RJ CEP: 22410-001 - Tel.: (21) 2287-4080 - (21) 2287-4888 FILIAL RJ: Rua Antunes Maciel, 177 - Sao Cristévao - RJ - CEP: 20940-010 Tels.: (21) 2589-1863 / 2580-8596 / 3860-6199 - Fax: (21) 2589-1962 FILIAL SP: Rua Santo Amaro. 257-A - Bela Vista - SP - CEP: 01315-001 Tel: (11) 3104-9951 - Fax: (1) 3105-0359 FILIAL PE: Rua Gervasio Pires, 545 - Boa Vista - Recife - PE - CEP 50050-070 Tel.: (81) 3223-4988 - Fax: (81) 1176 www.editorarenovar.com.br renovar@editorarenovar.com.br ‘SAC: 0800-21863 © 2007 by Livraria Editora Renovar Ltda. Consetho Editorial Amaldo Lopes Siissekind — Presidente 01822 Carlos Alberto Menezes Direito Caio Técito Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. Celso de Albuquerque Mello Ricardo Pereira Lira Ricardo Lobo Torres Vicente de Paulo Barretto Revisdo ripografica: Luis Femando Guedes Capa: Sheila Neves, Editoragéo Eletrénica: TopTextos Edigoes Graficas Ltda CIP-Brasil. Catalogagio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RU. C438 Cédigo Civil interpretado conforme a Constituigao da Republica - 2.ed. revista ¢ atualizada / Gustavo Tepedino. Heloisa Helena Barboza. Maria Celina Bodin de Moraes. — Rio de Janeiro: Renovar. 2007. 790p. : 23cm. ISBN 978857147-619-6 1. Direito civil. 1. Tepedino, Gustavo. II. Barboza, Heloisa Helena. III Moraes. Maria Celina Bodin. CDD 340.108 Proibida a reprodugdo (Lei 9.610/98) Impresso no Brasil Printed in Brazil Nota a segunda edicéo E com grande alegria que entregamos aos leitores a segunda edigao deste volume, revisto e atualizado, com a inclusdo de sugestées de co-autores e de colaboradores espontaneos. Agradecemos vivamente aos co-autores Profs. Ana Luiza Nevares, Anderson Schreiber, Caitlin Sampaio Mulholland, Carlos Nelson Konder, Gisela Sampaio da Cruz, Tatiana Magalhaes Florence e 4 Prof* Ana Carolina Brochado Teixeira que reviram a versio original, auxiliados pelos bolsistas de iniciagdo cientffica Deborah Pereira, Eduardo Oliveira e Flavia Strong Palmeira. Aos Profs. Aline de Miranda Valverde Terra e Pablo Renteria, pesquisadores do Instituto de Direito Civil, agradecemos a valiosa contribuigdo destinada a unificar as alterag6es e preservar a unidade e coeréncia sistematica da obra. Rio de Janeiro, marco de 2007 Gustavo Tepedino Heloisa Helena Barboza Maria Celina Bodin de Moraes SUMARIO PARTE GERAL (arts. 1° a 232) LIVROI DAS PESSOAS (arts. 1° a 78) TITULOI DAS PESSOAS NATURAIS (arts. 1° a 39)... CAPITULO I Da personalidade e da capacidade (arts. 1° a 10) «vanced CAPITULO II Dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21) CAPITULO III Da auséncia (arts. 22 a 39)... Secio I Da curadoria dos bens do ausente (arts. 22 a 25) Secio II Da sucesso proviséria (arts. 26 a 36).... Segdo II Da sucessio definitiva (arts. 37 a 39)..... TITULO II_ DAS PESSOAS JURIDICAS (arts. 40 a 69) CAPITULO I Disposigées gerais (arts. 40 a 52)........ CAPITULO II Das associagées (arts. 53 a 61). CAPITULO III Das fundagées (arts. 62 a 69). TITULO IIL DO DOMICILIO (arts. 70 a 78)... LIVRO II DOS BENS (arts. 79 a 103) TITULO UNICO DAS DIFERENTES CLASSES DE BENS (arts. 79 a 103) .... CAPITULO 1 Dos bens considerados em si mesmos (arts. 79 a 91) . Segdo | Dos bens iméveis (arts. 79 a 81) ee Segdo II Dos bens méveis (arts. 82 2 84) Secdo III Dos bens fungtveis e consumiveis (arts. 85 ¢ 86)... Secao IV Dos bens divisiveis (arts. 87 e 88)... Secdo V_ Dos bens singulares € coletivos (arts. 8991) .. . CAPITULO II Dos bens reciprocamente considerados (arts. 92297).....192 CAPITULO III Dos bens piblicos (arts. 98 2 103)... . LIVRO IIL DOS FATOS JURIDICOS (arts. 104 a 232) TITULO 1 DO NEGOCIO JURIDICO (arts. 104 3 184) oo... 209 CAPITULO I Disposigées gerais (arts. 104 a 114)... CAPITULO II Da representacio (arts. 115 a 120... CAPITULO III Da condicdo, do termo e do encargo (arts. 12] a 137) 244 CAPITULO IV Dos defeitos do negécio juridico (arts. 138 a 165) Sedo 1 Do erro ou ignorancia (arts. 138 a 144). Segao II Do dolo (arts. 145 a 150). . Segao III Da coagao (arts. 15] a 155) Segdo IV Do estado de perigo (art. 156) ... Segio V_ Da lesio (art. 157) Segdo VI Da fraude contra credores (arts. 158 a 165) ....--- CAPITULO V_ Da invalidade do negécio juridico (arts. 166 a 184). TITULO I DOS ATOS JURIDICOS LiCITOS (art. 185)... TITULO II DOS ATOS ILICITOS (arts. 186 a 188) .... TITULO IV. DA eee E DA DECADENCIA (arts. 189 a 211) 350 CAPITULO I Da prescrigao (arts. 189 a 206)...... ones 350 Segdo I Disposicdes gerais (arts. 189 a 196)... 351 Secdo Il Das causas que impedem ou suspendem a prescrigao a 371 (arts. 197 a 201). Seco III Das causas que interrompem a prescrigdo (arts. 202 a 204)... a Seco IV. Dos prazos da prescrigao (arts. 205 e 206) 397 CAPITULO IL Da decadéncia (arts. 207 2 211) ws ww A21 TITULO VDA PROVA (arts. 212 a 232). 427 PARTE ESPECIAL (arts. 233 a 420) LIVROI DO DIREITO DAS OBRIGAGOES (arts. 233 a 420) TITULO I DAS MODALIDADES DAS OBRIGAGOES (arts. 233 a 285) «sss oss 495 CAPITULO I Das obrigagdes de dar (arts. 233 a 246). Segio 1 Das obrigagées de dar coisa certa (arts. 233 a 242). Segio Il Das obrigagées de dar coisa incerta (arts. 243 a 246) CAPITULO II Das obrigacées de fazer (arts. 247 a 249). CAPITULO III Das obrigagées de nao fazer (arts. 250 e 251). CAPITULO IV Das obrigacées alternativas (arts. 252 a 256) CAPITULO V Das obrigacées divistveis ¢ indivistveis (arts. 257 a 263)...538 CAPITULO VI Das obrigagées solidérias (arts. 264 a 285). Segdo 1 Disposigées gerais (arts. 264 a 266)... Segio Il Da solidariedade ativa (arts. 267 a 274) Segéo III Da solidariedade passiva (arts. 275 a 285)... TITULO II DA TRANSMISSAO DAS OBRIGACOES (arts. 286 a 303) | CAPITULO I Da cessio de crédito (arts, 286 a 298)... CAPITULO II Da assungao de divida (arts. 299 2 303) TITULO II DO ADIMPLEMENTO E EXTINGAO DAS OBRIGAGOES (arts. 304 a 388). CAPITULO I Do pagamento (arts. 304 a 333) ... Secdo | De quem deve pagar (arts, 304 a 307) Seco Il Daqueles a quem se deve pagar (arts, 308 a 312) Secéo Il Do objeto do pagamento ¢ sua prova (arts. 313 a 326)........609 Secio IV Do lugar do pagamento (arts. 327 a 330). Secdo V_ Do tempo do pagamento (arts. 331 a 333)... CAPITULO II Do pagamento em consignagao (arts. 334 a 345) CAPITULO III Do pagamento com sub-rogagio (arts. 346 a 351) CAPITULO IV Da imputaco do pagamento (arts. 352 a 355) CAPITULO V_ Da dagao em pagamento (arts. 356 a 359)... CAPITULO VI Da novacio (arts. 360 a 367)... CAPITULO VII Da compensagio (arts. 368 a 380) CAPITULO VIII Da confusio (arts. 381 a 384) CAPITULO IX Da remissio das dividas (arts. 385 a 388) TITULO IV DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAGOES (arts. 389. 420) ocsrseoessneencinenenee ae CAPITULO I Disposicées gerais (arts. 389 a 393) CAPITULO I] Da mora (arts. 394 a 401)... CAPITULO III Das perdas e danos (arts. 402 a 405) CAPITULO IV Dos juros legais (arts. 406 ¢ 407)... CAPITULO V_ Da cldusula penal (arts. 408 a 416) ... CAPITULO VI Das arras ou sinal (arts. 417 a 420) AUTORES Gustavo TEPEDINO Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Pro- fessor do Programa de Doutorado em Direito Civil Comparado da Univer- sidade do Molise, Itélia. Professor Visitante das Faculdades de Direito das Universidades de Poitiers, Franga (1999), e Sao Francisco, EUA (2002). Heloisa Helena BARBOZA Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Livre-Docente pela Faculdade de Direito da UERJ. Procuradora de Justica do Estado do Rio de Janeiro, aposentada. Maria Celina BODIN DE MORAES Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Professora Associada do Departamento de Direito da PUC-Rio. Doutora em Direito Civil pela Universita degli Studi di Camerino. Professora do Programa de Doutorado da Universita degli Studi di Salerno. Alexandre FERREIRA DE ASSUMPCAO ALVES Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor Adjunto de Direito Comercial da Faculdade de Direito da UERJ. Alinne ARQUETTE LEITE NOVAIS Mestre em Direito Civil pela UERJ. Juiza de Direito no Estado de Minas Gerais. Ana Carla HARMATIUK MATOS Mestre e Doutora em Direito das Relagées Sociais pela UFPR. Pés-gradua- da em Teorias Criticas do Direito e Democracia pela Universidade Interna- cional de Andaluzia, Espanha. Professora Substituta de Direito Civil da UFPR. Tutora da disciplina Filosofia do Direito na Universita degli Studi di Pisa Ana Luiza MATA NEVARES Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutoranda em Direito Civil na UERJ. Professora de Direito Civil da PUC-Rio e do Curso de Especializagio em Direito Civil Constitucional da UERJ. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Direito Civil. Advogada, Ana Rita VIEIRA ALBUQUERQUE Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil da Univer- sidade Estdcio de SA. Defensora Ptiblica do Estado do Rio de Janeiro. Anderson SCHREIBER Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutor em Direito Privado Compa- rado na Universita degli Studi del Molise. Professor de Direito Civil da PUC-Rio. Advogado. Barbara ALMEIDA ARAUJO Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogada. Bruno LEWICKI Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor de Propriedade Intelectual da IBMEC-RJ. Coordenador Editorial da Revista Trimestral de Direito Civil. Advogado. Caitlin SAMPAIO MULHOLLAND Mestre e Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil da PUC-Rio. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Di- reito Civil. Carlos Affonso PEREIRA DE SOUZA Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da FGV e da PUC-Rio. Advogado. Carlos Alberto YOUNG TOLOMEI ARAUJO Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da Pés-gra- duagio lato sensu da UERJ. Advogado. Carlos Edison do REGO MONTEIRO FILHO Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil e Vice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Carlos Nelson KONDER Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutorando em Direito Civil na UERJ. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Direito Civil. Cristiano CHAVES DE FARIAS Mestre em Ciencias da Familia na UCSal — Universidade Catélica do Salvador. Professor de Direito Civil do Curso de Graduagao e Pés-gradua- io das Faculdades Jorge Amado, do Curso de Pés-graduagao da UNIFACS € do Curso JusPODIVM. Promotor de Justica no Estado da Bahia Daniela TREJOS VARGAS Mestre em Direito Constitucional pela PUC-Rio e Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil e de Direito Internacional Privado da PUC-Rio. Danilo DONEDA Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil dos Cursos de Pés-graduacao da UERJ. Pesquisador visitante na Scuola di Spe- cializzazione in Diritto Civile dell'Universita degli Studi di Camerino Eliane Maria BARREIROS AINA Mestre e Doutora em Direito Civil pela UERI. Professora de Direito Civil 7 Universidade Estécio de $é. Defensora Publica no Estado do Rio de aneiro. Fabiana RODRIGUES BARLETTA Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutoranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional na PUC-Rio. Professora Assistente do Departa- mento de Direito da Universidade Federal de Vigosa Gabriela TABET Mestre em Direito Civil na UERI. Promotora de Justica no Estado do Rio de Janeiro. Gisela SAMPAIO DA CRUZ Mestre em Direito Civil pela UERJ ¢ Doutoranda em Direito Civil na UERJ. Professora de Direito Civil dos Cursos de Pés-graduacio lato sensu da UERJ. Membro do Conselho Assessor da Revista Trimestral de Direito Civil. Advogada. Guilherme MAGALHAES MARTINS. Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERIJ. Professor de Direito Civil dos Cursos de Pés-graduacio lato sensu da UERJ e dos Cursos de Graduagio e Pos-graduacao da UCAM. Promotor de Justica no Estado do Rio de Janeiro. Heloisa CARPENA Mestre e Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito do Consumidor dos Cursos de Pés-graduacao lato sensu da UERJ. Procuradora de Justica do Estado do Rio de Janeiro José Eduardo COELHO BRANCO JUNQUEIRA FERRAZ Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogado. José Roberto de CASTRO NEVES Mestre em Direito pela Universidade de Cambridge e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da PUC-Rio. Advogado. Juliane FERNANDES QUEIROZ Mestre em Direito Civil pela UFMG e Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora de Direito Civil da PUC-Minas. Kelly Cristine BAIAO SAMPAIO BIGOGNO Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutoranda em Direito Civil na UERJ. Coordenadora e Professora de Direito Civil das Faculdades Doc- tum-Leopoldina, Leonardo de ANDRADE MATTIETTO Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da UCAM e dos Cursos de Pés-graduacio lato sensu da UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Luciana PADILHA LEITE LEAO DA SILVA Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos. Marcelo JUNQUEIRA CALIXTO Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutorando em Direito Civil na UERJ. Professor Agregado do Departamento de Direito da PUC-Rio. Professor dos Cursos de Pés-graduagao lato sensu da UERJ, PUC-Rio e FGV. Conferencista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ). Advogado, Maria Christina de ALMEIDA Doutora em Direito das Relagdes Sociais pela UFPR. Professora de Direito Civil da Unibrasil e do Curso de Pés-graduagio stricto sensu da Unimar. Presidente do IBDFAM, Seccional Parana. Advogada. Mauricio MOREIRA MENDONCA DE MENEZES Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutorando em Direito Civil na UERJ. Professor de Direito Comercial da UERJ. Advogado. Paulo NEVES SOTO Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da UCAM. Pedro OLIVEIRA DA COSTA Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogado. Roberta MAURO E SILVA Mestre em Direito Civil pela UERJ e Doutoranda em Direito Civil na UERJ. Professora de Direito Civil da PUC-Rio. Advogada. Rose MELO VENCELAU MEIRELES Mestre em Direito Civil pela UERJ ¢ Doutoranda em Direito Civil na UERJ. Professora dos Cursos de Pés-graduacio lato sensu da UERJ. Profes- sora de Direito Civil da UCAM ¢ da UVA. Procuradora da UERJ. Advogada. Sandra MARQUES MAGALHAES Professora de Direito Civil do Centro Universitério da Cidade. Advogada da Unio. Sérgio Ricardo SAVI FERREIRA Mestre em Direito Civil pela UERI e Doutorando em Direito Civil na UERJ. Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Uni- versidade de Nova lorque. Pés-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM. Advogado. Silvana Maria CARBONERA Mestre e Doutora em Direito das Relacées Sociais pela UFPR. Coordena- ee ee de Direito do Unicenp. Professora de Direito Civil da ‘nibrasil Tatiana MAGALHAES FLORENCE Mestre em Direito Civil pela UERJ. Advogada Teresa NEGREIROS Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Dou- tora em Direito Civil pela UERJ. Advogada Vladimir MUCURY CARDOSO Mestre em Direito Civil pela UERJ. Professor de Direito Civil da PUC-Rio, da FGV on line e da Pés-graduacao lato sensu da UERJ. Advogado. Apresentacao A promulgagao do Cédigo Civil de 2002 tornou imperiosa a necessi- dade de reelaborar a disciplina aplicdvel as relacdes juridicas de direito privado. A codificacao estimulou a busca por respostas interpretativas que compatibilizem os novos modelos legislativos com a experiéncia cultural e jurisprudencial historicamente construida. Deste fenémeno resultou um afluxo sem precedentes de comentérios ao Cédigo Civil, igualmente dire- cionados ao atendimento da crescente demanda por habilitagao profissio- nal e docente que se verifica em todo o Brasil. Projetos editoriais os mais variados tém sido lancados nesse sentido, com maior ou menor sucesso, nao sendo simples a compreensio sistematica do Cédigo Civil. Mostra-se por vezes extremamente drdua a identificagdo de solucées interpretativas consenténeas com a dicgdo de determinados preceitos e coerentes com o ordenamento juridico. Sobretudo quando este é com- preendido como um sistema juridico aberto e historicamente condiciona- do, a um sé tempo compativel com fontes normativas diversas e permed- vel aos estimulos e interferéncias que incidem sobre a norma juridica, na relacio dialética que se estabelece com 0 fato social. Este resultado her- menéutico somente se consegue alcancar mediante a utilizacdo direta e imediata da normativa constitucional, expressao dos valores e dos princi- pios que unificam 0 sistema de fontes normativas e traduzem a identidade cultural da sociedade brasileira. A interpretagdo do Cédigo Civil a luz da Constituigéo da Reptiblica Pretende, portanto, oferecer soluges hermenéuticas a partir dos proble- mas identificados na jurisprudéncia, tendo-se em conta o conteddo e a técnica legislativa do Cédigo Civil, na perspectiva civil-constitucional. A peculiaridade desta metodologia esta justamente na fixagao de cri- térios hermenéuticos que assegurem a mobilidade do sistema juridico e redimensionem o principio da seguranga. Procura-se definir uma nova dogmatica ndo a priori mas na prépria atividade interpretativa. Além disso, pretende-se afastar, por um lado, a visio formalista do cédigo como um fim em si mesmo e, por outro lado, os arroubos autoritarios de quem, no intuito de ser fiel as categorias classicas do direito civil codificado, prescinde dos comandos constitucionais na solucao de conflitos interpri- yados, acabando por impor subjetivamente ~ e sem 0 esteio do voto popular - 0 que julga ser a melhor doutrina ou a melhor interpretagao, baseando-se em duvidoso bom senso, que exprime uma percepsio discri- ciondria da realidade social (com inegavel déficit democratico). ‘A obra apresentada ao puiblico tem caracteristicas inéditas na literatu- ra juridica nacional, com contribuigio de 44 autores em comunhio pro indiviso, ou seja, sendo cada autor responsdvel pela obra como um todo. Eis uma singularidade que, embora representando extraordindrio esforgo conjunto, mostrou-se essencial para 0 escopo almejado. Com efeito, a interpretagao verdadeiramente sistematica requer 0 compromisso de to- dos os autores com o resultado integralmente considerado, respeitados democraticamente os dissensos e harmonizando-se o produto final, apés reflexdes e debates intensos, pelos Coordenadores. Tem-se aqui o primeiro de 4 volumes que estao sendo elaborados com a mesma metodologia, e sempre com 0 critério de atribuigao da autoria ao coletivo dos autores. Tal aspecto ressalta ulteriormente a pujante e feliz renovagao dos quadros docentes dos cursos juridicos, cuidando-se de diversas geracoes de professores, provenientes de formagées académicas diferenciadas, reunidos, contudo, na tarefa de compreender o direito como fenémeno social ¢ elaborar uma nova dogmitica para o direito civil contemporaneo. Em linguagem deliberadamente sintética e objetiva, a obra apresenta alentado repertério jurisprudencial, a partir do qual sio indicados os pro- blemas e possiveis solucdes interpretativas para 0 Cédigo Civil no ambito da legalidade constitucional. Esperamos que o resultado seja util para os estudantes, estudiosos e profissionais do direito, de modo a instigar 0 debate e propiciar uma cada vez maior aproximagio da comunidade juri- dica com 0 direito civil constitucional. Rio de Janeiro, agosto de 2004 Gustavo Tepedino Heloisa Helena Barboza Maria Celina Bodin de Moraes AAINQ AC ‘Ac. Rese. ACO ADC Adcoas ADCT ADIn. ADPF Adv-Coad Ag. Ag. Inst. ‘Ag. Reg. Ag. Reg. Ag. Inst. ‘Ag. Reg. RE. ‘Ag. Reg. REsp Ajuris AO AOE AOR AP. Ap. Civ. Ap. Cr. art. ARy AS BGB ABREVIATURAS Agravo Regimental no Agravo Regimental no Inquérito Acao Cautelar Acdo Resciséria Aco Civel Origindria Agao Declaratéria de Constitucionalidade Boletim de Jurisprudéncia ADCOAS Atos das Disposigées Constitucionais Transitérias Acio Direta de Inconstitucionalidade Argiiicao de Descumprimento de Preceito Fundamental Boletim de Jurisprudéncia ADV-COAD Agravo “interno” (art. 557, §1°, CPC) Agravo de Instrumento Agravo Regimental Agravo Regimental no Agravo de Instrumento ‘Agravo Regimental no Recurso Extraordinério Agravo Regimental no Recurso Especial Boletim de Jurisprudéncia AJURIS Aco Origindria ‘Acio Origindria Especial Agio Ordinéria Regressiva Agio Penal Apelacio Civel Apelacao Criminal artigo Argiiiggo de Relevancia Argiigdo de Suspeigéo Cédigo Civil alemao ce cc CA Cart, Rog. Cc CLT Cm Conf. Comp cp crc CPP cT CTB CIN 2 Den Ds DL. Dleg ECA Emb. Decl Emb, Decl. Ag. Rese Emb. Div. Emb. Div, REsp Emb, Infr ER ES EV Camara Civel combinado com Conflito de Atribuicgées Carta Rogatéria Cédigo Civil Brasileiro de 2002 Cédigo Civil de 1916 Cédigo Civil alemao Cédigo Civil francés Cédigo Civil italiano Cédigo Comercial Cédigo Civil portugués Camara Criminal Cédigo Civil suigo Cédigo de Defesa do Consumidor Camara de Direito Pablico (TISP) Camara de Direito Privado (TJSP) Constituicdo de 1988. confronte-se Conflito de Jurisdigao Consolidagao das Leis Trabalhistas Comunicagéo Conflito de Competéncia Cédigo Penal Codigo de Processo Civil Cédigo de Processo Penal Carta Testemunhdvel Cédigo de Transito Brasileiro ‘Cédigo Tributério Nacional Decreto Dentincia Diério de Justiga da Unidio Decreto-lei Decreto legislativo Estatuto da Crianca e do Adolescente Embargos de Declaragéo Embargos de Declaragdo em Agdo Resciséria Embargos de Divergéncia Embargos de Divergéncia em Recurso Especial Embargos Infringentes Embargos Remetidos Excegio de Suspeigéo Excegio de Verdade Ext. HC HDt IA IF Ing Int. IP IPE julg. LC. LICC og LRP LS LTr Extradicao Habeas Corpus Habeas Data Inquérito Administrativo Intervencao Federal Inquérito Interpelacio Inquérito Policial Inquérito Policial Especial julgado Lei Lei Complementar Lei de Introducdo ao Codigo Civil Lei de Faléncias Lei dos Registros Publicos Liquidagao de Sentenga Revista da Editora LTr Medida Cautelar Mandado de Injungéo Mandado de Seguranga namero Notificagdo pagina por exemplo Processo Administrativo paragrafo tinico Pedido de Avocacao Processo Crime Peticao Processo Judicial paginas Priséo Preventiva para Extradigao publicado Queixa Crime Questo de Ordem Recurso de Apreensao de Livro Recurso Criminal Reclamagao Revista de Direito Civil Revista de Direito do Consumidor Recurso Extraordindrio registro REsp. RF RGI RHC RHDt RITISP RLS RMI RNE ROMS ROrd Rp RR RST RT RTDC RTS RvC SA sD SE SEC ss. STF st) Susp. Lim Susp. Seg. Susp. Tut. Ant. t a0 TAR TR TRF-la Reg, TRT vol Recurso Especial Revista Forense Registro Geral de Iméveis Recurso em Habeas Corpus Recurso em Habeas Data Revista do Tribunal de Justicga do Estado de Sao Paulo Recurso de Liquidacao de Sentenca Recurso em Mandado de Injungéo Retificacao de Nome Estrangeiro Recurso Ordindrio em Mandado de Seguranca Recurso Ordinario Representacdo Recurso de Revista Revista do Superior Tribunal de Justiga Revista dos Tribunais Revista Trimestral de Direito Civil Revista Trimestral de Jurisprudéncia Revisio Criminal Sentenga Arbitral Suspensio de Direitos Sentenga Estrangeira Sentenca Estrangeira Contestada seguintes ‘Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justica Suspensio de Liminar Suspensao de Seguranga Suspensio de Tutela Antecipada tomo Turma Tribunal de Alcada do Rio de Janeiro Tribunal de Justica do Rio de Janeiro Tribunal Regional Federal da 1* Regiao Tribunal Regional do Trabalho vide volume PARTE GERAL LIVRO I DAS PESSOAS TITULO I DAS PESSOAS NATURAIS CAPITULO I DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE BIBLIOGRAFIA: Antonio Junqueira Azevedo, “Responsabilidade Civil dos Pais”, in Y. $. Cahali (org.), Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudéncia, 2. ed., Sa0 Paulo, Saraiva, 1988; Arnoldo Wald, Curso de Direito Civil Brasileiro: Introdugdo e Parte Geral, 7. ed., $40 Paulo, Revista dos Tribunais, 1992; Caio Mario da Silva Pereira, Direito Civil: Alguns Aspectos da Sua Evolugao, Rio de Janeiro, Forense, 2001; Caio Mario da Silva Pereira, Instituigdes de Direito Civil, vol. I, 20. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004; Carlos Roberto Gongalves, Direito Civil Brasileiro: Parte Geral, vol. 1, $30 Paulo, Saraiva, 2003; Clovis Bevilaqua, Cédigo Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, vol. |, 7. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1944; Clovis Bevilaqua, Teoria Geral do Direito Civil, Campinas, Red Livros, 2001; Fabio Ulhéa Coelho, Curso de Direito Civil, vol. 1, S40 Paulo, Saraiva, 2003; Francisco Amaral, Direito Civil, 5. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003; F. 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Direito vigent 9.099/ 1995, arts, IAN, © 5% 1; CC, arts, 3°58 © E21; LICC, art, 78:1 nt. 3°, § 28, Codigo Civil An 12, Direito anterior: CC1916, art. 2%. ComentAnto: 1, A recodificagao na legalidade constitucional. O dispo- silivo reproduz quase textualmente a dicgio do art. 2° do Cédigo anterior, © qual, conforme observou Clovis Bevilaqua, “é uma afirmacdo do valor juridico dos seres humanos, sem distingdo de sexo nem de nacionalidade A todos, de onde quer que venham, 0 Codigo faculta o ingresso na cidadela do direito ¢ oferece as segurancas da ordem juridica. A escravidao e todas as instituigdes, que anulam a liberdade civil, s4o repelidas. Dentro do circulo, que a lei traga, para ditigir e harmonizar a atividade humana, 0 homem € livre € pode desenvolver as suas energias, adquirindo e conser- vando valores juridicos” (Codigo Civil, p. 181). Afirmar o valor juridico de todos os seres humanos, para 0 codificador do século XIX, significava a consagracdo da igualdade formal, e concedia ao sujeito de direitos a mais ampli esfera de liberdade, no interior da qual ele pudesse exercer com plenitude os direitos subjetivos dos quais fosse titular; em outras palavras, “o valor originario ¢ fundamental era constituido pelo individuo, por sua capacidade individual, por sua liberdade de escolher suas proprias metas, seus objetivos, assumindo sozinho o risco do sucesso € do fracasso” (Maria Celina Bodin de Moraes, “Constituigao e Direito Civil: Tendéncias”, p. 52). Na atualidade, a crenca no chamado “papel constitucional” do Cédigo Civil e no “individualismo como verdadeira religiao”, caracteristicos das codificagées liberais, dao lugar a tutela da pessoa humana de acordo com as suas necessidades existenciais, a partir de uma releitura do direito civil a luz da Constituigo, “de maneira a privilegiar (...) os valores ndo-patrimo- niais e, em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento da sua personalidade, os direitos sociais ¢ a justica distributiva, para cujo atendimento deve se voltar a iniciativa econémica privada e as situacdes juridicas patrimoniais” (Gustavo Tepedino, “Premissas”, p. 22). Assim, por intermédio de intensa legislagao extracodificada, volta-se o ordenamento nao mais para o “individuo”, abstratamente considerado, mas para a tutela da pessoa humana nas concretas e diferenciadas relagdes juridicas em que se insere, como forma de assegurar os principios constitucionais da solida- tiedade social (art. 3°, I) e da igualdade substancial (art. 3°, IV). Nessa perspectiva merece protegio especial do ordenamento a crianga e 0 adoles- cente (L. 8.069/90), o consumidor (L. 8.078/90) e assim por diante. Como se vé, a perspectiva das codificagoes liberais era radicalmente diferente, na medida em que “a relagio juridica, classicamente moldada, leva em conta uma nogao abstrata e genérica das pessoas. A propria pessoa € que se coloca in abstrato, perfil juridico nao definido a partir de suas 3 Ant 1 Codigo Civil condicdes concretas; compreende imensa gama, independente de sua con- digae econdmica, social ou historica, nogao que tem a pretensio de inscre- todos ao mesmo tempo” (Luiz Edson Fachin, Teoria Critica do Direito p. 84), 2. Personalidade e capacidade. A personalidade é definida pela doutrina como a aptidio para adquirir direitos e contrair obrigagées, da qual todo homem — conforme a expressio que empregava o art, 2° do CC1916 — é dotado (Caio Mario da Silva Pereira, Instituigdes, pp. 213-214). Tal definicao jf se encontrava, entre outros autores, na obra de Clovis Bevilaqua, que preferia a redacdo do seu projeto primitivo, onde, ao invés de homem’, lia-se “ser humano”, expresso que ele considerava mais compreensiva. alcangando também os nascituros (Cédigo Civil, p. 181) Como explicou Rui Barbosa, contudo, a comissao revisora do Projeto de Clovis nao abragou a doutrina que identificava 0 inicio da personalidade na concepeio. “bem que sob a cliusula do nascimento com vida" (Parecer, p. 33), mantendo-se o Cédigo de 2002 na mesma técnica. Como observado em doutrina, 0 respeito pela pessoa humana “polariza as tendéncias juridicas de nosso tempo (...). Constituido 0 direito por causa do homem. centraliza este todos 0s cuidados do ordenamento juridico e requer 2 atengio do pensamento contemporineo” (Caio Mario da Silva Pereira, Instituigdes. pp. 215-216). A rigor. ha dois sentidos técnicos para 0 conceito de personalidade. O Primeiro associa-se 3 qualidade para ser sujeito de direito, conceito aplicé vel tanto as pessoas fisicas quanto as juridicas. O segundo traduz 0 conjunto de caracteristicas ¢ atributos da pessoa humana, considerada objeto de protecio privilegiada por parte do ordenamento. bem juridico representado pela afirmacio da dignidade humana, sendo peculiar, portanto, @ pessoa natural (Gustavo Tepedino. Temas. p. 26 e ss.). A pessoa humana consiste na “pessoa natural”. traduzida no titulo deste capitulo. expressio que a maior parte dos autores prefere para contrapor a pessoa juridica. Provavelmente por encerrar uma polissemia, a nogao de personalidade acaba sendo utilizada a um s6 tempo como valor e como aptidio para ser sujeito de direito. Resultam dai dois equivocos graves. Em Primeiro lugar. a atribuic3o do valor juridico representado pela personalida- de indistintamente a pessoas naturais e juridicas. Em segundo lugar, a atribuicao de personalidade a todos entes a quem 0 ordenamento confere a qualidade de ser sujeito de direito. Tais conclusdes nao colhem. Persona- lidade como valor. j4 se disse, é caracteristico da pessoa humana, atraindo, Por isso mesmo, disciplina juridica tipica e diferenciada, propria das rela- G6es juridicas existenciais. J4 a qualidade para ser sujeito de direito o ver Cit Codigo Civil An 18 orcenamento confere indistintamente a todas as pessoas e, segundo opgdes de politica legislativa, pode fazé-lo em favor de entes despersonalizados. Por isso mesmo, deve-se preferi designar este tiltimo sentido de personali- dade como subjetividade, expressio que, de resto, nao é incomum em doutrina (por todos, Francisco Amaral, Direito Civil, p. 220, para quem “a personalidade ou subjetividade, significa, entao, a possibilidade de alguém ser titular de relag6es juridicas”). Em outras palavras, a personalidade, ao contrario da subjetividade, & expressio da dignidade cla pessoa humana e objeto de tutela privilegiada pela ordem juridica constitucional (Gustavo Tepedino, “Crise de Fontes Normativas”, p. XXVI e ss.). 3. Capacidade de direito e capacidade de fato. Capacidade de direito, também chamada de capacidade de gozo ou capacidade de aquisi- ¢do, é a “faculdade abstrata de gozar os seus direitos”. Cuida-se de critério quantitativo, que se opde ao critério qualitativo da subjetividade. A subje- tividade, como se viu, indica uma qualidade, a aptidao para ser sujeito de direito, A capacidade, ao revés, é a intensidade do scu contetido, por isso mesmo € considerada comumente a medida da subjetividade. Dai a afirma- Gio de José de Oliveira Ascensio de que “o conceito de personalidade juridica € estritamente qualitativo. A personalidade é uma suscetibilidade abstrata de titularidade. Nada nos diz sobre a extensao dessa titularidade. Nao sabemos através do conceito de personalidade se uma pessoa tem muitos ou poucos direitos: sabemos apenas que os pode ter” (Direito Civil, p. 135). Nao se nega ao individuo a qualidade para ser sujeito de direito, dai resultando na atribuigao generalizada de capacidade de direito. Esta pode ser ou no acompanhada da capacidade de fato, ou seja, “a capacidade para a aquisi¢ao dos direitos e para exercé-los por si mesmo”, Afinal, “quem tem aptico para adquitir direitos deve ser habil a gozi-los e exercé-los, por si ou por via de representagao” (Caio Mario da Silva Pereira, Jnstituigées, p. 263). Portanto, ter plena capacidade de fato é ter aptidao para utilizar os direitos na vida civil, exercendo-os por si mesmo, sem necessidade de assisténcia ou representag&o. Dai dizer-se que a capacidade (critério quan- titativo) é a medida da personalidade, no sentido de subjctividade, ou a qualidade de ser sujeito de direito (critério qualitativo). Em termos praticos, apesar de dotada de subjetividade e de capacidade de direito, determinada pessoa poder ser considerada incapaz, por expressa determinagao legal, para a pritica de atos determinados (CC, arts. 3° e 4%). Na hipotese, faltar-lhe-4 capacidade de fato. Ant 2, Codigo Civil 4. Capacidade de fato e legitimagao. Da capacidade de fato distin- gue-se a legitimacio para a pritica de determinado ato. “Ha situagdes em que 0 sujeito, mesmo tendo plena capacidade de fato, se acha inibido para praticar determinado ato juridico, em razdo de sua posicao em relagao a certos bens, certas pessoas ou ainda certos interesses. (...) Assim, a capaci- dade de fato refere-se 4 aptidao para a pritica em geral dos atos juridicos, enquanto a legitimidade é especifica, referindo-se a um ato em particular. A pessoa pode entdo ser plenamente capaz, mas nao ter legitimidade para efetuar certos atos juridicos. A legitimidade é, assim, 0 poder de exercitar um direito, ¢ legitimado é quem o tem” (Rafael Garcia Rodrigues, “A Pessoa e o Ser Humano no Novo Cédigo Civil", pp. 13-14). Um unico exemplo podera esclarecer a distingdo entre os dois conceitos: atinge-se a plena capacidade de fato aos 18 anos completos (CC2002, art. 5°) mas somente se tera legitimagdo para eleger-se deputado federal aos 21 anos completos (CF, art. 14, VI, 0). Art. 2°. A personalidade civil da pessoa comeca do nascimento com vida; mas a lei pde a salvo, desde a concepeao, os direitos do nascituro. Direito vigente: CC, arts. 5%, 115-120, 166, I, 542, 1.597, 1.609, par. tn., 1.690, 1.779, I, e 1.800; CP, arts. 124-128; LICC, art. 7%; CPC, arts. 8%, 82, 1, 98, 701, 877 878; L. 6.015/1973, art. 50 e ss.; ECA, arts. 72-10%, 208, VI, 228 e par. tin., 229; L. 8.974/1995. Direito anterior: CC1916, art. 42. CoMENTARIO; Mantido 0 termo inicial da personalidade no nascimento com vida, poem-se todavia a salvo, desde a concepeao, os direitos do nascituro, definido em doutrina como “o ser j4 concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 36). Segue o nascituro tendo apenas uma “potencialidade” de direitos, “como se, iniciando embora a personalidade a partir do nascimento, e assentando que os direitos do nascituro retrotraem a data da concep¢io, nao seria ilégico afirmar que a personalidade se encontra em ‘estado potencial’, somente vindo a concreti- zar-se com o nascimento” (Caio Mario da Silva Pereira, Instittti¢des, p. 217). O nascituro, entao, nao € sujeito de direito, embora apresente uma perso- nalidade condicional (Arnoldo Wald, Curso, p. 120) Ha quem discorde, lembrando a existéncia de dispositivos legais que consideram o feto, desde a concepco, como possivel sujeito de relagdes juridicas, ou seja, sujeito de 6 Codigo Civil Ant. 2 direitos — “e sé pode ser titular de direitos quem tiver personalidade, donde concluir-se que, formalmente, o nascituro tem personalidade juridi- ca, O nascimento nao € condigao para que a personalidade exista, mas para que se consolide” (Francisco Amaral, Direito Civil, p. 223), Sem embargo das diversas teorias que buscam situar 0 inicio da perso- nalidade em diferentes momentos da evolugao intra-uterina (sobre o tema, y. Silmara J. A. Chinelato ¢ Almeida, Tusela Civil do Nascituro, passim), calcando-se inclusive nos novos desenvolvimentos cientificos, parece insu- perivel a opiniio de um dos mais conceituados pensadores da contempo- raneidade, langada em discussao que versava sobre a impossibilidade de se tragar, com precisio, 0 momento em que se daria a centelha da vida humana; “nao me sinto em condigdes de fazer qualquer afirmagio sensata sobre este limiar, se é que de fato, existe um. Nao ha uma teoria matematica das catastrofes capaz de nos dizer se existe um ponto de guinada, de explosao stbita: talvez estejamos condenados a saber apenas que existe um proceso, que seu resultado final é 0 milagre do recém-nascido” (Umberto Eco, Em que Créem os que Nao Créem, p. 33). Com efeito, a divergéncia encontrada no direito comparado evidencia a incerteza no tratamento de tao delicado tema. Nao obstante grande nimero de paises seguirem posigao semelhante & adotada no ordenamento juridico nacional, determinando o inicio da personalidade civil da pessoa em seu nascimento — assim, por exemplo, o Cédigo Civil alemao (1896), § 12; 0 Cédigo Civil suigo (1907), art. 31; 0 Cédigo Civil italiano (1942), art. 1%; 0 Cédigo Civil portugués (1966), art. 66; 0 Codigo Civil venezuelano (1982), art. 17 —, encontram-se solugées diversas, como ocorre no Cédigo Civil argentino (de 1869), art. 70, o qual atribui a personalidade ao momento da concepgio, e no Cédigo Civil do Peru que, embora recente (1984), também adota o momento da concepgio como 0 do inicio da vida humana ‘art. 1% La persona humana es sujeto de derecho desde su nacimiento. La vida humana comienza con la concepcién. El concebido es sujeto de derecho para todo cuanto le favorece. La atribucion de derechos patrimoniales esta condicionada a que nazca vivo”). Permanece fortemente majoritaria, em nosso ordenamento, a op¢io segundo a qual ‘antes do nascimento a posigio do nascituro nao é, de modo algum, a de um titular de direitos subjetivos; é uma situagio de mera Protegao juridica (...). Desde 0 momento em que o recém-nascido teve respiracio pulmonar, est4 feita a prova de ter tido vida, Se ele nio teve Tespiragao pulmonar, se nao conheceu outro veiculo respiratorio senda aquele que a distribuicdo do sangue materno the dava, entio ele nao viveu, € um natimorto, a sua personalidade nao chegou a se formar” (San Tiago 7 Ant 2. Codigo Civil Dantas, Programa, pp. 134-135). Os tribunais nacionais também ja tiveram a oportunidade de manifestar-se em litigios referentes as condigdes do nascituro. A divergencia, como se afirmou, diz respeito A sua personalidade juridica, Sustentando a teoria concepcionista, posicionou-se 0 Tribunal de Justica do Rio Grande do Sul: “O nascituro goza de personalidade juridica desde a concepgio. O nascimento com vida diz respeito apenas a capacida- de de exercicio de alguns direitos patrimoniais” (TJRS, 6 C.C., Ap. 70002027910, Rel. Des. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, julg. 28.03.2001, publ. RJTJRS 217/214). Em sentido contrario, entendendo que a personali- dade juridl se manifesta com o nascimento com vida, afirmou o mesmo, Tribunal, em outro julgado: “Com o nascimento, com vida, adquirindo-se a personalidade, ocorre a aquisicao de direitos pela pessoa. Possibilidade, porém, de retroacao da indenizacao 4 data da morte da vitima, pondo a lei a salvo os direitos do nascituro, j4 concebido quando da ocasiao do evento” (TJRS, 84 C.C. TA, Ap. Civ, 195123112, Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, julg. 28.11.1995). Como dito, majoritaria nos tribunais superiores é a tese de que o nascituro tem protegida uma expectativa de direito, que se tornara efetivamente adquirido na eventualidade de nascer vivo, Assim, o STF afirmou: “Civil. Nascituro. Protecao de seu direito, na verdade protecio de expectativa, que se tornard direito, se ele nascer vivo. Venda feita pelos pais a irma do nascituro. As hipéteses previstas no Cédigo Civil, relativas a direitos do nascituro, sio exaustivas, nto os equiparando em tudo ao jf nascido” (STF, 24 T., RE 99038, Rel. Min. Francisco Rezek, julg. 18.10.1983, publ. DJ 05.10.1984). No mesmo sentido: ST], 4# T., REsp. 399028, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, julg. 26.02.2002, publ. RT 803/193 e ST), 3* T., Ag. Reg. Ag. Inst. 256812, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julg. 09.12.1999, publ. DJ 28.02.2000. Ainda acerca dos direitos do concebido, sustentou-se em doutrina que ‘também ao nascituro se assegura o direito de indenizagio por danos morais decorrentes do homicidio de que foi vitima seu genitor. E desimpor- tante o fato de ter nascido apenas apés 0 falecimento do pai. Mesmo que nao o tenha conhecido, por certo, tera o menino, por toda a vida, a dor de nunca ter conhecido o pai. Certamente, esta dor € menor do que aquelt sentida pelo filho que ja conviveu por muitos anos com o pai ¢ vem a perdé-lo. Todavia, isso s6 influi na gradacao do dano moral, eis que sui ocorréncia € incontroversa. Todos sofrem com a perda de um familiar, mesmo aquele que nem o conheceu. Isso @ normal e presumido. O contririo é que deve ser devidamente provado (Yussef Cahali, Dano moral, p. 162). Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justi¢a: "0 nasciture também tem direito aos danos morais pela morte do pati, mas a circun 8 Codigo Civil Ant. 2 cia de no té-lo conhecido em vida tem influéncia na fixago do quantum.” (STJ, 4 T., REsp 399028/SP, Rel. Min. Salvio Figueiredo Teixeira, julg 26.02.2002, publ. DJ 15.04.2002). Por outro lado, ha quem chegue mesmo a admitir a eventual responsabilidade dos pais, em especial da mulher gra da, pelos danos causados ao préprio filho. Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, ‘na Alemanha, essa questio é levada até o ponto de se indagar se uma pessoa, que nasceu com vida, pode exigir ressarcimento por danos que Ihe forem causados na fase pré-natal, ou no momento da procriagio, ou, até mesmo, por fato anterior 4 procriagdo com repercussdes posteriores. O dano pode resultar da conduta dos pais, ou de ato de terceiro”. O proprio autor tempera a sua afirmacao: “E sabido, porém, que vai muito longe a tendéncia acusatéria dos filhos aos pais, e, evidentemente, os tribunais brasileiros no deverdo prestar-se ao lastimavel papel de instrumento de vinganga desses filhos que odeiam os pais (...)” “Responsabilidade Civil dos Pais”, pp. 72-73). As opinides doutrindrias mais favordveis a indenizacao a nascituros parecem ser as de Maria Helena Diniz (“Reflexdes sobre a problemética das novas técnicas cientificas de reprodugao humana”, p. 221), que considera dano moral ‘as deformagdes congénitas que 0 nascituro softer durante a vida intra-uterina”, e Tania da Silva Pereira (Direito da Crianga e do Adolescente, p. 148), quando afirma: “A falta de protegdo da vida intra-ute- rina podera acarretar, para 0 novo ser humano, deformagoes, traumatismos mesmo moléstias comprometedoras de seu desenvolvimento, exigindo do Direito a delimitagao da responsabilidade por dano moral, também ao nascituro, ja presente nos debates doutrinarios.” Nestes casos, porém, sera imprescindivel diferenciar: de um lado, os danos causados por terceiros a nascituros, que venham depois a repercutir em sua vida quotidiana; por outro, os danos eventualmente causados pela mie durante a gestagdo, em decorréncia de seu estilo de vida, principal- mente da falta de exames pré-natais, alcoolismo, obesidade mérbida, taba- gismo ou drogas. Na primeira situacdo, ha numerosos precedentes, princi- palmente na jurisprudéncia estrangeira: casos de rubéola nio diagnostis da; de transfusto de sangue contaminado; de aborto malsucedido. No segundo caso, as hipsteses se tornam bastante raras, podendo entender-se que 0 direito ao pr6prio corpo, da mulher, é mais abrangente ou, por outra, da mesma forma como ocortia no Direito Romano, 0 inicio da personalida- de juridica se dé apenas com o nascimento com vida, nao se considerando © nao-nascido como pessoa; €, portanto, parte do corpo da mie, portio mulieris vel viscerum; ou, ainda, que tais prejuizos, em relag4o ao nexo de causalidade, sio eventuais e de dificil prova. Cabe lembrar, enfim, que as 9 Cédigo Civil mencionads circunstincias de danos causados pelas proprias genitoras sio, na atualidade, no mais das vezes, consideradas patologias de ordem psicofisica ¢ nilo mera expressio de sua vontade. A partir ct entrada em vigor do Estatuto da Crianga ¢ do Adolescente (1990), novas normas aderiram & disciplina juridica da pessoa natural, bem como do nascituro. A propésito, julgou o TIRI: “Aca de Investigacao de Paternidade de nascituro, ajuizada pela mie, julgada extinta por ilegitimida- de de parte. Possibilidade, no Direito Brasileiro, ante normas protetivas do interesse do nascituro (arts. 42; 338 & 339; 458 € 462, ¢/c os arts, 384, V, € 385, do Cédigo Civil), de ser ajuizada a agao investigatoria em seu nome, o que resta admitido pelo parigrafo Gnico do art. 26 do ECA, ao permitir, como 6 antigo parigrafo do art. 357 do Cédigo Civil, seu reconhecimento, sem distingio quanto a forma. Este consiste ainda, pelo art, 27 do ECA, em direito personalissimo, indisponivel e imprescritivel. Tutela do direito a vida na Constitui (arts. 5° € 227). Nascimento da crianga apés a sentenga. Recurso provido para ter o feito seguimento, figurando ela, representada pela mie, no polo ativo” (TJRJ, 7? C.C., Ap. Civ. 1999, 001.01187, Des. Rel. Luiz Roldao de Freitas Gomes, julg. 25.05.1999). Outro exemplo interessante tem-se em ementa de julgado do T] “Investigagao de paternidade. Nascituro. Capacidade para ser parte. Ao nascituro assiste, no plano do direito processual, capacidade para ser parte, como autor ou como réu. Representando o nascituro, pode a mae propor a agio investigatoria, e o nascimento com vida investe o infante na titularida- de da pretensdo de direito material, até entéo apenas uma expectativa resguardada. Acio personalissima, a investigatoria somente pode ser pro- posta pelo proprio investigante, representado ou assistido, se for 0 caso; mas, uma vez iniciada, falecendo o autor, seus sucessores tém direito de, habilitando-se, prosseguir na demanda. Inaplicabilidade da regra do art 1.621 do Cédigo Civil” (TIRS, 1? C.C., Ap. Civ. 583052204, Rel. Des. Athos Gusmio Carneiro, julg. 24.04.1984, publ. RJTIRS, 04/418. No mesmo senti- do, v. TJRS, 7? C.C., Ap. Civ. 70000134635, Rel. Des. Maria Berenice Dias julg. 17.11.1999). O crescente desenvolvimento cientifico presente na sociedade contem- pordnea suscitou novo ponto nevrilgico referente & personalidade, qual seja, a consideragio juridica da personalidade dos embrides. Entende-se, comumente, que 6 embriio humano congelido, apesar de merecer prote- Cao juridica, nZio pode ser considerado nascituro, s6 0 sendo a partir do momento em que se encontre implantado no ventre materno (Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Civil, pp. 148-152). Corrente antagénica iguala as situagdes, a despeito da dicgao do preceito em exame, entendendo que “o 10 Cédigo Civil Art. 3¢. inicio legal da consideragio juridica da personalidade € 0 momento da penetragao do espermatozdide no évulo, mesmo fora do corpo da mulher” (Maria Helena Diniz, Novo Cédigo, p. 6). Observe-se, nesse particular, o ant. 1.597 do CC, que presume concebidos na constincia do casamento os filhos haviclos por fecundacio artificial homéloga, mesmo que falecido © marido inciso HD, ¢ os havidos a qualquer tempo quando se tratar de embrides excedentirios, decorrentes de concepgio artificial homéloga (inciso IV) De acordo com 0 enunciado 1, aprovado na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro cle Estudos Judiciérios do Conselho da Justiga Fecleral, em 2002, “a protecio que o Cédigo defere ao nascituro alcanga © natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura” (Ruy Rosado, Jornada de Direito Civil, p. 51). Nesta mesma ocasiao, registrou-se a necessidade de elaboragao legislativa especi- fica para que se regule a matéria da reprogenética humana, conforme o enuncitdo 2: “sem prejuizo dos direitos de personalidade, nele assegura- dos, o art, 2° do Cédigo Civil nao € sede adequada para questées emergen- tes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto proprio” Art. 3°. Sao absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I— os menores de dezesseis anos; II — os que, por enfermidade ou deficiéncia mental, nao tiverem © necessario discernimento para a pratica desses atos; 11 — os que, mesmo por causa transit6ria, nao puderem exprimir sua vontade. Direito vigente: CC, arts. 22, 115-120, 166, I, 198, I, 228, I e II, 1.634, V, 1.690, 1.747, I, 1.767, La V, € 1.781; DL 891/1938, art. 30, § 5°; CLT, 402-410; CPC, arts 8°, 9° e 405, § 1%; L. 6.368/1976; L. 10.216/2001 Direito anterior: CC1916, ant. 5°. ComENTARtC Como define 2 doutrina, “a incapacidade é 0 reconhecimento da inexisténcia, numa pessoa, daqueles requisitos que a lei acha indispen- saveis para que ela exerca 05 seus direitos” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, P. 41). Cumpre ressaltar, de plano, que a incapacidade é a excecao, sendo a capacidade a regra, € portanto, sempre presumivel. © CC distingue os absolutamente incapazes dos relativamente incapa- es, sendo essencialmente de gradacdo, ou quantitativa, a diferenga anun- Ww An. 3° Codigo Civil ciada. © art. 3° enumera os casos de incapacidade absoluta. enquanto a previsio de incapacidade relativa a certos atos, ou a maneira de os exercer, encontra-se estabelecida no artigo seguinte. A incapacidade absoluta diz respeito 2 impossibilidade de os sujeitos exercerem os direitos que lhes sao préprios, a qual gera a necessidade de sua representacao para a prittica dos atos da vida civil. O grau de incapaci dade mencionado neste artigo refere-se ao exercicio de direitos pel pro- pria pessoa (capacidade de fato), e ndo a aptido para ser titular de direitos (capacidade de direito), jf que esta € “inerente ao ser humano, sob pena de termos um sujeito desprovido de personalidade” (Renan Lotufo, Codigo Civil comentado, p. 16). Vale lembrar que “se por acaso um absolutamente incapaz pratica um ato juridico, através de sua propria manifestagao voliti- va, tal ato é nulo, por faltar a referido negécio um elemento substancial Com efeito, aquela vontade manifestada é como se nao existisse, pois a lei desconsidera inteiramente a vontade do absolutamente incapaz, de sorte que, repito, 0 ato dela emanado € nulo” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 41). £ essa, alids, a dicgao do art. 166, 1, do Codigo Civil. Sao absolutamente incapazes os menores de 16 anos, que devem ser representados por ambos os pais, sem privilégios para um deles especifica- mente (art. 1.634, V). A representagao sera assumida por tutor em caso de falecimento, de auséncia ou ainda na hipétese de os pais decairem do poder familiar (art. 1.728). Justifica-se tal subtragao da capacidade de fato dos menores de 16 anos na medida em que “devido a idade nao atingiram o discernimento para distinguir 0 que podem ou nao fazer, o que Ihes é conveniente ou prejudicial” (Maria Helena Diniz, Novo Cédigo, p. 9). Tampouco possuem capacidade de exercicio, de acordo com ¢ norma, aqueles que “por enfermidade ou deficiéncia mental, nao tiverem o necessirio discernimento para a pritica desses atos”, os quais so repre- sentados na vida civil por um curador (art, 1.767). Como o legiskacor nao estabelece parimetros para definir 0 que seria este necessirio dis mento, caberé 4 doutrina e 4 jurisprudéncia delimitar tais situagdes. Deve- ressaltar, aqui, que o legislador utilizou-se de expressio mais feliz do que aquela utilizada pelo Cédigo anterior, evitando-se a interpretagio de que somente as pessoas com grau de insanidade elevado seriam consideracas absolutamente incapazes, o que nao €, efetivamente, a ratio desta regra. Para que s¢ja estabelecida a incapacidade dest ser interditados, 0 que gera, automaticamente, invalidace dos eventuais atos posteriores, Porém, a jurisprudéncia cntende nio ser necessiria a interdig&o para que se anulem os attos praticados por aqueles que sofram de sujeitos, eles devem 12 Codigo Civil Art. 4%, insanidade mental, desde que a insanidade j4 fosse existente no momento em que foi realizado 0 negécio juridico, Neste sentido, tem-se que “os atos praticados pelo interditado anteriores 2 interdigdo podem ser anulados, sde que provada a existéncia cle anomalia psiquica — causa da incapaci- dade — jf no momento emi que se praticou o ato que se quer anular” (STI, é8'L,, REsp. 255271, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 28.11.2000, publ. RST] 143/405). Por outro kido, como protegio aos terceiros de boa-fé, com relaglo dos atos anteriores, a insanidade deve ser provada de forma robus- ta, convincente ¢ id6nea (STJ, 44 T., REsp. 9077, Rel. Min. Sélvio de Figueiredo Teixeira, julg. 25.02.1992, publ. DJ 30.03.1992). Ainda sobre a questao da invalidade dos atos anteriormente praticados, dl *se inexiste prova da incapacidade mentil do vario 4 época da celebragao do casamento teligioso, validos os efeitos civis decorrentes de posterior habilitagdo, maxime quando inconteste que a unio perdurou mais de trinta anos. Os atos anteriores 4 sentenga de interdigao sto apenas anulavei podendo ser invalidados desde que judi ialmente demonstrado, em acao propria, o estado de incapacidade & época em que praticados” (STJ, 4* T., Ag. Reg. Ag. Inst. 24836, Rel. Min. Sdlvio de Figueiredo Teixeira, julg. 13.04.1993, publ. DJ 31.05.1993). Encerra este artigo uma interessante inovacao, prevista no inciso III: serio absolutamente incapazes aqueles que, mesmo por causa transitéria, ’io puderem exprimir sua vontade, “Assim, nao importa 0 motivo, o que determinara a capacidade absoluta, no caso deste inciso, sera a possibilida- de de expressao da vontade. (...) Qualquer pessoa que possua um motivo, seja este transit6rio ou permanente, impeditivo de realizar a manifestagao de sua vontade sera considerada absolutamente incapaz” (Renan Lotufo, Cédigo Civil Comentado, p. 19). Trata-se aqui de uma reformulagio da regra constante do Cédigo anterior que determinava a incapacidade dos surdos- mudos que nao pudessem exprimir sua vontade, sendo louvavel a reforma. Art. 4°. Sao incapazes, relativamente a certos atos, ou 4 maneira de os exercer: I— 0s maiores de dezesscis ¢ menores de dezoito anos; Il — os ébrios habituais, os viciados em t6xicos, e os que, por deficiéncia mental, tenham o discernimento reduzido; Ill — os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV —os prédigos. Pardgrafo unico. A capacidade dos indios sera regulada por Iegis- lacAo especial. 13 Art, 4 Ciidigo Civil Direito vigente: CF, arts. 231 e 232; CC, ants. 5°, par. Gn., 171, 1, 180, 666, 1.634 V, 1.642, VI, 1.647, 1.649, 1.651, 1.690, 1.747, 1, 1.767, IV e V; D429. 1921; DL 81/1938, art. 30, § 5%; CPP, arts. 34, 50, par. Un. e $2; CLT, art, 792; L. 4.375, 1904, art, 73; L. 4375/1964, art. 73; D. 37.654/1966; CPC, arts. 8, 9 © 405, § 6.001/1973; L. 6.015/1973; L. 6.368/1976; ECA, arts. 2%, 36, 42, 00-69, 104 & 142, art. 50, § 2% D. 564/192; D. 1.141/1994; L, 10.216/2001, Direito anterior: CC1916, art. 62. ComentAnio: Os relativamente incapazes so pessoas que tém possibilidade de manifestar suas vontades, desde que estejam devidamente assistidos — e nao representados, situando-se “a meio do caminho entre os casos de integral inaptidao e os de perfeito desenvolvimento intelectual. De modo que a lei procurou tao-somente suprir aquela deficiéncia parcial, que lhes é peculiar, quer impedindo apenas a pratica de certos atos (como, por exemplo, os atos de alienagio para os prédigos), quer determinando a maneira como devem praticar outros tantos” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 48). Nao podem estes exercer determinados atos, nem mesmo com assisténcia, como, por exemplo, a adogao (CC, art. 1.618); por outro lado, detém o exercicio de alguns atos personalissimos, como a possibilidade de testar (CC, art. 1.860, par. un), de serem procuradores (CC, art. 666) ¢ de serem testemunhas (CC, art. 228, 1). Apesar de nao se repetir 0 dispositive do antigo Cédigo Civil que veda o chamado “beneficio da restituigao” (CC1916, art. 8°), faz parte do ordenamento nacional a regra de que nao é licito ao relativamente incapaz, ao aduirir capacidade, revogar atos vilidos praticados em seu nome quando ainda era incapaz. Vale lembrar que atos realizados por relativamente incapaz, sem a devida asistencia exigida por lei, sto anukiveis, nos termos do art. 170, 1, do CC. “No entanto, os atos por cle praticados so passiveis de ratificacio ou confirmagiio se nao compro- meterem direito de terceiro (art. 172). Havendo prejuizo, o lesado deve ter ainiciativa de buscar a anulagao desse negécio” (Renan Lotufo, Cédigo Civil comentado, p. 22). O inciso I desta norma reduz a maioridace dos 21 anos para os 1 harmonizando 0 Cédigo Civil com as regras eleitorais e com a maioricade penal. Importa observar que “o ordenamento juridico nao mais desprezat a sua vontade, antes a considera, atribuindo ao ato praticado pelo menor plibere todos os efeitos juridicos, desde que se submeta aos requisitos exigidos pela lei [...]. Note-se, todavia, que, diferentemente do caso do imptbere, aqui € 0 proprio menor que atua no negdcio juridico, ¢ é a sua vontade que vai constituir sua moka geradora” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, pp. 49-50). 108, 14 Codigo Civil Ant. 42. Adicionou © Cédigo Civil a incapacidade relativa dos ébrios habituais, dos viciados em téxicos € dos que, por deficiéncia mental, tenham discer- nimento reduzido. Cabe aqui a mesma ressalva realizada anteriormente, de que & incumbéncia da jurisprudéncia nacional estibelecer 0 que sera, exatamente, este discernimento reduzido de que trata a norma. Ainda, a mesma observagao 6 valid com relagao aos excepcionais, sem desenvolvi- mento mental completo. Observe-se que os toxicdmanos € ébrios habituais jd eram consideracos por boa parte da doutrina relativamente incapazes em virtude do disposto no art. 30, § 5°, do Decreto n? 891, de 1938 (Renan Lotufo, Cédigo Civil Comentado, p. 24) Os prédigos, uqueles que dilapidam seus patriménios, também sao considerados relativamente incapazes, incapacidade esta que deve ser decretada judicialmente por requisigao de cénjuge ou familiar, j4 que o que se protege, com a incapacidade clo prédigo, € exatamente o patrimdnio da familia, e nao apenas o patrimdnio do prédigo. Neste sentido apresenta ‘© ensinamento classico de Josserand: “El prédigo, es decir el que dilapida su fortuna, el que gasta su capital sin necesidad ni utilidad, puede ser, tradicio- nalmente, objeto de medidas destinadas a protegerlo y a proteger su familia contra esta funesta inclinacion” (Louis Josserand, Derecho Civil, p. 430). Importante ressaltar que a interdigdo do prédigo acarreta apenas a privacio deste em praticar “atos que possam comprometer seus bens, nao podendo, sem a assisténcia de seu curador (CC, art. 1.767, V), alienar, emprestar, dar quitagdo, transigir, hipotecar, agir em juizo e praticar, em geral, atos que nao sejam de mera aclministragao (CC, art. 1.782). Todos os demais atos da vida civil poderio, por ele, ser validamente praticados, como 0 casamento; a fixagdo do domicilio do casal; a autorizaco para que seus filhos menores contraiam matriménio” (Maria Helena Diniz, Novo Cédigo, p. 11). Quanto aos indigenas, sua capacidade € regulada pela legislacao espe- cial; no arcabougo vigente, o Estatuto do Indio, Lei n. 6.01/73. Dentre as principais disposigées de tal diploma, destaque-se que devem ser respeit dos os usos, costumes € tradigdes das comunidades indigenas e seus efeitos, nas relagdes de familia, na ordem de sucessiio, no regime de Ppropriedade e nos atos ou negécios realizados entre indios, salvo se optarem pela aplicagao do direito comum (art. 6%); que incidem as normas de direito comum as relaces entre indios nao integrados € pessoas estra- nhas 4 comunidade indigena, excetuados os que forem menos favoraveis a eles ¢ ressalvado 0 disposto naquela lei (art. 6°, pardgrafo Unico); que os indios e as comunidades indigenas ainda nao integrados 8 comunhio ’acional ficam sujeitos ao regime tutelar estabelecido naquela lei (art. 7°); que sio nulos os atos praticados entre indio nao integrado € pessoa se Be Ant. 5%, Codigo Civil esttanha A comunidade indigena quando nio tenha havido assisténcia do drgio competente (art. 8°), a ndo ser que o indio revele conhecimento consciéncia do ato praticado, “desde que nao lhe seja prejudicial”, e da extensio dos seus efeitos (art. 8, par. tin), e, por fim, que, preenchidos certos requisitos, o indio ‘nao-integrado 2 comunhio nacional” pode re- querer ao Poder Judiciario a sua liberagio do regime tutelar (art. 9°). Observa-se, no Cédigo Civil, a substituigio do termo “silvicolas” pelo vocdbulo “indios”, 0 que se coaduna com a terminologit constitucional vigente (arts. 231 ¢ 232 da CF). Para uma andlise das conseqiiéncias civeis ¢ criminais dos atos praticados por indigenas, v. decisio do STF (HC 79.530/PA, 1° T., Rel. Min. Ilmar Galvao, julg. 16.12.1999, publ. RT 775/489), em que se afasta a dificuldade do paciente — indio — compreender o cardter ilicito de grave ato por ele praticado, uma vez que era ele funciona- rio da FUNAI, residia na cidade em imével adquirido sem necessidade de assisténcia, falava portugués, era eleitor, requereu passaporte, tinha conta corrente bancaria € habilitagao para dirigir vefculos automotores, além de “possuir empresa por meio da qual realiza comércio de exportacao de dleo de castanha para a Inglaterra”. Art. 5°, A menoridade cessa aos dezoito anos complctos, quando a pessoa fica habilitada a pratica de todos os atos da vida civil. Paragrafo Gnico. Cessara, para os menofes, a incapacidade: I — pela concessio dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento publico, independentemente de homolo- gacdo judicial, ou por sentenga do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; TIl— pelo casamento; UI — pelo exercicio de emprego publico efetivo; IV — pela colagao de grau em curso de ensino superior; V— pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existéncia de relacao de emprego, desde que, em fungao deles, o menor com dezesscis anos completos tenha economia propria. Direito vigente: CC, arts. 9%, II, 666, 1.635, Il € 1.763, I; CP, arts. 27, 65 € 115; CPP, arts, 15, 34, 50, 52, 194, 262, 449 © 564; CLT, art. 3% L. 4.375/1964, ant. 73; ECA, art. 148, par. tin., @ L. 8.112/1990, art. 58 V; L. 8.213/1991, art. 16, 1; L 9.307/1996, arts, 18 e 13, Direito nterior: CC1916, art. 9%, 16 figo Civil An. 58 Comenténo: A emancipagio representa “a aquisigio da capacidade civil, : 1” (Clovis Bevilaqua, Teoria Geral, p. 157). Como ja se afirmou, a menoridade cessa aos 18 anos, de acordo com a inovagio do Cédigo Civil, passando o menor a possuir capacicade de fato, facultando-se este 0 exercicio pessoal dos atos da vida civil. “IA] tendéncia prevalecente no sentido de fixar a maioridade civil em dezoito anos. Assim a estabele- cem 0 Cédigo Civil italiano, de 1942 (art, 2), 0 portugués (de 1966), com as alteragoes de 1977 Girt, 130), o francés, com as inovagdes da Lei de 1974 Cart, 488), Esta & a consagragio, também, da Constituigao espanhola de 1978 (art, 12)” (Maria Helena Diniz, Novo Cédigo, p. 12). Cessara a incapacidade, pari os menores, de acordo com as demais regras estabelecidas pelo Cédigo Civil, algumas com muita dificuldade de se verificarem no plano pritico. Observou-se que “a redugao da idade da capacidade civil plena para os 18 anos trari reflexos inevitaveis noutras especialidades juridicas, como o direito previdenciario, onde a condigio de clependente vai até os 21 anos. A Lei n. 8.213/91, em seu art. 16, I, apés estabelecer a idade de 21 anos como limite maximo para caracterizar a dependéncia, prevé, de modo expresso, a cessagio desta, em caso de emancipagiio. Parece inequivoco, pois, que a alteragio da maioridade traré imediato reflexo no direito previdencidrio” (Jorge Franklin Alves Felipe e Geraldo Magela Alves, O Novo Cédigo Civil anotado, p. 6). Em sentido contrario, mostra-se 0 enun- ciado 3 aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justica Federal, em 2002, nos seguintes termos: “a redugio do limite etirio para definigao da capacidade civil aos 18 anos nao altera 0 disposto no art 16, inc. I, da Lei n® 8.213/91, que regula especifica situagao de dependéncia econémica para fins previdenciérios e outras situacées similares de prote- cio, previstas em legislacdo especial” (Ruy Rosado, Jornada de Direito Civil, Pp. 51. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justica entendeu que “nos termos do art. 7, § 2%, inciso I, da Lei n.2 8.213/91, extingue-se a parte indiviclual cla penso para o filho, pela emancipagdo ou ao completar 21 (vinte © um) anos de idade, salvo se for invalido” (STI, 5* T., REsp. 626638/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. 09.08.2005, publ. DJU 05.09.2005). A emancipacao pode ser voluntiria, quando se da por concessio conjunta dos pais, ou por sentenga judicial (inciso 1D, quando houver divergéncia entre os pais ou o menor for tutelado, ou decorrer de expressa determinagio legal (incisos II a V). A primeira € mais importante maneira de cessar a incapacidade dos menores € 0 ato unilateral de concessio realizado pelos pais, em pleno exercicio da autoridade parental, mediante instrumento ptiblico, independentemente de homologagio judicial, desde idade le; 17 2 Codigo Civil que © menor j4 tenha completado 16 anos. Cumpre observar que “a emancipagao assim concedida € irrevogavel” (Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 55). No sistema da codificagao antiga, anteriormente a vigéncia da Lei Maior de 1988, “cabia preferencialmente ao pai a concessio da emanci- paclo e, apenas na hipdtese cle sua morte, a legitimidade seria da mae. Com base na igualdade de direitos dos cOnjuges, por forca da nova disciplina constitucional, como explanado, entendeu-se que era necessiria a presenca da vontade de ambos os pais para a concessio, regra que € adotada pelo novo Cédigo. Neste ordenamento, portanto, absorvida em todos os princi- pios a orientaglo constitucional de igualdade plena de direitos entre o homem ea mulher, ambos progenitores devem outorgar a emancipagao do filho menor com 16 anos” (Silvio Venosa, Direito Civil, p. 185). Na falta de um dos cOnjuges (e nio mais apenas na morte de um deles, tampouco na auséncia decretada), a incumbéncia solitiria de emancipar o filho, se for o caso, cabe ao cénjuge presente. Embora a intervengio do menor seja prescindivel para a validade da emancipag3o, por ser a concessio ato unilateral, “para que nao se coloque em diivida a intencao dos pais, nem se alegue que a emancipagio esta sendo feita para que os pais se livrem da obrigagio de sustento do filho, é conveniente que o filho emancipado participe do ato como anuente” (Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Cédigo Civil e Legislacdo Extravagante Anotades, p. 11). Diferem as hipoteses de emancipagio voluntaria dos casos de eman pacio legal no que diz respeito 4 manutengao da responsabilidade dos pais pelos ilicitos praticados pelo emancipado. Neste sentido, entende o STJ que se tratando de atos ilicitos, “a emancipacao, ao menos a que decorre da vontade dos pais, ndo terd as mesmas conseqiiéncias que dela advém quando se cuide da pratica de atos com efeitos juridicos queridos. A responsabilidade dos pais decorre especialmente do poder de diregio que, para os fins em exame, no é afetado. E possivel mesmo ter-se a emancipa- ¢d0 como ato menos refletido; nao necessariamente fraudulento. Observe- se que a emancipacdo, por si, nao afasta a possibilidade de responsabilizar 8 pais, o que nao exclui possa isso derivar dle outras causas que venham a ser apuradas” (STJ, 3* T., REsp. 122.573, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, julg 23.06.1998, publ. RSTJ 115/275). Outra maneira de cessar a incapacidade di-se pela celebragio de casamento. “Nao é razoavel”, ja assinalava Clovis Bevilaqua, “que as graves responsabilidades da sociedade doméstica sejam assumidas pela interven- cio, ou sob a fiscalizagao, de um estranho”, isto é, do pai ou tutor (Codigo Civil, p. 212). 18 Codigo Civil An. 5%. Aliando tal conceito as inovagdes surgidas no direito nacional, durante os tantos anos em que 0 Cédigo Civil tramitou pelo Congresso Nacional, discutiu interessante questio 0 TJSP a respeito da possibilidade de exone- rar-se o genitor do pagamento de pensio alimenticia a menor de 20 anos que convive maritalmente com um companheiro e com ele tem uma filha, com base na antiga disposigao correspondente a que ora se comenta e no. instituto da unido estavel. Entendeu o relator que presentes “todas as razoes que justificam a emancipagao pelo casamento, nao se podendo reduzir o alcance da norma (...), quando a Constituigao Federal torna assemelhados © casamento e€ a unito estavel, sendo tal semelhanga pressuposto da conversiio mencionada no art. 226”, estaria ai configurada uma causa para a emancipacao pela via legal da unido estavel, por analogia a previsio do art. 58, II, do Codigo Civil. Registre-se que a tese nao foi unanime, tendo sido proferido voto vencido entendendo que por se cuidar de “instituigao de cunho protetivo, mostra-se temerario dar maior elastério 4s hipéteses de extingao do patrio poder, conferindo maior extensdo a casos de emancipa- gao” (JSP, 1# CDPrv, Ap. Civ. 183.982-4/1-00, Rel. Des. Alexandre Germa- no, julg. 10.04.2001, publ. RT 794/254). Vale lembrar que “ocorrendo a viuvez, 0 divércio ou a separagao judicial, o menor nao regressa 4 condi¢ao de incapaz, o que € légico, pois © casamento tendo sido celebrado levou a maioridade. A alteracdo posterior do estado civil ndo interfere na maioridade j4 adquirida” (Renan Lotufo, Cédigo Civil Comentado, p. 30). No que tange 4 cessa¢ao da incapacidade, surge intensa discussio doutrindria acerca dos efeitos do casamento putati- vo. No entanto, “para a maioria da doutrina, na vigéncia do Cédigo de 1916, a anulagao do casamento nao desfaz a capacidade adquirida” (Renan Lotufo, Cédigo Civil Comentado, p. 31), entendimento ja sustentado por Bevilaqua (Cédigo Civil, p. 212). Cessard, também, a incapacidade, a partir do exercicio de emprego ptiblico efetivo e pela colagao de grau em curso de ensino superior, 0 que € assaz raro acontecer, devido a longa duragao destas graduagées. A existéncia de relagio de emprego ou estabelecimento civil e comer- cial, que possibilite ao menor com 16 anos ter economia propria, também faz cessar a incapacidade deste, tendo 0 legislador visado a protegao dos que, de boa-fé, ingressem em relagdes comerciais com o menor (neste sentido, Silvio Rodrigues, Direito Civil, p. 59). A expressao economia propria deve ser entendida no sentido da caracterizagao de renda suficiente para a sobrevivéncia da pessoa, de acordo com o nivel social em que esta inserida. Por outro lado, em um pais onde avulta o emprego informal € 0 subemprego de jovens, ha de ser interpretada extensivamente, de modo a 19 Ant. 6°. Codigo Civil alcangar setores mais amplos dt economia, segundo as realidades regio- nais. Dai afirmagio de Sérgio Campinho de que “o estabelecimento com economia propria é uma questao de fato e, como tal, pode ser comprovado por todos 0s meios licitos de prova” (O Direito de Empresa, p. 20). Quanto ao uso da expresso “estabelecimento”, mesmo com a virada do século, a critica de Rui Barbosa continuou inaudita: “expresso nao errénea, mas de escolha pouco feliz. Parece indicar antes a casa ou lugar onde se uma pessoa estabelece que 0 ato ou fato de se estabelecer” (Parecer, p. 39). Ainda, a Lei n° 4.375/64 traz uma hipdtese especifica de cessagio da incapacidade do menor, para efeito de servigo militar, consubstanciada em seu art. 73, que dispde: “para efeito de servigo militar, cessara a incapacida- de do menor na data em que completar 17 (dezessete) anos”. Art. 6°, A existéncia da pessoa natural termina com a morte; pre- sume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessao definitiva. Direito vigente: CP, art. 107, 1; CPP, art. 62; CPC, arts. 37-39 1.159-1.167; L. 9434/1997. Direito anterior: CC1916, art. 10. CoMENTARIo; 1, Efeitos da morte. Todo ser humano, como jé visto, é dotado de personalidade; diz-se que ela é um atributo da pessoa natural. O inicio da personalidade remonta ao nascimento com vida, assim como a morte é 0 momento no qual a personalidad se extingue. Nao se admite no ordenamento patrio a hipétese da morte civil (a qual, apesar de aventada pelo art. 157 do Cédigo Comercial, nunca vigorou, constituindo tal disposi- tivo letra morta) ou qualquer outro modo de perda da personalidade em vida (Caio Mario da Silva Pereira, Instituigdes, p. 222; em sentido semelhan- te, Louis Josserand, Derecho Civil, t. 1, vol. 1, p. 180). A extingio da personalidade € o principal efeito da morte, sem embargo de outros: os bens do falecido transmitem-se aos seus herdeiros; extinguem-se os pode- res juridicos, como 0 poder familiar, além dos contratos personalissimos € do vinculo conjugal (Arnoldo Wald, Curso, p. 133). Em suma, “os efeitos juridicos da morte manifestam-se nas relagoes juridicas de que o falecido era parte, extinguindo-as ou modificando-as, conforme sejam intransmissi- veis ou transmissiveis” (Francisco Amaral, Direito Civil, p. 225). 20 Codigo Civil Ant. 62 2. Morte civil. Conforme jé referido, nao se admite, em nosso ordena- mento juridico e na maioria das legistagdes modernas, a chamada morte civil, definida por Josserand como sendo “la muerte juridica, en que se incurria por la voluntad de los poderes pitblicos; aque! a quien afectaba estaba muerto para la vida juridica; no tenia ya personalidad, puede decirse, porque la muerte civil imitaba tan fiel y tan cruelmente como era posible la muerte natural, produciendo para aquel a quien afectaba, la pérdida de los derechos civiles y politicos, la disoluci6n de su matrimonio, la incapacidad para figurar en la escena juridica, para firmar un contrato, para ser propietario o acreedor, y en fin, determinaba también la apertura de su sucesion a la cual podian ser admitidos prematuramente sus herede- ros. Bra la excomuni6n juridica casi integral” (Louis Josserand, Derecho Civil, p. 180). 3. A prova da morte. Prova-se o fato morte através da certidao extraida do assento de 6bito; este, “o modo normal e comum da prova da morte”, enquanto, “nos casos em que nao ha uma certidao a extrair, por falta do respectivo assento”, pode a morte ser provada por uma sentenca declara- toria do falecimento, cabendo o énus de prova-la “aquele que, para exercer um direito, pretenda que a pessoa esteja morta” (Carvalho Santos, Cédigo Civil, pp. 308-309). A LRP (Lei n® 6.015/73), em seu art. 88, confere aos juizes togados 0 poder de admitir justificagio para o assento de dbito de pessoa desaparecida em catdstrofe (tais como naufrigios, inundagées, in- céndio: terremotos ou outros desastres), desde que se prove a presenga daquela no local da tragédia e nao se possa encontrar o cadaver. 4.0 momento da morte. Diividas ha quanto determinacao da hora em que se da 0 termo final da vida. “Morte” era um daqueles termos de significado tio “natural” que niio era necessario explicd-lo — os autores mais antigos no precisavam se alongar sobre 0 momento da morte, havendo mesmo quem, a respeito de 0 codificador nao ter qualificado a morte como civil ou natural, assim se pronunciasse: “Dizendo morte, disse tudo” (Carvalho Santos, Cédigo Civil, p. 308) Os tiltimos desenvolvimentos da ciéncia, todavia, passaram a exigir do jurista um posicionamento a este respeito, percebendo a doutrina que nao € mais possivel situar, pura e simplesmente, 0 momento da morte “na cessagio das grandes fungdes orginicas: auséncia dos batimentos cardia- cos, término dos movimentos respiratérios € da contracao pupilar”. Ao revés, “a ciéncia moderna (...) chega a uma conclusio diferente. A vida do individuo est4 subordinada a atividade cerebral. E enuncia que a vida 21 Ant 68, Cédigo Civil termina com a ‘morte cerebral” (Caio Mario da Silva Pereira, Direito Civil, pp. 19-20). A também chamada “morte encefillica” passou a ganhar impor- tincia em virtude de dois fatores primordiais: a crescente possibilidade de prolongamento cla vida, com a utilizagao intensiva de aparelhos, e ainda o desenvolvimento técnico na area dos transpkintes. Do mesmo modo como se questiona 0 nascimento da pessoa natural, que nao se daria em um, abrupto momento, mas sim em decorréncia de um desenrolar de aconteci- mentos, a morte também passa a ser cada vez mais encarada sob este prisma, que a vé como um proceso € ndo como um fato que se esgota em tinico atimo. interesse pratico, por vezes dramatico, na caracterizagao da morte encefalica dé-se na 4rea dos transplantes, onde o interregno que separa o fim da atividade cerebral daqueles acontecimentos que costumeiramente se esperavam para decretar a morte faz grande diferenca, podendo mesmo tomar os Orgios do falecido iniiteis para aquela finalidade, Assim, a Lei n® 9.434/97 dispés, em seu art. 3°, que “a retirada post mortem de tecidos, ios ou partes do corpo humano devera ser precedida de diagnéstico de morte encefilica, constatada € registrada por dois médicos nao participan- tes das equipes de remogao e transplante, mediante a utilizagdo de critérios clinicos e tecnoldgicos definidos por resolucio do Conselho Federal de Medicina”, admitindo-se, por forca do § 3° daquele mesmo dispositive, a presenga de um médico de confianga da familia do morto no ato dt comprovagio do ébito. A inovacao que tal norma poderia trazer, no sentido de estimular os transplantes como expressio da solidariedade social, foi, porém, arrefecida pela reforma em outros pontos da Lei n® 9.434/97 (v. comentirios aos arts. 13 € ss.). 5. Morte presumida dos ausentes. Podera se presumir a morte dos ausentes em dois casos: desde que se aguarde uma década a partir do trinsito em julgado da sentenga que inaugura a sucessao provis6ria (CC, art 37) ou que se prove que o ausente conta oitenta anos de idade € dele nao se obtém noticias hi um lustro (CC, art. 38). Estas hipéteses (autorizadoras Hs jf se da abertura da sucessio definitiva), que com pequenas modificag encontravam na codificagio antiga (CC1916, arts, 481 © 482), ratio a protegio patrimonial do ausente, sem implicar “extingdo de sua personalidade, pois que o seu regresso ao domicilio autori retomar o exercicio dos seus direitos” (Caio Mario da Silva Pereira, Instituigoes, p. 225), resguardando-se as previsdes dos arts. 39 do Codigo Civil © 1.168 do Codigo de Proceso Civil, V., a propésito, comentirios aos arts. 22 € ss. m como, 22 Codigo Civil Ant_7?. Art. 7°. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretagao de auséncia: I — se for extremamente provavel a morte de quem estava em perigo de vida; Il — se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, nao for encontrado até dois anos apés o término da guerra. Paragrafo nico. A declaragao da morte presumida, nesses casos, somente podera ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguacées, devendo a sentenga fixar a data provavel do falec mento. Direito vigente: DL. 3.577/1941; DL. 4.819/1942; DL. 5.782/1943; DL 6.239/1944; L. 6015/1973, art. 88; L. 9.140/1995. Direito anterior: omisso. Comentanio: A declaragio de morte presumida que prescinde da decreta- gio de auséncia, nos moldes do artigo em anilise, prevista em alguns sistemas juridicos, jé nasce polémica, apesar da saudavel intengao de conferir seguranca juridica a situagdes em que a probabilidade de sobrevi- véncia é quase desprezivel, oferecendo uma maior celeridade na abertura da sucessio definitiva. “O ordenamento anterior s6 reconhecia o fim da personalidade da pessoa natural pela morte fisica ou pela declaragio de auséncia apés todo um longo processo”, nao havendo outra hipstese legal de presuncio da morte da pessoa natural (Renan Lotufo, Cédigo Civil Comentado, p. 38). Levou-se em conta que hipsteses fundamentalmente distintas merecem tratamento diferenciado; nao era isondmico igualar os casos em que a pessoa simplesmente evanesce, sem deixar noticias, ¢ outros casos em que a morte é altamente provavel, por motivos conhecidos. Ao comentar 0 art. 88 da LRP, Serpa Lopes levanta pontos que distinguem o desaparecimento de pessoas do instituto da auséncia: “Na auséncia, 0 desaparecimento da pessoa nao induz uma certeza da morte. Ao contrario, ‘© Seu ponto nodal é precisamente a incerteza. No caso de desaparecimento das pessoas de que agora se cogita nao ha uma auséncia, um desapareci- mento gerando uma duivida, mas um desaparecimento cercado de circuns- Uincias tais que indiretamente podem dar a certeza da morte” (Serpa Lopes, Tratado dos Registros Ptiblicos, vol. 1, p. 333). O inciso I, por sua natureza abrangente, aplica-se a qualquer hipétese em que se afigura “extremamente” provavel a morte daquele que se encon- trava “em perigo de vida”. Silvio Venosa considera que “guerra € termo que 23 Art. 8°. Codigo Civil deve ser entendido com elasticidade, pois deve compreender também revolugio interna € movimentos semelhantes como, por exemplo, exerci- m, largo espaco io julgacor para delimitar a extensio da probabilidade do faleci- mento e dar conteticlo a formula “perigo de vida". Discutem-se “os proble- mas que podem advir com o reaparecimento do presumido morto, acarre- tando situagdes que nem mesmo a melhor fic¢Zo pode imaginar’, como no caso do regresso do morto que encontra seu cOnjuge casado com terceiro. (Silvio Venosa, Direito Civil, p. 189 € ss., para o qual deve o juiz “fixar a data da morte presumida do desaparecido na sentenga, requisito que é essencial, melhor cabendo estabelecé-la no dia de sua tiltima noticia, na auséncia do critério mais seguro, segundo a prova apresentada”), Por forca do estabele- cido no art. 9, IV, a sentenca declaratoria de morte presumida devera ser 1 em registro puiblico, de forma a dar publicidade ao acontecimento cios bélicos” (Direito Civil, p. 190). O dispositivo oferece, a: inse Art, 8°. Se dois ou mais individuos falecerem na mesma ocasiio, nio se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-do simultaneamente mortos. Direito anterior: CC1916, art. 11 ComentARio; Trata-se da hipotese de comoriéncia, que j era regulada pela codificacao anterior, nos mesmos termos (CC1916, art. 11). £ uma presun- cdo juris tantum, segundo a qual se determina a morte simultanea daqueles que falecem na mesma ocasitio, podendo ser ilidicla por prova que estalve- leca a precedéncia da morte de um dos envolvidos. Neste sentido, decidiu © TIMG, que “nao se podendo afirmar com absoluta certeza, em face da prova dos autos, a premoriéncia de uma das vitimas de acidente em que veiculo é abalroado e vem a explodir quase em seguida, deve ser mantica a presungio legal de comoriéncia” (TIMG, Ap. Civ. 1.0137.06.900006-5/001, Rel. Des. Claudio Costa, julg. 9.11.2006, publ. DOMG 1.12.2006). Como anota Carvalho Santos, em outros tempos chegou-se a ver a preocupacio dos Cédigos com a comoriéncia como uma “curiosidade juridica”, mas 0 interesse pelo tema recrudesceu com a popularizagio dos transportes coletivos ea multiplicagao dos acidentes com vitimas também miiltiphas, Segundo 0 mesmo autor, entre as provas que podiam ser oferecidas para destruit a presuncio firmada pela lei enfileiram-se escritos (como registros de bordo ow as memérias escritas de um ndufrago), mas timbém presun- des (pois “a lei ndjo nega e nem podi ao juiz a faculdade de apreciar livremente os fatos”) e testemunhas (particularmente “aquelas que sobrevi- 24 Codigo Civil Art. 8%, veram ao desastre eas que foram espectadoras dele, ou que agiram em socorto daquelas vitimas que nao tiveram morte imediata”), além do exame | (Cédigo Civil, p. 311 € ss.). Lembra Renan Lotufo que “a finalidade maior do dispositivo nao esta 10 genérica para quaisquer pessoas que tenham o instante da morte simultineo. Havendo relagao de parentesco entre duas ou mais pessoas que venham a falecer em virtude de um mesmo acontecimento ou de um mesmo acidente, ai sim surge para o diteito 0 problema de saber quem morreu antes, O interesse justifica-se pela implicdncia de tal fato na ordem de vocagao no plano da sucessao, ou seja, na transmissao de direitos entre suicessores € sucedidos, enfim, quem tem a posicio de herdeiro do outro” (Codigo Civil Comentado, p. 41) A repercussiio da presuncio de comoriéncia na wansmissao dos direi- tos, segundo Caio Mario da Silva Pereira, mostra-se “singela: entre os comorientes, nio ha transferéncia de direitos, isto é, nenhum deles pode suceder ao outro, mas devem ser chamados a sucessio os herdeiros daqueles que falecem no desastre que os vitimou em conjunto” (Institui ¢6es, p. 235). Conforme ja afirmado anteriormente, 0 aumento de acidentes automo- bilisticos faz com que as hipéteses de comoriéncia tenham maior aplicagao nos tribunais, em especial no que diz respeito as conseqiiéncias da morte simultinea na transmissao de direitos, como se vé neste julgado do TIRJ: “Comoriéncia. Falecimento de marido e mulher no mesmo desastre. (...) Se © marido e mulher falecem ao mesmo tempo, nao haverd transmissto de direitos entre eles. E que os direitos a serem transmitidos nao encontrariam sujeito para os receber. Assim, o peciilio previdenciario do marido é desde logo atribuido a seus dependentes ou ascendentes, sem contemplacao aos da esposa, porque ela nao sobreviveu a ele” (TIRJ, Ap. Civ. 1989.00100877, Rel. Des. Paulo Roberto Freitas, julg. 08.08.1989, publ. RT 659/146). Observe-se que, nao obstante a questo da comoriéncia, em principio, dirigir-se a hipéteses de morte simultinea em um mesmo acontecimento, nada impede que se regulem casos de falecimentos ocorridos em lugares € por motivos diversos, desde que em um lapso de tempo que gere ctividas sobre a precedéncia. “Nao ha, por outro lado, a necessidade que as mortes tenham ocorrido em decorréncia da mesma causa, bastando a identidade de ocasiao” (Rafael Garcia Rodrigues, “A pessoa e o ser humano no Novo Codigo Civil’, in A parte geral do Novo Cédigo Civil, p. 11. Em sentido semelhante, Maria Helena Diniz, Novo Cédigo, p. 17). Avulta-se, hoje, a quantidade e a acuidade dos exames disponiveis, aumentando importincia do recurso a medicina legal nos casos em que numa previsa 25 Art Codigo Civil ha vestigios corporais do sinistro. Ja sustentava Clovis Bevilaqua que, caso os recursos empregados nao apresentem elementos de convicgao, “deve o direito aceitar os fatos como realmente existem, e ceclarar que, se ndo pode provar, convincentemente, a prioridade da morte de uma pessoa em relacao 4 outra, ndo havera transmissio de direito entre elas” (Clovis Bevilaqua, Teoria Geral do Direito Civil, p. 162), “posigao que vai de encontro as solugdes adotadas por diversos sistemas juridicos no curso da Historia, que chegaram a estabelecer critérios em fungao da idade, do sexo, ou do estado civil, para decidir quem devia ser considerado como pré-morto. (...) 0 nosso Cédigo Civil adotou o sistema de presungao de comoriéncia, ou seja, da morte no mesmo momento, independentemente do sexo, idade, ou estado civil” (Renan Lotufo, Cédigo Civil Comentado, p. 41). Art. 9°. Serdo registrados em registro ptiblico: I— os nascimentos, casamentos e Gbitos; 11 —a emancipacao por outorga dos pais ou por sentenca do juiz; Ul — a interdicao por incapacidade absoluta ou relativa; IV—asentenga declaratéria de auséncia e de morte presumida. Direito vigente: CC. arts. 5%, par. tin., I, 1.512, 1.514-1.516 € 1.604; CP, arts. 241 e 243: LICC. ants. 18 e 19; L. 3.764/1960; L. 6.001/1973; L. 6.015/1973, arts. 13, § 2%, 29, 1a V. 50. § 2%, 88-94, 104 € 107, § 1°; L. 6.815/1980. Direito anterior: CC1916, art. 12. Comentario: 1. O Registro Civil das Pessoas Naturais. O Registro Civil das Pessoas Naturais reveste-se de uma dupla fung3o, qual seja, tanto documentar quanto dar publicidade ao estado das pessoas. “Por um lado, visa a atender a interesses sociais, pois €, muitas vezes, baseados nos dados do registro que surgem a incidéncia fiscal, o levantamento das estatisticas, © chamamento dos recrutas para o servico militar, a inscrigao dos eleitores etc. Por outro lado. visa a facilitar a prova do estado dos individuos, dando-Ihes certidées do seu estado, comprovando a sua qualidade juridica, a sua situacdo na sociedade, como menor ou maior, solteiro ou casado, plenamente capaz de fato ou interdito, nacional ou estrangeiro”. Cumpre observar que “a publicidade nio implica que todos saibam dos fatos registrados. mas sim que todos tenham possibilidade de vir a conhecer dos atos € fatos” (Renan Lotufo, Codigo Civil Comentado, p. 43). Dois sio os principios basicos que devem nortear sua atividade: 0 da £6 pliblica e o da continuidade. © primeiro estatui que “ninguém pode fazer 26 Codigo Civil An. 9. prova em juizo contra os assentos do registro civil, havendo uma presungao juris et de jure da veracidade dos mesmos, nao se admitindo prova em contririo. Quando 0 registro nao corresponde & verdade, cabe to interessa- do alegar em qualquer processo a irregularidade existente, devendo ser feita, cm primeiro lugar, a restauraglo, suprimento, ou retificagao das falhas existentes no registro civil”, 0 que ocorre por meio de decisao judicial, nos termos dos arts. 109-113. LRP (Lei n* 6.015/73). Walter Ceneviva entende que © registro cria presungao relativa de veracidade (Lei dos Registros Piiblicos Comentada, p. 4). JA © principio da continuidade significa que “todos 08 atos relatives 20 mesmo individuo devam constar do Registro, a fim de nele encontrar-se todo 6 histérico clas situagdes juridicas dos interes- sados” (Arnoldo Wald, C1so, pp. 138-139), 2. Registro dos nascimentos. Sobre o registro dos nascimentos, as minudéncias so tratadas pela LRP (Lei n® 6.015/73, arts. 50 e ss.). Determi- na 0 art. 50 que “todo nascimento que ocorrer no territ6rio nacional devera ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido 0 parto ou no lugar da residéncia dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que sera ampliado em até trés meses para os lugares distantes mais de 30 quilémetros da sede do cart6rio”. Segundo o art. 53, mesmo no caso dos natimortos ou daqueles que morram na ocasiio do préprio parto deve ser feito o assento, determi- nando 0 art. 63 que, no caso de gémeos, deve ser declarada no assento especial de cada um a ordem do nascimento. 3. Registro dos casamentos. A respeito dos matriménios, dispée a LRP que, logo depois de realizados, deverd se lavrar assento, assinado pelo presidente do ato, os cénjuges, pelo menos duas testemunhas (nao dispon- do a lei de modo diversa) e 0 oficial, sendo exarada uma série de dados pessoais dos conjuges, seus pais, 0 nome que os cOnjuges vaio passar a grafar (interpretacao ja atualizada pela literalidade do art. 1.565, § 18 do Codigo Civil, sem embargo da corrente que ja vislumbrava esta possibilida- de desde a plena isonomia constitucional), entre outras formalidades (ins- critas no art. 70 do diploma que rege os registros ptiblicos). Os arts. 1.515 € 1.516 do Cédigo Civil trazem a disciplina para que o registro do casamento religioso equipare-o ao civil. Sobre o registro do casamento nuncupativo, consulte-se 0 art. 1.514 do Cédigo Civil 4. Registro dos Sbitos. Os falecimentos sio objeto de apreciagao da LRP nos arts. 77-85, os quais estabelecem que o registro deve ser feito dentro de 24 horas do falecimento, salvo motivo relevante, nos termos do art. 78. 5. Registro das emancipagées, interdicdes, auséncias € mortes presumidas. As modalidaces de emancipagao a que se refere o art. 5%, par. 27 Ant. 10. Cédigo Civil tin, 1, do Cédigo Civil, deverio ser registradas, nos termos dos arts. 89-91 da LRP, condigio para que comecem a produzir seus efeitos (LRP, art. 91, par. tin.). O registro das sentengas de interdigao € regulado pelos arts, 92 € 93 da LRP, eo das sentengas de auséncia pelo art. 94 do mesmo diploma. ‘As sentencas declaratérias de morte presumida a que se refere 0 art. 78 do Cédigo Civil também deverio ser registraclas; interpretando-se sistematica- mente a codificagio e a LRP. Tais decisées irio a registro no cartério do iltimo domicilio do presumido morto, nos termos do art. 94 da LRP. s Art. 10. Far-se-4 averbacao em registro publico: I — das sentengas que decretarem a nulidade ou anulagdo do casamento, o divércio, a separacio judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; 1 — dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reco- nhecerem a filiag’o; Tl — dos atos judiciais ou extrajudiciais de adocao. Direito vigente: CC. art. 1.609, 1, L. 883/1949; L. 3.133/1957; L. 6.015/1973, arts. 29, VII, § 1%, a, 95, 96, 100 € 101; L. 8.069/1990, art. 26, L. 8.560/1992, art, 1; L. 11.441/2007, art. 3°, Direito anterior: CC1916, art. 12. ComentARio: A averbacdo tem cardter acessério, pois altera registro ja efetuado. Devem ser feitas 4 margem do assento, ou no livro corrente, quando faltar espacgo, mediante a indicag3o minuciosa da sentenca ou ato que a determinar (Wilson de Souza Campos Batalha, Comentarios, p. 247). Leva-las a cabo é incumbéncia do oficial do cartério em que consta o assento, desde que a vista da carta de sentenca, de mandado ou de petigio acompanhada de certidao ou documento legal e auténtico, comprovada a regular audiéncia do parquet (LRP, arts. 97-99). A averbagao das sentencas de que trata o inciso I do artigo em tela é regulamentada pelos arts. 100 € 101 da LRP, enquanto os arts. 102 e 103 incumbem-se dos demais. Assim, nos termos do art. 100 da referida lei, devera ser averbada no livro de casamento a sentenca de nulidade e anulagio de casamento, assim como tt que homologar separagio judicial consensual e a que conceder separacio judicial litigiosa ¢ as sentencas de divércio, conforme previsio do art. 32 da Lei n? 6.515/77, devendo-se declarar “a data em que o juiz a proferiu, a sua conclustio, os nomes das partes e 0 trinsito em julgado”. Ainda, o ato de 28 Cédigo Civil Art. 10. restabelecimento de sociecade conjugal devera ser averbado no livro de casamento (LRP, art. 101). Tais sentengas s6 produzirio efeitos contra terceiros a partir da averbagio (LRP, art. 100, § 12). Nos termos do inciso II do artigo em anilise, deverio ser averbados, no livro de nascimento (art. 102, LRP), 0s atos judiciais que declarem ou reco- nhecam a filiagao, assim como os extrajudiciais, j4 que “o reconhecimento voluntirio dle filho (CC, art. 1.609, 1 a IV; Lei n® 8,069/90, art. 26, Lei n® 8.560/92, art. 18, 1a IV) € ato solene. Deve, por exemplo, a escritura publica icular arquivada em cartério, em que se reconhega filiacho, ser aver- hada no livro de nascimento” (Maria Helena Diniz, Novo Cédigo, p. 21) Por fim, estabelece-se a necessidade de averbagio, no livro de nasci- mento, dos atos judiciais ou extrajudiciais de adogao. Ressalte-se que a adogio s6 se consuma com a devida observagao de tal formalidade. No entanto, a previsio de averbagao de ato extrajudicial constitui letra morta Com efeito, “como desapareceu a dicotomia entre adogao simples e plena, © ato de adogao, além de ser irrevogavel, nao dispensa a intervencio judicial na sua criagao, pois somente em processo judicial, com a interven- cio do Ministério Publico, inclusive em caso de adogio de maiores de 18 anos (CC, art. 1.623 € pardgrafo tinico). Conseqiientemente, nao se pode adotar por meio de escritura publica, nao ha que se falar em ato extrajudi- cial de adocio e do ato que a dissolver, pois nao mais sera possivel revogi-la, nem podera o adotado desligar-se unilateralmente da adogio” (Maria Helena Diniz, Novo Codigo, p. 25). 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Embora anunciado como uma importante inovacio, 0 capitulo destinado aos direitos da personaltidade acaba sendo, a bem da verdade, um dos terrenos onde mais nitidamente se percebe © acanhamento do legislador de 2002, principalmente quando se compara o texto codificado ao que jf se havia positivado ¥ ao estado da doutrina ¢ da jurisprudéncia. © quadro pré-constitucional era defi como ressaltado por Milton Fernandes: “Os direitos personalissimos aind; nao foram objeto de preocupacio legislativa em nosso Pais. A preci tutela que se Ihes assegura se funda basicamente na responsabilidade civil e alguma criagio pretoriana” (“Os Direitos da Personalicade”, pp. 185-186) Sem embargo de opinies que vislumbram uma “protegao da personalida- de" na antiga actio iniuriarum romana (neste sentido, Elimar Szaniawski, “Direitos da personalidad na antiga Roma”, p. 38), “foi, contudo, somente no século XIX, a partir da elaboragdo das doutrinas francesa e alema, que se comecou a edificar a construgao dos direitos atinentes a tutela da pessoa humana, considerados essenciais a esfera de protegao de sua dignidade e integridade, denominando-se-lhes direitos da personalidade. A dissemina- Go da categoria foi muito intensa no decorrer do século atual, vindo a incorporar sempre novos contetidos, desde o seu reconhecimento legal no BGB em 1900, com a enunciacio dos direitos & vida, ao corpo, a satide € a liberdade (§ 823) e a fixagao de garantias ao direito de uso do nome (§ 12)” (Maria Celina Bodin de Moraes, ‘Recusa a Realizagio do Exame de DNA’, p. 158). Nao prevaleceram, portanto, as chamadks teorias negativistas (Savigny, Thon, von Tuhr, Enneccerus, Jelinek, entre outros), que enxergavam uma contradicao lgica na possibilidade de que a personalidade, identificando- se coma titularidade de direitos, pudesse ser também objeto deles. A cr central estas teorias reside na consideragao da personalidacde sob dois pontos de vista, como explica Gustavo Tepedino: “Sob 0 ponto de vista ckt habilitagio da pessoa humana a ser sujeito de direito, tem-se a personalica- de como capacidade, indicando a titularidade das relagoes juridicas. De outro ponto de vista, todavia, tem-se a personalidade como um conjunto de caracteristicas € atributos proprios da pessoa humana, considerada como objeto de protecao por parte do ordenamento juridico”. (“A ‘Tutela da Personalidade”, p. 27). OCC1916, “fiel as suas origens”, como acentua Carlos Alberto Bittar (Os Direitos da Personatidade, p. 38), nao continha normas que fizessem referéncia expressa aos direitos da personalidade, mas apenas algum poueas referencias aos “bens interiores, ou, por outra, bens que aderem & personalidade”, “se encontram no proprio homem e de cujo gozo cle nao s 32 Codigo Civil Ant_ll pode ser privado, sob pena de sofrer uma grave mutilagdo nos seus sses” (San Tigo Dantas, Programa, p. 153). Era o caso de alguns dispositivos relacionados aos direitos do autor (enumerados por Carlos Alberto Bittar, Os Direitos da Personalidade, p. 38), bem como 0 art. 573, correspondente to atual art. 1.301, que possibilita ao proprietério embargar a construgio de prédio em que se abra janela, ¢ faga eirado, terraco ou varanda a menos de meio metro do seu, em que a doutrina enxerga preocupagdo com a protegao da intimidade. A vida privada recebia trata- mento protetivo nos textos constitucionais, em regra, no tocante a inviola- bilidade domiciliar e das correspondéncias; outros diplomas cuidariam episodicamente de temas como os direitos morais de autor (Lei n® 5.988/73). Nao havia, entretanto, como ressalva Rubens Limongi Franca, a preocupagio dla exposicio sistemdtica da matéria, constituindo rara exce- go a do Anteprojeto de Cédigo Civil redigido na década de 1960 por Orlando Gomes, 0 qual, neste particular, representava “posigao de vanguar- da em face da generalidade dos orcenamentos das nagées cultas” (~Direitos da Personalidade”, p. 12). ‘A Constituicao de 1988, contudo, positivou a tutela da personalidade humana em diversos preceitos. “Refere-se 0 novo texto, ao lado das liber- dades e do sigilo, especialmente a: intimidade; vida privada; honra; imagem das pessoas (assegurando-se o direito a indenizagao pelo dano material ou moral decorrente dle sua violagao: inciso X); direitos autorais (inciso XXVID; participagdes individuais em obras coletivas; e reprodugao da imagem e da voz humanas (inclusive nas atividades desportivas: inciso XXVIID. Anote- se, ainda, que a especificagao dos direitos e garantias expressos nao exclui outros, decorrentes do regime e dos principios adotados pela Constituicao” (Carlos Alberto Bittar, Os Direitos da Personalidade, pp. 56-57). Fm especial, a consagracao do principio da dignidade da pessoa huma- na no texto constitucional permitiu que fosse superada a controvérsia entre as teorias pluralista, defensora da existéncia cle muiltiplos direitos da perso- nalidade, ¢ monista, que sustentava a existéncia dle um unico direito de personalidade, origindrio ¢ geral. Ambas revelam-se insuficientes, mostran- do-se vinculadas ao paradigma dos direitos subjetivos patrimoniais, em especial ao modelo do direito de propriedade (Gustavo Tepedino, “A Tutela dla Personalidade”, p. 45). Como ressalta Pietro Perlingieri: “A esta matéria nao se pode aplicar o direito subjetivo claborado sobre a categoria do ‘ter’. Na categoria do ‘ser’ nao ha dualidade entre sujeito e objeto, porque ambos representam o ser, ¢ a titularidade € institucional, organica” (Perfis, p. 155). Portanto, o principio previsto no art. 12, II, ca Constituicdo funciona como uma cléusula geral de tutela da personalidade, permitindo a utilizagao dos 33 Art, LL Codigo Civil mais diversos instrumentos juridicos para sua salvaguarda. Como explica Maria Celina Bodin de Moraes: “Nao ha mais, de fato, que se discutir sobre uma enumeracao taxativa ou exemplificativa dos direitos da personalidade, porque se esté em presenga, a partir do principio constitucional da dignica- de, de uma cliusula geral de tutela da pessoa humana. Por outro lado, tampouco hé que se falar apenas em ‘direitos’ (subjetivos) da personalida- de, mesmo se atipicos, porque a personalidade humana nio se realiza somente através de direitos subjetivos, que podem se apresentar, como ja referido, sob as mais diversas configuragdes: como poder juridico, como direito potestativo, como interesse legitimo, pretensio, autoridade parental, faculdade, Onus, estado — enfim, como qualquer circunstancia juridica- mente relevante” (Danos & Pessoa Humana, pp. 117-118). Em doutrina destacam-se as caracteristicas dos chamados direitos da personalidade. Sao eles: inatos, no sentido de surgirem com a propria exis- téncia da pessoa humana; extrapatrimoniais, embora sua les%o possa surtir efeitos patrimoniais; absolutos, isto é, oponiveis erga omnes, indisponiveis, abrangendo sua impenhorabilidade e a mencionada irrenunciabilidade; im- prescritiveis, pois a sua lesio nio convalesce com 0 tempo; e a citada intransmissibilidade (v. comentario ao art. 12). No entanto, reconhecem-se temperamentos a tais caracteristicas, no sentido da concessio de uso de alguns de tais direitos, como a imagem e 0 direito de autor, e do livre desenvolvimento da personalidade, que implica transformagdes (No mesmo sentido: Radinbranath V. A. Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personali- dade, pp. 401 e ss.; Gustavo Tepedino, “A Tutela da Personalidade”, pp. 33 € ss.; Carlos Alberto Bittar, Os Direitos da Personalidade, pp. 11 e ss.). No mesmo sentido, aprovaram-se alguns enunciados nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Centro de Estudos Judicidrios do Conselho da Justiga Federal (CEJ). Na I Jornada (2002), aprovou-se enunciado 4, segundo © qual “o exercicio dos direitos de personalidade pode sofrer limitacio voluntaria, desde que nao seja permanente nem geral” (Ruy Rosado, fornada de Direito Civil, p. 51); na III Jornada (2004), o enunciado 139, segundo o qual “os direitos da personalidade podem sofrer limitagdes, ainda que nao especificamente previstas em lei, nao podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente 3 boa-fé objetiva e aos bons costumes”; na IV Jornada (2006), 0 274, que determina que “os direitos da personalidade, regulados de maneira nio-exaustiva pelo Cédigo Civil, sao expresses da cldusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1°, IIl, da Constituigao (principio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisio entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderagio.” 34 Codigo Civil An. 12. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaga, ou a lesao, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuizo de outras sangGes previstas em lei. Paragrafo nico. Em se tratando de morto, tera legitimagao para requerer a medida prevista neste artigo o cénjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. Direito vigente: CF, arts. 5°, LXVI, LXIX e LXXI, e 142, § 2; CC, arts. 20, par. tin., 186, 402-405, 927, 935, 943-954; CP, arts. 138, § 2%, 150-154, 208, 1.591 e 1.592; CPP, arts. 20, 282-350, 393, I, 408, §§ 1°-3%, e 647-667; L. 1533/1951; L. 4348/1964; L. 9.507/1997. Direito anterior: omisso Comentario: A lesao a personalidade humana, por suas peculiaridades, nao se coaduna com a recondugio do prejudicado ao estado anterior. O dispositivo reforca os mecanismos de protecao no momento patolégico da violacao: além da possibilidade de recurso as medidas cautelares e ao pedido de antecipacao de tutela, ha que se observar o art. 461 e parigrafos do CPC, referente 4s agdes que tenham por objeto o cumprimento de obrigacao de fazer ou nao fazer, e que, entre outros objetivos, pretende constranger 0 réu. Sobre o assunto, aprovou-se o enunciado 140 na IIL Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judicidrios do Conselho da Justiga Federal, em 2004, segundo o qual “a primeira parte do art. 12 do Cédigo Civil refere-se as técnicas de tutela especifica, aplicdveis de oficio, enunciadas no art. 461 do Cédigo de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo.” De outro lado, a reclamagao por perdas e danos, que no caso de lesao a direitos da personalidade, ou melhor, lesdo A dignidade da pessoa humana, consiste na reparagio do dano moral. Sobre o tema, v. Maria Celina Bodin de Moraes, Danos & Pessoa Humana, passim. © paragrafo tinico do dispositivo € alvo de profunda controvérsia. Tendo em vista a impossibilidade de sucessao nos direitos da personalida- de, pois, intransmissiveis que so se extinguem com a morte do titular, diversas teorias visam a explicar a legitimicade do cénjuge e dos parentes para garantir a protecao da personalidade post mortem. Capelo de Sousa lista cinco posi¢des sobre a natureza da previsio: i) direitos sem sujeito; ii) dever juridico geral; iii) personalidade parcial; iv) clireito das pessoas viv: afetadas; e v) direitos do falecido dos quais as pessoas vivas seriam s (O Direito Geral da Personalidade, pp. 364-365). Diante da 35 aoe Cédigo Civil 10 polémica, cabe ressaltar que embora a morte do titular implique a extin dos direitos da personalidade, alguns dos interesses resguardados perm: hecem sob tutela, como ocorre, p. €x., Com a imagem, © nome, a autoria, a sepultura e 0 cadaver do falecido. O ordenamento, portanto, confere legitimidade 20 cOnjuge e aos parentes, que seriam os efetivamente afeta- dos pela lesio de tais interesses apés a morte do titular, para que possa impedir a lesio ou demandar reparacao por seus efeitos. Em razio de pantlhar destes mesmos interesses, € de se interpretar 0 dispositive de maneira extensiva, de modo a conferir ao companheiro ou companheira a mesma legitimidade no caso de unio estavel. A IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciérios do Conselho da Justica Federal, em 2006, aprovou, nesse sentido, enunciado 275, segundo o qual “o rol dos legitimados de que tatam os arts. 12, parégrafo tinico, e 20, parigrafo Unico, do Cédigo Civil também compreende o companheiro” Art. 13. Salvo por exigéncia médica, é defeso 0 ato de disposicao do proprio corpo, quando importar diminuicdo permanente da integridade fisica. ou contrariar os bons costumes. Pardgrafo tinico. O ato previsto neste artigo sera admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Direito vigente: 1. 9.434 97, art. 9; D. 2.268/97. Direito anterior: omisso. ComEsTAr10: A disposicao do préprio corpo corresponde ao ato impropria- mente chamado de “doacao” de partes do corpo, normalmente associado 40s 6rgios internos. sendo certo que de doagio, no sentido técnico, nao se tata. Como afirma Pietro Perlingieri, “o simples consentimento de quem tem © direito nao € suficiente para tornar licito 0 que para o ordenamento é ilicito. nem pode — sem um retorno ao dogma da vontade como valor — fepresentar um ato de autonomia de per si merecedor de tutela” (Perfis, p. 299), Sob a ordem constitucional democratica e pluralista, o fundamento da limitagao 4 disponibilidade, que historicamente prevaleceu nos paises da familia romano-germanica, deixa de ser a concepgao clualista cla pessoa, cingida em corpo e espirito, conforme a tradicao ética judaico qual resulta a inviolabilidade sacra do corpo como instrumento para reali 36 Codigo Civil An. 13. 1 missio na terra. Em seu lugar, fasta ad se a concepeao unitiria, sociagao entre 0 corpo & a propria pessoa, e justifica a inexisténcia de um direito ao corpo pela auséncia de uma relagio sujeito- objeto (Roberto Andorno, La Distinction Juridique, p. 90). Os limites a disposigao passam a fundar-se, assim, na protegio a dignidade humana Na busca pelo sutil equilibrio entre proteger a livre manifestacao da personalidade através do corpo & vedar atos de autolesao que impoem prejuizo satide ¢ dignidade da pessoa, 0 CC seguit o exemplo do art. 5° do Cédigo Civil italiano, apresentando dois critérios para definir a i do ato de disposigio — a diminuigao permanente da integridade fisica ou aafronta aos bons costumes —, ressalvado um terceiro critério, a exigéncia médica. Portanto, 0 CC estabelece tais critérios como limites & licitude dos atos de disposi¢2o. Comentando o dispositivo italiano, afirma Adriano De Cupi “De facto, enquanto o direito 2 vida nao € disponivel nem mediante ‘consentimento’, o direito a integridade fisica é-ou em certo limite. (...) Este limite é duplo: na verdade, segundo 0 art. 5°, 0 consentimento é proibido quando cause ‘uma diminuicdo permanente da integridade fisica’, ou quan- do seja por outra forma contrario ‘A lei, a ordem publica ou aos bons costumes’, Nestes casos 0 consentimento nao produz efeito. O primeiro limite tem carater especial enquanto o segundo tem carater geral” (Os Direitos da Personalidade, pp. 73-74). Quanto a este limite de carater geral que € 0 critério da afronta aos bons ‘tumes, impde-se uma interpretacdo constitucionalizada, Em uma socie- dade plural, que protege constitucionalmente os mais diversos estilos de vida € preconiza a tolerancia e a nao-discrimina¢ao, torna-se tarefa de dificil justificacio a proibigao de atos individuais que nao atinjam terceiro, sob o fundamento da violagao dos “bons costumes”. Um dispositivo proibitivo desse jaez poderia violar os preceitos constitucionais que garantem a livre expressio da identidade e a inviolabilidade. O termo “bons costumes”, Portanto, deve ser entendido em consonancia com os fundamentos e os objetivos cla Republica, especialmente o principio da dignidade da pessoa humana. que al Enfim, 0 terceiro critério, e hierarquicamente superior — uma vez que € capaz de derrogar os demais —, é a finalidade terapéutica, ou, como Preferiu o legislador, a exigéncia médica. Este critério permite que a inviolabilidade seja quebrada em nome da protecao da vida ou da integri- dade psicofisica, na perspectiva de um sacrificio a ser admitido em nome de um bem maior. O ato de disposicao, nesse caso, mostra-se necessirio, uma vez que, segundo a avaliagao médica, visa a recomposicao da satide do 37 Ant. 13 Codigo Civil paciente, elemento inolvidivel de sua dignidade. O legislador autoriza realiza, ele proprio, a ponderacao de principios. Tal critério permitiu em nosso ordenamento a cirurgia de transgenitali- zagio part os pacientes diagnosticados com disforia de género, i.e, a mudanga de sexo. O diagnéstico do transexualismo como um desvio permanente, caracterizado pelo “desconforto com 0 sexo anatémico natu- ral” e pelo “desejo de mudar de sexo capaz de levar 2 automutilagao ou auto-exterminio” € definido pela Resolugo CFM n® 1.682/2002 como idé- neo a pennitir a0 médico a realizagio da cirurgia, atendidos os demais a opera- ito terapéutico requisitos estabelecidos em tal norma deontoldgica. Justifica-se es G20, que é mutiladora e irreversivel, com base em seu prop de adequag’o ao sexo psiquico. ‘Apesar da falta de previsio expressa no CC, considera-se hoje licita a cirurgia de mudanga de sexo, quando em conformidade com procedimento médico estabelecido pelo CFM. Permanecem, contudo, polémicos os efei- tos civis da mudanga. ‘Aalteragio do prenome no registro vem sendo permitida com base no parigrafo tnico do art. 58 da Lei n® 6.015/73 (Lei de Registros Publicos), que autoriza a mudanca quando o prenome for suscetivel de expor ao ridiculo seu portador. A resistencia maior diz com a retificagao do registro de sexo. sob o argumento de que a cirurgia seria apenas cosmética, operando uma transformagao apenas aparente, sem realizar uma verdadeira mudanga de sexo, uma vez que nao haveria alterago nos 6rgios internos (Sobre o tema, v. Ana Paula Ariston Barion Peres, Transexualismo, passim) No direito estrangeiro, a Corte Européia de Direitos Humanos, por exemplo. ao rever decisio francesa em 1992 rejeitou tal argumento € garantiu a retificagao do registro com base na protegao a vida privada € familiar, protegida pelo art. 8° da Convengao Européia de Direitos Humanos (Jacqueline Pousson-Petit, “Une illustration: le cas du transexualisme”, p. 142). Tramita no Congresso projeto de lei (PL-70B) que, além de expres mente excluir a ilicitude da cirurgia e permitir a alteracio do prenome, prevé a averbacdo do novo sexo € veda a emissio de certidao (sigilo do registro), salvo por requisicao do interessado ou determinacao judicia 2 projeto inicial determinava a alteracao do registro de sexo para a condigao de “transexual”. No entanto, a comissao de redacao entendeu que o dispo- sitivo seria discriminat6rio e 0 modificou no substitutivo. Tal concepgio — segundo a qual, em casos assim, deveria constar a condigao de “transexual” do registro civil — foi suscitada no TJSP em julgamento de pedido de retificaco do registro. Restou vencida, contudo, por tese calcada no principio da dignidade da pessoa humana e no objetivo 38 Codigo Civil An. 13 fundamental da Reptiblica cle promover o bem de todos, sem preconceitos e discriminagdes: “Retificagao do registro civil — Assento de nascimento — Transexual — Alteragao na indicagio do sexo — Deferimento — Necessi- dade da cirurgia para a mudanga de sexo reconhecida por acompanhamen- to médico multidisciplinar — Concordancia do Estado com a cirurgia que nado se compatibiliza com a manutencdo do estado sexual originalmente inserto na certicio de nascimento — Negativa ao portador de disforia do género do direito 2 adequagio do sexo morfolgico e psicoldgico e a conseqiiente redesignacao do estado sexual e do prenome no assento de nascimento que acaba por afrontar a lei fundamental — Inexisténcia de interesse genérico de uma sociedade democratica em impedir a integragao do transexual — Alteragio que busca obter efetividade aos comandos previstos nos arts. 1°, III, e 3°, IV, da Constituigao Federal — Recurso do Ministério Ptiblico negado, provido o do autor para o fim de acolher integralmente o pedido inicial, determinando a retificagao de seu assento de nascimento niio s6 no que diz respeito ao nome, mas também no que concerne ao sexo” (TJSP, 1* CDPrv., Ap. Civ. 209.101.4/0, Rel. Des. Laerte julg. 09.04.2002). ‘A gradual disseminacao de julgados como este (v., ainda, TSP, 5¢ C.C., Ap. Civ. 165.157.4/5, Rel. Des. Boris Kauffmann, julg. 22.03.2001) levou Carlos Nelson Konder a afirmar que, apesar do reconhecimento dos direitos dos transexuais estar ainda em patamar bem inferior ao que se verifica na Europa, “a evolugao no sentido do reconhecimento juridico da mudanga de sexo se pautou total e exclusivamente pela protecao A dignidade humana do transexual” (“O Consentimento no Biodireito”, pp. 68-70). Nesse senti- do, aprovou-se o enunciado 276 na IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judicidrios do Conselho da Justica Federal, em 2006, segundo o qual “o art. 13 do Cédigo Civil, ao permitir a disposicao do proprio corpo por exigéncia médica, autoriza as cirurgias de transgenitali- zacdo, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conse- Iho Federal de Medicina, e a conseqiiente alteracio do prenome e do sexo no Registro Civil” © caso dos transplantes é regulamentado pela Lei n® 9.434/97, com as alteracdes da Lei n® 10.211/01, devendo ter por objetivo resguardar a integridade do doador mas sem olvidar a solidariedade social que o trans- plante representa (v. comentirios ao art. 14). O seu art. 9? determina que a remoga0 do 6rgio nao pode comprometer a satide do doador, s6 se podendo dispor de érgaos duplos e, no caso de incapazes e gestante, s6 de medula 6ssea. A lei, em seu art. 15, veda qualquer tipo de comercializacao, tipificando como crime a sua pritica, com pena de reclusio de trés a oito 39 Art 4 Codigo Civit anos e@ multa, A severidade da norma € necessaria em razo da especial pressio mercadoldgica neste rimo, uma vez que a escassez de Srgdos conduz a sua extrema valorizagio (sobre o tema, v. Giovanni Berlinguer Volnei Garrafa, O Mercado Humano). Art. 14. E valida, com objetivo cientifico, ou altruistico, a disposi- ¢ao gratuita do préprio corpo, no todo ou em parte, para depo' da morte. Paragrafo tinico. O ato de disposi¢io pode ser livremente revoga- do a qualquer tempo. Direito vigente: L. 8.501/1992; L. 9.434/1997, art. 1°; D. 2.268/1997. Direito anterior: omisso. Comestinio: Em virtude dos relevantes interesses envolvidos, ja menciona- dos (v. comentario ao art. 12), 0 cédigo impoe restrigdes a disposicao de partes do corpo mesmo depois da morte: a vedacdo de exploragaio econd- mica do cadiver e a delimitagao de finalidade para sua utilizagao, seja ela cientifica ou altruistica. A finalidade cientifica € principalmente representada pela destinagio do cadaver as escolas de medicina para fins de ensino e pesquisa. Sem embargo da possibilidade de tal objetivo ser alcancado por ato de vontade, a Lei n® 8.501/1992 dispde que “o cadaver nao reclamado junto as autorida- des ptiblicas, no prazo de trinta dias, poderd ser destinado as escolas de medicina, para fins de ensino e de pesquisa de carater cientifico” (art. 28). A linguagem utilizada — “poderd ser destinado” — nao deve ser interpretada de modo a permitir outras destinagées. Este foi o entendimento exterioriza- do pelo Conselho Regional de Medicina de Sio Paulo, ao responder, em outubro de 2000, & Consulta 29.501/00: “o artigo em referéncia nao deixa margem a dividas ou interpretacdes extensivas (...) a disposicao do citado artigo 2° da Lei 8.501/92 é taxativa e restritiva.” Como principal exemplo de finalidade altruistica esta a doagao de 6rgios para transplantes, que responde ao principio constitucional de solidariedade social. Para a doacaio de 6rgios post mortem, a Lei n® 9.434/1997 dava passo pioneiro ao introduzir, através de seu art. 4%, Presuncao de consentimento, salvo prévia manifestagio de vontade em sentido contririo. Com isso objetivava climinar, ou ao menos reduzir para doagao, fundamentando-se no principio de s . Sobre o projeto, observou Antonio Chaves: “O que importa riedade soc 40 Cédigo Civil Ant 14. assinalar é 0 critério verdadeiramente inovador que trazia 0 projeto de lei do governo de substituir a indispensabilidade de consentimento expresso do disponente em vida, s6 possivel de alguns raros doadores esclarecidos que consigam vender sua propria inércia, ou de seus parentes mais proxi mos, em geral tomados de escriipulos, pelo aproveitamento, ressalvada a manifestagdo prévia em sentido contrario” (Direito @ Vida e ao Proprio Corpo, p. 253). Contuclo, a redagio original da L. 9.434/97 gerou intensa polémica € seus opositores alegavam, entre outros argumentos sintetizados por Maria Helena Diniz (O Estado Atual do Biodireito, p. 289), que a lei era inconsti- tucional “pela estatizagio do corpo humano, devido ao fato de o Estado ficar com algo que nao é seu”, desrespeitando “o direito individual da pessoa a sua integridade fisica e dignidade” e 0 “principio filosGfico do controle do homem sobre © proprio corpo” Embora o argumento seja fundado no “paradigma juridico individualis- tico-libertitio para 0 qual © papel principal do direito € assegurar a cada individuo 0 direito a privacidade e 4 autonomia nas suas decisdes pessoais” José Roque Junges, Bioética, p. 223), em desapreco a solidariedade consti- tucional, o Poder Executivo acabou por editar a Medida ProvisGria n® 1.718, de 6 outubro 1998, que incluiu o § 6° ao art. 48, impondo, quando da auséncia de manifestacio expressa de vontade do doador, a consulta aos familiares. Apés reeditada 26 vezes, a medida provisoria foi alterada (MP 1.959-27, que dew a reda¢ao atual ao art. 4°), fazendo finalmente prevalecer a vontade dos familiares mesmo sobre a do doador, mediante texto legislativo que veio a se converter, apés outras cinco reedigées, na Lei n° 10.211/2001. Com vistas a reforcar a autonomia do doador em detrimento da vontade da familia, aprovou-se o enunciado 277 na IV Jornada de Direito Civil, promo- vida pelo Centro de Estudos Judiciarios do Conselho da Justiga Federal, em 2006, segundo o qual “o art. 14 do Cédigo Civil, ao afirmar a validade da disposicao gratuita do proprio corpo, com objetivo cientifico ou altruistico, para depois da morte, determinou que a manifestacdo expressa do doador de 6rgios em vida prevalece sobre a vontacle dos familiares, portanto, a aplicagao do art. 4° da Lei n. 9.434/97 ficou restrita 4 hipdtese de siléncio do potencial doadoi Dessa maneira, em defesa da suposta indisponibilidade da integridade corpérea € do controle do homem sobre © proprio corpo, reduziu-se, drasticamente, a oferta de érgiios para doacao, em desaprego & solidarieda de constitucional 41 An 15. COdigo Civil Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervengao cirtrgica. Direito anterior: omisso ComENténo: 1, Beneficéncia € principios aplicaveis aos problemas do biodireito. Dentre os principios norteadores da bioética € do biodireito des ¢ 0 principio da beneficéncia, que “tem suas origens na mais antiga tradigio da medicina ocidental” e traduz-se no imperativo de agir sempre no interesse do paciente, visando ao seu bem. Apesar de configurar dever que funda suas raizes no reconhecimento do valor moral do “outro”, cujo bem deve ser maximizado, a doutrina moderna ressalta que tamanha beneficéncia pode se transmutar em paternalismo, entrando em conflito com 0 principio da autonomia do paciente. Por isso, advoga-se a adogio de principios para os problemas biojuridicos “que sejam complementares nao, como € © caso dos principios da Bioética, principios que partem de Pressupostos € cujos objetivos sao mutuamente excludentes” (Vicente Bar- retto, “Bioética. Biodireito e Direitos Humanos”, pp. 406 e ss.). Heloisa Helena Barboza, apés lembrar que, com a constitucionalizagao do direito civil. todas as respostas devem, necessariamente, estar embasa- das nos principios estabelecidos pela Constituigao Federal pertinentes 2 matéria” — pois estes sao os principios constitutivos do sistema — cita alguns paradigmas inafastaveis, como o direito 4 vida, 4 paternidade res- ponsavel, o melhor interesse da crianca e do adolescente, a vedagao de todo tipo de comercializagio na retirada de partes do corpo para fins de tansplante, a preservacio da integridade e diversidade do patriménio genético e, por fim, a dignidade da pessoa humana (“Bioética x Biodireito: Insuficiéncia dos Conceitos Juridicos”, p. 6). Nao ha, pois, segundo tal construgao, que se falar na eventual supremacia de um determinado princi- Pio — como se costuma associar a uma suposta superioridade do direito vida, a bem da verdade situado no mesmo patamar hierirquico que demais. Sobrepujanca numa eventual colisio de principios ha, admita-se, quando se aborda a dignidade da pessoa humana, mas isto porque este Principio “condensa e sintetiza os valores fundamentais que esteiam a ordem constitucional vigente”, devendo toda e qualquer ponderacao de interesses orientar-se no sentido de sua protecio e promogio (Daniel Sarmento, A Ponderagdo de Interesses, pp. 104-105). Na esteira de tais consideraces, ha de ser interpretado 0 art. 15: nao s6 © constrangimento que induz alguém a se submeter a tratamento com risco deve ser vedado, como também a intervencdo médica imposta a paciente 42 Codigo Civil An. 15. que, suficientemente informado, prefere a ela nao se submeter, por motivos que nado sejam fiiteis e que se fundem na afirmagao de sua propria dignidade. Nesta sede, a normativa deontoldégica ha de se conformar aos prineipios constitucionais A necessidade de se buscar a ponderagao dos interesses em jogo foi destacada por Pietro Perlingieri (Perfis, p. 298): “Aqui é suficiente recordar que nao devem ser acolhidas nem a leitura (...) que exprimiria prevalente- mente o dever de cada um de preservar a propria satide no interesse exclusivo da coletividade (...), nem a oposta concep¢ao que acentua exclu- sivamente o momento individual e estende a previsdo sobre a inviolabilida- de pessoal (...), transfigurando-a no direito 2 ilimitada € ilimitavel disponi- bilidade do prdprio corpo e da prépria psique, até postular um indi nado direito & propria extincdo em analogia a concep¢ées ‘proprietarias’ do direito subjetivo.” 2. Consentimento informado. A questao do constrangimento rela- iona-se diretamente ao consentimento informado. O consentimento infor- mado, também denominado ‘livre e esclarecido”, tem sua origem no Cédigo de Nuremberg, que impunha, frente as atrocidades cometidas durante 0 holocausto nazista na Segunda Guerra sob pretexto cientifico, a necessidade do reconhecimento de uma autonomia mais plena aqueles que fossem objeto de experimentacao cientifica. Do 4mbito da experimentacao. © pesquisa, 0 consentimento informado se generalizou, sendo requisitado hoje para qualquer intervencao médica invasiva ou extraordinaria Joaquim Clotet, “O Consentimento Informado”, p. 52) O problema se torna ainda mais tormentoso no ambito da medicina privada, antepondo-se muitas vezes a alternativa entre diversas técnicas de intervengdes, com custos, riscos, exigéncia de disponibilidade de tempo e margem de lucro diferenciados. As peculiaridades do consentimento infor- rio adquirem contornos especificos, diante da constatagao rimi- mado neste cena de que “o ordenamento nao pode formalisticamente igualar a manifestagao da liberdade através da qual se assinala, profundamente, a identidade do individu com a liberdade de tentar perseguir 0 maximo lucro possiv intuitiva diferenca entre a venda de mercadorias — seja ou nao especulagao profissional — € 0 consentimento a um transplante corresponde uma diversidade de avaliagdes no interno da hierarquia los valores colocados pela Constituicao. A prevaléncia do valor da pessoa impée a interpretacio de cada ato ou atividade dos particulares a luz desse prinefpio fundamental” (Pietro Perlingieri, Perfis, p. 276). Deste modo, impde ao prestador de servicos médicos uma postura ativa € mesmo interrogativa, no sentido de adequar sua linguagem e verificar o perfeito entencimento do paciente (Leonardo Fabbro, ‘Limitagdes Juridicas”, pp. 11-12). Ans. Cédigo Civil © consentimento informado seria, portanto, a concordancia do pacien- te, apés uma explicagio completa © pormenorizada sobre a intervencao medica que inclua sua natureza, objetivos, métodos, durac2o, justificativa, protocolos atuais de tratamento, contri-indicagdes, riscos e beneficios, métodos alternativos € nivel de confidencialidade dos dados (Carlos Nelson Konder, “O consentimento no biodireito”, p. 59). Também é fundamental garantir a liberdade total do paciente para recusar 0 procedimento ou interrompé-lo em qualquer momento. E 0 mais importante: a obrigag4o do médico de informar o paciente em linguagem adequada (nao técnica) para que ele compreenda plenamente todas informagées. Nesse sentido, o art. 46 do Cédigo de Etica Médica (Resolugdo CFM n® 1.246/88) dispoe que “é vedado ao médico efetuar qualquer procedimento médico sem o esclareci- mento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsavel legal, salvo iminente perigo de vida’ Esta combinagio do respeito A autonomia com a dignidade humana, concretizada em um requisito procedimental busca, atender, portanto, hipossuficiéncia especifica do paciente médico (Jussara Maria Leal de Meirelles e Eduardo Didonet Teixeira, “Consentimento Livre”, pp. 359-360). A exigéncia do consentimento informado corresponde a uma projegao especial do principio da boa-fé objetiva, que impde as partes envolvidas nio s6 uma perspectiva de confianga como uma obrigacao de lealdade reciproca, além de deveres acessérios, como o dever de informar. Na prestacao de servicos médicos, em que o paciente entrega seu bemr-estar, satide e€ mesmo a vida aos cuidados do profissional, tem tal importincia este principio que substitui o modelo de sujeitos antag6nicos do sinalagma contratual (liberal) por um dever de cooperagao miitua, ao trocar o paradig- ma do individuo em sua autonomia privada pelo dever de solidariedade contratual (Teresa Negreiros, Frrdamentos, pp. 225-257). Ao consagrar a exigéncia do consentimento informado para tratamento médico ou intervengio cirtirgica com risco de vida, “o legislador deu um primeiro passo em territério controverso, positivando assunto que nao costumava fugit muito 4 ética médica” (Danilo Doneda, “Os Direitos da Personalidade”, p. 50). Rachel Sztajn, por exemplo, alega que “interpretagio a contrario sensu, porém, evidencia que, qualquer pessoa pode ser cons- trangida a submeter-se a tratamento médico ou intervengao cintrgica, desde que nao haja risco de vida” (“Consentimento Informado”, p. 96). Tal interpretacao nao pode prevalecer, sob pena de violar os principios consti- tucionais envolvidos. O artigo nao cogita expressamente da hipétese de pericia médica a ser realizada no préprio corpo para fim de prova em juizo, como no caso de 4 Cédigo Civil Ant. 16. aco investigatoria com a finalidade de estabelecimento de paternidade hiolégica. O tema veio ser tratado no art. 232, no titulo sobre a prova, onde se determina que “a recusa a pericia médica ordenada pelo juiz poder suprir a prova que se pretendia obter com 0 exame”, Embora este seja o entendimento predominante na jurisprudéncia, fixaclo no julgamento do HC 71.373-4 pelo STE (imitar a interpretar desfavoravelmente a recusa ao exame), Maria Celina Bodin de Moraes objeta que a solugo é insuficien- te, em face do “amplo direito da crianga & determinagio biolégica de sua paternidade” (“Recusa a Reullizagao do Exame de DNA”, p. 165). A recusa se constitui, assim, em abuso do direito 2 integridade fisica, uma vez que “a pericia compulséria se, em principio, repugna aqueles que, com razio, véem 0 corpo humano como bem juridico intangivel inviolavel, parece providéncia legitima € necessiria, a ser adotada pelo juiz, quando pode impedir que 0 exercicio contrario a finalidade do direito subjetivo prejudi- que, como ocorre no caso do reconhecimento do estaclo de filiago, direito de terceiro, correspondente a dignidade de pessoa em desenvolvimento, interesse que é, a um sé tempo, ptiblico ¢ individual” (idem, p. 168). Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e 0 sobrenome. Direito vigente: L. 6.015/1973, arts. 55, 59 60. Direcito anterior: omisso. ComenrAnio: 1. O nome como direito e dever da pessoa. O nome é um dos atributos da pessoa, que o usa como signo distintivo. Com efeito, “a pessoa humana tem a necessidade de afirmar sua propria individualidade, distinguindo-se das outras, para ser conhecida por quem é. Através do nome, o individuo é designado na lingua que € comum aos outros. Sua identificagio torna-se possivel, mesmo quando ausente” (Maria Celina Bodin de Moraes, “Sobre o Nome da Pessoa Humana’, p. 39). Diz-se ainda que a importincia do nome reside “no fato de que as relacdes juridicas se estabelecem entre pessoas, naturais ¢ juridicas, cujo exercicio dos respectivos direitos exige que se saiba quem sao os titulares” (Francisco Amaral, Direito Civil, p. 270). Mais que isso, entrevé-se no reconhecimento ao nome “um elemento da personalidade individual”, que serve no somente para designar a pessoa mas também e sobretudo para “proteger a esfera privada e o interesse da identicade do individuo, direito 45 Art. 16, Codigo Civit sonalidade”. O nome, contudo, é também um dever, “o dever que se tem de ser identificado socialmente (...). Aqui, 0 que se leva em conside- racdo é a sua fungao identificadora do individuo, no mais em relacio a s mesmo, a sua personalidade e dignidade, mas em relagZo a comunidade em que se encontra inserido e ao Estado” (Maria Celina Bodin de Moraes, * Tutela do Nome da Pessoa Humana”, p. 220). No mesmo sentido, Serpa Lopes jé dispunha que o nome € “um misto de direito e obrigacao", poi nao obstante representar importante atributo da personalidade, “ha um interesse social na sua existéncia ¢ nos seus elementos integrantes, insusce- tiveis de alteragdes arbitririas ou de composigdes fora da realidade das bases que o devem compor" (Curso de Direito Civil, p. 329). Este interesse social leva A consideracao cle que os dispositivos legais que tratam do nome cla pessoa revestem-se de natureza inderrogivel, como normas de ordem pablica (Francisco Amaral, Direito Civil, p. 270). 2. Prenome e sobrenome. O projeto original j4 utilizava o termo “prenome”, mas valia-se de “patronimico”, ao invés do mais corrente ‘sobrenome”: a alteragao foi oportuna, entre outros motivos porque o art. 1.565 deste Cédigo Civil, que regula o nome de casado, jé fazia referéncia ao sobrenome. A atribuicdo do prenome (que teria carater constitutivo, segundo Serpa Lopes, em seu Curso de Direito Civil, p. 330, na esteira dos civilistas alemaes — pois nao haveria “direito do recém-nascido a um determinado prenome, enquanto que tal direito Ihe assiste em relagio aos Apelidos de Familia") € precedida de sua escolha, que cabe aos pais. A Lei dos Registros Publicos situa o pai em situacao privilegiada, dispondo que a mie sé fara a declaragio de nascimento no impedimento do pai (art. 52). Cédigo Civil, todavia (arts. 1.630 e ss.), atribui a ambos os pais a autoridade parental (designada como “poder parental” e nao mais “patrio poder", como no regime anterior), assim como o Estatuto da Crianca e do Adole: cente (art. 21), em conformidade com o art. 226, § 5°, da Constituigdo. Logo, “a escolha do prenome da crianca caberé a ambos os genitores, nio havendo mais qualquer justificativa que possa excluir a mie desta decisio”, sendo tao relevante esta escolha que o Estatuto da Crianga e do Adolescente permitiu, em seu art. 47, § 5°, que os adotandos tivessem seus prenomes modificados pelos adotantes (Maria Celina Bodin de Moraes, “A Tutela do Nome da Pessoa Humana”, p. 221). 3. Liberdade para escolha e alteracao do prenome. Legislacdes ha, como a portuguesa, que regulim minuciosamente a composic¢ao do nome da pessoa, dificultando estrangeirismos e vedando ambigitidades. Neste particular, a lei brasileira € mais liberal, restringindo apenas a possibilidacle de atribuigdo de prenomes que possam vir a expor seus portadores a0 46 Cédigo Civil An. i6 ridiculo (Lei n? 6.015, 73, art. 55, par. n.). Em sede doutrinaria, sublinha-se a possibilidade da combinagio do prenome com o sobrenome gerar cacé- fato ou expressdo vexatéria, ou ainda de pessoas do sexo masculino a que se queiram atribuir prenomes tipicamente femininos (e vice-versa) — casos em que 0 nome resultinte nao seri menos indesejado pelo ordenamento (Maria Celina Bodin de Moraes, “Sobre 0 Nome da Pessoa Humana’, p. 451 Ampliam-se, assim, as possibilidades de intervencdo judicial relativamente 20 nome, tendo em conta que 0 valor tutelado é a dignidade da pessoa por ele identificada. Igualmente no sentido de ampliar os mecanismos de controle social do nome, o STJ, atento as especificidades de cada caso concreto. posicionou- se a respeito do prazo na Lei dos Registros Publicos: “O nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado 0 prazo de um ano. contado da maioridade, desde que presente razio suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. 56 da Lei n® 6.015 73, assim reconhecido em sentenga (art. 57). Caracteriza essa hipdtese o fato de a pessoa ter sido criada desde tenra idade pelo padrasto, querendo por isso se apresentar com o mesmo nome usado pela mae e pelo marido dela” (STJ. 24 Secao. REsp. 220.059. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julg. 22.11.2000. publ. RSTJ 145 255). 0 entendimento, da 2? Secdo, baseou-se em fundamentos existenciais. Prece- dentes mais antigos negaram a possibilidade de alterag3o apés 0 decurso do prazo, como em caso no qual foram invocadas razées patrimoniais: “Registro civil. Alteraco do nome, mediante supressao, em parte. do reexame patronimico materno. Inviabilidade. Apés 0 decurso do primeiro ano da maioridade, s6 se admitem modificagdes do nome em cariter excepcional e mediante comprovagao de justo motivo. Nao se justifica a alteragao do nome o simples fato de ser o interessada conhecido profissio- nalmente pela sua forma abreviada. Recurso especial nao conhecido™ (STI. 48 T., REsp. 33.855, Rel. Min. Barros Monteiro, julg. 22.11.1994. publ. RSTT 73/235). Destaque-se no voto do Ministro Ruy Rosado: “sio dois os valores em colisao: de um lado, 0 interesse piblico de imutabilidade do nome pelo qual a pessoa se relaciona na vida civil; de outro, 0 direito da pessoa de portar 0 nome que nao a exponha a constrangimentos e corresponda 2 sua responsabilidade familiar. Para atender a este, que me parece prevalente. a doutrina e a jurisprudéncia tém liberalizado a interpretagao do principio da imutabilidade, j4 fragilizado pela propria lei, a fim de permitir, mesmo depois do prazo de um ano subseqiiente 4 maioridade, a alteragao posterior do nome, desde que dai nao decorra prejuizo grave ao interesse publico, que o principio da imutabilidade preserva” (STJ, 24 Secdo. REsp. 220.059. Rel. Min, Ruy Rosado de Aguiar, julg. 22.11.2000, publ. RST] 125/255). Art_ 16, Codigo Civit Reitere-se, com efeito, que os tribunais dedicam atengao cada vez maior ao direito ao nome como uma manifestacao da personalidade, fortemente ligado ao sentido de existéncia e identificagao de cada um. Neste sentido, interessante decisio do TJSP: “Permite-se ao menino brasileiro, filho de imigrante chinés, a identificagao de acordo com a vontade dos membros da familia, um costume (insergio do nome escolhido pelo av paterno na formagao de um prenome composto) que nao foi cumprido a tempo ou na ocasido do registro do nascimento. Retificaga’o que, longe de provocar prejuizo social, somente produz beneficios para a dignidade humana dos envolvidos (arts. 1°, III, da CF e 58 da Lei 6.015/73). (..) A jurisprudéncia quebrou a rigidez da imutabilidade do prenome e até a lei contribui para este quadro promissor, pois a redagao do art. 58 da Lei 6.015/77 (Lei 9.708/98) foi alterada para legalizar a substituigao de prenome em desuso por apelidos conhecidos. E, sem divida, a consagragio do direito de personalidade, variante da dignidade humana que constitui fundamento da Constituigiio Federal” (TJSP, 3* C.C., Ap. Civ. 191.293-4/7, Rel. Des. Enio Santarelli Zuliani, julg. 19.06.2001, publ. RT 795/212). Em outra decisio muito interessante, jt se entendeu que “a alteragio permiticla do prenome nao € apenas com relagio ao nome em si, suscetivel de expor ao ridiculo 0 seu portador, mas o nome ligado a circunstancias particulares, nas quais pode atender-se ao elemento psicolégico do interes sado”. Na hipotese, o nome em questo — Lazaro — nao podia ser, em si, considerado capaz de expor seu requerente ao ridiculo. Este, contudo, desincumbiu-se do 6nus de demonstrar que, em concreto, tal denominagao causava-lhe repulsa. Destacando a robustez da prova, a corte entendeu que, “no caso, por circunstincias interiores e exteriores, este respeitével nome, que é até de um santo, esté tornando insuportavel a vida do requerente”. Assim, a norma que proibe nomes que exponham a pessoa ao ridiculo “pode estender-se a razdes intimas e psicolégicas, quando, embort em circunstincias normais nada haveria de ridiculo, 0 nome designado venha atormentar uma pessoa” (TJSP, Il Grupo de C.C., Emb. Inf. 90.320. Rel. Des. Moura Bittencourt, julg. 23.04.1959, publ. RT 291/240). Mais recentemente, 0 ‘TJRJ impediu que os filhos de um fiscal dat Secretaria Estadual de Fazenda envolvido em rumoroso escindalo de cor- Tupcao tivessem alterado o seu sobrenome, mediante a pretendida supres sao de seu nome da particula pela qual o pai foi notabilizado. Nao se identificou, na hipdtese, motivagdo bastante para a alteragdo (TRI, 24 C.C., Ap. Civ. 12.476/2003, Rel. Des. José de Magalhaes Peres, julg. 03.09.2003). Sobre a alteragio do nome em virtude de casamento ou divércio, remete-se aos comentarios dos arts. 1.565, § 1%, ¢ 1.571, § 2%, respectiva- mente. 48 Codigo Civil Ant. 17. Art. 17. O nome da pessoa nao pode ser empregado por outrem em publicagdes ou representagdes que a exponham ao desprezo publico, ainda quando nao haja intengao difamatéria. Dircito anterior: omisso. ComentAnto: A tutela ao nome engloba, na ligdo de Orlando Gomes, as faculdades de usd-lo ¢ defendé-lo. O art. 17 trata, justamente, da segunda hipotese, consubstanciada no “poder de agir contra quem o usurpe, 0 cmpregue de modo a expor a pessoa ao desprezo piiblico, tornando-o ridiculo, desprezivel ou odioso, ou recuse a chamar o titular por seu nome” Untrodugdo, p. 162). O artigo menciona apenas a exposigio ao desprezo publico, mas por certo o direito ao nome compreende toda e qualquer agressiio que tencione atingir a pessoa pela via do menosprezo a este sinal distintivo, Este o sentido da ligdo de Maria Celina Bodin de Moraes: “Parece oportuno ressaltar que o nome nav € protegido em sie per si mas enquanto se encontra indissoluvelmente ligado a personalidade do portador. O fato de o nome de alguém nao poder vir a ser empregado por outrem somente se 0 Seu uso puder ensejar desprezo ptiblico, e nao também quando gerar simpatia, por exemplo, indica que o que se protege ndo é propriamente o nome mas a pessoa e sua dignidade, que seriam, através do nome, atingi- das” (“A Tutela do Nome da Pessoa Humana”, p. 220). Art, 18, Sem autorizagio, nao se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Direito anterior: omisso. CoMENTARIO; Neste dispositivo fundem-se as faculdades supracitadas, pois aqui se trata tanto do direito ao uso do préprio nome quanto da faculdade de defendé-lo. O direito ao uso do préprio nome nao traduz, evidentemen- te, uma exclusividade absoluta, sendo seu uso por terceiro permitido em varias hipoteses, “independentemente de autorizacao; assim, por exemplo, nas citages em obras cientificas e culturais, € nas criticas literdrias, mesmo muito desfavoriveis” (Maria Celina Bodin de Moraes, “A Tutela do Nome da Pessoa Humana”, p. 220). O uso do nome alheio em propaganda comercial, toclavia, jd se pressupde indevido, pois na mais leve das hipéteses, traduzira um enriquecimento indevido para o usurpador. Em situagées mais graves, Podera vincular a pessoa a produto ou servigo que Ihe seja desagradivel 49 Ant. 19. Cédigo Civit mesmo repugnant, ou ainda contririo As suas conviegdes; nestes casos, 0 dano provocado seri mais intenso, mas as outras possibilidades de utiliza- go nio-autorizada poderao igualmente gerar lesao de ordem moral. Art. 19. O pseud6nimo adotado para atividades licitas goza da protecao que se dé ao nome. Direito vigente: Lei n° 9.610/1998. Direito anterior: omisso. ComENTARIO: Do pseud6nimo costuma se ocupar a legisla¢ao autoral. A Lei n®9,610/98 define como obra pseudénima aquela na qual “o autor se oculta sob nome suposto” (art. 5°, VII, “c”); facultando ao autor € ao co-autor de obra literdria, artistica ou cientifica a identificar-se por pseud6nimo (arts. 12 e 15) e a reivindicar, como um direito moral seu, a associacao da obra ao seu pseud6nimo (art. 24, 11), se preferi-lo, ao nome. Na inobservancia deste direito, o pseud6nimo deverd ser divulgado, sem embargo da percepgio de eventual indenizacio por danos morais (art. 108). A pseudonimia €, de fato, fenémeno mais comumente registrado no dominio artistico, onde sobejam ‘os exemplos de pessoas que assinam suas obras e identificam seu atuar com nomes “falsos”, ou supostos, gerando um “nome artistico” que nao corresponde ao nome da pessoa. Distingue-se ainda o conceito da pseudo- nimia da heteronimia, fenmeno sempre associado ao exemplo do poeta portugués Fernando Pessoa, falecido em 1935, e caracterizado pela criacdo de diferentes “personalidades”, acompanhadas de nomes distintos, com os quais o artista assina suas produgdes. Pessoa, com efeito, assinava poesias nio apenas em seu nome mas também por meio de heterdnimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Alvaro de Campos sao os mais conhecidos) que tinham estilos. preocupacdes e mesmo biografias “préprias”. Apesar da diversidade conceitual que separa, em senso estrito, a heteronimia da pseudonimia, ambas so abrangidas pelo disposto neste art. 19, desde que, Por Gbvio, sejam licitas as atividades desenvolvidas. Nada obsta que uma pessoa utilize. alternadamente, nome e pseuddnimo, sendo certo que a Protecdo se estendera no ambito de cada atividade, mas alcangando somen- te a identificacao empregada. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessdrias 4 administragio da justica ou a manutengao da ordem publica, a divulgagio de 50 Codigo Civil Art. 20. escritos, a transmissao da palavra, ou a publicagao, a exposigio ou a utilizagdo da imagem de uma pessoa poderao ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuizo da indenizagao que couber, se the atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Paragrafo unico. Em se tratando de morto ou de ausente, sao partes legitimas para requerer essa prote¢do 0 cénjuge, os ascen- dentes ou os descendentes. Direito vigente: CK, art. 5%, V; CC, arts. 12, par. tin., 943 € 953; L. 5.250/1967; 1. 9.610/ 1998. Direito anterior: omisso. ComENTARIO: 1. O direito 4 imagem e o direito 4 honra, Em um mesmo dispositivo tutelou 0 Cédigo Civil os chamados direito & imagem e a honra Costuma-se associar a tutela da imagem @ prerrogativa de nao ter seu retrato divulgado sem autorizago, em referéncia a forma plastica da pessoa (Carlos Alberto Bittar, Os Direitos da Personalidade, p. 90) e seus sinais distintivos, como elemento da identidade pessoal. O direito civil contempordneo trata da tutela 4 imagem de maneira mais abrangente. Nas palavras cle Carlos Affonso Pereira de Souza, “paralelamen- te A ostensiva exploragao da fisionomia, surge no senso comum a significa- go de imagem como atributo peculiar de uma pessoa. Assim, através do comportamento reiterado do individuo em suas relagdes, adere ao mesmo um amilgama de caracteristicas que vem a compor a exteriorizagao de sua personalidade no ambito social. Convencionou-se denominar ‘imagem’ tais atributos da pessoa percebidos em sua conduta particular ou em sua atividade profissional. (...) O entendimento de que a imagem tutelada pelo Direito apenas compreende a representacao griifica particulariza em exces- so 0 escopo da protegao, cleixando a descoberto uma série de hipéteses em que a imagem da pessoa € violada sem que se elabore uma reprodugio grifica da mesma. (...) Assim, a fisionomia e a sua reprodugio, bem como 08 atributos comportamentais da pessoa, devem ser entendidos como objeto de protecao pelo Direito” (“Contornos Atuais do Direito a Imagem”, pp. 35-39). Dai se dizer, com Walter Moraes, que a imagem pode ser tida como toda sorte de representagdes de uma pessoa (“Direito a Propria Imagem’, p. 340) 51 any Cédigo Civit O ST) afirma a sua concepgao acerca do direito a imagem na seguinte sintese: “I — O direito & imagem reveste-se de duplo contetido: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princi. pio segundo o qual a ninguém é licito locupletar-se A custa alheia; Il — 4 utilizagao da imagem de cidadao, com fins econdmicos, sem a sua devida autorizacio, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenizacao, Ili — © direito 8 imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de cariter personalissimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se A divulgagao dessa imagem, em circunstancias concerentes & sua vida privada; IV — Em se tratando de direito & imagem, a obrigacio da reparagao decorre do prdprio uso indevido do direito personalissimo, nao havendo de cogitar-se da prova da existéncia de prejuizo ou dano. O dano é a propria utilizacao indevida da imagem, nao sendo necessiria a demonstragio do prejuizo material ou moral” (STJ, 4° T., REsp. 267.529, Rel. Min. Silvio de Figueiredo Teixeira, julg. 03.10.2000, publ. DJ 18.12.2000). A propésito, destaque-se, ainda, o entendimento unificado pela 2? Secio do STJ, na Stimula 281 (2004), segundo a qual, “a indenizagio por dano moral nao est sujeita a tarifacdo prevista na Lei de Imprensa”. A utilizag4o da imagem alheia é possivel, em primeiro lugar, quando houver autorizacao do titular. O consentimento para a utilizagao da imagem deve ser interpretado restritivamente, considerando, por exemplo, que a autorizacio para ser fotografado nao inclui a publicacao da fotografia, ea semelhanga do que ocorre no direito autoral, que a autorizagao para uma dada publicagao nao abrange outras utilizagdes. Assim o entendimento das cortes: “Havendo permissao para utiliza¢io de imagens na edic&o de uma Unica obra, de indole cientifico-didatica, e divulgados os retratos de partu- riente, em plena atividade de dar & luz uma crianga, fora da publicagio nomeada na letra convencional, tal fato traduz agressdo primairia a tutela da intimidade moral, ferindo direito da personalidade, suscetivel de indeniza- a0" (TISP, 48 C.C., Ap. Civ. 88.357-1, julg. 17.09.1987, publ. RT 623/61). Em sentido convergente, veja-se a posicao clo STJ: “Direito A imagem. Direito de arena. Jogador de futebol. Album de figurinhas. O direito de arena que a lei atribui as entidades esportivas limita-se fixa 0 e retransmis- sio do espeticulo desportivo puiblico, mas nao compreende o uso da imagem dos jogadores fora da situacio especifica do espeticulo, como na reproducio de fotografias para compor ‘album de figurinhas’. Lei n® 5.989/73, artigo 100; Lei no 8.672/93" (ST], 4®T., REsp. 46.420, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julg. 12.09.1994, publ. RST} 68/358). 52 igo Civil Ant 20. Esta interpretagao deve levar em conta, entretanto, o acervo probatério joso caso que chegou ao STJ. Na hipdtese, uma modelo alegava ter sofrido danos pela publicagio, em uma revista de ensaio fotogrifico em que aparecia nua, sem sua autorizacao para fotogra- fias daquela natureza. Deixou de desmentir, contudo, entrevista juntada aos s € redatores, para continuarem escrever as coisas mais produzide, como em cu autos, na qual pedia “a todos os fotdgratc tirando fotos de mim as mais ousadas possivei absurdas para chocar todo mundo, para botar o Brasil inteiro a falar de mim. Quanto mais eles fizerem isso, mais popular eu fico”. Pela interpreta- Gio do contrato de ‘licenga para uso de imagem’ firmado pelas partes, associado 20 conjunto de provas constante dos autos conclui o STJ que houve o caso indevido da imagem da autora, uma vez que ela la com a publicagao de suas fotos” livremente e de forma expressa concor e nio restou provado qualquer vicio no referido contrato (STJ, 4* T., REsp. 230.306, Rel. Min. Sdlvio de Figueiredo Teixeira, julg. 18.05.2000, publ 07.08.2000). De outra parte, prevé o dispositivo a divulgago de imagem alheia por exigéncia de ordem pblica, para atender, por exemplo, a necessidades policiais e judiciais. Nao cogitou 0 cédigo, como outros diplomas legislati- vos, da notoriedade do titular como motivo autorizador da utilizagao da imagem, hipotese que, todavia, revela a colisdo entre o direito a informacao € 0 direito a imagem. A jurisprudéncia, nestes casos, prestigia a liberdade de informag “Responsabilidade civil. Uso indevido de imagem. Pessoa publica, simbolo negro do carnaval carioca, que é retratada em tabldide sobre o evento, que exaltava 0 centendrio da Abolicao da Escravatura. Inexisténcia de violagao que justifique a indenizagao pretendida. Notoriedade e publicidade que impedem a postulagio, j que a foto teve cariter informativo, turistico, historico e cultural. Nao ocorréncia de publicidade, ‘marketing’ de produto ou servico ofertado ao mercado. Recurso desprovido” (T]RJ, 18" C.C., Ap. Civ. 5217/2000, Rel. Des. Binato de Castro, julg. 27.06.2000). Neste caso, portanto, levou-se em conta a auséncia de motiva¢gao comercial, que pudes- se desvirtuar 0 interesse jornalistico, de modo que a notoriedade fosse utilizada como pretexto para a utilizagao ca imagem alheia, em desrespeito a honra ou a respeitabilidade de uma pesso: A técnica da ponderacao clos interesses e valores em jogo tem sido largamente empregada pelos Tribunais: “Ac’o indenizatéria. Caricatura adornando porta de banheiro de bar tematico. Macula a imagem do autor € seu uso para divulgacao do bar, aproveitando-se da notoriedade das pes- 53 Art, 20. Codigo Civit soas envolvidas (...) Danos materiais € morais inegaveis” (TJRJ, 15* C.C., Ap. Civ. 2001.001.15055, Rel. Des. Galdino Siqueira Netto, julg. 26.03.2003). Alids, a freqiiente colisio entre a liberdade de informagao, indispens- vel ao pluralismo politico e & ordem democratica, e a privacidade individual revela a ma técnica do dispositivo em andlise. Com efeito, interpretando literalmente o art. 20, a utilizagio da imagem alheia, na atividade econémica dos meios de comunicacio 6 resultaria possivel em duas hipsteses excep- cionais: i) quando houvesse expressa autorizagao do titular; ii) ou quando a exibigao fosse necessaria 2 manutengdo da ordem publica ou a adminis- ragdo da Justica. Dai a veemente objegio de Luis Roberto Barroso, segundo o qual “as leituras mais evidentes do art. 20 do novo Cédigo o levam a um confronto direto com a Constituig2o: as liberdades de expresso e de informacao sio por ele esvaziadas; consagra-se uma invalida precedéncia abstrata de outros direitos fundamentais sobre as liberdades em questo”. Para se evitar e livrar 0 dispositivo do risco da inconstitucionalidade, propde Barroso que mecanismo da proibico prévia de divulgagdes seja admitido pelo intérpre- te, no caso concreto, ponderando os interesses colidentes, mas como uma “providéncia inteiramente excepcional. Seu emprego s6 sera admitido quando seja possivel afastar, por motivo grave e insuperdvel, a presuncdo constitucional de interesse publico que sempre acompanha a liberdade de informacio e de expressao, especialmente quando atribuida aos meios de comunicagao” (Luis Roberto Barroso, “Colisao entre Liberdade de Expres- sao”, pp. 97-98). Assim sendo, 0 dispositivo ha de ser interpretado sistematicamente, admitindo-se a divulgagio nao autorizada de imagem alheia sempre que indispensavel & afirmagao de outro direito fundamental, especialmente 0 direito 4 informagao — compreendendo a liberdade de expressio € 0 direito a ser informado. Isto porque tal direito fundamental € também tutelado constitucionalmente, sendo essencial ao pluralismo democritico. Daqui decorre uma presungio de interesse puiblico nas informagdes veicu- lacas pela imprensa, justificando, em principio, a utilizagio da imagem alheia, mesmo na presenca de finalidade comercial, que acompanha meios de comunicagao no regime capitalista Neste caso, excepcionalmente, sera consentida a proibigdo da divulga- so em favor da tutela da imagem ou da honra alheia (bloqueando-se © direito fundamental a liberdade de informagao), desde que es sejam consideradas prevalentes pelo magistrado no caso concreto; e desde que aquela divulgagio ndo seja necessaria a administragio da Justiga ou A manutengao da ordem ptiblica. 54 Codigo Civil An. 20. Quanto a mengdo que o dispositivo em anilise faz aos casos de divulgagao de escritos e de transmissio de palavras, a doutrina esclarece que “estes devem ser entendidos somente em relagdo ao que representam para a construgao cia imagem de uma pessoa e nao para os outros aspectos de sua personalidade, como a privacidade, por exemplo. A tutela a privaci- dade, por abranger todas as situagdes nas quais h4 uma exposicao abusiva da personalidad, ndo € condicionada ao fato desta exposigo atingir a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinar a fins comerciais (Danilo Doneda, “Os Direitos da Personalidade no Cédigo Civil”, pp. 52-53). Sobre tema, v. comentirios ao art, 21. Com a mesma preocupagao ora exposta, foi aprovado o enunciado 279, na LV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Jud: rios do Conselho da Justiga Federal, em 2006, segundo o qual “a prote¢ao a imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso a informagao e da liberdade de imprensa. Em caso de colisao, levar-se-4 em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as caracteristicas de sua utilizagao (comercial, informativa, biogrifica), privilegiando-se medidas que nao restrinjam a divulgacao de informagées.” © art. 20 alude também a protecdo a honra. Refere-se 4 reputagao pessoal e 4 consideracao no meio em que se vive. Abrange o bom nome e © renome (honra objetiva), como também o seu sentimento pessoal (honra subjetiva), O dispositivo, lido em sua literalidade, limitar-se-ia a reputar abusivo © uso da imagem quando violam a honra (que abrange a boa fama e a respeitabilidade) ou quando se destinam a fins comerciais, 0 que restringi- ria a tutela auténoma a imagem A sua utilizagio com fins comerciais. Dito diversamente, no sistema do Cédigo Civil, s6 configuraria verdadeira viola cao da imagem o seu uso comercial nao autorizado, uma vez que, na outra hipétese, o que € objeto de tutela é a honra, Por outro lado, tal dicotomia — honra objetiva ¢ subjetiva — resta consagrada na jurisprudéncia brasileira, apesar do uso acritico que por vezes dela € feito, em especial nas hipdteses em que se julga ter havido “dano moral & pessoa juridica”, 0 qual seria embasado na honra objetiva, supostamente aferivel por parimetros mais gerais (v. comentirios ao art 52). Ao revés, a honra subjetiva, segundo o STJ, “tem termémetro proprio inerente a cada individuo. E 0 decoro, € 0 sentimento de auto-estima, de avaliagdo propria que possuem valoracio individual, nao se podendo negar _ Art. 20. Codigo Civit esta dor de acordo com sentimentos alheios" (STJ, 3*T., REsp. 270.730, Rel p/ Ac. Min. Nancy Andrighi, julg. 19.12.2000, publ. DJ 07.05.2001). pstabelecer uma fronteira rigida entre o direito 4 imagem € o direito 4 honra € tarefa tomentosa. Nas palavras de Edilsom Pereira de Farias, direito 4 imagem “nao se confunde com 0 diteito i honra, conquanto seja reconhecida a grande importincia histérica deste para a afirmacao daquele, endo inclusive consicerado o direito & honra como um berco para o direitg A imagem” (Colisdo de Direttos, p. 121). Veja-se, como exemplo paradigmatico, o supracitado acérdao relatado pela Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp. 270.730, em que o STJ reformou ac6rdio rumoroso do TJRJ. No caso, a conte estadual nao havia acolhido o pedido de danos morais, mas tao-somente materia is, a famosa atriz cujas fotos, em que aparecia desnuda, foram publicadas na primeira pagina de jornal de grande circulagao. Segundo a decisao reforma- da, “nao se percebe de que forma o uso inconsentido da imagem da autora pode ter-lhe acarretado dor, tristeza, magoa, sofrimento, vexame, humilha- 40. Pelo contritio, a exibigio do seu belo corpo, do qual ela, com justificada razao, certamente muito se orgutha, naturalmente lhe proporcio- nou muita alegria, jtibilo, contentamento satisfagao, exaltacao, felicidade, que 36 nao foi completa porque faltou o pagamento do valor a que tem direito pelo uso inconsentido da sua imagem. $6 mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida, vexada em ver o seu corpo desnudo estampado em jornais ou em revistas. As bonitas, nao. Fosse a autora uma mulher feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicagao da sua fotografia desnuda — ou quase — em jornal de grande circulagio, certamente lhe acarretaria um grande vexame, muita humilhacao, constran- gimento enorme, sofrimentos sem conta, a justificar — ai sim — o seu pedido de indenizacio de dano moral, a Ihe servir de lenitivo para o mal sofrido. Tratando-se, porém, de uma das mulheres mais lindas do Brasil, nada justifica pedido dessa natureza, exatamente pela inexisténcia, aqui, de dano moral a ser indenizado” (TJRJ, II Grupo de C.C., Emb. Inf. 250/1999, Rel. Des. Wilson Marques, julg. 29.09.1999). Como relata Maria Celina Bodin de Moraes, “quando 0 Recurso Espe da atriz chegou ao STJ, a Terceira Turma se dividiu". Alguns ministros concordavam que houvera violagdo apenas ao direito patrimonial, mas outros “consideraram que o jornal carioca deveria indenizar a atriz também pelo dano moral, porque ela, com a publicacio, fora violentada em seu crédito como pessoa. Afinal, cedera seu direito a imagem a um determinado nivel de publicagio ¢ poderit nao desejar que outro grupo da populagio — 08 leitores do jornal — tivesse acesso a essa imagem” (Maria Celina Bodin de Moraes, Danos & Pessoa Humana, p. 48). Afinal, como se referiu no 56 odio Civil Ant. 20. acérdao, a atriz, em questio “é uma pessoa ptiblica, mas nem por isso tem que querer que sua imagem seja publicada em lugar que nao autorizou, € deve ter sentido raiva, dot, desilusdo, por ter visto a sua foto em publicagao que nao foi de sua vontade” (STJ, 3¢ T., REsp. 270.730, Rel. p/Ac. Min. Nancy Andrighi, julg. 19.12.2000, publ. DJ 07.05.2001). Observe-se que casos como este tendem «a se multiplicar a partir do incremento das possibilidades de divulgagio de fotos € textos, que hoje viajam pelos computadores por meio da internet, espraiando-se ainda por telefones celulares e outros apetrechos © ST], como acima salientado, restabeleceu os contornos constitucio- nais da tela 2 imagem. Consta, contudo, da ementa da decisio, referéncia subjetividacle da honra, Em sentido contritio, considerando-se tal hipote- se circunscrita 2 imagem, e nao & honra, objeta-se: “podem ocorrer situa- cdes em que a imagem da pessoa é violada, seja a imagem-retrato, ou a propria imagemratributo, sem que se produza qualquer lesio 4 honra ou reputagio gozada pelo individuo. Honra e imagem sio bens juridicos correlatos, dado que se referem ao aspecto moral da pessoa, contudo, os dois nao se confundem. Com relagao & imagem-retrato, imagine-se que um determinado modelo fotogrifico conceda autorizagao para que fotos suas sejam publicadas em determinada revista. Ao se deparar com a publicacao das mesmas em outro veiculo de comunicagio, distinto daquele com o qual se avencou a divulgacao das fotos, esta caracterizada a violacao do direito a imagem. Note-se que a utilizagio das fotografias para fins distintos daqueles contratados pode, inclusive, abonar a honra do sujeito lesado em seu direito 2 imagem. Para que isso ocorra basta apenas que, na utilizacto nao-consentida das fotos, seja ressaltada a reputagao ilibada daquele indi- viduo. Assim, pode ocorrer violacdo da imagem pessoal sem que a honra sofra qualquer prejuizo, gozando ainda o sujeito, muito pelo contririo, até mesmo de lisonjeiros elogios por parte do terceito que Ihe lesiona o direito da personalidacle em comento” (Carlos Affonso Pereira de Souza, “Contor- nos Atuais do Direito a Imagem”, pp. 50-51). Em tltima andlise, todas estas manifestagdes da personalidade humana sio reconduziveis a clausula geral de tutela da pessoa humana, nos termos do art. 12, it da Lei Maior. Atualmente, com a multiplicagao das possibilida- des de divulgacio da imagem humana — seja como atributo, seja como retrato — e com a mudanga dle feigao do conceito de privacidade, cada vez mais amplo (v. comentirios ao art. 21), o espectro da nogao de honra tende ase retrair, principalmente naquilo que se convencionou chamar de bovra obfetiva, que se sobrepde a imagem. ST ane) Codigo Civit 2. Legitimagao para defesa da imagem e da honra. O parigrafo tinico do art. 20 estende, de certa maneira, a legitimidade para defesa da em e da honra, ultrapassando a figura singular do lesado. Mas nao se configura, ai, uma negacdo 2 intransmissibilidade que € propria dos atribu- le, como ja assinalou o STJ: “Os Direitos da Personalida- tos da personalida de, de que 0 direito 4 imagem é um deles, guardam como principal caracteristica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer protecio a imagem de quem falece, como se fosse coisa de ninguém, porque ela permanece perenemente lembrada nas memérias, como bem imortal que se prolonga para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Dai porque nao se pode subtrair da mie o direito de defender a imagem de sua falecida filha, pois so os pais aqueles que, em linha de normalidade, mais se desvanecem com a exalta- cio feita 2 memoria e a imagem de falecida filha, como sao os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressao que possa lhes trazer macula. ‘Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econdmicos para além de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito proprio, legitimidade para postularem indenizagio em juizo” (STJ, 4° T., REsp. 268.660, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 21.11.2000, publ. DJ 19.02.2001). Orientagao semelhante prevaleceu em outro julgamento do STJ, que enfrentou instigante hipétese: a Gnica herdeira do casal Lampidio e Maria Bonita acionara banco que utilizara a imagem de seus pais em propaganda comercial. No caso, para a corte, “resulta claro que a acionante suportou gravame de carater material, cis que, explorada comercialmente a imagem de seus progenitores, sem o seu consentimento, deixou de haver a remune- racdo correspondente. (...) Depois, o fato de haverem, hd anos, os genitores da autora posado para a fotografia em questo nio significa que tenham consentido com a sua reprodugdo, ainda mais com finalidade comercial” (STJ, 4* T., REsp. 86.109, Rel. Min. Barros Monteiro, julg. 28.06.2001, publ. DJ 01.10.2001). Veja-se, a propésito, a andlise de Pietro Perlingieri: “a legitimagio dispor do uso da imagem sera, em regra, somente do efigiado, quando 0 uso nao comporta ao mesmo tempo um grave prejuizo a honra, ao decoro € 4 reputacao do inteiro grupo. Do contririo, © consentimento ao uso da imagem por parte do efigiado pode excluir a ilegitimidade em relacao a mesmo — rectius trata-se de consentimento do titular do direito — mas N40 em relacao aos outros lesadios (...) Se é verdade que a disposigao do uso da imagem por parte do efigiado faz desaparecer qualquer interesse 2 sua tutela, € sempre necessdrio avaliar, em concreto, se do uso da imagem nio 58 Cédigo Civil Ant. 20. possa derivar um lesio ao decoro € & reputagdo dos outros componentes do nticleo familiar” (Perfis do Direito Civil, p. 184). Entenda-se bem: ndo hi nessa hipotese propriamente uma extensio de legitimagao. para agir mas 0 reconhecimento de uma lesio causada personalidade de diversas pessoas do grupo social, especialmente de uma mesma familia. Ainda quanto a legitimidade para a defesa em juizo da personalidade, 0 pardgrafo Unico do art. 20 deve ser lido em consonincia com 0 art. 12, tendo sido objeto de proposigao contida no enunciado 5 na I Jornada de Dircito Civil (2002), promovida pelo Centro de Estudos Judiciétios do Conselho da Justica Federal: “1) as disposigdes do art. 12 tém carater geral € aplicam-se, inclusive, as situagdes previstas no art. 20, excepcionados os casos expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabeleci- das; 2) as disposicdes do art. 20 do Novo Cédigo Civil tém a finalidade specifica dle regrar a projegio dos bens personalissimos nas situagdes nele enumeradas. Com excecao dos casos expressos de legitimagao que se conformem com a tipificagio preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituidas no art. 12” (Ruy Rosado, Jornada de Direito Civil, p.51). De outra parte, por vezes esta em questéo a imagem de todas as pessoas de um mesmo grupamento social. A guisa de exemplo, na defesa da imagem dos integrantes de suas categorias profissionais atuam os Con- selhos Estaduais e o Conselho Federal de Enfermagem, em casos notabili- zados pela ampla cobertura da imprensa, contra publicagées e alusdes que associavam as profissionais desta 4rea 4 permissividade sexual. Assim, proibiu-se judicialmente a exibicéo de dangarinas fantasiadas de enfermeira em shows musicais e em capas de discos (in Revista Epoca, edigao 193, de 28 de janeiro de 2002 — http://epoca.globo.com/edic/200201 28/joy- ce.htm); foram recolhidos catélogos de lingerie nos quais modelos suge- tiam a caracterizagio de enfermeira como forma de estimulo sensual (hutp://www.coren-1j.org.br/vitoriasjudiciais htm); retiraram-se outdoors de motéis que incitavam as mulheres a darem ao homem “a enfermeira que existe em vocé”, comparando expressamente a categoria as gueixas; foi suspensa a veiculagao de uma coluna, encartada em revista mensal, onde uma suposta enfermeira respondia as diividas (sexuais) dos leitores; bem como se impediu que uma modelo posasse para outra revista masculina intitulando-se “a Enfermeira do Funk” (in Consultor Jurfdico, respectiva- mente:http://conjur.uol.com.br/textos/6147/;http://conjur.uol.com.br/tex- t08/6372/ e htp://conjur.uol.com.br/textos/4922/). Nao se verificou, em ea)

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