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DA ARMADURA AO TERNO: JORNADAS CRIATIVAS

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Janice Inchauspe Pereira

Resumo: A partir do exame da fábula “O cavaleiro preso na armadura” e do conceito de herói, propõe-
se o estabelecimento de um paralelo entre a jornada descrita na fábula e as jornadas de trabalhadores-
estudantes das áreas exatas e humanas, de uma instituição privada de ensino superior. O objetivo é
estimular reflexões sobre os sentidos e aprendizagens que se produzem através das experiências vividas
assim como destacar a necessidade de manter contato com o herói interno e convidá-lo a fazer-se cada
vez mais presente nas jornadas de individuação. A síntese da fábula é entremeada por
descrições/depoimentos de alunos que abordam os temas: idéias/sentimentos relacionadas ao início da
jornada; principais obstáculos da jornada e suas reações; satisfação com a jornada e identificação de
aspectos satisfatórios; prioridades na jornada. A análise do material obtido evidencia que nossos ‘heróis
atuais’ vivem situações e experimentam sensações bastante semelhantes as do cavaleiro: definem-se
através do trabalho; lutam para conciliar demandas internas e externas; procuram controlar seus
sentimentos e evitam sua expressão autêntica, que é associada a descontrole; lutam contra e com o
tempo e investem, corajosamente, na busca de conhecimento e superação.

Minha atividade profissional possibilita acompanhar o empenho de


estudantes trabalhadores no seu processo de formação assim como no processo de
inserção e manutenção no mercado de trabalho. Desejam e necessitam, como todos
nós, satisfazer as próprias necessidades assim como também atender as necessidades
daqueles pelos quais, além de si mesmos, se fizeram responsáveis.

Constato a dificuldade de conciliar interesses, necessidades, deveres,


responsabilidades, com o tempo, o que se torna ainda mais complexo em função das
demandas internas e externas. É freqüente experimentar a sensação de que isso é
coisa para heróis. Percebo que, a cada dia, sentem necessidade de criar espaços para
cuidar de si mesmos, para examinar a trilha que percorrem e compreender o sentido
de suas caminhadas. Há algo como um despertar para as ‘coisas da alma’, uma
curiosidade atenta, um desejo de desvendar ao menos alguns mistérios que envolvem
o tema.

São estudantes-trabalhadores das áreas exatas e humanas. O interesse


pelas ‘coisas da alma’ parece natural àqueles das chamadas áreas humanas. Sobre os
das exatas, paira uma espécie de proibição em relação a esses temas. Estereótipos se

1
Psicóloga, Mestre em Educação, Doutora em Psicologia, Coordenadora do Curso de Psicologia da
Faculdade IBGEN-Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios. E mail: janice@gmail.com
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impõem, as velhas máscaras costumam ser usadas: uns ficam encarregados da


dimensão afetiva, outros devem fazer cálculos, administrar sistemas. Mas nessa
convivência estão se produzindo ricas trocas. Uns se aproximam do que, em princípio,
parece privativo do outro. E nisso, descobrimos que temos muitas coisas em comum
mas, especialmente, que estamos todos num processo de busca.

Na condição de estudantes-trabalhadores, fica evidente a busca de


aperfeiçoamento, de crescimento, de construção e consolidação de uma identidade
profissional. Mas sabemos que não é só isso... tem muito mais! E as perguntas não
cessam...

Quanto ou o quê se sabe sobre o sentido dessa caminhada? Ora, parece


mais claro, ora, fica tudo sem sentido... Para que tudo isso? Toda essa correria? Para
onde isso nos conduz? Será que as escolhas que estamos fazendo são as melhores?
Será que ao invés de estar numa sala de aula, por exemplo, não deveria estar junto
com a família, filhos, pais, amigos, enfim, com aqueles que são significativos para mim?
Será que não estou perdendo um tempo precioso de convívio com essas pessoas
queridas? Mas se não for assim, como será?

Em meio a tantas questões, releio a fábula “O cavaleiro preso na


armadura” (FISCHER, 2001). É uma descrição singela, que retrata a situação de um
cavaleiro que se depara com questões semelhantes às que me proponho a examinar.
São temas que há muito nos ocupam. O drama do herói, com coragem para vencer
adversidades e medos, apesar dos perigos, para penetrar em dimensões
desconhecidas e adquirir novos conhecimentos, fascina pessoas de todas as culturas e
épocas. Em antigos mitos, contos de fadas, na religião, na literatura, nas artes, na
história, na ciência, na política, no cinema... Essa criatura que se arrisca no novo, no
desconhecido, no extraordinário, é quem desperta o maior interesse. Isso, porque
revela/reflete esperanças e anseios da humanidade (MÜLLER, 1997). A figura do herói
serve para refletir “a vivência original da nossa impotência e finitude existencial, e
nossa esperança de poder superar esse estado quase insuportável” (MÜLLER, 1997, p.
24).
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A descrição da jornada do cavaleiro instiga reflexões sobre nossas jornadas.


As narrativas oportunizam projeções assim como estimulam a conexão com o mundo
interno. Para aqueles que enfrentam dificuldades, narrativas de histórias de sucesso
fazem lembrar que os obstáculos podem ser transpostos. Para aqueles que
experimentam sucesso, narrativas de histórias de fracasso servem para alertar sobre a
necessidade de aproveitar cada oportunidade que a vida oferece sem perder de vista
que tudo se alterna. Bálsamos para a alma. Tudo isso é essencial no preparo para o
momento em que os cavaleiros tiram as armaduras, em que nossos ‘heróis atuais’
precisam tirar o terno ou o terninho. O que existe sob as armaduras/ternos?

De “armadura ou terno”, se impõem questões: O que nos leva a iniciar as


jornadas? O que faz com que nos mantenhamos nelas? O que se pode aprender
através delas? O que se pode criar? Quais são nossas metas nessas jornadas? Quais os
sentidos dessas jornadas? Para onde estamos indo, onde e como vamos chegar?

Inspirada nesses estudantes-trabalhadores, ‘heróis atuais’, com quem


tenho o privilégio de conviver e cujas jornadas são semelhantes às de todos nós, é que
convido à reflexão assim como à retomada de questionamentos que tem nos
acompanhado e sobre os quais temos trocado em nossos encontros.

Além da fábula que inspira essa reflexão, está implícita a concepção de que
o herói simboliza o criativo, a coragem de ser fiel a si mesmo, aos desejos, fantasias e
valores; é aquele que se atreve a viver a vida e não fugir dela, que supera o medo do
estranho, desconhecido e novo; é quem

(...) trilha caminhos que, por um lado tememos mas que, por outro,
percorreríamos prazerosamente em segredo (...) não se deixa desviar do seu
propósito pelas advertências de outros, nem pelos seus próprios medos e
sentimentos de culpa, mantendo-se aberto e disposto a aprender, capaz de
suportar conflitos, frustrações, solidão e rejeição (MÜLLER, 1997, p. 9).

Na perspectiva do processo de individuação e da vida criativa, “o herói se


encontra numa peregrinação, numa procura ininterrupta” na qual não existe uma
meta definitiva. “Estar a caminho é a meta” o que faz com que o Si-mesmo se revele
na forma de mutação contínua (MÜLLER, 1997, p. 19).
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O processo de individuação pressupõe penetrar nas próprias profundezas


anímicas desconhecidas, viver a experiência da morte de valores e posicionamentos
antigos e estéreis, e retornar, depois de um processo de reordenação, com uma
condição atualizada em relação a si mesmo e a vida. É significativo que a personalidade
se recomponha ordenada por um centro interior. Dessa forma, supõe-se “que o
caminho heróico, trilhado individualmente, leva à experiência do nosso Si-mesmo”
(MÜLLER, 1997, p. 13).

Jung (apud MÜLLER, 1997) considera que um dos símbolos que pode ser
utilizado para compreender o que move o herói, é o da “criança heróica” que:

Personifica os poderes vitais além da extensão limitada da consciência,


caminhos e possibilidades que, em sua unilateralidade, a consciência
desconhece, e uma totalidade que inclui as profundezas da natureza. Ela
representa o ímpeto mais forte e inevitável do ser de realizar a si mesmo
(...) O ímpeto e a pressão para a auto-realização são uma lei natural
dotados, portanto, de uma força insuperável ... (p. 29)

Necessário lembrar que a unilateralidade preconceituosa da cultura


patriarcal, contribui para que a maioria das figuras heróicas seja representada pelo
sexo masculino. Obviamente, as tarefas e problemas relacionados à procura de si
mesmo e à vida criativa são válidas para homens e mulheres. As diferenças tendem a
se anular à medida que ultrapassam suas tarefas e funções biológicas, e vem à tona os
aspectos comuns (MÜLLER, 1997).

Müller (1997) destaca algumas capacidades anímicas que considera


essenciais para o herói e as pessoas criativas: saber (elevada disposição para aprender;
disposição para o novo; curiosidade criativa; necessidade crescente de entender cada
vez melhor e mais profundamente as inter-relações; ousar (coragem para o risco
cauteloso); querer (seguir o caminho com paciência, firmeza e intencionalidade apesar
de adversidades e revezes); calar (disciplina emocional, autodeterminação, autonomia,
objetividade suprapessoal).

Para que pudesse estabelecer um paralelo entre a jornada do cavaleiro e as


jornadas dos estudantes-trabalhadores, solicitei que abordassem os seguintes temas:
idéias/sentimentos relacionados ao início da jornada; principais obstáculos da jornada
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e suas reações; satisfação com a jornada e identificação de aspectos satisfatórios;


prioridades na jornada.

A síntese da fábula será entremeada pelas descrições dos nossos ‘heróis


atuais’.

1 A FÁBULA

A partir de uma situação crítica, o cavaleiro busca ajuda de um mago que


vive na floresta e que sugere o percurso do caminho da verdade. Neste percurso o
cavaleiro deve entrar e explorar os castelos do silêncio, do conhecimento e da vontade
e ousadia.
Era uma vez... um cavaleiro que pensava ser bondoso, gentil, amoroso.
Matava dragões, resgatava donzelas em apuros. Conhecido por sua armadura
reluzente estava sempre disposto a lutar e, por muito tempo, esforçou-se para ser o
cavaleiro numero um do reino.
Tenho um padrão de objetivos diários, bem como alguns procedimentos
para alcançá-los. Um destes objetivos é ser um facilitador para as pessoas,
poder ser útil, não apenas resolvendo seus problemas mas mostrando os
caminhos que levam a tal solução.

Costumo acordar de bom humor, tenho todos os assuntos em mente: coisas


da casa, da faculdade, assuntos referentes à família, preocupações com a
agenda do trabalho... Sou muito rápida, parece que já acordo ligada na
tomada. Às vezes marco tanta coisa para fazer no mesmo dia que fico
assoberbada demais.

Sua esposa escrevia poesias, dizia coisas sábias e gostava de vinhos. Tinha
um filho e esperava que, um dia, ele viesse a se tornar um corajoso cavaleiro. Via
pouco a esposa e o filho pois estava sempre ocupado: quando não estava no campo de
batalha, matando dragões ou resgatando donzelas estava experimentando e lustrando
a armadura.

Um dos principais obstáculos é a administração do tempo. Muita coisa


acontecendo simultaneamente, resoluções e decisões a serem tomadas
rapidamente, fazem com que o planejamento vá para o espaço. Esse é um
problema para a grande maioria dos gestores.

Diariamente enfrento alguns problemas na execução de meu plano de ação


diário, sendo um deles a constante perda de foco. Isso se deve a variedade,
ao volume de tarefas. Não há como ser linear quando se trata de ser
humano ainda mais quando dependemos de outros seres humanos. Por isso
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minha jornada sofre constantes correções de rota o que, muitas vezes,


resulta em novas perdas de foco. Mas, no final, consigo vencer todas (ou
quase todas) as tarefas e isso me motiva e impulsiona a continuar.

Com o passar do tempo, já não retirava a armadura para fazer as refeições


e nem para dormir.

As prioridades da jornada são: primeiro lugar, manter a saúde; segundo


lugar, respirar; terceiro lugar, administrar o tempo; quarto lugar, criar
rotinas positivas; quinto lugar, visitar clientes; sexto lugar, feedback; sétimo
lugar, relaxar com os amigos e a família.

Penso que tenho muito a fazer, que terei que dar conta de tudo de alguma
forma, talvez não almoce... Preocupação com filhos, saúde e bem estar
dele... Mas preciso me focar no trabalho. Sentimentos e pensamentos se
misturam o tempo todo. São muitos compromissos que, no meu caso, sendo
mulher, mãe, trabalhadora, filha, irmã, amiga e estudante, tenho a realizar e
muitas vezes estou esgotada.

Sempre que possível, almoço com alguém que gosto muito: uma amiga,
filhas, marido, mãe... Isso é importante. Não gosto de almoçar sozinha.

Pouco a pouco a família já não lembrava de sua aparência sem a armadura.


O filho perguntava para a mãe como era o pai e a mãe lhe mostrava um retrato dele.
Nas conversas com a família, o cavaleiro costumava falar sobre seus atos de heroísmo.
E quando a esposa e o filho tentavam dirigir-lhe a palavra, ele os interrompia. A
situação começou a ficar insustentável e a esposa, depois de questioná-lo sobre seus
sentimentos, exigiu que ele tirasse a armadura para que ela pudesse ver quem ele
realmente era. Ele explicou que não podia tirá-la pois devia estar pronto para montar
seu cavalo e sair em qualquer direção a qualquer momento. A esposa comunica que se
ele não tirar a armadura vai, junto com o filho, sair da vida dele. Isso foi um golpe para
o cavaleiro. Ele amava sua esposa, seu filho, seu elegante castelo. Mas também amava
sua armadura porque ela revelava a todos quem ele era. Porque a esposa não
compreendia tudo isso?

Um dos obstáculos da jornada é aceitar a imperfeição, entender que muitas


vezes não precisa ser excelente para ser reconhecido e valorizado. Aceitar
também que, mesmo querendo, nem sempre consigo resolver os problemas
dos outros. Procuro sempre estar atenta aos sentimentos e emoções que
surgem diante de um obstáculo para que possa removê-lo a tempo de
continuar em direção ao objetivo.

O cavaleiro decidiu que não queria perder a esposa e o filho e resolve tirar
a armadura. Mas a armadura estava emperrada! Recorre ao ferreiro que, depois de
muitas tentativas, não consegue descolar a armadura do corpo do cavaleiro.
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Percebendo sua aflição, o ferreiro pede que ele retorne no dia seguinte para nova
tentativa. A esposa, exaurida, não acredita na decisão do cavaleiro e o hostiliza. Ele
constata que, depois de usar a armadura por tanto tempo, tornou-se insensível: o
ferreiro o havia golpeado com martelo e ele nem tinha sentido. Depois de tanto tempo
com a armadura, percebeu que ela o impedia de sentir muita coisa. Ele e o ferreiro
ficaram dias empenhados em retirar-lhe a armadura. Sem sucesso. A cada dia ele
ficava mais desanimado e a esposa mais distante. Não sabia mais o que fazer. Pensou:
em algum lugar deve ter alguém que possa me ajudar a retirar essa armadura. Mesmo
sabendo que sentiria falta da esposa e do filho, resolveu partir em busca de ajuda.

O principal é preservar, da melhor maneira possível, outras pessoas


importantes que, certamente serão afetadas de alguma forma pela
mudança. Outra prioridade é buscar a melhor e mais justa resolução prática
do que precisa ser resolvido.

Foi despedir-se do rei e encontrou o bobo da corte: Bolsalegre. Diante da


situação do cavaleiro o bobo afirma: “Problemas nunca me deixam balançando. São
oportunidades que estão chegando!” (FISCHER, 2001, p. 20). E sugere que ele busque
ajuda de Merlin, o sábio mestre do rei Arthur, que mora nas florestas. O cavaleiro
pergunta ao bobo como encontrar o mago em floresta tão imensa, ao que o bobo
responde: “Dias, semanas ou anos, nunca se sabe ao certo. Quando o discípulo estiver
pronto, o mestre estará por perto” (FISCHER, 2001, p.21). O cavaleiro, agradecido, saiu
em busca do mago.

1.1 Na floresta de Merlin

Depois de meses cavalgando, enfraquecido e constatando que desconhecia


muitas coisas, encontrou Merlin cercado de animais. O cavaleiro diz a Merlin que está
perdido há meses a sua procura e o Mago o corrige: você esteve perdido toda sua vida.
O cavaleiro sentiu-se insultado e o Mago afirma que talvez ele considere a verdade um
insulto. Sem forças para sair dali, o cavaleiro ouve Merlin dizer que: “Uma pessoa não
pode fugir e aprender ao mesmo tempo. Ela precisa permanecer algum tempo no
mesmo lugar” (FISCHER, 2001, p. 25). Merlin oferece ao cavaleiro um cálice com um
líquido de cor estranha: vida. No início, amargo, a seguir mais agradável e, por fim,
delicioso. Ficou bom quando ele começou a aceitar o que estava bebendo. Os animais
alimentaram diariamente o cavaleiro e Merlin lhe dava taças de vida para beber. Foi
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recuperando forças e suas esperanças começaram a se renovar. O cavaleiro


perguntava diariamente sobre quando iria sair da armadura.

Onde quero chegar? Como vou chegar? Do que terei que abrir mão? Isso vai
valer a pena?

A satisfação da jornada se dá no momento em que me viro para trás e vejo o


quanto do caminho já foi trilhado, quantas vitórias já alcançadas e, porque
não, quantas derrotas sofridas. Pois é assim que uma jornada é construída.
Porém, o sabor das conquistas é maior que qualquer dissabor.

Merlin recomendava paciência, afinal fazia muito tempo que ele a usava a
armadura. Relembra que ele não nasceu com ela e questiona sobre os motivos de usá-
la. O cavaleiro justifica que usava a armadura para se proteger nas batalhas. Merlin
pergunta sobre quem havia determinado que ele deveria batalhar. O cavaleiro
acreditava que tinha que provar o quanto era bondoso, gentil e amoroso.

Minha maior satisfação é ver a equipe satisfeita quando atingimos o


resultado esperado. É muito bom compartilhar esse sentimento em relação
ao trabalho bem sucedido.

Parei de cobrar perfeição de mim mesma e também estou aprendendo a


respeitar o tempo dos outros. Antes, achava que o meu ritmo era o certo e
que, quem não acompanhasse era parado ou preguiçoso. Hoje sei que cada
um é de um jeito e pronto! Passei a delegar coisas que antes achava que só
eu sabia fazer: passo adiante e espero para ver como ficará.

Fico satisfeita quando vejo resultado efetivo naquilo que faço e quando isso
impacta ou desencadeia outras ações. Fico muito satisfeita quando consigo
levar soluções e ajudar os outros a remover seus próprios obstáculos,
mostrando atalhos ou, simplesmente, um ponto de vista diferente. Procuro
sempre encontrar um sentido maior no que estou fazendo, que possa ser
benéfico a todos.

Merlin o confronta: “Se você era mesmo isso, porque tinha que provar?”
(FISCHER, 2001, p. 31). O cavaleiro, evitando a questão, foi dormir. Se assusta quando
percebe que pode conversar com esquilos. Quer ir embora da floresta. Merlin explica
que isso mostra que ele está se tornando sensível o bastante para perceber as
vibrações dos outros. Ele sente saudade da mulher e do filho e, mesmo com a
armadura, quer voltar para casa. Merlin pergunta: “Como você pode tomar conta deles
se não consegue tomar conta nem de si mesmo? (FISCHER, 2001, p. 35).

A principal preocupação que encontro é ter que me dividir entre ser mãe e
todo o resto. Sinto uma grande necessidade de ter contato com meu filho e
esposo e considero que tudo que for feito por mim irá impactar na vida
deles. Isso me faz pensar muito mais nas minhas atitudes.
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Rebeca, a pombo-correio, leva uma carta que o cavaleiro escreveu


rapidamente para o filho, perguntando sobre o que ele achava do pai voltar para casa.
Passada uma semana ela volta com a resposta: era um papel em branco: o filho
parecia não saber o bastante a seu respeito para responder. O cavaleiro tentou conter
as lágrimas pois cavaleiros não choram. Mas foi subjugado pela tristeza e depois
adormeceu.

1.2 O caminho da verdade

Estava gostando da vida na floresta com Merlin e os animais mas estava na


hora de partir. A armadura se tornou um estorvo e precisa tirá-la.

Por muito tempo estive satisfeita com a minha jornada. Um tanto rotineira
mas satisfatória... Porém, com o tempo, me percebi entediada e
desmotivada, precisando de novos desafios.

Se pergunta sobre como conseguirá mudar tudo isso. O mago apontou


para uma trilha estreita e íngreme, uma subida e tanto! É o caminho da verdade.
Merlin destaca que a decisão de percorrer uma trilha desconhecida, usando uma
armadura pesada, requer muita coragem.

O principal obstáculo é interno, na forma de receios e alguns fantasmas de


falhas passadas. Reajo refletindo sobre origens, possíveis causas e prováveis
desfechos... Certamente as situações futuras não se apresentarão com a
mesma configuração. Pensar sobre o que está acontecendo dá uma
sensação de confiança e preparo para prosseguir. Gosto do que está
acontecendo pois, mesmo sofrendo um pouco com os tais receios e
incertezas, vejo que o movimento vai trazer muito mais resultados positivos
do que o formato e rotinas vividas até então.

Mas o cavaleiro sabia que era melhor começar imediatamente ou poderia


mudar de idéia. Mais um susto: não poderia levar seu cavalo nem sua espada. Deixou
sua espada com o mago que lhe disse: “se você encontrar algo com o que não consiga
lidar, é só me chamar que eu irei” (FISCHER, 2001, p. 48). A luta mais importante do
cavaleiro era aprender a amar a si mesmo e para isso era preciso conhecer-se. Esquilo
o acompanharia e Rebeca, a pomba, também. A disposição dos animais encorajou o
cavaleiro. Merlin diz que ele irá encontrar três castelos: do Silêncio, do Conhecimento e
da Vontade e Ousadia. Só sairá deles depois de ter aprendido o que está lá para
aprender. Para chegar à montanha tem que atravessar esses castelos. Algumas horas
depois o cavaleiro estava muito cansado. Não estava acostumado a viajar de armadura
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sem estar montado em seu cavalo. Os animais alimentaram o cavaleiro que, logo,
adormeceu. Acordou com a luz do sol e o frescor do ar. Podia sentir isso porque parte
da viseira tinha caído. Quando chorou, ao receber a carta vazia do filho, suas lágrimas
molharam a viseira e a enferrujaram. Concluiu que os sentimentos o libertariam da
armadura e continuou montanha acima junto com Esquilo e Rebeca. Os animais
visualizaram o castelo do Silêncio, que bloqueava completamente o caminho. O
cavaleiro estava desapontado: era um castelo como qualquer outro da região. Rebeca,
considerando que os animais aceitam e que os seres humanos têm expectativas, disse:
“Quando você aprender a aceitar em vez de ter expectativas, seus desapontamentos
serão menores...” (FISCHER, 2001, p.32).

Quando planejamos algo, não temos como prever tudo. Procuro, na medida
do possível, aceitar os imprevistos e, mesmo com as dificuldades que
surgem, faço o que posso da melhor maneira possível. Hoje me permito não
acertar sempre e já não morro de culpa quando erro. Simplesmente aceito
os fatos.

Os animais informam que não vão entrar com ele no castelo. O cavaleiro
fica desapontado pois, afinal, estava aprendendo a amar e confiar neles. Mas vão
esperá-lo na saída do castelo, no outro lado da estrada. O cavaleiro tirou a chave
dourada do pescoço, encaixou na fechadura e entrou no castelo.

1.3 O castelo do silêncio

Ao entrar na imensa ante-sala do castelo viu o fogo aceso na lareira e três


tapetes no chão. Não havia portas na sala e havia um silêncio extraordinário,
misterioso. Lembrou quando a mulher ficava dias sem falar com ele. Mas esse silêncio
era incomparável. Nunca em sua vida se sentira tão sozinho. De repente, ouviu uma
voz: era o rei! Também estava percorrendo o caminho da verdade. Disse ao cavaleiro
que ele veria as portas da sala quando se compreendesse. O rei contou que, quando se
sentia preso retornava a esse castelo para aprender mais sobre si. O cavaleiro propôs
que andassem juntos no silêncio. O rei explicou que ficar em silêncio significa mais do
que não falar e complementou: é preciso ficar sozinho para deixar a armadura cair.

A hora que chego em casa e consigo ficar um tempo com meu marido, seja
para conversar, ver um filme, não tem preço. Também me satisfaz caminhar
um pouco sozinha, com tempo, para pensar nos meus objetivos.
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Quando viajo a trabalho, aproveito este tempo na estrada para pensar na


vida, colocar as idéias em ordem. É um tempo em que curto a minha
companhia.

O cavaleiro exclamou: não quero ficar aqui sozinho! Mas o rei seguiu o seu
caminho, não sem antes aconselhar o cavaleiro: “Este é um novo tipo de cruzada para
você (...) requer mais coragem do que todas as outras batalhas que você já enfrentou.
Se conseguir mobilizar a força necessária para ficar aqui e fazer o que tem de fazer,
essa será sua maior vitória” (FISCHER, 2001, p. 61).

Vou enfrentando os obstáculos um de cada vez. Conflitos de interesses, falta


de comprometimento, recompensas e valorização, causam dificuldades.
Mas continuo, esperando pelo melhor e me preparando para o pior. Não
existe obstáculo intransponível!

Deprimiu-se e para animar-se cantarolou canções de batalha. Mas o


silêncio era total e devastador. Só então pode admitir que tinha medo de ficar sozinho.
A primeira porta abriu-se. Era uma sala um pouco menor que a anterior, sem qualquer
sonoridade. O cavaleiro começou a falar consigo mesmo.

Minha jornada começa cedo e acaba tarde. Como bom gaúcho madrugador,
acordo às 6h... levo minha esposa até seu trabalho e chego por volta das
7h30min no escritório. Preparo o mate, leio as notícias do dia e começo
minhas atividades. Vejo que essa rotina me tranqüiliza pois é meu tempo de
despertar...

Não saio sem tomar meu café com leite. Sento e aproveito este momento
mesmo que esteja um pouco atrasada. É um ritual do qual não abro mão.

Falou sobre como era quando criança, sobre como gostava dos livros,
sobre como falava impulsivamente com qualquer pessoa que encontrasse pela frente.
De repente, percebeu que tinha falado tanto a vida inteira para evitar se sentir
sozinho. Outra porta abriu-se. Era uma sala ainda menor que a anterior. Sentou no
chão e continuou a pensar. Constatou que durante toda sua vida falava sobre o que
tinha feito e sobre o que iria fazer. Nunca desfrutava o que realmente estava
acontecendo. Assim, mais uma porta apareceu. Conduzia a uma sala ainda menor que
as anteriores. Desta vez o cavaleiro sentou-se e ouviu o silêncio. Pensou que na maior
parte de sua vida, nunca tinha realmente ouvido alguém ou alguma coisa. Nem o
sussurro do vento, o som da água dos córregos... o som triste da voz da mulher... Ao
lembrar da solidão que a mulher podia sentir, sua dor e sua solidão emergiram. Ele a
havia forçado a viver em um castelo de silêncio. Começou a chorar. Outra porta se
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abre para uma sala ainda menor. Porque será que essas salas vão se tornando cada vez
menores, ele pergunta? Porque você está fechando o cerco sobre si mesmo, falou sua
voz, seu eu verdadeiro, para surpresa do cavaleiro. Era a primeira vez que o cavaleiro
ficava quieto o bastante para escutar a si mesmo. Perguntou a voz sobre quem era.
Ouviu que não poderia aprender tudo de uma vez. Sam seria o modo como o cavaleiro
chamaria a voz ou a si mesmo. Lembrou de Merlin antes de mergulhar num sono
profundo e sossegado. Quando acordou, encontrou Esquilo e Rebeca sentados sobre
seu peito. Já estava do lado de fora do castelo. Havia concebido a saída. Surpreso,
percebeu que o elmo havia se desprendido e que podia tocar a própria face. Rebeca
contou ao cavaleiro que ele havia permanecido muito tempo no castelo do silêncio.
Incrédulo, o cavaleiro chamou Merlin que confirmou as informações de Rebeca assim
como seu encontro com Sam, “um eu mais verdadeiro do que aquele que você tem
chamado de eu durante todos esses anos” (FISCHER, 2001, p. 71).

1.4 O castelo do conhecimento

Sua porta era feita de ouro e era maior que o castelo do silêncio. Tinha
apenas uma ampla sala já que o conhecimento não é dividido em compartimentos. O
cavaleiro perguntou a Rebeca e Esquilo se iriam deixá-lo entrar sozinho no castelo.
Rebeca explicou que iriam juntos pois “o silêncio é para um; conhecimento é para
todos” (FISCHER, 2001, p.75).

Gosto de ter novidades e obstáculos pois dá mais prazer. Todos os dias


quando acordo penso que aquele dia pode ser único e decisivo para
determinadas questões. Outra satisfação imensa é poder descobrir novas
maneiras de resolver as coisas no trabalho e ser reconhecida por isso.

Neste momento, o cavaleiro experimentava uma agradável sensação:


gostava de seu senso de humor e da companhia de Sam. Entraram e estava tudo
escuro. Não haviam tochas para iluminar e havia uma inscrição na parede: “o
conhecimento é a luz através da qual você encontrará seu caminho” (FISCHER, 2001, p.
76).

Tenho o maior prazer em assistir as minhas aulas à noite. Sou muito curiosa
e adoro conhecer cada vez mais e sobre tudo. A troca de experiências com
professores e colegas me faz muito bem.

Olho para traz e vejo como estou me conhecendo melhor hoje, como posso
amar mais, dar mais de mim e receber mais, sem culpa, sem muitas
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cobranças. Sinto que se inicia um novo momento em minha vida. Estou feliz
demais, minha jornada é muito compensadora. Amo a vida que tenho!

Sam lembrou ao cavaleiro que quanto mais soubesse mais iluminado


ficaria o castelo. E a luz começou a aparecer. Havia outra inscrição na parede: “será
que você não confundiu necessidade com amor?” (FISCHER, 2001, p. 77). Sim, havia
confundido, necessitara mais da mulher do que a amara. Queria tê-la amado mais, mas
não sabia como. Também necessitara mais do filho do que o amara. Precisava de um
filho que saísse e empreendesse batalhas em nome do pai quando ficasse velho.
Envolto em um clarão ofuscante, constatou que necessitara, mais do que amara, a
mulher e o filho, justamente porque não se amava. Chorou muito e compreendeu que
não poderia realmente amar os outros pois a necessidade que tinha deles era um
obstáculo ao amor. Mais brilho se fez. Era a luz do auto-conhecimento.

Comecei a tratar as pessoas, de forma semelhante àquelas que eu


repudiava. Sem perceber, assimilei atitudes parecidas com as dos colegas
que eu criticava. Foi um choque quando me dei conta disso.

Nesse momento Merlin apareceu mesmo sem ter sido chamado. Disse ao
cavaleiro que às vezes não sabemos quando é hora de pedir ajuda. Rebeca levou o
cavaleiro até um espelho. Ele viu uma nova imagem de si mesmo. Viu beleza e
inocência, seu potencial segundo Sam. Percebeu que havia escondido seus
sentimentos: acreditava que não gostariam dele se dissesse o que pensava ou fizesse o
que tinha vontade... Se deu conta que passou toda a vida tentando fazer com que as
pessoas gostassem dele, tentando provar que era bondoso, gentil e amoroso. Mas ele
era e não precisava provar nada! O cavaleiro já estava indo embora quando Rebeca
contou que o castelo tinha um pátio com uma macieira no meio. Ainda era necessário
aprender sobre ambição: a que vem da mente, pode render lindos castelos e belos
cavalos; a que vem do coração é pura, não fere nem compete com ninguém. A
macieira amadurece e se enche de frutos que dá a todos livremente. Quanto mais
maçãs retiram dela, mais ela cresce. Está fazendo exatamente o que macieiras devem
fazer: realizando seu potencial.

Vivo um momento especial da minha vida. É a realização de um sonho estar


me formando. Estou de bem comigo mesma, feliz como mulher. É muito
bom ver minhas filhas começando a se lançar no mundo. Penso que
conseguimos, passamos valores importantes para elas. Criamos filhas muito
legais, de cabeça boa. Me sinto forte por não ter desistido da faculdade.
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Acho que cresci muito nestes últimos anos e os estudos só contribuíram


positivamente com meu trabalho.

O cavaleiro definiu que, dali em diante, sua ambição viria do coração. O


castelo e Merlin desapareceram. O cavaleiro estava novamente no caminho da
verdade com Rebeca e Esquilo. Estava quase livre da armadura, só faltava livrar-se do
peitoral.

1.5 O castelo da vontade e da ousadia

Era mais alto do que os outros e suas paredes pareciam mais grossas.
Entrou no castelo com os animais e se deparou com um imenso dragão. O cavaleiro,
tremendo, chama Merlin que não aparece. Ele reclama, pois o mago prometeu que
não haveriam dragões no caminho. Controlou-se e mandou embora o dragão do medo
e da dúvida. Lembra que o auto-conhecimento (verdade mais poderosa que a espada)
pode matar esse dragão. Faz uma nova tentativa de enfrentá-lomas o dragão o fez sair
em disparada, todo chamuscado. Rebeca e Esquilo lembram o cavaleiro de sua
coragem. Partindo do princípio que medo e dúvida são ilusões, o cavaleiro torna a
enfrentar o dragão.

Não estou satisfeita com a minha jornada pois, devido a demanda muito
grande de atividades diárias, que necessitam de tempo para serem
realizadas, não consigo dar conta da imensa maioria. Fico bastante
preocupada com o acúmulo de tarefas e acabo priorizando aquelas que tem
mais urgência.

Tenho que tomar cuidado com a ansiedade. Preciso reorganizar tudo várias
vezes, para evitar que as coisas saiam do controle.

No momento o principal obstáculo é o cansaço. São muitas atividades


diárias e pouco tempo para realizá-las. E é quase impossível conseguir
descansar as horas necessárias. A reação é pensar na importância de tudo
que tenho que realizar e que, logo, algumas atividades serão concluídas.

Um dos obstáculos é a falta de tempo. Outro, o trânsito. Por último,


conversar com clientes irritados e descontentes. Faço o que tem que ser
feito: sou honesta, objetiva, educada.

No decorrer do dia, quero sempre ganhar o máximo de tempo. Então, entre


uma tarefa e outra, ligo para saber se minha mãe está bem, marco visita
com clientes, respondo mensagens e leio e mails.

A cada enfrentamento o dragão ficava menor e assim foi diminuindo até


desaparecer. O dragão ameaça voltar para colocar-se no caminho do cavaleiro, ao que
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ele responde: “cada vez que voltar eu estarei mais forte e você mais fraco (FISCHER,
2001, p. 103). Então, como já possuía coragem e ousadia, o castelo desapareceu.

1.6 O vértice da verdade

Quando estava quase no topo da montanha encontrou uma imensa rocha


com a seguinte inscrição: “Embora possua este universo, nada possuo, pois não posso
conhecer o desconhecido, se ao conhecido me agarro” (FISCHER, 2001, p. 105).

É difícil administrar as constantes mudanças na organização, as incertezas


que delas decorrem. Uma maneira que encontrei de reagir frente a esse
obstáculo é escrever. Decidi que frente a essas mudanças não adianta criar
suposições: é importante conhecer e compreender o que está acontecendo.

Nesse momento, aceitou plena responsabilidade por sua vida, pela


influência que as pessoas tiveram sobre ela e pelos acontecimentos que a tinham
modelado.

Gostaria de procrastinar menos, de estabelecer prioridades considerando as


mais importantes e não as mais urgentes. De qualquer forma, estabeleço
prioridades conforme elas me fazem sentido. Aquilo em que acredito, de
verdade, vem em primeiro lugar. Geralmente priorizo aquilo que me
comprometo com outras pessoas em detrimento do que me comprometo
comigo mesma.

Primeiro eu! Hoje me preocupo com o que gosto de fazer, com o que me
dará mais prazer. Sempre arranjo tempo para mim. Faço coisas simples
como: parar para tomar um cafezinho, fazer uma massagem no meio da
tarde (se der é claro). Minha saúde física e mental são muito importantes.
Leio mais, quero saber mais das coisas, abrir meus horizontes, não ficar
bitolada. Quero envelhecer com saúde e, há algum tempo, mudei minha
alimentação. Nada radical mas quero ser mais saudável e viver com
qualidade.

Reconheceu que ele era a causa e não efeito. Sentia-se conectado consigo
mesmo. O medo do desconhecido embotara seus sentidos mas agora ele era capaz de
experimentar tudo com clareza. Havia descoberto o amor. Mais lágrimas quentes
derreteram o que restava da armadura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FISCHER, Robert. O cavaleiro preso na armadura. Rio de Janeiro: Nova Era, 2001.

MÜLLER, Lutz. O herói: todos nascemos para ser heróis. São Paulo: Cultrix, 1997.

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