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@ Jovy 2OTIGIAM 38 @HCISEaA of22100 S-TOL0-h2S-28 - MG2I 2 sdasblse colts olueT > ogisms) sinkM :ofeivor orobylof agro :aqs> OS ESCRITOS DE ANTONIN ARTAUD Traducio, preficio, selecio ¢ noras,Gliudio, Willer MANIFESTOS E CARTAS DO PERIODO SURREALISTA \ MANIFESTOS E CARTAS DO PERIODO SURREALISTA. (1924-27) Os textos a seguir estao no Volume I da Obra Completa ¢ sao posteriores 4 correspondéncia com Jacques Riviére, ou seja, 3 deci- sdo tomada por Artaud de escrever de forma mais livre e menos ‘ teraria™. Toda escrita € porcaria... faz parte do Le Pése Nerf, cole- tanea de textos contemporinea de KOmbilec des Limbes ode [Are et la Mort, obras nas quais Artaud junta cartas, manibestos, antigen, depoimentos ¢ poemas em prosa. Dentre estes, deve-se destacar seus tqxtos sobre Abclardo ¢ Heloisa, nos quais € abordada a complexa chontaadicéria relacao enue amor, linguagem, corpo ¢ sexo, bem co- mo os belos poemas em prosa sobre Paolo Ucello (a pintura sem- pre inspirou Artaud, sio muitos os seus textos voltados para a obra dé algum artista plastico) ¢ a antol6gica Letere a Ja Voyante, carta que € também um poema lirico, Dentre os depoimentos, o mais impor- tance € 0 Fragments d'un Journal d’Enfer, no qual fala da “‘parali- sia” que o ameaca, da sua dor, do “né de asfixia central”, proclaman- do que: Acredito em conjuracdes espontaneas. Nos caminhos por onde meu sangue me arrasta, € impossivel que um dia eu nao en- contre uma verdade... Escolhi 0 dominio da dor ¢ da sombra assim como outros escolheram 0 do brilho ¢ da acumulacio da matéria. 19 \y Nao trabalho na extensao de um dominio qualquer. Téabalho uni- camente na duracao. As cartas-manifesto sao do ntimero 3 de La Révolution Surréa- liste. Artaud afirmou, no fim da vida, que elas nao etam integral- mente da sua autoria ¢ que Robert Desnos teria redigido o mani- festo contra os psiquiatras. Ao serem publicados, sairam efetivamen- te como texto coletivo, subscrito pelo grupo surrealista. No entan- fo, esses textos — como todos os demaais que ele escreveu nesse pe- tiodo — sdo muito mais Artaud que Surrealismo. Na verdade, apre- sentam uma anteviséo, um programa, expondo os temas que Ar- taud desenvolveria — e viveria — ao longo da sua obra e da sua vi- da. A Carta ao Papa antecipa o Para Acabar com 0 Julgamento de Deus e todos as suas demais diatribes contra o Cristianismo; 0 ma- nifesto anti-manicémios, a sua passagem pelos hospicios entre 1937 € 1946; 0 manifesto contra a proibicao do 6pio € retomado nas Cartas de Rodez; a resposta a “enquéte" sobre o suicidio levanta a ques- tao dos suicidados pela sociedade, desenvolvida no Van Gogh No mesmo niimero do La Révolution Surréaliste € publicado 0 telatério das atividades do Bureau de Recherches Surtéalistes, qiue termina com a seguinte afirmacao: Aqui se instala uma certa f. mas que os coprolalicos me ougam, os afisicos ¢ em geral todos os des- crentes das palavras ¢ do verbo, os patias do pensamento. Novamen- te, uma declaragao de principios muito mais do proprio Artaud que do movimento surrealista. xO Pesa-Nervos : . ‘erecho) Toda escrita € porcaria. (trecho) 2 Todos aqueles que saem de um lugar qualquer, para tentar ex- plicar seja la o que lhes passa no pensamento, sao porcos. ‘Toda gente literaria € porca, especialmente essa do nosso tempo. ‘Todos os que possuem pontos de referéncia no espirito, quero dizer, de um lado certo da cabeca, sobre lugares bem demarcados do cérebro; todos aqueles que sao mestres da lingua; todos aqueles Para quem as palavras tém sentido; todos aqueles para quem exis- vem elevagdes da alma ¢ correntes do pensamento, aqueles que sao © espitito da sua Epoca e que nomeiam essas correntes do pensamen- 20 Ny to; penso nas suas mesquinhas atividades precisas ¢ nesse ranger de autématos vomnitado para todos os lados por seu espirito; — so porcos. Aqueles para os quais certas palavras tém sentido e certas ma- neiras de ser; aqueles que tém to boas maneiras; aqueles para quem 0s sentimentos podem ser clasificados ¢ que discutem um grau qualquer das suas hilariantes classificagdes, aqueles que ainda acre- dicam em “termos”; os que mexem com as ideologias de destaque na €poca; aqueles cujas mulherés falam tio bem, e suas mulheres também, que falam tao bem, ¢ falam das tendéncias da sua época: os que ainda acreditam numa orientacao do espirico; os que seguem caminhos, que acenam com nomes, que fazem grivar as paginas dos livros; — esses so os piores porcos. Moco, como vocé esta sendo gratuito! Nao; penso nos criticos barbudos. Ja falei: nada de obras, nada de lingua, nada de palavras, na- da de espirito, nada. Nada a nio ser umi belo Pesa-Netvos. Uma espécie de parada incompreensivel ¢ bem levantada no meio de tudo no espirito. E no esperem que cu nomeie esse tudo, diga em quantas par- tes se divide, qual é seu peso, que eu entre nessa, que me ponha a discutir esse todo, ¢ que discutindo me perca ¢ assim comece, sem saber, a PENSAR — ¢ que se esclareca, que viva, que se atavie com uma multidao de palavras, todas bem untadas de sentido, todas di- ferentes, capazes de expor todas a atitudes, todas as sutilezas de um pensamento tao sensivel ¢ penetrante. . | Ah, esses estados nunca nomeados, essas situagdes eminentes da alma; ah, esses intervalos do espirito; ah, esas mintisculas falhas que sao 0 pao cotidiano das minhas horas; ah, essa formigante Populagao de dados — sao sempre as mesmas palavras que eu uso € na verdade pareco nao avangar muito no meu pensamento, mas na realidade avanco muito mais que vocés, burros barbados, por- cos pertinentes, mestres do falso verbo, masturbadores com fotogra- fias, folhetinistas, rés-do-chao, engordadores de gado, entomologis- tas, chaga da minha lingua § Ja disse, eu perdi a fala, isso nao € motivo para que persistam, para que insistam na fala 21 Ny Chega, serei compreendido daqui a dez anos pelas pessoas que entao estiverem fazendo 0 que vocés fazem agora. Entao conhece- ro meus mananciais de agua fervente, vero minhas geleiras, apren- derao a neutralizar meus venenos, entenderao os jogos da minha alma. Entao todos os meus cabelos estario grudados na cal da vala comum, todas as minhas veias mentais; entao enxergarao meu bes- tiario, e minha mistica tera se transformado em bandeira. Entao ve- ro as juntas das pedras fumegarem, arborescentes ramalhetes de olhos mentais se cristalizarao em glossatios; entao verao tombarem aerélitos de pedra; entao verao cordas; entao compreenderao a geo- metria sem espaco; entenderao a configuragao do espirito, ¢ sabe- ro como perdi meu espitito. Entao compreenderao por que meu espirito nJo est mais ai; ento vero todas as linguas se paralisarem, todos os espiritos resse- carem, todas as linguas se encarquilharem, os vultos humanos se achatarem e desinflarem como se aspirados por ventosas sugadoras: ¢ esta lubrificante membrana continuara flucuando no ar, esta membrana lubrificante e caustica, esta membrana com dupla espes- sura, intimeros niveis, uma infinidade de fendas, esta melancélica ¢ vitrea membrana, porém tao sensivel, to pertinente, tao capaz de se desdobrar, se multiplicar, de dar voltas com sua reverberagao de fendas, sentidos, estupefacientes, irrigagées penetrantes ¢ contagiosas; entio acharao que esta tudo muito bem, € nao precisarei mais falar. Se O Suicidio E Uma Solugio? (resposta a uma enquére surrealista) Nao, 0 suicidio ainda é uma hipérese, Quero ter 0 direito de duvidar do suicidio assim como de todo 0 restante da realidade. E preciso, por enquanto ¢ até segunda ordem, duvidar atrozmente, nao propriamente da existéncia, que esta ao alcance de qualquer um, mas da agitacao interior ¢ da profunda sensibilidade das coi- sas, dos atos, da realidade. Nao actedit sa alguy ual nao esteja ligado pela sensibilidade de um cordio pensante, como. 22 \Y que meteérico ¢ ainda assim sinto falta de mais meteoros em aco. A existéncia construida e sensivel de qualquer homem me aflige ¢ decididamente abomino toda realidade. Q suicidionada mais € que_ conquista fabulosa ¢ remota dos homens bem-pensantes, mas 0 estado propriamente dito do suicidio me é incompreensivel. O sui- cidio de um neurasténico nao tem qualquer valor de representacao, mas sim 0 estado de espirito de um homem que efetivamente tiver determinado seu suicidio, suas circunstancias materiais eo momento do seu desfecho maravilhoso. Desconhego 0 que sejam as coisas, ig- noro todo estado humano, nada no mundo se volta para mim, da voltas em mim, Tolero terrivelmente mala vida, Nao existe estado que eu possa atingir. E cercamente ja morri faz tempo, ja me suici- dei. Me suicidaram, quero dizer. Mas que achariam de um suicidio anterior, de um suicidio que nos fizesse dar a volta, porém para o outro lado-da existéncia, nao para o lado da morte? $6 este teria valor para mim. Nao sin to.0 apetite da morte, sinto o apetite de nao s de rentincias ¢ de encontros obtusos que €0 cu de Antonin Artaud Benn-mais fragil que cle. O eu deste enfermo errante que deve? eri quando vem oferecer sua sombra sobre a qual ele ja cuspiu e faz mui- to tempo, este cu capenga, apoiado em muletas, que se arrasta: ¢s- te eu virtual, impossivel ¢ que todavia se encontra na realidade. Nin- guém como ele sentiui a fraqueza que é a fraqueza principal, essen cial da humanidade. A ser destruida, a nao existir, 7 Seguranca Pablica a _ “2 4 LIQUIDACAO DO OPIO | ‘Tenho a intencao declarada de encerrar 0 assunto de uma vez Por todas, para que nao venham mais nos encher a paciéncia com 98 assim chamados perigos da droga. "Meu ponto de vista € nitidamente anti-social. @ Soha uma razao para atacar 0 6pio, Aquela do perigo que seu uso acarreta ao conjunto da sociedade. Acontece que este perigo é falso. Nascemos podres de corpo e alma, somos congenitamente ina- daptados; suprimam o dpio: ndo suprimirao a necessidade do cri- me;oscinceres- do corpo-edaalmard a 23 \y 9 cretinismo inato, a sifilis hereditiria, a fragilidade dos instintos, nao impedirao que haja almas destinadas a seja qual for o veneno, veneno da morfina, veneno da leitura, veneno do isolamento, ve- neno do onanismo, veneno dos coitos repetidos, veneno da arraigada fraqueza da alma, veneno do Alcool, veneno do tabaco, veneno da anti-sociabilidade. Ha almas incuraveis ¢ perdidas para o restante da sociedade. Suprimam-lhes um dos meios para chegar a loucu- ra; inventarao dez mil outros. CriarZo meios mais sutis, mais selva- gens; meios absolutamente desesperados. A propria natureza é anti- social na sua esséncia — s6 por uma usurpacao de poderes que 0 cor- po da sociedade consegue reagir contra a tendéncia natural da humanidade. Deixemos que os perdidos se percam: temos mais 0 que fazer que tentar uma recuperagdo impossivel ¢ ademais imitil, odiosa ¢ prejudicial. —_ Enquanto nao conseguirmos suprimir qualquer uma das cau- ‘sas do desespero humano, nao teremos o direito de tentar a supressdo dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero. Pois seria preciso, inicialmente, suprimir esse impulso natural € oculto, essa tendéncia iluséria do homem que o leva a buscar um meio, que lhe dé a idéia de buscar um meio para fugir as suas dores Além do mais, os perdidos sao perdidos por sua prépria na- tureza; todas as idéias de regeneracao moral de nada serve; ha um detetminismo inato; ha uma incurabilidade definitiva no suicidio, no crime, na idiotia, na loucura; ha uma invencivel corneagao en- te os homens; ha uma fragilidade do carater, ha uma castragao do espitito. A afasia existe; a cabes dorsalis existe; a meningite sifilitica, 0 | roubo, a usurpacao. O inferno ja € deste mundo ¢ hé homens que so desgracados, fugitivos do inferno, foragidos destinados a reco- megar eternamente sua fuga. E por af afora. ‘ -Q.homem é miseravel, a came é fraca, ha homens que sen ,pte-se_perderdo. Pouco importam os meios para perder-se: a sacie~ “dade-nada tem a ver com isso. Demonstramos — no é? — que ela nada pode, que ela per- de seu tempo, que cla apenas insiste em arraigar-se na sua estupidez. Aqueles que ousam encarar os fatos de frente sabem — nao é verdade? — os resultados na proibicao no alcool nos Estados Unidos. 24 NN 9% Uma superproducao da loucura: cerveja com éter, alcool car- regado com cocaina vendido clandestinamente, 0 pileque multipli- cado, uma espécie de porte coletivo. Em suma, a lei do fruto proibido. A mesma coisa com 0 6pio A proibicio, que multiplica a curiosidade, s6 serviu aos rufides da medicina do jocoalismo, da literacura. Ha pessoas que construi- ram fecais ¢ industriosas reputag6es sobre sua pretensa indignagao contra a inofensiva e infima seita dos amaldigoados da droga (ino- fensiva porque infima ¢ porque sempre uma excecio), essa mino- tia de amaldigoados em espirito, alma ¢ doenga. Ah! Como o cordao umbilical da moralidade esta bem atado neles! Desde a saida do ventre materno — nao €? — jamais peca- ram. Sao apéstolos, descendentes de sacerdotes: s6 falta saber como se abastecem da sua indignagao, quanto levam nessa, o que ganham com isso. - E, de qualquer forma, essa nao a questao. Na verdade, 0 furor contra o téxico € as esttipidas leis que vém dai: 19 E inoperante contra a necessidade do toxico que, saciada ou insaciada, é inata 4 alma e induziria‘a gestos decididamente anti-so- ciais mesmo se 0 t6xico nao existisse. 2° Exaspera a necessidade social do téxico ¢ 0 transforma em vicio secreto, 3° Agrava a doenga real ¢ esta € a verdadeira questao, 0 né vi- tal, 0 ponto crucial: Desgracadamente para a doenga, a medicina existe. ‘Todas as leis, todas as restrigdes, todas as campanhas contra os cftupefacientes somente conseguirdo subtrait a todos os necessita- dos da dor humana, que tém direitos imprescritiveis no plano so- cial, o lenitivo dos seus softimentos, um alimento que para eles é mais maravilhoso que o pao, ¢ 0 meio, enfim, de reingressar na vida. Antes a peste que a morfina, uiva a medicina oficial; antes 0 infer- no que a vida. S6 imbecis como J. P. Liausu (que além disso é um monstrengo ignorante)* para querer que os doentes se macerem na sua doenga. * J.P. Liausu: intelectual conservador que chefiou uma campanha anti-cocaina na época. 25 \y E €aqui que a canalhice do personagem abre o jogo € diz aque vem: em nome, pretende ele, do bem coletivo, Suicidem-se, desesperados, ¢ yacés-tosturados de corpo ¢ al- ma.-petcam a esperanca. Nao ha mais salvacio no mundo.O mundo vive dos seus maradouros._ ~~ Evvocés, loucos lticidos, sifiliticos, cancerosos, meningiticos cré. nicos, vocés sao incompreendidos. Ha um ponto em vocés que mé- dico algum jamais entendera ¢ € este ponto, a meu ver, que os sal. va € torna augustos, puros ¢ maravilhosos: vocés esto além da vi- da, seus males sao desconhecidos pelo homem comum, vocés ultea- Passaram o plano da normalidade e dai a severidade demonstrada pelos homens, vocés envenenam sua tranqiiilidade, corroem sua es- tabilidade. Suas dores irreprimiveis sao, em esséncia, impossiveis de serem enquadradas em qualquer estado conhecido, indescritiveis com palavras. Suas dores repetidas e fugidias, dores insoliiveis, do. tes fora do pensamento, dores que nao est4o no corpo nem na al- ma mas que tém a ver com ambos, E eu, que paticipo dessas dores, Pergunco: quem ousaria dosar nosso calmante? Em nome de que cla. teza superior, almas nossas, nds que estamos na verdadeira raiz da clareza ¢ do conhecimento? E isso, pela nossa postura, pela nossa in- sisténcia em softer. Ns, a quem a dor fez viajar por nossas almas em busca de um lugar mais tranquilo ao qual pudéssemos nos agarrar, em busca da estabilidade no sofrimento como os outros no bem. estar. Nao somos loucos, somos médicos maravilhosos, conhecemos a dosagem da alma, da sensibilidade, da medula, do pensamento {Que nos deixem em paz, que deixem os doentes em paz, nada pe- A-Cimes aos homens, s6,queremos o alivio das nossas dores. Avalia. \ mos nossas vidas, sabemos que clas admicem restrigdes da parte dos demais ¢, principalmente, da nossa parte. Sabemos a que conces. SOes, a que rentincias a nds mesmos, a que paralisias da sutileza nosso mal nos obriga a cada dia. Por enquanto, nao nos suicidaremos. Es- perando que nos deixem em pa: “= A Mesa Abandonem as cavernas do ser. Venham. O espirito respira pa- ra fora do espirito, E tempo de deixarem suas moradas. Cedam ao ‘Todo-Pensamento. Q Maravilhoso esta na raiz do espirito. SR SSA Faz do espitito 26 \N IN6s estamos, Por-dentto-do-espirito, no interior da cabeca. Idéia. l6gica, ordem, Verdade (com V maitisculo), Razao, deixaiis wu ao nada da morte. Cuidado com suas [6gicas, cuidado com suas l6gicas, nao sabem até onde pode nos levar nos. so ddio a lgica. E sé por um desvio da vida, Por uma parada imposta ao espi- Fito, que se pode fixar a vida na sua fisionomia dita real, mas a rea. lidade nao esta af. Por isso € desnecessario, a nds que aspitamos a uma certa eternidade surreal, que faz muito tempo ja nao nos con- sideramos mais no presente € que nos assemelhamos a nossas son, bras reais, € desnecessario vitem nos aborrecer em espitito, Quem nos julga nao nasceu para o espitito, para esse espi- tito que desejamos expressar ¢ que est, para nés, fora do que voeés chamam de espirito. Nao precisam chamar nossa atencao para as ca. dcias que nos prendem a pettificante imbecilidade do espitito. Des. cobrimos um bicho'novo. Os céus respondem a nossa atitude de in, sensato absurdo. Esse seu habito de voltar as costas as questes no impedira que, no dia certo, os céus se abram ¢ uma nova lingua se instale no meio das suas elucubrag6es imbecis, quero dizer, das elu. cubragdes imbecis dos seus pensamentos. Hi signos no Pensamento., Nossa atitude de absurdo e morte €a da maior boa-vontade. Awavés das fendas de uma realidade do. ravante inviavel, fala um mundo voluntariamente sibilino, Sim, eis agora 0 tinico uso ao qual podera prestar-se a lingua- gem, como instrumento para a loucura, para a eliminacao do pen- samento, para a ruptura, dédalo dos desregramentos ¢ nao como um DICIONARIO para o qual certos patifes das imediag6es do Sena ca- nalizam suas contradi¢des espirituais. , Carta aos Reitores das Universidades Européias Senhores Reitores, Na estreita cisterna que os Srs. chamam de “Pensamento”, os raios espirituais apodrecem como palha. Chega de jogos da linguagem, de artificios da sintaxe, de pres- tidigitacées com formulas, agora é preciso encontrar a grande Lei do \y coracao, a Lei que nao seja uma lei, uma prisdo, mas um guia para © Espirito perdido no seu proprio labirinto, Além daquilo que a ciéncia jamais conseguira alcangar, 14 onde os feixes da razao se par- tem contra as nuvens, existe esse labirinto, nticleo central para 0 qual convergem todas as forcas do ser, as nervuras tiltimas do Espirito, Nesse dédalo de muralhas méveis ¢ sempre removidas, fora de to- das as formas conhecidas do pensamento, nosso Espirito se agita, ¢s- Preitando seus movimentos mais secretos ¢ espontaneos, aqueles com um carater de revelagdo, essa aria vinda de longe, caida do céu. Mas a raca dos profetas extinguiu-se. A Europa cristaliza-se, mumifica-se lentamente sob as ataduras das suas fronteiras, das suas fabricas, dos seus tribunais, das suas universidades. O Espirito con- gelado racha entre laminas minerais que se estreitam ao seu redor. A culpa é dos vossos sistemas embolorados, vossa logica de 2 mais 2 fazem 4; a culpa é vossa, Reitores presos no laco dos silogismos. Os Sts. fabricam engenheiros, magistrados, médicos aos quais escapam 0 verdadeiros mistérios do corpo, as leis césmicas do ser, falsos si- bios, cegos para o além-terra, fildsofos com a pretensao de tecons- tieuir 0 Espirito. O menor ato de criagdo espontanea é um mundo mais complexo ¢ revelador que qualquer metafisica Deixem-nos pois, 0s Senhores nada mais so que usurpado- res. Com que direito pretendem canalizar a inteligéncia, dar diplo- mas ao.Espitito? Os Senhores nada sabem do Espirito, ignoram suas ramifi des mais ocultas € essenciais, essas pegadas fosseis tao proximas das nossas préprias origens, rastros que as vezes conseguimos reconsti- tuir sobre as mais obscuras jazidas dos nossos cérebros Em nome da vossa propria logica, voz dizemos: a vida fede, Se- nhores. Olhem para seus rostos, considerem seus produtos. Pelo crivo dos vossos diplomas passa uma juventude abatida, perdida. Os Se- nhores sao a chaga do mundo ¢ tanto melhor para o mundo, mas que ele se acredite um pouco menos a frente da humanidade. Carta ao Papa © Contessionatio nao é vocé, oh Papa, somos nés; entenda-nos € que os catélicos nos entendam. Em nome da Patria, em nome da Familia, vocé promove aven- da das almas, a livre trituracao dos corpos. 28 \y ‘Temos, entre nds € nossas almas, suficientes caminhos para per- correr, suficientes dlistancias para que neles se interponham os teus sacerdotes vacilantes ¢ esse amontoado de doutrinas afoitas das quais se nutrem todos os castrados do liberalismo mundial. ‘Teu Deus catélico € cristo que, como todos os demais deuses, concebeu todo 0 mal: 12 Vocé o enfiou no bolso. 2° Nada temos a fazer com teus cdnones, index, pecado, con- fessionario, padralhada, nés pensamos em outta guerra, guerra con- tra vocé, Papa, cachorro. Aqui 0 espirito se confessa para o espitito. De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que triunfa é 0 Odio sobre as verdades imediatas da alma, sobre essas chamas que chegam a consumir o espitito. Nao existem Deus, Biblia, Evange- tho; nao existem palavras que possam deter o espitito. Nés no estamos no mundo, oh Papa confinado no mundo; nem a terra nem Deus falam de vocé. © mundo é 0 abismo da alma, Papa caquético, Papa alheio 3 alma, deixe-nos nadar em nossos corpos, deixe nossas almas em nos- sas almas, no precisamos do teu facdo de claridades. Carta ao Dalai-Lama Somos teus mui fiéis servidores, 6 Grande Lama, concede-nos, envia-nos tuas luzes numa linguagem que nossos contaminados es. Piritos de curopeus possam entender e, se necessario, transforma nos- so Espirito, dé-nos um espirito voltado para esses cumes perfeitos on- fle 0 Espirito do Homem ja nao sofre mais. ; Da-nos um Espitito sem habitos, um espitito verdadeiramente congelado dentro do Espirito, ou entdo um Espirito com habitos pais puros, os teus, se forem bons para a liberdade. Estamos rodeados de papas decrépitos, literatos, criticos, ca- chorros; nosso Espirito estd entre cies que pensam imediatamente a0 nivel da terra, que pensam irremediavelmente com o presente. Ensina-nos, Lama, a levitagdo material dos corpos e como po- deriamos deixar de estar presos 4 terra. Pois bem sabes a que libercacao transparente das almas, a que liberdade do Espirito no Espirito, oh Papa aceitével, oh Papa em es- Pitito verdadeiro, nés nos referimos 29 \y E com o olho interior que te contemplo, oh Papa no 4pice do interior. E a partir do interior que me assemelho a ti, eu, impeto, idéia, lingua, levitacao, sonho, grito, remincia a idéia, suspenso entre as formas, s6 esperando o vento. Carta aos Médicos-chefes dos Manicbmios Senhores, As leis ¢ os costumes vos concedem 0 dircito de medir 0 espi- tito. Essa jurisdigao soberana ¢ temivel é exercida com vossa razao. Deixai-nos rit. A credulidade dos povos civilizados, dos sabios, dos governos, adorna a psiquiattia de nao sei que luzes sobrenaturais. O processo da vossa profissao j4 recebeu seu veredito. Nao preten- demos discutir aqui 0 valor da vossa ciéncia nem a duvidosa existén- cia das doengas mentais. Mas para cada cem supostas pacogenias nas quais se desencadcia a confusao da matéria e do espirito, para cada cem classificagdes das quais as mais vagas ainda sao as mais aprovei- taveis, quantas sao as tentativas nobres de chegar a0 mundo cere- bral onde vivem tantos dos vossos prisioneiros? Quantos, por exem- plo, acham que 0 sonho do demente precoce, as imagens pelas quais cle € possuido, sao algo mais que uma salada de palavras? Nao nos surpreendemos com wosso desprepard diante de uma tarefa para a qual s6 cxistem uns poucos predestinades. No entan- 10 nos rebelamos contra o direito concedido a homens — limitados ou nao — de sacramentar. com 0 encarceramento perpétuo suas in- vestigagdes no dominio do espirito. E que encarceramento! Sabe-se — nao se sabe o suficiente — que os hospicios, longe de serem asilos, so pavorosos cérceres on- de os detentos fornecem uma mao-de-obra gramita ¢ comoda, onde 0s suplicios sao a regra, ¢ isso é tolerado pelos senhores. O hospicio de alienados, sob o manto da ciéncia ¢ da justica, é comparavel 4 ca- serna, a prisdo, a masmorra. Nao levantaremos aqui a questao das internagées arbitrarias, para vos poupar o trabalho dos desmentidos faceis. Afirmamos que uma grande parte dos vossos pensionistas, perfeitamente loucos se- gundo a definicao oficial, estao, cles também, arbitrariamente in- ternados. Nao admitimos que se freie o livre desenvolvimento de 30

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