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Reflexées sobre a Metodologia na Histéria do Direito Reflections on Methodology in the History of Law Reflexiones Sobre la Metodologia en la Historia del Derecho ANA LUCIA SABADELL Mesire em Direito Penal pela Universidade Autinoma de Barcelona; Mestre em Criminologia pela Unido Européia (Programa Erasmus); Dowtora em Direito pela Universidade do Saarland (Alemanha): Pés: doutorado pela Universidade Politéenica de Atenas (Grécia). Professora da Universidade Metodista de Piracicaba. RESUMO. © trabalho apresenta criticamente a visio continufstee evolucionista que marca muitos estudos de histria do dircito. Essa visio objetiva legitimar o diteito moderne e no corresponde aos dados da histéria dos recanismes de controle social. As falécias do continuismo ¢ do evolucionisme so contrapostas anlises cxitieas sobre o objeto e os métodos de pesquisa na histéria do diteito. Palayras-chave: CONTINUISMO ~ CONTROLE SOCIAL — EVOLUCIONISMO — HISTORIA DO EITO ABSTRACT. This paper critically presents a continuist and evolutionary vision, which characterizes many studies in the history of law. This vision aims to legitimize moder law and does not eorresposd to the ata on the history ofthe mechanisms of social control. The problems of continuism and evolutionism are put up against critical analysis on the object and the methods of research inthe history of law. Keywords: CONTINUISM - EVOLUTIONISM — HISTORY OF LAW ~ SOCIAL CONTROL RESUMEN El trabajo presenta critcamente la visi6n continuista y evolucionista que marca muchos estudios e historia del derecho, Esa visién tiene como objeto legitimar el derecho mademo y no correspond a les Gatos de la historia de los mecsnismos de control social. A las falacias del continuismo y del evolucionisme se contraponen anilisis ertiees sobre el objeto y los métodos de investigacién en la historia do derecho. Palabras-clav OLUCIONISMO ~ HISTORIA DEL DERECHO. INTRODUCAO No comeso esté uma pergunta simples, mas crucial. Para pesquisar a "histria do dieito" “devernos definir a historia eo direita? Essa indagago parece ociosa, mas encontra-se na base de todos os problemas metodologicos dos estucos jushistoringraticos, Basta pensar no esquema adotado em quase todos os trabalhos juridicos (e principalmente em isseragdes de mestrado € teses de doutorado) na parte dedicada ao inevitivel "escorgo hist6rico", Os autores adotam, sem muita reflexdo ¢ pela simples forga inereial da repetigdo, uma forma de pensamento ‘que €testemunha de uma concepgdo equivocada sobre @ histéria€ odireto Sobre um determinado tema de pesquisa o autor reine uma série de referéncias legislativas esde os povos antigos até hoje, seguindo uma linha que passa dos ditcitos antigos (Babilénia, dirito Judsico, egipcio, grego) para o direito romano, prosseguindo com referéncias a Furopa medieval, para ‘concentrar-se no estude do direito portugués da Idade Modems e encerrar o capitulo passando em revista 8 sucessives regulamentos no Brasil desde a Independencia até os dias stuais." © primeiro problema ¢ que esse opgdo de andlise ndo ¢ acompanhads de uma pesquisa auténoma as fontes histricas. A grande maioria dos autores se limita a reproduzir aquilo que leu em obras de Juristas, que por sua vez também trabalharam com referéncias “de segunda mio’, como facilmente se verifica pela leitura das citages e referEncias bibliogrficas. Dessa forma, cria-se um discurso circular € repettivo, que carece de qualquer fundamentagio metodologice (© segundo e mais grave problema esti na concepsio da histéria e do direito que implicitamente manifesta essa apresentagio do "escorge histérica’, Com elite, longe de ser uma simples informagio Introdutéria sobre a evolugdo histGrica de um institute, dite opglo decore de dois equivocos ‘meiodoldgicas que comentaremos antes de formular uma proposta sobre a pesquisa historiea no dieito, dando uma resposta& perguntaintrodut6ria, 1 SUPERANDO 0 CONTINUISMO E 0 EVOLUCIONISMO 1.1 Continuismo Qual é a concepedo histrica que sustenta a exposigdo dos "antecedentes legislatives" (ou dos "escorgos histéricos"Y? Trata-se da crenga de que as sucessivas regulamentagdes de um instituto por meio 4ée normas escrtas (ou castumeiras) podem ser descrtas seguindo um esquema de continuidade no tempo, Iniciando pels legislagdo mais antiga do mundo e terminando com o dieito atualmente em vigor. ‘Um dos mais conhecides penalistas brasileios, Heleno Cléudio Fragose, afitma, por exemplo, que "a histéria do Direito Penal consiste na exposigdo do dirito punitive de outras épocas e em sua comparagdo com o vigente", sendo essa opiniZo compartlhada por outros ilustres representantes da GARCIA. Bslen Iosttiges de dieito penal Sio Paulo. Max Lavon, [sd] (6 Kt 1). p. 12, extn de redapé 4, [ITENCOURT, Cezar Rodeno Manan de dite pena Pate Geral Sto Ps: Sass, 2000 (1) p21 * Solve sy carattstics es crice da cote of HESPANHA, Aataio Manas. Panorama histrco da eltura jurien europa Lisoe: Europ Anricn, 1998, P. 16-19 PP. 34.57 LOPES, Jone Reina de Lina. O dito na Batra Ligier Tesodutsics So Pano. Mex Liswaad, 2000, PP 20-21; JEROUSCHEK, Gls. Geb: wad Wiedeecbus dis peace Sects my Mitelster. rs Festschrift far Kapl Kroeschel Seachem. Resk, 1997, DIMOULIS, Dims Manas! Introdag a etd do deta. Sio Pele Revita dee Tibi, 2003p 35-17 "AZEVEDO, Viste de Palo Vicente Apstila de diet judi pena. Prog castes do caro, Sto Pal: Sess, 1952.1) p 28: CE NORONHA, Egat Mages. Diet pena Sto Palo: Suva 1998 (Lp. 20." histéa do dete Feaal €o hte do humnidade. Ele sire com o boea eo acomana aves ds tempos, 0 porque o eine, gual sombre is cs iso's NORONIA, ul ii, Cae amped repeat Sie Pale Si, 20, “an Pt ml, f * rs Continuando no exemplo do direto penal, podemos observar que uma das maiores vtimas dos penalistas sdo as "leis de Hamurabi", inclusive denominadas de “Cédigo" para reforgar 2 idéia de continuidade na evolugd0 de direito. Nunca foi encontrado prova de que o referido "Cédigo" tenha vigorado ou decisio que o citasse, quanto mais que efetivamente constiuisse, aos lhos daquela comunidade de entdo, um Cédigo de leis. E 0 que pode significar um Cédigo em uma épace na qual ~ além de poucos funcionirios do rei - quase ninguém sabia ler? © Céaligo de Hamursbi constitu, assim, uma daquelas facias ciadas pelo imaginstio do jusista contemporénce que atribui a um texto de intengSes ¢ finalidades desconhecidas’, uma funso semelhante 8 dos fatos tipicos dos cddigos penais contemporineos Nao ¢ diferente a forma de pensamento histérico em outros ramos do dircito. Lendo recentes trubalhos dedicades, por exemplo, ao conceite dz nacionalidade encontrames a afirmagio que existin nas ‘mais variadas pocas histricas um conceito denominado "nacionalidade", que indica um vinculo jeular entre determinado Estado e individuo, sendo analisados, em seguida, os modos de aquisigde da nnacionalidade ¢ os direitos que decorrem dessa através dos séculos. Nessa perspectiva, afirma-se que no “rvito romano prevalecia 0 ius sanguinis, na dade Média o ius soli, enquanto que os Estados modernos adotam sistemas mistos Tal concepgdo & totalmente equivocada, pois nfo exemina se existiu um "Estado" em periodos anteriores a Idade Moderna, nem leva em considerardo o fato clementar de que o relacionamento de uma pessoa que nasceu em Roma no século II d. C, com as estruturas do poder politico daquele periode nie ‘mantém a mais remota semelhanga com 0 relacionamento gue estabelece com o Estado italiano uma ‘pessoa que naseeu na mesma cidade no séeulo XX de pas itaianos’, Desa forma, a maioria dos autores considera que existiu em toda a histérie humana um ‘endmeno fundamentalmente unitéto, sto 6, o direto com seus ramos, podendo este ser objeto de estudo o jurist, Da mesma forma que sempre existiram doengas ¢ os homens usaram remédios conta elas, se supe que sempre houve Estados, crimes, rocas comerciais e disputas perante tribunals ¢ as sociedades usaram o direito constitucional, penal, civil e processual para regulamentar esses fendmenos. Sabemes que # bumanidade tem dois milhes de anos de histéria. Quais so as nossas possibilidades de obter informagses fidedignas sobre este passado, para que possamos compreender qual {iio caminho tragado pelo dircito? Desde que époce € possivel falar em "direito”? Terdo ra7o os citaéos autores ou a idgia de continuidade histrica do dirito existe apenas na mente do juriste contempordneo?” Para se referir 20 direito em geral deverfamos. indicar quais componentes.permanecem constantes na historia da humanidade, Isto ndo é, porém, poss(vel. Nem delito nem pena, nem contatos & registros, nem Constituiglo e direitos fundamentais nem os dems conecitos bisicos do direito modemo encontram-Se continuamente a histéria, ‘As percepgbes ¢ a8 reagGes sociais so tho diferentes que no podemos identificar um fenémene Juridico unitirio, Os doutrinadores do diteito simplesmente projetam dados normativos ¢ mentalidades ttuais em épocas passadas para dar dignidade histérica ao dircito moderno. O raciocinio & este: se 0 ireito sempre existiu, entdo deve ser necessério; seus erticos ignoram esta ligdo fundamental da historia 4a hurmanidade, qual sea, o fato de o direito ser uma verdadeira constante antropolégica, ‘Mas para que esse test seja comprovada nio ¢ suticiente fazer referencias a manuais de direito que adotam © Kontinuitdtsdenken. Seria necessirio oferecer uma comprovago fundamentada em clernentos de conhecimento sobre o passado, ara dar um exemple, a principal fonte de informagio dos antropélogos sobre os dois milhies de anos da histéria humana provém de observario de comunidades indigenas por autores ocidentais nos “ltimes séculos, pois essas commidades so consideradas como representativas do mais remoto passado per terem soffido poucas mudangas no tempo. Considera-se, assim, que na Idade da Pedra Lascada a Unica norma geral de proibigio era 0 incesto’,conduta que hoje muita legislages,incluindo a brasileira, ‘nfo punem! Qualguer outra lesdo eta vista como problema a ser reselvido entre os interessedos sem WESEL, Une. Geschlehe te Reels, Von des Fithfomen bis mn Very von Maastricht. Macht: Beck, 1997, p. $3; CGILISSEN, Ibn. Intredugde trea a dee List: Gulbenkian, 188, p. 6: "Eds tenor plo parece meso tere ido lec mas ate, como Ther chins © Cag de Hammary, sind mika, oa, lmntos de ie, nsinamentorndiands camino os juree Cada fs gurlmene ewe, ci spit aun cao conto 3 ee fei [| Ae revolae de {reo infer corhecem guage seria do ret slgur down cs (CE, «thlo de exemple, «viso eqivocada em: MIALHE, Jorge Las nurapto dupa tacionicde:apecioshstxiw jsscon Im BOUCAUT, Calan Faro de Adres, MALATIAN, Moria Teem (ory) Pleat migeatrie. Froiies dos Siete amon no lo XX Ri de aie: Rena, 20, F211, om te fe opie A ean fren apie so so do terno “dada polar or exemplar poem sr rmiipicador 0 coneita de Corts teri os orgem na pics em filofia steniente oie inerscienal em commer cise ergs romatas,o dro cmeeal em eqslameos do Frio et PWESEL, Une. Op Cit p28 formas de punigio preestabelecides, Seria esse conhecimento suticiente para atirmar que "onde ha sociedade hi direito"? 1.2 Evolucionismo © segundo problema metodoldgica das referéncias na histéria do direito relaciona-se com a visio evolucionista, Os autores que adotam a idéia da continuidade também identificam na histria do

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