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EDITORA CULTRIX A LITERATURA ALEMA Ovro Marta Carpeavx De hé muito se fazia sentir, entre nés, a falta de um manuel de histéria da lite- ratura alem& que, incorporando as moder- nas contribuicées da erftiea e da ciéncia literéria da Alemanha, pudesse oferecer, aos estudantes de letras. anglo-germénicas ¢ a0 leltor desejoso de orientacéio, um guia idé~ neo para o estudo de uma literatura que Ja deu 0 mundo poetas da grandeza de Goethe e romancistas da importincia de ‘Thomas Mann, Essa lacuna é agora brilhantemente cor- rigida por Otto Maria Carpeaux com éste volume que a Editéra Cultrix incorpore ao seu “Roteiro das Grandes Literaturas”. Com a mesma erudigéio, idoncidade ¢ dis- cernimento critico que o singularizaram como um dos mais completos ensafstas li: terarios do Brasil de hoje, o autor dA Lire- RaTURA AtsMA alcanca, a despeito do limi- tado mimero de péginas de que péde dispor, apresenter ao leitor um amplo pancrama eritieo das letras germénieas, de suas re- motas origens medievais as suas mais re- centes manifestacées de vanguarda no campo da prosa e da poesia, Combinando a cada Passo, com rara lfelicidade, a informagio erudita e 0 juizo erftico, a visio geral dos fenémenos histérico-socieis e 0 exame in- dividual das obras ¢ autores mais estetica- mente representatives de cada fase, Otto Maria Carpeaux consegue atingir plena- mente 0 objetivo a que se propés no prefé- cio déste volume: “oferecer ao estudante brasileiro, ao estudioso brasileiro, um pano- tama imparcial e uma visio etualizada: da literatura de Goethe, Hoelderlin e Rilke, de Kleist e Georg Buechner, de Stifter, Thomas Mann e Kafka”, ® Brasileiro naturalizado, Otto Maria Car- peaux nasceu em 1900, Doutorou-se em Filosofia e Letras pela Universidade de Viena. Jornalista profissional e assfduo colaborador dos nossos suplementos litera- rios, tem, publicados, 6 volumes de ensaics, uma histéria da musica, uma Pequena Biblio- grafia Critica da Literctura Brasileira, e uma notavel Histéria da Literatura Ocidental, em 5 volumes, cra em curso de publicacéo A LITERATURA ALEMA ROTEIRO DAS GRANDES LITERS oe OTTO MARIA CARPEAUX——-~ A LITERATURA ALEMA EDITORA CULTRIX sAo PAULO BIBLIOTECA CENTRAL — URN REG MOMLXLV itos Reservados EDITORA CULTRIX LTDA. Rua Conselheito Furtado, 520 — $. Paulo Impresso nos Estados Unidos do Brasil Printed in the United States of Brazil INDICE G RAL ae PuEFACIO: AS ORIGENS: \ LITERATURA DOS CAVALEIROS O Minnesang; Walther yon der Vogelweide; Os poctas épicoss Gottfried von Strassburg; Wolfram von Eschenbach; Cannina Burana; “Der Nibelungen Not”; os misticos. ‘OUTONO DA IDADE MEDIA": Meistersingers Brant; Ackermann aus Boehmen, MUMANISMO E REFORMA Erasmo; Lutero; Hans © BARROCO: Desprézo ¢ revalori talidade barrdca; is; Livro do Dr, Fausto. io do barroco literdiio; Opitz; Men- ‘Angelus Silesius; Hofmanns- sen Guenther, RACIONALISMO ~ 1700: © ponto mais baixo; Bach; Pietismo e Racionalismo; Brockess reforma de Gattsched; Gellert; os suigos; Haller; Klopstocks poosia anacrednticn; Rocoos; Wieland; Lichtenberg; Lessing, STURM UND DRANG (PR&-ROMANTISMO): Revolta da mocidade; Shakespeare; Ossian e Rousseau; Her- dor; Claudius; Buerger; Lenz; Heinse; mocidade de Goethe; mocidade de Schiller CLASSICISMO E ANTICLASSICISMO: Winckelmann; Kant; Schiller; Goethe; a oposicfio contra Welmar; Jean Paul; Hoclderlin; Kleist. O ROMANTISMO: 1 do Romantismo; 03 infos Schlegel; Schleiermacher; fieck; Novalis; o grupo de Heidelberg; Brentano; Amim; Bichendorff; Schumann; poesia patridtica; literatura na Austria; Crillparzer, Raimund; Nestroy; 0 Biedermeier ¢ a Universidade de Berlim; Hegel; Platen; Moorike; Stifters Uhland; Chamisso; E, T. A, Hoffmann; o romance histérico; Lenau © 0 Welischmerz; Schopenhauer; Scalsficld; Crabbe; Droste-Huelshoff; Immermann. PRE-REVOLUGAO E REVOLUGA Julho de 1830; Heine; os hegelianos de esquerda; Mars; 56 69 od Georg Buechner; Boerne; a “Jovem Alemanha”; poesia po- litiea; Freiligeath e Herwegh; 1848: derrota da Revolugio. REALISMO E PROVINCIA: 135 A decepgio de 1848; Resignagio ¢ renlismo; Kreytags a “muralha chinesa”; as mediocridades; Hebbel; Otto Ludwig; literatura rural; Gotthelf; romances histéricos; He: Renais- sancismo; Burckhardt ¢ Conrad Ferdinand Meyer; Storm, Raabe; Keller; Ebner-Eschenhach; Fontane; Positivismo ¢ Nacionalismo; Wagner. A OPOSIGAO DOS NATURALISTAS. 160 O Reich de Bismarck; a oposi¢ao literaria ¢ politica; Zol Tolst6t, Thsen; romances naturalistas; experiéncias poéticas; Dehmel; Liliencron; Hauptmann. SIMBOLISMO FE MATURIDADE: 169 Kim da oposicdo naturalista; Nietzsche; Spitteler outros mitdmanos; Danthendey; a literatura em Viena; Sehnitzler © Alicnberg; Hofmannsthal; George ¢ 0 "Circulo”; Rilke; os “reacionarios"; Ricarda Huch; Paul Emst; Wasserman; Heinrich Mann; Thomas Mann, EXPRESSIONISMO:} 194 As geragées do Expressionismo; Pré-Lxpressionistas; Wed Kind © Sternheims 0 “Movimento. da Mocidade”; _ressu reigao de Hoelderlin; ‘Trakl; a revista Sturm e Stramm; Heym; Stadler; a guerra de 1914; a revista AKion; os marxistas; o teatro: Sorge, Unruh, Kaiser, Toller; Leonhard Frank; a psicandlise: os Anos de’ 1920; Hesse; Docblin; o movimento religioso; Werfcl; os nérdicas; Barlach; Benn REPUBLICA DE WEIMAR: Spengler; 0 Bauhaus; as “Ciéncias do Espirito"; Dilthey Critica Literdria, Filologia, Mistéria das Artes Plisticas, his- toriadores, economistas, Max Weber; literatura dos conser- vadores; Corossa; literatura liberal: Stefan Zwveig; literatura critica: Kraus, Broch, Musil; os catdlicos: Le Port, Ball, Ber- gengren, Langgaesser, Roth, Andres; a “Objetividade nova" © a polarizacao politica; Salomon, Juenger, Weinheber; Zuck- mayer, Traven, Anna Seghers, Arsold Zweig; Brecht; Kafka, CONTEMPORANEOS 258 © episodio nazisia; Heidepger: 93 nacionalistas; as vitima: cr e Hartlaub; depois de 1945: Andersch, Nossack, k;_neo-expressionismo: Eich, Arno Schmidt, Dueren- matt; neo-tradicionalistas: Doderer Frisch; Krolow ¢ Celans Koeppen, Boell, Crass; Uwe Johnson; Alemanha oriental; uiltimas tendéncias. CRONOLOGIA DA LITERATURA ALEMA NOTAS BIBLIOGRAFICAS: NOTAS SOBRE A PRONGNCIA DOS NOMES ALEMAES: 293 INDICE ONOMASTICO: 295 PREFACIO Sé com hesitacdo aceite a incumbéncia de escrever esta pequens histéria da literatura alema. Pois a tamankho reduzido nio permite dar um panorama histdricamente completo nem a exposicao de pontos de vista novos. No entanto... é tao difi- cil encontrar uma utilizdvel e atualizada histéria da literatura ulema! A do inglés Robertson é boa, mas jé antiquada, A do francés Bossert & antiquissima ¢ imprestdvel. Em Alemio, nuttias obras sdbre 0 assunto sito desfiguradas por atitudes de scetarismo ideolégico: hd os autores decididamente protestantes que, com ares de superioridade, resolvem ignorar os autores catblicos; hé os catdlicos decididos, rejeitando 0 espirito profun- dumente filoséfico da literatura alema e querendo no entanto cscrever @ histéria dela; hé os nacionalistas fandticos, insultando a metade dos escritores e das suas obras; ha os liberais, deres- tanto a outra metade, Désses defeitos s6 esté livre a mator purte dos estudos monogrdficos. Mas os livros de sintese des- tinam-se, as mais das véxes, a fins diddticos: colocam_ critévios morais ucima dos literdrios ou adaptam-se a capacidade de compreensio de — como se diz na félha de rosto de muitos livros alemaes — “para 0 povo e a mocidade’. A conseqtiéncia séo preconceitos enraizados e tremendos erros de valorizagiio que, como dogmas, sto transmitidos de livro para livro, de ge- rugto para geragio. A ciencia literdria alema e a critica alema moderna 74 retificaram ésses evros. Mas sé em poucos casos (Hoelderlin, Georg Buechner) essas retificages ¢ reabilitagées chegaram ao conhecimento dos leitores latino-americanos. O presente livro rejlete 0 estado atual da ciéncia € erttica literérias na Alemanka. Nos tiltimos anos, 0 estudo da lite- ratura e “ciéncias do esptrito” alemiis penetrou fundo na Amé- 7 rica Latina especialmente no Brasil. Oferecer ao estudante brasileiro, ao estudioso brasileiro wm panorama imparcial e uma visio atualizada da literatura de Goethe, Hoelderlin e Rilke, de Kleist e Georg Buechner, de Stifter, Thomas Mann e Kafka, poderé chegar a ser um modesto servi¢o presiado a cultura brasileira. Eo que tentei fazer, dentro das minhas limitagoes. OTTO MARIA CARPEAUX Rio de Janeiro, em dezembro de 1963. AS ORIGENS Por motivos da historia geogréfico-politica e por motives da isdria da Kngua, a literatura alema nio é um organismo ine- Guivocamente homogénco como as literaturas de outras nagies. {. necessétio definila. A definicio s6 pode ser esta: a literar ura alema € a literatura escrita em Vngua alema. Parece um tuismo, Mas nfo é A definicio precisa ser interpretada, A Alemanha nunca teve fronteiras certas. Na Europa oriental, grupos compactos de Kngua alema vivem em patses que nunca pertenceram & Alemanha, ‘Também nas fronteiras ocideniais € mediterraneas, o territério da lingua alema ¢ muito Inaiot que o da sua estrutura politica: basta lembrar a Austria, \ parte alema da Suica, ea Alsdcia. A literatura alema nao é, portanto, sSmeate a dos alemfes na Alemanha. ‘Também inclu: as atividades literdrias na Austria, Suica ¢ Alsécia ¢ dos ale- mnaes no Béltico; e de certos quistos de lingua alema encravados cm outros paises; basta lembrar a Praga de Rilke ¢ Kafka. Fim tédas as reaiées de Kngua alem&, dentro ¢ fora da Ale- manha, falam-se dialetos mais ou menos diferentes da Kingua literfria: 0 dialeto austriaco, o Schwyzerdiitsch na Suica, o Platt ho Norte da Alemanha, etc. Psses dialetos também foram crnpregados para ctiar néles obras Jiterdrias, Nem sempre tém ‘lta categoria, Mes as obras de um Raimund e Nestroy em \lialeto austriaco ¢ as de um Fritz Reuter no Platt da Alemanha lo Norte nfo podem ser omitidas cm nenhuma histéria da literatura alemd, Além dessa. circunstincias geogrAficas, sio as dimensdes da literatura alema histdricamente determinadas pela evolugio da Vingua. No tempo dos Carolingios falavase na Alemanha uma Iingua, 0 dizhochdeutsck (alemio antigo), que nfo se pa- 9 rece absolutamente com o alemao moderne, de tal modo que se afigura Ifngua estrangeira ao leitor de hoje. As obras escri- tas nessa Lingua tém mais valor de documentos histéricos do que literério, Podem ser eseudadas, num livro como éste, ape: nas de maneira resumida, mas néo totalmente omitidas. Com o tempo, aquela Kngua transformou-se muito: 0 re: sultado foi o Mittethochdentsch (alemao médio), em que estd scrita a rica literatura medieval; patece-se com os dialetos hoje em uso na Baviera e na Austria, Contudo, o leitor moderno sé consegue entender essa Iingua depois de ter estudado a gra- mética diferente do alemao médio ¢ usando um. diciondrio, A riqueza ea importincia da literatura alema medieval justificam plenamente o estudo, Apenas o fato de tratarse de uma lin- gua cstranha 20 leitor moderno explica o tratamento mais re- sumido, num guia dedicado principalmente 4 literatura viva Enfim, no século XV e no tempo da Reforma venceu o Veahochdeutsch (alemic nédvo), baseado nos dialetos da Saxé- nia, Mas ainda precisava passar por vdrias modificagoes morfos légicas c ortogréficas até resultar, no século XVIL e no coméco do século XVIII, a Kngua literdria moderna A &sses clementos geogrificos, histéricos e lingtifsticos acre: centa-se mais um para determinar as verdadeiras dimensties da literatura alema: 0 rcligioso, Antes da cristianizagio, os ale- maes nao tinham literatura escrita. FB usual encher essa Jacuna, estudando manifestagées literérias em Mnguas aparentadas (a Biblia de Ulfilas, em lingua gética) ¢ as relacdes da literatura alema antiga com as nérdicas, escandinavas, sobretude quanto 4 migragéo de mitologias ¢ de lendas de herdis. Mas na yerdade, a primeira grande data na histéria da civ lizacio alema é a cristianizagio, por Sio Bonifacio (680-754) ¢ pelos monges beneditinos que fundaram os primeiros convento Seria diffcil escrever uma histéria da literatura em alemio antigo. ‘Também seria inétil, A maior parte dos textos séo fray mentos ¢ restos. Seu valor € de documentos principalmente d histéria religiosa, Certas obras ainda sao inspiradas pelo paga- nismo, coma o Hildebrandslied (Cangio de Hildebrando), pa- recido com uma cancio de herdis nérdicos. Ainda na epoptia cristd Heliand (O Redentor), espécie de versificagio dos Tivan- gelhos, Cristo e seus apéstolos sio apresentados como herdis de 10 soon ee eeinmntte er: ga Ra iyi iskandesa, © resto — oragGes, pardfrascs biblicas, formulas Hnuicas, glossérios — deixamos aos. especialistas Propriamente cristi € a literatura em Tingua latina, culti- vada nos mosteiros beneditinos, especialmente em St. Gallen, na Suica. Notker, no século IX, inventor de hinos em prosa rit wuda (segaensiae), € um poeta auténtico. Antigamente se lhe uribuiu o hino Veni, creator spirites, que é porém de autoria liferente, Outres monges trataram em Latim temas profanos: © pocma Waltharius, do monge Ekkehard, ficou famoso durante jiuite tempo, inspirando ainda no século XIX 0 conhecido ro- nemce histéricao Ekkehard, de Scheffel © papel do Latim é importante nos fundamentos da civi- Jizagdo alem&. Latina era a cultura na cérte do Imperador Carlos Magno, no comégo do século 1X, Pala-se, a respeito, de Renascenga Carolingia”. No século X, no tempo dos ués im- peradores de nome Otto, jd sio tao variadas as atividades lite- Mirias e pedagdgicas nos conventos, sempre em lingua latina, ue nfo € exagéro falar em “Renascenca Ottoneana’. A obra mais importante da Renascenga Carolfogia € a bio- alia do Imperador Carlos Magno, escrita pelo seu. conselbiei- hi) Einhare, Do tempo da Renascenga Ottoneana, no estd es qjuecida a freira Hrotswitha de Gandersheim, que dramatizou lendas de santos no estilo das comédias profanas do dramaturgo romano ‘Teréncio. A literatura prdpriamente alem& do mesmo tempo, a Spiel- munnsdichtung (poesia de menestréis), € modesta, Apresenta trande interésse histérico, pela gradual ampliagéo dos horizontes culiurais, Mas no tem, para leitores modernos, validade esté- fica, 86 pode ocupar os historiadores. U A LITERATURA DOS CAVALEIROS A transigfo para a dade Média & marcada por duas pro fundas modificagécs nos fundamentos lingiifsticos © sociais da Iuteratura, A nova lingua, 0 Mittethochdeutsch ov alemio mé dio, encontra espaco literério muito mais amplo, pela recun co Latim, que agora sé serviré de lingua cientifica para o clero; € 0 clero perde o monopélio ou quase menopolio das atividacles literdrias, em favor dos leigos ¢, especialmente, de uma deter: minada classe de leigos: os cavaleiros. £ uma classe nova, scrvindo a ideais novos: 9 amor cava: leiresco e a aventura cavaleiresca. Produz uma literatura aris: tocratica, sofisticada, altamente artistica, Essa literatura nao é exclusivamente profana. A aristocracia medieval alema esta Inti- mamente ligada aos ideais politicos do Império, sobretudo aos imperadores da dinastia de Staufen, que se envolveram numa luta secular com o Papado, reivindicando nio sémente 0 domi- nio da Ivélia, mas também 0 condominio das almas: o impe rador é soberano temporal e soberano espiritual ao mesmo tem: po. Arroge-se uma posiggo ao lado do Papa, se n&o acima do Papa. Justifica suas reivindicagées por uma visio mistica da Histéria Universal, resumida na obra de um historiador que pertencia Aquela familia imperial: Otto von Freising (1114-1158), Boa parte da Jiteratura dos cavaleiros é de indole politica, mas muitas vézes com uma subterrfnea inspiragio mistica. Mas nfo se trata de uma literatura de crte. A monarquia alema medieval nunca conseguiu nem sequer pretendia subme- ter totalmente seus vassalos. A aristocracia feudal guardou, nos seus castelos, ampka independéncia. Teve o tempo e o cio para dedicar-se a ideais de natureza pessoal, Em. primeira [i nha: ao amor, que se tornou a religiée profana da aristocracia 12 medieval. As origens dessa Minnedichtung (Poesia de amor) inio sito alemés, mas provengais; e como discfpulos dos. trova- ilores provengais devem ser apreciados os Minnedichter alema A. historiografia literdria alem&i nunca negou essa depen- déncia. Mas chega flcilmente a esquect-la, atribuinde valor yerado cos disc(pulos, em detrimento dos mestres, A. ver- lade € que nenhum dos Minnedichter — talvez com uma ex- cio — pode ser comparado aos grandes provengais, aos Giraut le Borneil, Bertran de Born, Bernard de Ventadour. Nem se- jucr Herveicrt vow Moruneen (11222), que € mestre em, tédas is artes formais, do verso ¢ da cstrofe. Nesta alturas“*conyém, iliis, observar que os Minnedichtcr conquistaram, sob a influén- cia mediterranea, um grau de mestria formal qgeyém vio se jrocuraria em tada poesia alema posterior até og dias de Rilke: Vin compensagio, a expressio do sentimento ¢ ‘convencional. Hada essa poesia dé hoje a impressto de rotina magistralmente mancjada. Com uma excectio. 4 A excecio 6 WALTHER oN DER Vocetwewe (1170-1230), 0 maior poeta alemio da Idade Média. Seus temas ‘poétieos so. Gs mesmos dos outros: o amor e a defesa da politica “imperial, Mas nao escreve panfletos politicos em versos: cleva-se, as véves, a alturas inesperadas de polémica contra as ambigées do clero € dos italianos, com uma dignidade na ira que Jembra a Dante. Tampouco sio rotineiras suas expresses eréticas: © leitor moderno sente que Walther se dirige a mégas de carne © 0880, no a ideais platSnicos. ‘Também sente Walther com certa intensidade a Natureza, antes de Petrarca a ter descoberto; © 0 outono inspira-lhe saudades tristes que hoje ainda nos to- cam. E um poeta auténtico. Assim como a poesia Hirica nasceu sob influéncias provencais, &a poesia narrativa da Alemanha medicval um fruto de influén- cias francesas. Hnrxrrom von Veiner (por volta de 1180) é um holandés que escreveu em alemao médio. Sua Eneit, bax seada num original francés, € versio medieval da Eneida: os herdis romanos de Virgilio aparecem fantasiados de cavaleiros e damas ctistios; 0 pocma é verdadeiro manual dos costumes aris- tocréticos ¢ do amor aristocrdtico, Hartmann von Aug (1170- 1215) também explora originais franceses: Erec e Iwein bax seianvse em obras de Chrétien de Troyes. Mas é diferente a jo religiosa em Der arme Heinrich (O Pobre Hen- inspira B rique), histéria da mdga gue se sactifiea pelo leproso (enrédo que ocupou muito a imaginagio alem&, até a épera hombnima de Pftzner); ¢ cm Gregorius, versio medieval da histéria de Edipo, que chegou a inspirar uma das Ghimas obras de Tho- mas Mann, Nota-se que nessas obras de inspiragio religiosa 0 sentir mento cristio conquista regides novas da alma, desconhecidas da £6 firme dos clérigos. O prego que se paga ¢ uma insegus ranga intima, uma primeira diivida quanto 2 compatibilidade da 46 crista e dos ideais aristocréticos. A alternativa é esta: en: cher de um conteddo mistico a procura de amor ¢ aventuras fazendo-os culminar em ascese ¢ beatitude; on entio, deixar para trds 0 platoni: istiio e entregarse a um amor n6vo, car- nal, apaixonado. ; © segundo caminho foi o de Gorrrrmp vor Srassspuna (por volta’ de 1210): seu poema Tristiio e Isolda é baseado num original francés de Thomas de Bretagne, mas elaborado com inspicago nova, independente, ¢ com admirdvel mestria da for- ma; e ser4, seis séculos e meio depois, a fonte de Tristao ¢ Isolda de Richard Wagner. Ea maior versio do maior mito crdtico do Ocidente: da fatalidade do amorpaixio ¢ do seu des- fecho tragico. _ A outra alternativa € a escolhida por Worsraa von Escupnsacn (1200-1220). A fonte do seu Parzival também é uma obra de Chrétien de Troyes. Mas o que é no poema fran+ cés, a histéria das aventuras misteriosas de um cavaleiro da Tayola Redonda, vira em Wolfram itinerério de um joven ingénuo que, através de experiéncias duvidosas ¢ provas duras, chega a purificagao religiosa numa comunidade de misticos Nunca se costuma citar 0 Parsival de Wolfram sem lembrar que © poema medieval foi a fonte de Parsifal, de Wagner. Mas o poeta do século XIII nada tem em comum com o grande com- positor do século XIX, Sua obra nao é expressio de uma “se- gunda religiosidade” (Spengler), de uma procura artificial da £6 perdida.” E uma utopia religiosa, que substitui o ideal cave leiresco por uma idéia mistica, “Esse misticismo também explica a linguagem obscura, complicada, dir-se-ia “barréca”, do pocma, que torna dificil a leitura, A verdadeira sucessio de Parzival ndo é 0 drama musical de Wagner, mas um género préprio ¢ tipico da literatura alema: 0 Bildungsroman (comance de for- It innclio), histérias de jovens que passam pelas experiéncias da vida para conquistar a independéncia do f6r0 intimo. O Par- vil de Wolfram € 0 precursor do Simplicissimus de Grimmels- Hausen, do Wilhelm Meister de Goethe, do Gruener Heinrich Keller e de alguns personagens de Thomas Mann A dissociagio do ideal erdtico ¢ do ideal religioso marca 0 inicio da. decadéncia do idedrio medieval. Levanta a. cabeca una espécie de oposicgo, duvidando daqueles ideais todos ou ié sombanco déles, Netrarr von Revrnrisn (c. 1230) € um ‘ivaleiro como todos os Minnedichter. Mas 2s damas aristocré- ticas prefere as méeas da aldeia, mais facilmente conguistéveis, € cu ideal erético € francamente antiplaténico. Essa _oposicio humbém se infiltra em circulos clericais, dos Goliardos, estudan- ex de ‘Teologia que, conforme costume medieval, viajam de Universidade para Universidade, pedindo esmolas no caminho © yastando 0 dinheiro em tavernas e bordéis. Os Goliardos jo. na Idade Média, um fenémeno internacional; na Frange nwira entre éles o grand{ssimo poeta Francois Villon, Mas iste jd & no fim do século XV, homem surpreendentemente mo derno. A. expressio perfeita da poesia goliardesca encontra-se nos versos bilingites, meio alemaes e meio latinos, dos Carmine Kuranda, ranusctito do convento beneditine de Benediktbeuren, conservado na Biblioteca Estadual de Munique. Ba poesia It hia mais individual ¢ mais fresca que a Tdace Média produziu. Og versos alegres ou apaixonados ou melancdlicos désses clérigos infidis, asses seminaristas defrogués tocam hoje como no dia cm que foram escritos, mesmo sem a mfisica moderna com que cn nosso tempo Carl Orff Thes insuflou nova vida Enfim, espirito de oposigio invadin o préprio povor os imponeses da aldeia comegaram a levantarse contra os senho- do castelo, Por volta de 1250 escreveu WRNHTER DER nrewarne (Werner 0 Jardineiro) 0 pocma Meier Helmbrecht: tum filho de camponeses, que se julga tio bom ¢ tio nobre como qualquer cavaleiro; que procura aventuras cavaleirescas y sum maneira; ¢ que se torna salteador nas cstradas. Mas os hobres do seu tempo sio, porventura, coisa melhor do que sal- tcadores nas estradas? O espirito do poema é 0 mesmo como, cinco séculos mais tarde, o da Beggars’ Opera, que om nosso tempo fornecerd o enrédo da Dreigroschenoper (Opera de quat'sous) de Brecht. Na revolta antiaristocrética de Wernher 15 h4 mesmo algo como um remoto preltidio da atitude social- srevoluciondria de Brecht. Mas a sociedade aristocratica ainda nao estava morta, Con- seguiu revivificar seus ideais, de nobreza de cavaleiros, pelo contacto com a nobreza mais antiga do heroismo germénico, conservado nas cangées épicas do povo. Costuma-se falar em Nibelungentied (Cancio dos Nibe- lungos). © verdadeiro titulo € tirado do tiltimo verso da obra: Der Nibelungen Not (A Agonia dos Nibelungos). E um poema épico, andnimo, redigido por volta de 1200 ou 1205 na ou perto da cidade bavara de Passau, provavelmente por um poeta austriaco, que fez pasar a segunda e principal parte do enrédo na regiio do Dantbio (Viena). A relacio entre @sse enrédo e a saga adrdica € problema dos mais estudados ¢ dos mais dificeis. Convém, alids, assinalar que Richard Wagner, ao escrever a tetralogia O ‘Anel dos Nibelungos, se inspitou ex- clusivamente na lenda ndrdica, nada tendo a saa obra em co- mum com o poema medieval, Em todo caso, versio da saga nérdica sé & a primeira parte do poema, a menos importante, contando as causas ¢ os motivos da agonia tragica pela qual passario os Nibelungos na segunda parte; nesta tiltima influt ram recordagées histéricas, do ataque dos hunos de Atila (no poema: Etzel) contra as tribos germénicas, Essas recordacées sio transfiguradas cm derrota ¢ fim dos herdis nérdicos, Sieg fried ¢ Hagen em primeira linha, pela vinganga da terrfvel ¢ grandiosa mulher Kriembild que ofenderam na. primeira parte fe na saga nérdica) ¢ que é agora a espdsa de Etzel. O enrédo € seu tratamento com ferrenha Igica dramitica lembram ime- diatamente a tragédia grega. Kricmhild € uma Medéia de for- mato sdbre-humano. © fado é inexordvel. Néo hé, nessa obra do século XIII, nenhum yestigio de cspitito cristio. Os sen- timentos ferozes € indomiveis, 0 rigoroso cédigo de honra ¢ a falta de escriipulos morais sio de pagios germanicos de uma época remota, préhistérica, Mas trata-se de uma epopéia cui- dadosamente elaborada conforme critérios de unidade da a¢io, quase como uma tragédia clissica francesa. A versificacdo tam: bém impecdvel. O autor foi um poeta culto, experimentado em tédas as artes da poesia cavaleiresca, que deu a forma defi- nitiva 4 epopéia popular, A obra figura dignamente a0 lado da Chanson de Roland ¢ do Poema del Cid. Talvez seja mes dé ino superior, pois a Tdade Média nfo produziu nenhum outro pocma trégico assim. Infelizmente, a obra nfo é legivel com facilidade, exigindo conbecimento intimo da sintaxe ¢ do vor cabulitio do alemio médio, As traducdes para o alemo mo- dieeno apenas sio sombras do original. O poema existe em trés versées (manuscritos A, B e C), bastante diferentes. Bsse fato e a existéncia de outros poemas éjicos, semelhantes, mas de valor inferior (Gudrun, Klage, Ruhenschlacht, etc.) inspiraram a hipdtese de tratarse da ela horagio final de um ciclo de poemas (parecido com o das Chansons de Geste francesas), de autoria andnima, de autoria lo propria pavo. © original dos Nibelungos teria sido transmi- lide camo literatura oral, recitado ow cantado pelo povo. De- pois, os textos teriam sido reunidos ¢ notados por "“redatores” liferentes, talvez, em lugares diferentes, Eos cstudiosos co- hncearam a re-desmembrar 0 poema, esforcando-se para recons lituir os 10 ou 20 ou mais “cantos” originais; exatamente assim como. os fildlogos fizeramn com os pocmas homéricos. O Ro- inantismo e a historiografia roméntica tinham fé exagerada na {orca criadora do anénimo “esptrito popular”, Mas assim como no caso dos poernas homéricos, também quanto ao Der Nibe- lungen Not pensase hoje de maneiza diferente. O suposto “tedator” foi o proprio posta que, baseando-se nas lendas & recordacées existentes, criou uma obra homogénea. £ a maior facanha de t6da a literatura dos cavaleiros O estudo dos produtos da decadéncia dessa literatura s6 pode interessar aos especialistas. Sido documentos histéricos. Mas para o leitor moderne, sfo ilegiveis. Com o fracasso do Império na Itdlia, no século XT, também entrou cm rapida decadéncia a classe dos cavalciros. Desapareceu, inclusive, sua idéia religiosa, substituida pela nova religiosidade das ordens mendicantes, dos franciscancs ¢ dominicanos: religiosidade po- pular. Mas nao primitiva. Pois wm dos produtos désse_névo fervor religioso é a florescéncia da mistica: o grande Mustre Ficxanr (1260-1327), em primeira linha; depois, Heinrich Suso, Johannes ‘Tauler, o flamengo Ruusbroec (Ruysbroeck), os ir- maos da Devotio Moderna e 0 autor da Imitatio Christi. Es blemas diffceis: adeptos; as rela 4 alta mistica alema suscita um grande timer de pro- 0 grau maior ou menor de ortodoxia dos. seus ‘des dessa mistica com a sobrevivéncia de idéias 7 neoplatdnicas; as relagdes com a religiosidade da Reforma. Sao problemas da histéria da Filosofia ¢ da ‘Teologia, ¢ nado podem ser resolvidos com os instrumentos ¢ métodos da_historiografia lneraria. Esta, porém, tem de salicntar a importéncia conside- ravel dos escritos daqueles misticos para a evolucio da lingua alema, que foi enriquecida por grande nimero de expresses abstratas; ¢ se lihertou da sintaxc postica, heranga dos proven- cais, criando-se enfim uma yerdadeira prosa. O reino exclusive “OUTONO DA IDAD da poesia, caracteristicamente medieval — pois, para a prosa cientifica se usava o Latim — termina com os misticos. | MEDIA” © século XV nao teve, na Alemanha, © brilho crepuscular do “Outono da Idade Média" (expressio de Huizinga) na Bor- gonha e muito menos o fmpeto primaveril do Quattrocento na Ttdlia, ff, na Alemanha, 2 época da dissohieio do Império me- dieval, da decadéncia da aristocracia feudal, da corrupeio da Igreja, sem que nascessem novas formas de sociedade, Pois também foi muito exagerada, na perspectiva de tempos poste- riores, a prosperidade material ¢ intelectual das cidades livres. ‘As da federacio da Hansa jd tinham perdido parte da sua importincia comercial. A grande época de Nuremberg e Augs: burgo sé chegard no século XVI, com Humanismo ¢ Reforma, E em nenhum caso podiam essas cidades alemas competir com as da Itélia — Plorenga, Siena — nem com as de Flandres — Gent, Bruges. uma época de decadéncia em todos os setores da vida, inclusive no terreno lingiiistico. O alemio medieval sofreu des membramento em dialetos regionais que j4 nao permitiam o culo da forma, nem sequer a correcio gramatical. Por outro lado, 0 Newhochdeutsch (alem&o névo) nasceu lentamente ¢ entre fortes dores de parto: suas origens encontram-se na Chan- celaria imperial de Praga, desde os tempos de Carlos IV, no lo XIV, quando os funciondrios dessa Chancelaria, inspi- rados pelo exemplo de humanistas italianos, pretendiam unifi- cat € puriicar a Kingua alem’, tomando como hase 0 dialeto dos alemaes da Boémia, muito préximo do dialeto saxénico que sera a Kngua de Lutero. Por enquanto nasceu naquela Chan- cclaria um uso lingiifstico que © leitor alemio de hoje j4 enten- de melhor do que o alemao medieval; mas é uma linguagem burocrética, mais regulamentada do que regular. 19 18 Essa definigio também vale quanzo A. poesia dos Meister- singer (mestres-cantores), associagdes profissionais de burguc ses nas cidades livres, que pretendiam entrar na heranga_lite- rtia dos cavaleiros. Mas apenas substituiram a alta cultura formal dos poetas medievais pela rotina de regras estritas como camisas-de-forca do pensamento poético; ¢ nio havia pensamen- to pottico. O que parece haver de postico nos “mestres-canto- res? nao é déles; pertence A sua glorificagao nos Mestres-Can- tores de Wagner. Nesse ambiente nio podia prosperar a literatura, "Também os Mistérios alemies, as pecas draméticas de enrédo biblico, so muito. inferiores aos ingléses e franceses. Hi, no entanto, alguns fenémenos literérios isolados de va- lor relativo. Assim’ o Narrenschiff (Navio dos Loucos) de Se- hastian Brawr (1458-1521), grosseira mas claborada sftira con- tra tas as classes da socicdade; obra que foi traduzida para varias linguas ¢ que influiré em Erasmo ¢ em Gil Vicente. Obra singular é Der Ring (O Anel) do sufco Heinrich Wrrrenwener (por volta de 1400), grandiosa parddia riistica da epopéia popular e da literatura dos cavaleiros. Wittenweiler ¢ Brant ainda séo espiritos tpicamente_me- dievais. Mas também j4 se notam influéncias do Humanismo. Monumento singular da luta entre espfrito ascético medieval pensamento humanistico é€ 0 Ackermann aus Bochmen (O Lavrador da Roémia), obra anbnima, cujo autor foi_ moderna- mente identificado como Johannes de Tepla (1351-1415): didlo- go de um vidvo inconsolével com a Morte, obra que, pelo stile Go pensamento, lembra as obras ascéticas de Petrarca, Mas também o estilo lingiifstico désse didlogo digno © comovente é notavel: € 0 primeiro produto literariamente valido da lingua da Chancelaria de Praga. A. inspiregio do Ackermann é religiosa, mas nao propria mente mistica. Em outras camadas, liter’riamente menos ama durecidas, da nacio, continua a mfstica agindo como o mais intenso impulso espiritual, Assim entre os adeptos da Devotio moderna, na Reninia e Holanda, Nesses circulos foi escrito em Latim, 0 mais belo de todos os livros de devocio, a Imitatio Christi. Desses circulos da Devotio. moderna sairé 0 primeiro grande espfrito do Humanism so Norte dos Alpes ¢ precursor da Reforma: E 20 HUMANISMO E REFORMA ‘A histéria da nagio alema € cheia de grandes catdstrofes: guerra dos camponeses, Guerra de Trinta Anos, absolutismo, apressio napolednica, revolugses fracassadas, guerras perdid: a série é intermindvel. Sempre foi viva, no espfrito alemio, a procura de um paraiso perdido, de uma idade de ouro no passado, quando tudo estava bom e certo. Os romfnticos de 1800 acreditavam ter descoberto essa idade de ouro na Alema- nha imperial da Idade Média; mas abandonaram a utopia a0 se inteirar do alcance da luta destrutiva entre Império e Papado. ‘A burguesia alemi do século XIX viu refletida sua prosperidade material ¢ sua cultura literdria e artistica na vida urbana das cidades livres no século XVI, imediatamente antes da Reforma. Uma obra como os MestresCantores, de Wagner, contribuiu para enaltecer essa vaga recordacao de um paraiso perdido. Em Nuremberg e em Augsburgo procura o turista até hoje os ves igios da grande arte dos Duerer ¢ Peter Vischer, da cultura literdria de grandes burgueses como Pirckheimer e Amerbach "Todos éles ainda nos olham, sébrios, compreensivos, benévolos, hos seus retratos pintados por Holbein. Eo humanismo alemio. Nao teve o brilho retérico do humanismo italiano, que re- descobriu ¢ reinterpretou as obras da Antiguidade. Nem a for ca criadora do humanismo francés, que deu Montaigne ¢ os hoetas da Pléiade; nem a capacidade pedagégica do humanismo inglés, que criou ndvo ipo de homem. Os humanistas alemaes cram estudiosos de segunda mio, esforgando-se para fazer sua nacho dividida e atrasada participar das conquistas das outras nacdes. Eram patriotas, Como patriotas, cram inimigos_d cleto italiano que através da Ciéria papal dominava espa mente a nacko alema, c cram inimigos dcs monges inc] scu bérbaro latim medieval. Contra éstes, um grupo/ 4% Vda Biblia’ e de Santo Agostinho ¢ apenas desviado do caminho nistas, esconcendo-se no anonimato, langou a sitira dos Epistolae vivorum obscurorum, suposta correspondéncia de monges em horrivel gitia escoldstica ¢ tratando de superstigées ridiculas, A sitira fez rir a Europa téda, Era a Europa de Erasmo, Erasmo pe Roreroio (1466-1536) nao pertence propriamente 4 literatura alema. Holandés de nascimento, humanista por fot macZo, estava igualmente em casa em Louvain © Paris, em Ox- ford © em Roma, em Basiléia ¢ em Priburgo, usando exclusi- yamente a Kngua internacional daqueles dias, 0 Latim. O pti meira “hom curepeu” no sentido em que Nietzsche, seu adm: rador, usara @sse térmo, Mas sua influéncia na Alemanha foi decisiva, talvez contra a yontade désse homem de muitas facé- tas, déssc grande intelectual caracteristicamente indeciso: cris- tio sincere e filho fiel da Igreja Romana, zombando de dogmas ¢ sacramentos dela ¢ desejando uma reforma que nio teria dei- xado subsistir nada da Igreja medieval. Preparando essa refor- ma, criou no Enchiridion militis christian’ o manual da ética crista-humanista ¢ forjou, pela edigio do texto grego do Novo ‘Testamento, uma arma terrfvel contra o tradicionalismo rom: no. Mas quando a Reforma yeio, Erasmo nfo pedia aderii pois néo quis destruir o velho ediffcio em que se sentia bem abrigados ¢ temia, com razio, que o Luror religioso desencadea- do iria acabar com o estudo das boas letras. Pdstumamente, Roma o anatematizou. Mas j4 em vida foi ferozmente atacado por Lutero. Lurero (Martin Lorine) (1483-1546) € — que a sombra de Goethe nos perdoe — a personalidade mais influente da hi téria da literatura alem3. Decidiu-lhe o destino, fazendo dela uma literatura protestante e separando-a da civilizagio das na- ges catdlicas, calvinistas © livrespensadores do Mediterraneo ¢ dle Ocidente. Isolon a Aletanha na Europa. Foi patriota ale- méio, como os humanistas, ¢, por isso, inimigo da Igreja de Roma. Mas nao foi propriamente nacionalista, pois 0 nacio- nalismo, idéia moderna, teria sido incomprcensivel a €sse mon ge, de mentalidade fundamente medieval. No foi, como ima ginavam os liberais do século XIX, © primeiro homem moder- ho, nfo foi nenhum “libertador”; foi, conforme os estudos de Troeltsch, um espirito medicval, formado pela leitura intens da ortodoxia pela filosofia nominalista, pela rebeldia contra a 22 disciplina monéstica e por experi&ncias mfsticas ou pseudomts- ticas, Foi um dos grandes génios religiosos da Humanidade e, como outros génios religiosos, como um. Pascal, como um Kierkegaard, desfigurado por tracos patoldgicos, com a side da graca divina perturbada pela conscitncia do pecado. No foi Gm anjo da luz. Foi, como se disse na Alemanha do seu tempo, um Grobianus, homem grosseito, langando_ palavrées incrfveis com a mesma paixio gue dedicava A hoa misica © com que combaten cruelmente os pobres camponescs revoltados. Foi um grande alemfo, quase santo ¢ quase demonfaco. A incon- tinéneia da sua linguagem é o reverso do seu extraordindrio dominio da Kingua. Seus escritos polémicos — dn den christ- lichen Adel deutscher Nation (A Aristocracia Crista de Nagio Alem); Von der Freihei: eines Christenmenschen (Da Liber dade do Homem Cristio); Von der babylonischen Gefangens- chaft der Kirche (Do Cativeiro Babildnico da Igrcia) — sto as maiores obras do jornalismo em Kngua alemé, jornalismo no mais alto sentido da palavra. Antes de nido é Lutero 0 maior tradutor de todos os tempos. Suas tradugées da Biblia (Novo ‘Testamento, 1522; Velho ‘Testamento, 1534) assinalam © na mento da nagio ‘alema moderna, da sua lingua e da sua lite ratura, Mesmo quem nunca tenha lido essas tradugéies, por ignordncia, e mesmo quem nunca as Jeu por motivos de convic Go religiosa, nio pode falar ou escrever a lingua alema sem tsar constantemente expressées ¢ locugées criadas por Lutero, 0 maior prosador da nacdo © seu maior genio lingiifstico. No entanto, nfo criow 2 ingua, 0 alemao moderno, Modernizou e vivificou © uso lingiifstico da Chancelaria de Praga, adaptando- 10 a0 seu dialeto nativo, o da Saxdnia, que por Lutero foi transfor- mado em base da lingua literéria da Alemanha ci- Lutero conquistou a nacio, Da sua Biblia venderam-se, 6 até 1546, ano da sua morte, nada menos que 377 edicées. Po: deria ter sido a base de uma nova ¢ grande literatura. Mas nao foi. O alemio de Lutero ainda nao é 0 de Goethe nem 9 de hoje: sao consideraveis as diferencas morfoldgicas, sintiticas, ortogréficas, Em méaos de escritores menos poderosos do que Lutero sua lingua ainda foi um instrumento rude, grosseiro, de aparéncia inculta, O fervor das polémicas religiosas e polfticas dirigiu a atencio exclusivamente para o contetido, os argumen- tos, os enredos, sem o menor cuidado dos valores formais. A 23 literatura alema do século XVI nao € literatura; € documento histérico. Nio se pode abrir excecdo para Hans Sacus (14341576), 0 famoso “sapateiro ¢ poeta de Nuremberg”, festejado por Goethe ¢ Wagner. A massa enorme das suas pecas, farsas, novelas em versos, ctc,, verdadeiro tesouro de enredos de tdda a literatura universal, contém muita coisa engracada, mas nenhuma linha realmente poética. A nao ser, talvez, o célebre poema dedicado a Lutero, 0 Wittenbergsche Nachtigall (Rouxinol de Witten- berg), que anunciou a liberdade espiritual aos sapateiros ¢ bur- gueses de Nuremberg, agora uma cidadela do luteranismo em vez do Humanismo. Sachs, apesar de sua fecundidade, carece de capacidade verbal. O que éle tinha de menos, encontrava-se demais em Johannes Fiscuarr (1546-1590), espfrito abundante, rabelaisiano, poeta satirico grosseiro, cujo Bienenkorb der Heiligen Roemischen Kirche (Colmeia da Santa Igreja Roma: na) & polémica anticatdlica furiosa. Nio é obra original: € versio livre da obra homdnima do holandés Marnix van St. Aldegonde; e a comparacio das duas versées revela bem o grau de dissolugio selvagem da nova lingua, poucos decénios depois da morte de Lanero. ‘A Reforma luterana nfo fra, em varios sentidos, um “pro- gresso”. Para que a vitdria da nova Igreja no Asse posta cm perigo, junto aos poderosos, por uma alianga com as fSrcas da revolucio social, Lutero tinha em 1525 tomado partido contra 0s camponeses revoltados, que exigiram a liberdade civil € eco- ndmica junto com a rcligiosa. O luteranismo tornowse religiao oficial dos principes feudais, das Universidades, da burocracia da pequena burguesia que desistiu, para sempre, de participar da vide publica. Liberdade ilimitada no £Sro intimo ¢ submis- sioservil pcrante as autoridades, isto serio “as conseqiiéncias da Reforma” (Ball) © “o destino do espirito alemao” (Plessner). A Alemanha luterana separou-se do Ocidente. Tinha deixado de ser humanista, O documento désse divércio do Humanismo ¢ da Reforma é um livro andnimo, de inesperadas conseqtiéncias literdrias: a Historia do Dr. Johannes Faust, publicada em Francforte, em 1587, pelo editor Johannes Spies. Essa histéria do grande’ tau- maturgo que, com artes magicas, quis conquistar 0 mundo, a Natureza, as’ mulheres ¢ a imortalidade e acabou levado pelo 24 diabo 20 qual tinha empenhado a alma — sabese que essa historia foi depois interpretada, reincerpretada e re-reinterpre- tada por Marlowe ¢ Lessing e Goethe por dezenas de outros poctas até Valéty e Thomas Mana, depositandose nela téda a sabedoria ¢ téda a loucura do mundo moderne. A fonte do cnrédo, aquéle Faust de 1587, é um romance popular cujo autor andnimo nao podia adivinhar o imenso futuro literdrio do seu livro. Mas certos trechos, especialmente a assombrosa_‘iltima pagina, revelam que estava consciente da significagio do seu enrédo. O Humanismo tinha destinade 0 homem aquela con- quista do mundo. Fausto, porém, saber4 que isto s6 € possi- yel vendendo a alma ao diabo. Salvos s6 serio os bons cristios ¢ cidadios que se resignam 2 sua vida modesta, sem voos_ altos © sem querer saber tudo porque isso € porigoso a salvagio da alma. O autor anOnimo ¢ bom luterano, condenando o Hu- manismo, © divércio estava consumado, O BARROCO A historiografia antiga explicou o suposto baixo nfvel da literatura alema do século XVII pelas devastagies matcriais ¢ espirituais da Guerra de Trinta Anos, Mas essa tese jd nio pode ser sustentada. Primeiro, porque a decadéacia comecou muito amtes daquela guerra, Comecou prdpriamente com a morte de Lutero. Depois, nto se pode falar de baixo nivel guanto 3 literatura alema da época barréca, Trata-se, 20 con trério, de uma fase ce realizagées admiréveis, como nao how vera assim desde o fim da lieratura medieval dos cavaleiros. E necessitio rever os valores e as valorizagSes repensar os proprios témos. Em vez de se verificar decadéncia literéria, verifica-se 0 fato de uma alta literatura mas sem base popular. Num nivel extremamente baixo encontram-se naquela época a cultura ¢ a Kngua do poyo, de modo que nao houve compreensio miitua ou comunicagéo possfvel entre os grupos letrados da sociedade 1s camadas populares, No comégo do sécule XVII apresentou- se a primeira oportunidade de uma espécie de redengio da literatura alemd, pelo contacto com o teatro de Shakespeare, que na Inglaterra contemporanea agradaya igualmente a aristocracia calta © aos espectadores populares. Companhias de atéres in- gléses, cm excursio pelo continente, também chegaram 4 Ale- manha, representando verses abreviadas e simplificadas de pegas clisabctianas, sem indicar, aliés, os nomes dos autores. No inicio, representavam em Inglés, de modo que o piblico alemio entendia as pecas sé como pantomimas. Depois, atdres itinerantes alemies entraram na sucessio dos ingléses, ‘confec- cionando como podiam seus textos. es Engellaendische Komoedianten (Atres ingléses) representaram na Alemanha do séeulo XVII Haralet, Otclo, Lear, Julius Cesar, Titus Andro- 26 nicus ¢ outras pegas de Shakespeare, sempre sem o nome do autor que ficou desconhecido. As versées sto espécie de con- densagdes, ficando s6 0 esqueleto do enrédo, acrescentando-se, porém, cenas rudes de arruacas e de palhagadas para assustar cu fazer rir o ptiblico. Do texto shakespeariano niio fica nada, A Hingua alema da época ainda nao é capaz de recebé-lo. Pas- sarao mais outros cento € cinqiienta anos até Shakespeare ficar conhecido e recebido na Alemanha, Teve sorte melhor a com- media dell arte italiana, porque nessas comédias improvisadas o texto nao tem grande importincia ou mesmo nenhuma. Em Viena, entio cidade de cultura meio latina, 0 teatro cdmico italiano encontrou ressonancia. Joseph Anton Srrantrzky (1676-1726) & 0 fundador do teatro popular vienense, ao qual estava destinado um grande futuro. O desregramento total da lingua alemi pela invasio dos dialetos e de expressdes estrangeiras, pela irregularidade da gra- matica, pela falta de regras prosddicas e métricas — tudo isso ravado pela grosseria emocional e pobreza intelec- tual © manifesto até nos excessos grotescos da ortografia — tado isso nao podia deixar de encher de vergonha os alemies cultos que tinham oportunidade de obseryar o nivel. literdrio mais alto de outras nagdes: jovens aristocratas que fizeram a obrigatéria viagem de formacio (grand tour) A Itélia e Franga, e futuros jurisconsultos que estudaram em Leiden ou em Bo- lonha. Voltando para casa, fundaram Sprachgesellschaften (Sociedades lingiifsticas) para purificar a Iingua alema, simpli- ficar a ortografia, estabelecer regras sintdticas e métricas, trax duzir ¢ imitar obras estrangeiras. Nasceu assim uma literaturs social e regular, produto artificial do esforgo de grupos de aris tocratas cultos ¢ de juristas em alta posieio burocrdtica, também de alguns tedlogos protestantes e cientistas, B a literatura do barroco alemio. Essa literatura tinha, do inicio, certos defeitos manifests: formalismo quase juridico, grandiloqiiéncia, linguagem bom bdstica, preciosismo, dedicagio a idéias de uma ética mais es téica co que cristi ¢ ao absolutismo mondrquico de direito. di- vino, angustia religiosa até as fronteiras da histeria. "Todos @sses tragos caracteristicos revelaram-se, depois, incompativeis com 9 racionelismo ¢ classicismo do século XVII, que jf 86 perecben os defeitos, faltando-lhe o érgio para a compreensio das quali- 7 dades. Por volta de 1720 foi imperiosamente necessirio elimi- nar os residuos da literatura harrOca, decadente ou j desapa- recida, E. essa eliminacio foi feita tio metédica e fundamente que 0 barroco alemZo caiu, durante mais de dois séculos, no abismo de um desprézo total, em que ainda continua nos ma- nuais didéticos ¢ na opiniao dos semicultos. Mas por volta de 1920 0 barroco alemio ressurgin do seu ttimulo, gragas aos ex forgos de estudiosos como Gysarz, Benjamin, Spocrri, Guenther Mueller e outros: seja porque uma nova mentalidade tivesse aberto os olhos para uma revisio dos valores do pasado; seja porque os especialistas em historiografia literaria alema descjavam eliminar 0 hiato do século XVII, que tornara impossivel a. com- preensio da dialética histérica, “Mas é um fato que o exem: plo daqueles estudiosos alemaes se tornou contagioso: inspirou a redescoberta ow revalorizagio do Barroco na Inglaterra, Ho- lenda, Espanha, Itflia ¢, enfim, na cidadela do classicismo anti- barroco, na Franca. Na propria Alemanha houve, certamente, casos de exagéro, de supervalorizagio de poetas barrocos. Mas também esté certo que se chegou a uma apreciagio mais justa de um grande periodo da historia literdria, injustamente es- quecido € desprezado. Os pensadores, escritores, poetas alem&es do século XVII am aristocratas cultos, juristas, redlogos, formados em Univer- sidades como Leiden onde dominava 0 estudo filolégico da Antiguidade grecorlatina. Eram humanistas. J4 se chegou 2 dizer que reataram o movimento humanista, interrompido pela Reforma. Mas os modelos literdrios agora eram outros, ‘Tradu- ziram-se_¢ imitaram-se a epopéia de Tasso € 0 drama pastoril de Guarini, os sonetos espanhéis ¢ italianos, Quevedo, 0 roman: ce aristocratico francés de Calprentde © Scudery e 0 romance Picaresco espanhol de Alemén; e, mais de perto, 2 poesia reli- giosa eo teatro antiguisante dos holandeses, Hooft, Vondel, Camphuysen, Em suma: a literatura europtia do Barroco. E, porém, digno de nota que nem Géngora, nem Donne ou Her- bert, os “poctas metaffsicos”, nem o teatro barroco dos Webster, Tourneur ¢ Middleton ¢ de Calderon entraram na Alemanha do século XVIL. O “legislador” dessa literatura, apontando os modelos ¢ formulando as regras, Martin Orrrz yon Boberfeld (1597-1639), devia tornarse, mais tarde, a vitima principal dos inimigos do Barroco: foi responsabilizado por tudo. Nao foi, certamente, 28 um grande poeta nem um espfrito de visio larga. Mas a lite- ratura alema deve-lhe o reatamento das relagdes com a Europa. Escreveu uns yersos bons, sinceramente comovidos. E sua mui- to caluniada obra tedrica, o Buch von der deutschen Poeterey (Livro da Poesia Alema), reve logo o mérito de inspirar_ativi- dades liter4rias a um poeta auténtico, Paul Fremine (1609-1640), autor de sonetos de casta paixio erdtica e de um estoicismo viril que ainda hoje comove. Opitz e Fleming eram naturais da Silésia, assim como varios outros poetas barrocos, de uma ge- ragio posterior. E por isso que nos manuais didéticos apare- ce uma primeira e segunda “Escola silesiana”, térmos cuja ra ziio de ser desapareceu com a revalotizacéio e reinterpretacdo do barroco literério alemio. O hiato entre a “primeira” ¢ a “segunda Escola silesiana” foi conseqiiéncia da Guerra de Trinta Anos, na qual tbdas as poténcias do continente europeu se bateram em solo alemio sob pretexto de intervir na guerra de religido entre os catdlicos e os protestantes da Alemanha. Nunca outro pafs foi submetido a tio cruel e sistemdtica devastacio, sendo a populagdo, em cer- tas regides, reduzida A décima parte © sendo destrutdos todos os valores materiais e morais. Foi a maior catdstrofe da histé- ria alema, da qual saiu um pats. paupérrimo, atrasado ¢ politi- camente dividido em intimeros peqtienos principados, governa- dos, no Noite por mesguinhos régulos Luteranos © no Sul. par relaxados prelados catdlicos, enquianto nas poucos Estados maio- es se estabelece 0 absolutismo 3 maneira francesa. Q_ povo alemio submeter-se, quase silencioso, a essa prova cuja primeira conseqiiéncia foi a. chamada “mentalidade barréca”. Essa “mentalidade barrbca”, que ¢ alifs: especificainiente ‘ale- mé, distingue-se do barroco latino (inclusive na Austria caté- lica) e do barroco protestante, inglés ¢ holandés, pela estrcite za do ambiente empobrecido, pela brutalidade dos costumes © pela fatima inseguranga religiosa. Cysarz, descreven bem a diar létiea da psicologia dos homens do barroco alemio: — usam a fantasia grotesca de palhagos e movimentam-se em solenes dan- cas de bailes da cOrte; submetemse As torturas fisicas © morais da peniténcia e passam a vida engolindo volumes enormes de erudigo abstrusa nas bibliotecas; bebem até cair, inconscientes © passam. as noites ao rclento nos bivaques; sko vitimas da guer- ra, das pilhagens, da peste, da queima de bruxas ¢ feiticciros, da 2 histeria de epidemias pscudo-religiosas ¢ de conspiragdes dos dia- bélicos “secretérios” dos principes. Sentenr-se tiranizados pela vida perigosa ¢ insegura; querem dominar a vida pela fre a religiao, o Estado, a guerra, o amor, Sao beatos, maquiavéli- cos, brutais e lascivos e sio méartires. © refigio é a religiéo. No coméco do século XVII ainda nao tinha terminado o processo da transformagio de credo hy terano em ortodoxia formalistica, resumida em térmos escolds- ticos. Quanto mais dificeis se tornaram os tempos, tanto mais fntima se tornou a religiosidade. Ii 0 século em que foram es- critos os maiores corais da Igreja luterana, ésses hinos maravi Ihosos que todo mundo conhece como titulos, inspiracio e co ros das cantatas de Johann Sebastian Bach. Alguns corais sio andnimos, versdes espirituais de cangdes populares. Outros so de autoria de tedlogos, de vigdtios ou de principes luteranos. © maior dos hindgrafos protestantes € Paul Geriarvr (1607- 1676): O Hanpe voll Blut und Wunden (que é cantado na Paixtio de Sio Mateus) e Nun ruhen alle Waelder sio expres sdes de uma devogio cristocéntrica e de confianga serena na Rraca ¢ no perdio de Deus; escritas durante os horrores mais cruéis da Guerra de Trinta Anos. A personalidade monolitica e coerente de Gerhardt € ca paz de manifestar-se em expressées inequivocas, simples, até de sabor popular. Sua poesia nfo tem trago, a nio ser em certas metéforas exageradas, de estilo barroco. Esse estilo é a expres sio de almas dilaceradas pelos dilemas do Céu e da Terra, do perdao e do pecado, da graca divina ¢ da desgraca déste mundo. O grande poeta do barroco alemio é Andreas Gryrnrus (1616- 1664). Nos seus sonetos, de rara perfeigio da forma, refletem- ssc o desespéro dos tempos de guerra, o desprézo desta vida vai de ilusdes, a visio mistica da esperanga; o reflexo do inctn- dio das aldeias € cidades 14 no horizonte e a luz suave da &r- vore de Natal. O século XVII, tio rico em poesia na Europa inteira, nZo produziu nada de mais profunde ou mais como- vente que os sonctos Abend (Noitinha), Geburt Jesu (Nasci- mento de Jesus), Es ist alles extel (Tudo € vaidade), Thracnen des Vaterlands, Anno 1636 (Lagrimas da Pétria, no Ano de 1636), Thracnen in Schwerer Krankheit (Légrimas Durante Uma Doenga Grave) ou as odes Verlewgnung der Welt (Rene- gecio do Mundo) ¢ Von der Eitelkeit der Welt (Da Vaidade — 0 do Mundo). A forma classica é a de Milton ¢ dos contempo- rAneos poetas holandeses; mas a religiosidade angustiada, ds vézes quase histérica, € a dos Holy Sonnets de Donne. No tempo em que a poesia barrdca ainda estéve esquecida e desprezada, tampouco se prestou a devida atengio 20. teatro tr4gico de Gryphius, $6 se apreciavam suas comédias risticas, parcialmente em dialeto silesiano, antecipagées de cenas da vida do povo em pecas do silesiano Hauptmann. Mas desprezaram: seas tragédias de Gryphius, escritas em rigido estilo classicista A maneira das pegas do holandés Vondel; teriam sido apenas, pensavarse, exercicios eruditos para a leitura. Hoje sabemos que esas tragédias foram realmente representadas em Breslau (Wroclaw), capital da Silésia; ¢ que sao vyerdadeiras pegas de teatro. A forma é classicista. Mas a substancia é barréca, Os didlogos répidos ¢ pungentes ¢ a alternéncia entre mondlogos introspectivos ¢ coros liricos, téda essa dialética das formas é expresso certa dos enredos € da psicologia dramética: estiio em oposicéo irredutivel ¢ trigicamente irreconcilidvel a soberbia dos tiranos ¢ o estoicismo dos mértires, suas vitimas; 0 maquiave- lismo demoniaco dos conselheiros ¢ a paciéncia cristé dos que advertem ¢ prevéem o desfecho terrivel. Papinianus, a tragédia do jurisconsulto romano que nao quis defender o fratricidio do louco Imperador Caracalla e Carolus Siuardus, a tragédia con temporainea do Rei da Inglaterra, decapitado pelos carrascos pur ritanos, sio as obras-primas, talyez as tinicas auténticas tragé- dias politicas da literatura alema. Gryphius € uma das gran des ressurreigées literdrias do nosso século. Na parte catélica da Alemanha representa Friedrich von Spee (1591-1635) a exuberante religiosidade barr6ca que, inspi- reda no dogma da Encarnacio, vivifica tempestuosamente tdda a Natureza. Spee era Jesuita. A maior parte dos poetas da Companhia de Jesus preferia, porém, a lingua latina. Assim © notavel poeta Irico Balde. Assim todos os dramaturgos je: suftas, porque a Companhia cultivava a arte dramatica, em seus colégios, para o exercicio da lingua ¢ para a edificagio dos alu nos; 0 que nio excluiu sepresentagées perante as cOrtes dos prin- cipes ¢ nas cidades. O teatro jesuitico, em Hoguae| na Alemanha do século XVII, € muito rico. O ore € Jakob Brpgrmtann (1578-1639), em que vi do “géni@/ de Calderon, $ua tragédia religiosa Cenodofi@ya foi reconqulty tada para o palco moderno. Foculdede de Filosofia Bran Mas o maior poeta catélico do barroco aler Scuserita (1624-1677), mais conhecido sob o pseudSnimo de “Angelus Silesius”, com que assinou 0 volume Der cherubinische Wandersmann (O Caminhante Angélico). T verdadero bre- vidrio de uma mistica gue, embora sinceramente crisi, se apro- xima perigosamente da frontcira do panteismo, Os grandes acontecimentos histéricos da fé cristé, 0 nascimento cm Belém, a morte em Gélgota, a ressurreiggo da morte, s20 nos versos de Scheffler acontecimentos supratemporais que sempre se re- petem denuo da alma do crente. E no fim do livro recomenda Scheffler ao leitor que quer, porventura, “saber mais” — “trans- formar-se a si préprio em livro” ¢ em “Wesen” (“no que é”). io disticos em alexandrinos regulares e rimados, de uma esti penda perfeigio formal, coma se fossem provérbios versificados por um grande artista da palavra. Séo versos epigraméticos, pungentes pelas antiteses e por espirituosas “chayes de ouro” que fariam sorrir se néo fsse tio grave o pensamento; outras vézes, abrindo com uma expresso final cuidadosamente escolhida vas. tas perspectivas déste mundo e visdes de um outro mundo. O passo para fora da ortodoxia, que Scheffler no deu, foi dado por Quirinus Kuremann (1651-1689), mfstico confuso e hete- rodoxo, anunciando o fim do mundo, a aboligio de todos os mandamentos morais e desconhecidas exaltagdes erdtico-religio- sas; seu Kuchipsalter & espécie de antiAngelus Silesius, Em Moscou, onde fora pregar sua nova religiio fol Kuhlmann queimado vivo. é Johannes A componente profana da poesia barréca é brilhantemente representada por Kaspar Sriguux (1632-1707), 0 primeiro dos poe- tas barrocos que foi redescoberto. Caracteriza-o o titulo de seu volume, Die geharnischie Venus (Venus em Armadura): um gucrreiro brutal e brutalmente devotado ao servigo das suas amadas {dceis e lascivas, O conhecedor da contemporinca “poesia metafisica” inglésa lembrar-se-A de Carew ¢ Lovelace. Mas Sticler € menos aristocrdtico, menos espirituoso ¢, com téda a sua brutalidade, mais humano. Uma versio mais re: quintada do erotismo barroco ofcrece Christian Hofmann yon Hormaxnswatpav (1617-1673), que escolhen Ovidio e Marino para modelos; também traduziu o Pastor Fido de Guarini. Ves- tiu de admirdyeis artes formais (mas também de metdforas lou- camente exageradas) as expressoes de sua imaginagio franca- 32 mente obscena; mas, sendo homem barrocof Sinbém Jamenta a vaidade déste mundo instavel ¢ a fuga dds dtores, .cmscversos alados que se gravam na meméria ¢, as vekege com acentos, de sincera angtstia religiosa. Foi, cntre os poetds Barrocos alemaes, o de maior sucesso no seu tempo; mas no\século XVIII foi justamente éle anatematizado pelos racionalistad, doimo represen: tante da exuberancia “gongérica” ¢ da indecénéia_dbscenas” ‘A mesma sitabiose de poesia metaffsica € imaginagionkastiva caracteriza os poemas e as tragédias de Daniel Casper von (1635-1683), outro alvo preferido dos insultos dos criticos racionalistas do século seguinte. Em suas pegas opde © maquiavelismo politico A desenfreada paixdo sexual ¢ ao estoi- cismo cristio (Agrippina, Sophonishe), mas sem a dizlética tré gica e sem a profundeza religiosa de Gryphius. Hofmannswaldau ¢ Lohenstein sio, entre os poetas barro- cos alemées, os mais “gongéricos” no sentido antigo dessa pax lavra. Foram os mais clogiados em seu tempo; depois, enter- rouse com éles a pocsia barrdca inteira. Lohenstein também escreveu um yolumoso romance pseudo- chistérico, cheio de erudigio abstrusa, cenas erdticas, méximas politicas ‘e descrigdes pomposas (Arminius), imitagio dos ro- mances polttico-pseudo-histéricos des franceses contemporancos Calprentde © Scudery. Obras da mesmo estilo sio os roman+ ces A Siria Aramena e A Octdvia Romana do Duque Anton Unnics: von Baaunsonwere (1633-1714): obras hoje ilegiveis, mas ainda muito lidas no século XVII e apreciadas como lei- tura didatica ¢ preparagio para a vida no “mundo dos grandes”. O reverso do Barroco é a aspera critica moral dos costumes brutais e da hipocrisia religiosa, Pode aparecer em forma bar- réca, como na prosa exuberante dos sermées do monge ApraamM A Sra. Ciara (1644-1709), sermonista popular que joga admirivelmente com eloqiitncia pomposa e expressdes fsticas do dialeto vienense; suas exortagées contra os grandes © pequenos vicios da época Item-se como didlogos de comédia Mas a critica também se manifesta em formas sdbriamente ra- cionais, como nos epigramas de Friedrich von Locau (1604- 1655), que castiga a imitagio de costumes estrangeiros, o fane- tismo religioso 2 servic de fins politicos e a lascivia de episs- dios eréticos meramente imagindrios: um moralista do qual j4 Lessing gostava, que o redescobriu; uma antecipagio da men- a 33 talidade razodvel do século XVIII. Mas é dpicamente barro- co o satfrico Michael Moscrierosei (1601-1669); seus Gesichte Philanders von Sittewald (Visées de Philander de Sittewald) fo versio livre dos Suefios de Quevedo, terrivelmente intensi- ficada pelas experiéncias horrorosas da Guerra de ‘Trinta Anos. Essas experidncias informaram a nica grande obra em pro: sa do barroco alemio: 0 Abenteucrlicher Simplicius Simplicis- simus (OQ Aventuroso Simplicio Simplicissimo) de Johann Jakob Grimarrsnausen (1622-1676). Ea histéria, certamente em grande parte autobiogréfica, de um rapaz. ingénuo que, co- mo saldado © como aventureiro, passa por todas as brutalidades, ctucldades © depravagées da grande guerra, por intimeros epi. sddios de batalhas, escaramucas, fugas, pilhagens, raptos, or- gias, bebedeiras, destruigées, por intimeros enisédios terriveis, humoristicos, repelentes, edificantes, ridfculos, fantasticos, cruéis, obscenos; enfim, @le encontra na solidio a paz da alma. © ro- mance € um grandioso © completo panorama da época e da gente da época, um documento redigido com aquéle natura- lismo sincero ¢ crasso que ¢ 0 reverso das pompas e da mifstica do Barroco: os anjos de El Greco e os bobos e andes de Vel quez, as santas de Reni e os ladrGes de Caravaggio, os deuses de Poussin ¢ os camponeses dos Le Nain; a sintese, s6 a atingi- ram Cervantes © Grimmelshausen. A forma da obra é a do romance picaresco espanhol, de Alem4n e Quevedo. Mas nes- sas obras espanholas, a aventura sé é de individuos isolados que se esforgam para vencer a hostilidade da vida. Na obra alemay uma humanidade inteira luta desesperadamente contra desgra. ¢as invenciveis, mas sé 0 individuo isolado se salva. No ro- mance de Alemén, 0 naturalismo crasso é abrandado por inter- mindveis reflexdes ascético-morais. Na obra de Grimmelshausen, nao; mas o fim € a conversio, um verdadeiro desengatio, tio tpicamente barroco. E é desfecho de uma evolugia que estava do infcio predestinada para ésse fim. Pois o Simplicissimus & um Bildungsroman (romance de formagio), ésse género tipica: mente alemio, assim como foi o Parzival de Wolfram von Eschenbach e assim como © serio 0 Wilhelm Meister de Goethe, Veranico de Stifter, Henrique Verde de Keller, apenas infini tamente mais rico em realidade social: a tnica obra realista entre todos aquéles. f até hoje wma Ieitura fascinante. E um dos grandes livros da literatura universal. 34 Grimmelshausen € 0 maior, mas nao o tinico representante dos aspectos realistas do barroco aleméo. Ao seu lado aparece © austrfaco Johann BexR (16551700), que foi miisico de pro- lissio. Suas abras, como “Die Teutschen Winternaechte (As Nuites de Inverno Alemas) ¢ “Die kuraweikingen Sommertage’ (Os Dias Divertidos de Verio), foram, depois de longo esque- cimento total, redescobertas s6 em 1932 por Richard Alewyn. \ conhecida alegria de descobrir tesouros escondidos produz, fa- talmente uma supervalorizagao. Beer é hoje novamente famoso © j4 foi reeditado, Mas néo é absolutamente, um segundo Grimmelshausen, apenas um natrador divertido ¢ interessante, n profundeza, . A. grossoria selvagem. dos costumes sobreviveu X guerra, so- hretudo nos meios estudantis, abuso dos duelos e da bebida, combatividade estéril, desonestidade no jdgo, orgins desenfrea- das. Retratista dessa vida estudantil foi Chris jan Revrer (1665-1710), amenizando a grosseria pelo humorismo satfrico, ha comédia alegre de Fran Schlampampe © no romance pica~ resco A Viagens de Schelmuffsky. Produto desgragado daquela vida selvagem nas Universidades foi Johann Christian Guentrer (1695-1723), 0 tiltimo poeta do barroco alemio, desperdigando a vida e 0 talento em bebedeiras intermindveis © aventuras eré- tieas, ficando infiel 1 amada que no entanto amara com since- cidade, e A religifo que no entanto nfo conseguiu esquecer; ¢ morren cedo. Bsse padre maudit é um homem barroco com tSdas as suas contradicéies; mas a expresso, em suas poesias de amor e nas suas cangées religiosas, j4 é de um poeta moder- no, quase de um préroméntico. : ; "Eis a literatura do barroco alemio, esquecida ou caluniada durante dois séculos ¢ hoje ressurgida das cinzas. Qual .¢ 0 bulanco definitivo? Logau ¢ Guenther, as duas expressoes _me- nos tipicas, nao foram ‘realmente esquecides: aquéle, elogiado por Lessing; éste, justamente apreciado por Goethe. Os ro- imdnticos descobriram Scheffler, o Angelus Silesius, e Grimmels- hausen, que desde entio tém seus lugares garantidos no sablea da literatura universal. O moderno movimento pré-Barroco redescobriu ¢ exaltou o grande Gryphius; ¢ reabilitou, um pow co, Loheastein ¢ Hofmannswaldau. No parece muita coisa, afinal de contas, Mas Gryphius 4 valia a pena, Ea redescax berta do barroco alemio levou, em seguida, A reabilitagad) de Géngora e de Donne. RACIONALISMO Na historiografia literdria de tédas as nagées _costuma-se conceder espago maior e até muito maior aos tempos modernos do que As fases histéricas mais remotas. FE. pracedimento injus to, como se os produtos literdrios de ontem ¢ de hoje tivessem fatalmente importéncia maior do que tudo que se pensava e cscrevia antigamente, Circunstincia atenuante dessa. falsificar gio das perspectivas histéricas seria a urgéncia maior do enten- dimento da nossa propria situacko espiritual ¢ social pelo enten- dimento das expresses literdrias do nosso tempo, enquanto o passado recua cada vez mais, chegando a tocnarse menos com preensivel ou menos importante para a posteridade. No caco da literatura alema, aquéle desequiltbrio chega a extremes. A Jiceratura alema medieval est4 escrita numa lingua cujo entens dimento requer estudo especializado; mesmo 2 Cancio dos Ni. Zelungos nunca poderd voltar a ser literatura viva, Além disso a literature medieval alemi néo pode competir, em importin- cla, Mem sequer para os préprios alemdes, com a italiana de Dante, Petrarca ¢ Boccaccio, nem com a inglésa de Chaucer: tarabém parece inferior 3s suas literaturasmodélo, A provencal € A francesa medieval, em que pese o orgulho patridtico dos ae ticos alemaes. A literatura alema “verdadeira” sé comecou com © século XVI, para ficar logo interrompida pela catdstrofe do Humanismo, pelas vicissitudes da Reforma e pela catistrofe maior da grande guerra. Mas a fase seguinte, a do Barroco, foi depois esquecida, por motivos j4 exposios; ¢ apesar da res, surreigio das letras barrécas em nosso século, $6 Scheffler Gryphius e Gririmelshausen voltaram realmente a incorporar-se na literatura viva; mas o século XVII os desconhecia, dentro e fora da Alemanha, , 36 Por volta de 1700, a Alemanha é 0 tinico pais da Europa civilizada sem Titeratura alguma. Os alemfes afiguram-se aos seus vizinhos nagio jletrada. Na Branca dizem que “o alemao & uma lingua para falar com criados e com cavalos”. Tédas as pessoas cultas, na Alemanha, exprimem-se em Francés ou — nas Universidades — em Latim. E 0 grande siléncio. Entre 1660 e 1685 nfo nasceu, na Alemanha, nenhum escritor de al- gum mérito ‘Tentaram-se varias explicagéies désse “grande siléncio”: efei- to retardado das devastagées materiais © espirituais da guecras ou entéo, exaustio total das possibilidades expressivas da lin+ gua pelos cxcessos do Barroco, até a incapacidade da expressio verbal, Sublinhamos 0 adjctivo “verbal”. Pois ao mesmo tem- po 0 espirito alemao revelou-se capaz de alcangar os mais altos cumes de outra expresso, nado verbal: da musica. A época de 1700, o tempo sem literatura alema, também é a época de Johann Sebastian Bach, Bacrt (1685-1750) é a verdadeira enciclopédia do espirito ale- io do. seu tempo. Néle hé tudo, do misticismo dos motetes a cappella até a tragicidade das Paixdes, da sonoridade coletiva das obras para érgio até a religiosidade individual nas Arias das Cantatas, da extrema perfeicio formal e emocional dos Con- certos de Brandeburgo até o universalismo musical do Cravo Bem Temperado, dos artificios supremos da Oferenda Musical eda Arte da Fuga e des Variagées de Goldberg até o lirismo intimo das Suites e dos movimentos lentos dos Concertos para violino e orquestra. Bach é igualmente grande como compo- sitor instrumental e compositor vocal. Nas obras instrumen- tais cria, livremente, seus recursos de expresso. Nas obras vor cais, tem de servir-se dos textos que Ihe escreveram os Neumeister o Picander, poetastros lamentdveis; no havia outros, na culta Leipzig daqueles dias, A distincia entre a musica e os textos de Bach é incomensurdvel. Tio incomensuréyel como a dis- lancia entre a misica alema € a literatura alema de 1700. Aquéles textos servem, porém, para determinar mais exa- tamente a posigio espiritual do compositor. Movimentam-se cutre os extremos da devacio exaltada ¢ do prosafsmo séco. Ex: primem de maneira indbil aquilo que Bach também sentia ¢ pensava. O fundamento da sua mentalidade € 0 lutcranismo, com 0 dogma ortodoxamente mantido, Mas a devogio nao é 37 igualmente ortodoxa, Esta Jonge do formalismo dos ctedos luteranos. E profunds e intima, com tragos de sentimentalismo, Por outro lado percencia © compositor, cm Leipzig, \ Sociedade de Citncias, na qual se cultivava a flosofia de Leibnitz. Bach também ¢ homem que esté com os pés fineados na terra, sv liando ¢ apreciando bem as realidades déste mundo, Albert Schweitzer chega a falar, a propésito de Bach, em “acionalismo religioso”. Na verdade, é ale contemporiineo do Pietismo a0 mesmo tempo, do Racionalismo, ° © Pietismo foi um movimento de devogio de leigos hutera fos que procuravam fora das igrejas oficiais a satisfacdo cas suas necessidades religiosas. Nascido na Saxdnia, antes de 1700, estava remotamente influenciado pelo misticisme espanhol-tran. eés que se cultivava, no mesmo tempo, na Reninia. Os poc tistas nao perturbavam a paz da Igreja. Nao se revoltararn con- tra o dogma nem contra os principes, pastBres ¢ professores Individualizaram a devogio, tornando-a mais intima, ae vores exaltada, Nao hé dtivida de que Bach simpatizava com éles em: bora sua posi¢to, suas fungdes oficiais © mantivessem no cam- po da ortodoxia, Por outro lado € Bach homem do século XVUT, da época das Luzes, Féz, visita, em Potsdam, ao Rei Frederico o Grande, oe Y 1 Pow 3 da Priissia, o amigo de Voleaire ¢ D’Alembert, dos philosopher franceses. Sto essas as duas grandes poténciss espirituais da época: o Racionalismo que domina 0 pensamento do séculos ec o Pic tismo que Ihe invade o sentimento, preparando imperceptivel- mente veleidades roménticas de tempos posteriores. © Racionalismo do século XVIIL é movimento internacio- nal: partindo da Franca (Bayle, Fontenelle) e da Toglauerra (os deistas que pretendiam reduzir o cristianismo a uma religiio razodvel”, sem revelagio divina e sem milagres), conquistou 9 continente. Na Alemanha, a defklacrung (Ksclarecimento) é condicionada pelo desejo, ou dirseia, pela necessidade de nto ofender os podéres dominantes na Igrela ¢ no Estalo. Lago nfo podia penetrar, por enquanto, na parte catélica do pais, ‘ina Austria, Baviera, Francdnia, Reninia. Conquista, port, a Pritssia ¢ a Saxdnia, as repiées protestantes. A literntara. alee ma do século XVII seré quase exclusivamente wma literatura protestante, Quando os eseritozes, ainda por volta de 1800, men: 38 ionam o catolicismo, usam. © pretérito, como se se tratasse de uma teligiéo hé muito abolida, Forte também € a participagéo ox protestantes da Sudbia ¢ da regido bltica, Mas em tédas ‘as vonas prevalece, mesmo entre os “esclarecidos”, 0 cuidado timido de nao ofender a opiniao publica ortodoxa, Hi, porém, duas excegdes. Uma é a Suica alema, calvi- nista © portanto em relagdes com o protestantismo da Europa occidental, j parcialmente liberalizada, A outra excegio é a ciilade livre de Hamburgo, intimamente ligada, pelo comércio, \ Inglaterra. Hamburgo ¢ para a Alemenha, 0 pdrto de invay ‘iw do deismo dos free-thinkers (livres-pensadores) ingléses. A historiogratia literdtia alema guardou a meméria de Ba thold Heinrich Brookes (1680-1747) como de um poeta que des reven com meticulosidade quase ridicula as minticias da Ni \ureza, as fléres, a grama, os bichos, etc. Nunca se negou a importincia histérica do seu poema didatico Irdisches Vergnuegen in Gott (Prazer Terrestre em Deus), como primeiro documento do névo amor & Natureza; apenas, 0 volumoso poema seria iiegivel. Nao € tanto assim, Pelo menos em certos versos é inconfundivel a sincera emogio posticas seria possivel selecio- nélos, organizando uma antologia postica de Brockes, de valor surpreendente, ‘Tampouco se deu antigamente a necesséria im- portincia Aquelas palavras ... em Deus, no thulo da obra. O Deus de Brockes € 0 dos defstas ingléses, que criou a Natureza como mecanismo admiravel e que, desde entio, esd prticamen- te deposta como um rei constitucional da Inglaterra parlamen- tarista. Brockes pertencia a um cfrculo semickandestina de defs- tas em Hamburgo. Amigo seu foi Reimarus que munca ousou publicar scus escritos de polémica contra o cristianismo biblico; Lessing os publicaré ainda antes do fim do século, A outra porta de entrada de influéncias inglésas era a Suiga calvinista, Mas esta vivia politicamente separada da Alemanha ¢, desde a Reforma, numa espécie de letargia espiritual. Pre- cisava de estimulo especial para despertar. Bsse estimulo foi a reagio contra © classiciseno francés. A relagio entre a literatura francesa dssica do século XVII e a Alemanha sempre foi das mais infelizes, A um curto periodo de imitago servil seguit-se 0 ataque odioso ¢ injusto de Lessing; desde entdo, Corneille e Racine nunca mais encontraram compreensio na Alemanba. E Gousched, 0 ini- 39 ciador daquela fase de imitacio, caiu no mais profundo despre: zo da nacéo, Johann Christoph Gorrsoirms (1700-1766) foi um grande patriota, Wiu com tristeza a decadéncia da literatura pétria. Quis redimi-la, climinando os residucs de Barraco — Gotisched era racionalista — e substituindo-os pelas regras “tazodveis” da literatura clissica francesa. Fracastou totalmente. O Barroco i estava enterrado, eo classicismo francés revelowse inadap- tavel 4 Hngua e mentalidade alemas. S6 sairam exerctcios de versificagio mediocre, A ditadura literdria de Gotteched, exer cida do alto de sua cfvedra universitéria em Leipzig, cain sob os golpes polémicos de Lessing. Esquecidos foram os esforcos de Gousched pela porificaco do vocabulirio, pela simplificacio. da ortografia, pela gramética e pela sintaxe, pela difusio de. co- nhecimentos literdrios realmente tteis. Gottsched ignorava o que € a poesia. Mas sabia o que é a literatura, Sem exagdro se pode afirmar que scm éle 2 Alemanha nfo teria tio cedo partido da estaca zero de 1700, Por volta de 1740 jd existia uma literatura alema. : © primeiro poeta “moderno” da Alemanha & Christian Fuerchtegott Guutuer (1715-1769); 0 Rei Frederico 09 Grande homem de formacéo francesa, consideravao como “o Unico sh bio razofvel entre os alemaes”. 5 razoivel, éle foi: nesse pro- fessor de mentalidade moderada, a fé luterana se transformou em moralismo profane. De poesia verdadeira aio hd em Gellert nenhum vestigio, Bum “poeta” didético que pretende ‘ensinar 0 povo”, isto é& a classe média do scu tempo. Seus Fabeln und Braaehlungen (Fabulas e Contos), de 1746, tinham sucesso cnorme, intimeras edigdes; foi o livro ‘alerao mais lido do século. De tudo isso sé fica hoje: um nome; uma ou outra fabula, nos manuais de literatura pata colegiaiss © as Seis Cane goes Religiosas, porque Beethoven ag pds em muisica. Mas 2 importincia historica de Gellert € indiscutivel. Pots, talven contra a vontade désse homem devoto e timido contribuiu para abrir 0 caminho para a Aufilaerung, para o racionalismo. E logo também surgiram espiritos criticos, empregando as armas da Razéo contra a estreiteza da vida pequeno-burguesa, A historiografia guardou 0 nome de Gottlieb Wilhelm Rapunen (714-1771), porque suas sétiras sio mansas, apoliticas, inofen- sivas, E guase esqueceu o nome de Christian Ludwig Liscow 4 (1701-1760), que foi um satirista subversive, o primeiro espirito revolucionério na Alemanha do século XVII A ditadura literdria de Gottsched encontrou oposi¢io nos suigos: acostumados a usar, na vida cotidiana, o dialeto da sua terra, 0 Schwyzerduetsch, também usavam expressdes e locur cées dialetais em_ seus escritos, provocando a ira do professor de Leipzig, guardido da unidade e puridade da lingua alemé Mas ésse conflito s6 foi o estopim que f¢z estourar outras in- compatibilidades, mais profundas. Johann Jakob Bopater (1698-1783), 0 mais influente dos literatos de Zurique, cra ho- mem de formacio inglésa, conkecedor ¢ admirador de Milton, que recomendou aos seus discipulos como modélo de poesia re- ligiasas também sabia, embora vagamente, da cxisténcia de Shakespeare; em sew amigo Breitinger, espirito teérico, supdem ve influéncias italianas (Muratori), que j4 preludiam ao_ pré romantisme, Gottsched, porém, o racionalista, nao quis saber dle poesia religiosa, ¢ de Shakespeare sé sabia que @ste drama- turgo barbaro nao tinha obedecido as regras da tragédia clas- sica francesa. Comegou, entre Gottsched e os suigos, uma viva polémica — a primeira grande polémica literéria em lingua dlema. Gottsched, tfpico chefe de grupo, costumava proclamar a urandeza de qualquer poetastro entre os seus discipulos na Sa- xOnia, conquanto fésse décil aos ensinamentos do mestre. Os suigos, muito mais criticos, encontraram dificuldades em opor- Ihe um grande poeta dos seus. Nio perceberam ou nao qui- scram perceber a presenga de um poeta notével na prépria Suiga: Albrecht von Hatuza (1708-1777), 0 autor do poema descritivo-diditico Os Alpes, Haller foi cientista de primeira importincia, um dos fundadores da fisiologia moderna, Talvez por isso mesmo tampouco o reconhecesse como poeta a poste- ridade, que nfo procura belezas estéticas nos escritos de médi- cos ¢ homens de laboratério. A diivida seria justa, se Os Alpes lssem realmente s6 0 poema descritivo ¢ moralizante do qual um ou outro trecho costuma constar dos manuais didéticos. Mas o moralismo de Haller é diferente. Nao é 0 de um Gellert, mas intensificado por intima devocio pietista, por uma espécie de angtstia religiosa que lembra a Gryphius pela profunda se- ricdade. Na linguagem poética de Haller hd um eco remoto da poesia barréca. Mas certos versos também jé anteciparn o 4 classicismo auténtico de Hoelderlin, assim como sua devogio Natureza antecipa sentimentos de Rousseau. Em todo caso, 0 barroquismo ce Haller precede imediatamente o da linguagem postica, solene ¢ cxaltada, de Klopstock: 0 jovem poeta em que: 08 suicos encontraram, enfim, 0 génio que podia mestreescola de Leipzig. Friedrich Gottlieb Kzovstoc (1724-1803) € 0 primeio gran dle pocta alemfo que se tornou internacionalmente famoso; 6 primeiro que foi considerado digno da honra de traducio para outras Hnguas; 0 primeiro que forneceu ao mundo, ainda des denhoso, a prova de os alemaes também possu‘rem uma litera: tura. Sua colossal epopéia religiosa Der Messias (O Mess @s trés primelros cantos publicados em 1748), € a continuagio direta do Paradise Lost, de Milton, que foi cuirante todo o século XVIII considerado como 0 maior pocma épica dos tem. pos modernos; ayora, O Messias participava dessa gléria. Ao pessimismo do poeta calvinista inglés, que cantava a revolta dos anjos rcheldes, 2 queda e 6 pecado original dos primeiros ho- mens © a perda do parafso — dew o poeta luterano alemto continuagio mais esperancosa: a resolucio de Deus de recon ciliarse com o mundo, 0 sacrificio supremo do Cristo, 0 per: dio geral. Assunto bem escolhide para o otimismo do século XVIII, mas, no poema de Klopstock, atcnuado por uma reli giosidace angustiada e sentimental que agradou aos ortodoxos ¢ aos pietistas € ainda comoverd os prérominticas. Désse gran. dle posta, os estrangeiros sé costumam conhecer, hoje em’ dia © nome. Mas é preciso confessar que os jrdpries alemies nas sabem muito mais déle. Se alguns techs € versos de Klop- stock nfo constassem obrigatériamente dos manuais diditicos a escola média alema, 0 poeta j4 nfo seria lido por ninguém, Pois, na verdacle, Klopstock tornou-se quase ilegivel. Epopéiag © es. pecialmente epopéias religiosas nfo sio leituca normal do ho. mem moderno, O Messias, ninguém o leu jamais até o fim A linguagem mondtonamente exaltada, a abundincia de lk oposto ao grimas derramadas, a auséncia total de personagens Jirmemente caracterizados, a diluigio intermindvel do entédo biblico-teolé- gico, tudo isso ndo ajuda; mas nada diminui a enorme impor. tincia histériea da obra, Agutle ano de 1748 em que sairam publicados os ués primeiros cantos do Messias & 0 verdadeiro ano de nascimento da literatura alema. 42 i i Hiss importdacia histérica ainda € engrandecida pela esco~ tha clo metro: em vez de imitar o verro branco de cinco acentos, le Milton, Klopstock conseguiu germanizar o hex4metro: send W yerso em que os alemies conhecerio Homero e em que Goethe escreverd Hermann e Dorothea, Klopstock era mestre no ma- nejo de metros diffceis. Nas suas odes incorporou A métrica lomi as estrofes complexas de Horacio, Essas odes passaram. durante muito tempo coma sendo Ieitura menos dificil que a cpoptiay porque menes compridas © menos exigentes. Alguns Uiticas medernos valorizam Klopsteck como poeta lirico, Mas am pela sintaxe cesnecessiriamente qquelas odes também pecam pela ii complicada e por um hermetistno intitil. Basta comparélas com vs de Hocldertin, que deseendem diretamente das Klopsto huts, para reconhecer nestas Gltimas a pouca profundeza do pen mento poético: soja a exaltacio grandilogitente da patria ale hii, acestos de um nacionalismo xendfobo que hoje nos pareve uuspeito; seja a exaltacio de idéias humanitar as, muito vaga scjam clusdes de uma religiosidade sentimental, ; sem firmer dogifticas seja a cvocagio da pré-histéria germanica, pagi, todo juntasiosa.. Acontece com as odes de Klopstock 0 que tambén se observa nos grandes pocmas Iricos de Whitman: a primeira linha & magnéfica, inspirada; todo 0 resto parece dispensével Assim na famosa ode dedicada ao Lago de Zurique, cujo priv meiro verso (mas s3 0 primeiro) se tornou proverbial. Bsse estilo vago de Klopstock corresponde ao sew sentimen- to vago ¢ & sua religiosidade vaga. f a heranca espiritual do pictismo. Sendo assim, a poesia de Klopstock continuaré per- sosteridade; ¢ sua importancia sb seria histérica, como transigio para o préromantismo. Mas certos criticos mo- dernos, como Richard Benz, também encontram outro estilo em outros trechos do poeta, notadamente em algumas grandes cenas do Messias, Lembram obra homénima e quase exata- mente contemporfnea, o Messias de Handel. Realmente, “ Klopstock nascesse im século mais cedo, teria sido um grande pocia bavvoco. Foi esta sua mais alta qualidade; mas foi esta aualidads que, no séeulo do préromantismo, The tornou tie ipidamente obsoleta a poesia, Os tiltimos cantos do J essa jé nao podiam encontrar ressonancia na época dos pré-roménti cos ¢ do classicismo de Weimar. Wida para a 43 Os espiritos de mentalidade cléssica jamais gostavam, alids, de Klopstock. Lessing ainda era névo quando jé comecon a dosar cuidadosamente os elogios a Klopstock, misturando-os com censuras mais ou menos veladas. Em vez da imitacio de Milton aconselhou a de ‘Thomson, do pocia das Seasons (Estagocs). clogiou copiosamente 0 pocina Der Fruchling (A Primavera), lo scu amigo Ewatp von Kiersr (1715-1759), em que a exalta. co, tipicamente racionalista, da harmonia da Natureza é ame- nizada pelo esprit gracioso do posta. Na evolugio universal, o Barroco & ldgicamente sceuide pelo Rococé. Ao ultimo bar- roquismo de Klopstack segue ldgicamente 0 Rococé da poesia anacredntica. Desde os tempos da Renascenca imitavam-se na Europa tida as ligeitas ¢ alegres poesias gregas, celebrando o amor eo vinho, atribufdas ao lendario Anacrconte. Na verdade trata-se de poesia de tipo alexandrino, artificial e sem base em expe: rigncia vivida. Mas justamente por isso gostavam do pseudo- Anacrconte todos ¢s ‘perfodos alexandrinos, pobres em’ poesia verdadeira; como o Rococé, E especialmente o rococd aleméo @ poesia anacreontica permitia a pedantes cruditos, professéres e pastdres vivendo em estreiteza pequeno-burguesa, sonhar com améres © bacanais largamente imaginérios, Ta “Arcddia” ale ma do século XVII O mais sincero, rclativamente, ¢ Fried- rich yon Haexpoan (1708-1754), um hamburgués ‘alegre do qual sobrevive uma ou outra fabula yersificada, O mais tfpico € Ludwig Guei (1719-1803), que viveu bastante para assistir, ainda, ao grande tempo do classicismo de Weimar; sem chegat @ compreendé-lo, Esse cantor de mdcas imagindrias, de nomes giegos, e do vinho que no cresce na Saxénia, foi na verdade um sentimental choroso e um genio da amizade, exercendo in- fluéncia literdria, escrevendo cartas a todo mundo. A Guerra dos Sete Anos, em que Frederico 0 Grande batcu os exércitos franceses, inspirou-lhe as patridticas Cangaes de Guerra Pruset nas de um Granadeiro; assim como muitos outros alemaes, com Jocou esperangas nacionais naquele rei, homem de formagio francesa que nunea quis abrir um Livco escrito em Alemao, E, Gleim, © saxéaio inspirado por patriotismo prussiano, nunca linha visto um campo de batalha, ao escrever suas cancées de guerra, assim como nunca tinha encontrado, na vida, mocas gregas nem bebido vinho italiano. £ um. artificialismo aids inofensivo, 44 Uma irma da poesia anacredntica é a idilica, que ‘eve me \emanha um representante no sufgo Salomon Grsswir a s0- 1788). Seus idilios s%o caracterizados pelo adjetivo | aleriio Jude: nic tem saber. Nem sequer sao boas imitagoes do i ho iligo; € nfo se relacionam com a “volta a Natureza”, procla- rwatki ao mesmo tempo pelo patricio de Gessner, por Rousseau. No entanto, 0 rousseauanismo, que empolgou a Europa, é pro- vivelmente responsdvel pelo sucesso dos idilios de Gessner: fo- nim taduzides para tédas as Tinguas; era, durante muito tems po, @ autor alem&o mais famoso no mundo. Est4 hoje totale tiente esquecido: um dos muitos timulos sem nome no cemi- wria da literatura universal, ; Rococé anacredntico ¢ Racionalismo parecem estilos alheios win ao outro, Mas nao estavamn fatalmente separados. Po crolismo anacreéntico, por mais falso ou imagindrio que fdsse, também podia servir para criticar, indiretamente, as rigidas con- yengées morais do mundo moderno ¢ abrir as portas ao, como © dizia, “gizo razofyel da vida”, Havia uma_possibilidade de ligagio entre libertinismo ¢ racionalismo. Essa ligagio en- carnouse em Christoph Martin Wistanp (17331815). Seu lihertinismo, moderado, ¢ seu racionalismo, também moderad cstio hoje em dia totalmente fora dos nossos horizontes. espi- rituais, Mas nfo temos o direito de desprezar simplificanco, acquilo, que [o}, em seu tempo, uma influgneia teréria fecun- da, Embora sem profundeza, é Wicland uma figura de in trincada complexidade espiritual. Safdo, pela fuga, de um ambiente pietista — cra natureza sem necessidades rcligiosas — teve a ambigéo juvenil de ser um antiKlopstock: infenso 4 poesia exaltada, a grande clogiiéncia épica, ao patriotismo. Quis scr um cosmopolita, de simpatis francesas ¢ voltairianas, um livre-pensador embora sem ofender Gemais os ouvides devotes, um libertino alegre, mesmo ao pre- co de ofender ouvidos castos, enfim: um racionalista © homem lo Rococé engragado. Assim escreveu os Contos Cémicos em versos, muitas vézes francamente obscenos como os de Lafon- taine © Voltaire; © conquistou 0 titulo de “Boccaccio alemao”. © libertinismo de Wieland nao é imaginério, como o dos ana- crednticos; mas é literdrio. FE um estilo mais de escrita do que de vida, B afrancesado ¢ acredita ser grego, mais ou menos assim como em 1900 0 parisiense Anatole France se julgava 45 grego. Wieland possufa, como tamtos outros dos seus contem- pordineos na Alemanha, amplissima erudigdo cldssica, Era con nhecedor admirdvel da literatura grega antiga. Mas sua com. preensiio da Grécia, pelo menos no inieio, nao ia além da “grat ga” de um espirituoso abbé francés do século XVII. No cn- tanto, Wieland nfo foi aquilo que parecia ser: mio foi super: ficial. Amadureceu. E escreveu o longo romance Histérig do Jovem Agathon: em ambiente grego, um Bildungsroman (10 mance de formagdo) alemio, mostrando como um joven, saido da religiosidade tradicional, pasando através do. libectinismo, chega a um “g6z0 razodvel da vida”, Bese romance foi lido, pa Alemanha, como obra de crudigio admirdvel, sem que os pedantes € os espiritos estreitos mudassem de vida. Ficou tudo Ro mesmo, nos pequenos principados ¢ na pequeniesima burgue sia das cidades. Nao se diria que 0 romance humoristico His- toria dos Abderitas fOsse escrito contra aqueles. Apenas zomba déles. Wieland tinha desistido de pelemizar. Chegara, en- quanto acessivel a um espirito Rococd, 4 sabedoria. Chegou a cscrever um livro, Der goldene Spiegel (O. Espeliio de Ouro), sobre a educagio dos principes, para que os paises alemace conseguisscm monarcas esclarecidos ¢ benevolentes; livro que lhe arranjou o convite a Weimar, onde o velho viveré como vizi- tho de Herder, Goethe ¢ Schiller. Foi grande personagem na loja magdnicas ¢ suas frases sSbre humanidade e tolerAncia lem- bram ocasionalmente as palavras do sibio saccrdote (magbnico) Sarastro, na Flauta Magica de Mozart. A isto cheyou 0 racic~ nalismo do livre-pensacor Wieland, e mais alm: em uraa das suas tltimas obras, © romance Histéria Secreta de Peregrinus yews — panorama erudite dos tltimos tempos do paganistno antigo — chegou a insinuar ddvidas quanto A veracidade histé- rica do Eyangelho, Mas sempre procedeu com cautela, Ao ataque polémico preferiu a sdtira sorridente, na qual seu mes- tre era o grego Luciano (que traduziu para 6 alensio). Mas hd cm Wieland, além da erudigio elissica e das preferéncias fran cesas, mals um outro elemento estrangeiro: foi éle um dos jrimeiros literatos alemaes que dominavam a Kagua inglesa. Thueduziu na Alemanha a Ieitura ¢ 0 culto do humorista sen imental Lawrence Sterne, uma das grandes infludncias da épo- ca, que também perceptivel na prosa do proprio Wieland, Mas antes de tudo: deu & Alemanha a primeira traducio de Shakespeare, IE incompleta (36 22 das 36 pegas). & em prosa, 46 © que desfigura a poesia shakespeariana, Em aitos, trechos ° viiginal é “amenizado” ou “abrandado” para deixar ce fen ler ‘lominanee gst classico francés Cque 0, préprio Wieland nfo jictendia abandonar). Apesar de tudo, foi_um aconeecion neo lteravio de primeira importancia, A traducio, pul icada cence . acabou com os tltimos residuos da lita pura « Gousched, decidindo a polémica em favor dos suicos angis- tumnas”. Na segunda metade do século, os préramanticos ale iiies, inclusive o jovem Goethe e o jovem Schiller, formarie cu gosto literério, lendo Shakespeare na traducéo de Wiclat. \ histéria da literatura alema do século XVIII pode oa iid: ‘hem duas fases: antes de Shakespeare-Wieland ¢ depots, de tkespeare-Wieland, Com essa traducio se anuncia, na Ale ianha, © pré-romantismo, Touve mesmo em Wieland, classicista a maneira © Ro och c racionalista livre-pensador, certos germes pré-roménticos Vn scur pocma épico Oberon pretendew tratar um eniédo fan- Listico, lendario, medieval, & maneira jocosa do seu querido \riosto. A obra que exerceu_na época influéncia notdve pare, cenos hoje meio infantil, Mas certos trechos sio serine " roimanticos, como se o poeta fésse vencido pelo encanto do mun: do de fadas. / i ‘i "Trechos de Oberon: eis tudo o que ainda se 1é, hoje em dia, da obra. imensa de Wieland. Na ocasido do. sesquicentenério di sua morte fizeram-se esforgos sérios para encenar kima, Fes" urcigéo. Nao foram bem sucedidos. Wiclind € autor Kpico de uma época que teve, para ler, muito tempo, Sens vero 1) como sua pros € sud prost é insuportavelmente prolixa Para ler Wieland precisa-se de uma paciéncia que o leitor mo derno j4 nao possul. Editdres alemies ainda costumam in uiir ume selegio (pequena) de suas obras nas rotinciras Edi cies dos Clasicos Alemfes. Mas seré Wieland wm clisico? Quanto A formac&o do seu gésto, ce amente, ‘Tam “e é “d ae sico” pela importincia histériea. Mas j& nao é elisico” no entido de escritormadélo, nem sequer em fungi de sepre wntar perfeitamente determinado tipo literario, © fo jac nae lista sbbrio. Nese tiltimo sentido, o lugar reivindicado par Wicland pertence ao muito menos conhecido Lichtenberg. Georg Christoph Lrcrrrenwrrs (17421799) nfo teve a me Zio histérica de Wieland. Mas € um escritor essencial a jereus mente moderno. Caracteristico jé € 0 fato de que néo foi erw dito, mas cientista, fisico, homem de hdbitos diferentes de pen. samento. Sio diferencas acentuadas pelo isolamento mérals Lichtenberg era corcunda; era homem clo povoy e vivia. em coneubinato, desafiando a’ opiniao piiblica da pequena cidade universitéria de Goettingen. Apesar de tudo, nfo sofia de res, Sentimentos. Superowos pela inteligéncia penetrante e insubor ndvel da auto-andlise e da andlise dos outros. E, na Alemanha, o nico “moralista” no sentido francés da palavra, homem da esti pe dos La Rochefoucauld e La Bruyére, mas dotado do esprit mordaz do século XVII, como Chamfort ¢ Rivarol: um grande satitico, um grancle humorist. E nao se manifestou cm ro. manees prolixas, ileglveis, mas em aforismos curtos, pungentes espirituosos — uma leitura para todos os tempos. Analisands tudo ¢ duvidando de tudo, Lichtenberg cheguu a duvidar do seu prdprio racionalismo: antecipa, com tucider, idéias de Nietzche © de Freud. Masse espitito antecipador também foi do seu tempo. Ligedo 3 Inglaterra — como profesor da Universidade de Goettingen era stidito de Sua Majestace. Brie nica — foi talvez o primeiro literato alemio que empreendeu a viagem para Londres (em vez de Paris ¢ Itélia). Vivo grande ator Garrick em papéis de Shakespeare; ¢ descreveulhe © desempenho de mancira tio viva que contribuiu muito pars a “shakespearomania” da época. Sho, talvez, as melhores ew crighes da _crte histriénica que existem. ‘Bsse Lichtenberg, ‘0, € em outros sentidos um cspitito decididamente anticl’ “cldssico”, no teye repercussio em seu tempo. A. repercussio, teve-a Wieland, e ressoniincia mais ampla que qualquer outce gscritor alemio do século XVIII, pelo menos em sentido geostr4 fico. Wieland era, pelo nascimento, protestantes vivia av parte protestante da Sudbia, rodeada por zonas catélicas, Foi lide, cm téda a Alemanha do Sul. Qs Ieitores catélicos, impedidos havia scculos de ler a Biblia de Lutcro, aprenderam em Wieland 2 lingua alema moderna, Depois disso, poderiam chegar “a ler Klopstock, Lessing, Goethe. Desde a Reforma e a ContraRe. forma, a literatura alema fora exclusivamente protestants, fi cando os caidlicos numa espécic de exilio interno ou gueto sem participar ca evolucio espiritual da nacio. Pela repercus, sdo de Wieland, a Austric, a Baviera e a Reninia reincorpo- raranvse litertriamente & nacéo, 4 qual cm breve chegarie 4 $8 fornecer movimentos ¢ escritores importantes, fi esta talvez a maior contribuigio de Wieland para a literatura alema. Mas é claro que o centro literério continuou, por enquanto, no Norte protestante. © centro era Berlim, a Capital da Pris: sia que o Rei Frederico II, grande como cabo de guerra e como tadista, tinha transformado em grande poténcia. O rei era ho- mem de formacdo exclusivamente francesa, Adorava Voltaire, I’Alembert ¢ outros, menores. Pelos seus numerosos escritos pertence & literatura francesa, na qual ocupa lugar honroso. Considerava os alemfes incapazes de expresso literdria. $6 yostava, um pouco, de Gellert; e escreveu contra todos os ou tios (inclusive contra o jovem Goethe) um panfleto polémico (em lingua francesa), tratando-os como bérbaros, seduzidos pelo (rbaro Shakespeare. Apesar de tudo isso, foi imensa sua in- fluéncia sdbre as letras alemas. Suas vitérias sdbre os exércitos franceses acenderam em tdda parte um vivo patriotismo, j4 nao prussiano, mas alem&o, embora entZo ninguém pensasse na uni- ficagio dos intimeros pequenos principados, ducados, bispados e cidades livres sob a lideranca da Priissia. Mas fortaleceu-se © auto-respeito da nagio, Na prépria Berlim, os circulos bur- gueses, embora exclufdos da vida ptiblica pela aristacracia dos junkers, encontraram satisfagio espiritual no racionalismo. rigi- de do rei, que gostava de zombar das religides estabelecidas, Formouse em Beslim um centro da Aufhlaerung, do raciona- lismo filosdfico ¢ literdério. Mas j4 nao era o racionalismo clas- sicista de Gottsched. Era um racionalismo que sabia apreciar as qualidades da literatura ingl¢sa e que professava, em Estética, pelo menos tedricamente, o culto dos sentimentos quando ele. vados. Organizador désse centro era o editor e livreiro Nicolai. A figura mais importante era Mosts Manperssonn (1729-1786), o primeiro judeu na histéria da literatura alem4: autodidata pobre, inteligéncia penetrante mas limitada, espfrito tolerante mas timido; escreveu em estilo impecdvel sobre Tugares-comuns filoséficos ¢ teve algumas boas idéias em matéria de Estética. Nicolai ¢ Mendelssohn eram os amigos berlinenses de Lessing. Gotthold Ephraim Lwssixe (1729-1781) é 0 maior escritor alen do século XVII] e a primeira figura de formato interna: cional na literatura alem&. Formato internacional quer dizer © mesmo universalismo de um Voltaire, 0 mesmo esprit fin de um Pope, a mesma intensidade da especializacio literdria de 9 um Samuel Johnson, para sé citar contemporineos seus; e pela seriedade moral & superior a todos éles.. Sua repercussio inter- nacional foi, porém, escassa. Em nenhum pais fora da Ale- manha pertencem suas pecas draméticas ao repertério; ¢ suas doutrinas estéticas tornaram-se propriedade de domf{nio puiblico, jo citadas sem que se cite o nome do autor, Lessing 'sd pa- rece ter vivid e trabalhado para os alemfes. Em vez de tor- narsse escritor exropen, tornou européia a literatura alema, Pela sua erudigio imensa — parece ter lido ¢ saber de cor tu- do 0 que se escreveu em Grego e Latim e tudo que em tempos modernos se escreveu sobre a Antiguidade — pertence Lessing a_uma época anterior: A dos eruditissimos filélogos do século XVII, dos Gronovius e Heinsius, Vossius e Bentley que domi- navamn a Gramética, a Lingiifstica, a Histéria, a Cronologia, a Numisméatica, a Arqueologia, a Literatura, a Ciéncia ¢ as Artes dos antigos. Mas seu gésto jf nio é 0 de um mero erudito. Bo de um classicista do século XVII, preparando o neoclassi- cismo dos Goethe € Schiller, Alfieri e Chénier. E certo que a inteligéncia sdbria © algo sfca désse eminente espirito critico nao teria compreendido os grandes poetas citados, muito me- nos a pocsia de um Hoelderlin ou Keats. Tinka passado pela escola do cepticismo de Bayle. Foi um racionalista, homem da Aufklacrung, do Tsclacecimento, das Luzes. Onde tocou, achou algo’ de obscuro a esclarccer, algo de errado a retificar £ um espirite esscncialimente polémico, mas sempre a servico desinteressado de altos ideais Langou o primeiro ataque, no terreno prdpriamente lite- nitio, contra o falso classicismo de Leipzig: “Ninguém ne os méritos do Professor Gottsched Esse ninguém sou eu.” Assim comeca a famosa carta 17 das Cartas Relutivas @ Novis- sima Literatura, Mas, caracteristicamente, Lessing nfo adere incondicionalmente aos sufgos. Sua critica das primeiras obras de Klopstock esta cheia de retictncias. Desconfiava da exal- tacdo religiosa, Repugnou-lhe o lirismo transbordante. Falta. ‘lhe mesmo o érgao para scatir a poesia. E essenclalmente prosaico e prosador, um dos maiores da literatura européia Seu estilo procede como uma investigagio cientifica: indagando, verificando, pondo em ditvida, perguntande irdnicamente, veri ficando outra vez, mas o contrdrio. Th um mestre da légica indutiva, concluinde com teses como se fOssem axiomas inape- 50 liveis. Mas durante 0 caminho para ésse desfecho 0 adver- sitio j caiu no chao, morto por invectivas satiricas, humoris ticas, mortiferas ¢ sempre justas, Lessing ¢ um dos polemistas mais tensiveis da literatara universal, Mas é grande estilista iycla elevagio dos seus ideais, &, como polemista, um modélo de ica profissional. No sfio muitos os escritos de Lessing que pertencem a cri- literéria prépriamente dita. Ao seu espirita clssico ¢ es: pirito racionalista importam as teses gerais, as regras funda- mentais da Estética. Em Laocoon, talvez sua obra capital, parte le uma interpretagao errada do famoso grupo de escultura gre- pal para demonstrar que as artes plisticas sé podem fixar um Fomento, ao passo que as artes verbais nao devem fixi-lo, tendo movimentar-se. Destréi o antiquissimo lema pietara ut poesis (a pintura é como a poesia), demonstrando sua tese com, fabulosa erudi¢io arqueolégica. E chega 2 conclusio de condenar a poesia descritiva. Poesia é portanto, acio, Eo mais alto género de poesia aquéle em que a agio chega a ser fisicamente demonstrada © teatro, A asse respeito, Lessing estava de acérdo com a opi- nido do seu século, Mas os alemies do século XVIII no pos- sujam teatro; e tinham fracassado as tentativas de crid-lo pela imitagdo dos trégicos franceses, Com sacra ira patridtica revol- wou-se Lessing contra esse servilismo. Na Dramawurgia de Hamburgo, acompanhando com folhetos quase didtios a’ tenta- tiva da companhia do ator Ackermann de manter em Hambur- go um Teatro Nacional Alemio, Lessing ataca impiedosamente as pretensdes injustificadas dos Corneille ¢ Voltaire de terem revivificado e recriado a tragédia grega; aconselha aos drama- turgos alemfes seguir o modélo mais conveniente de Shakespeare, que Wieland acabava de waduzir; e termina com andlise minu: ciosa dag regras de Aristételes para demonstrar que continuam o fundamento da verdadeira arte trdgica. A Dramaturgia de Hamburgo 6 enue as obras em prosa de Lessing, a mais fasci- nante. NZo é a mais justa. Sua interpretacio de Aristételes arbitraria e sem valor prético para a dramaturgia. Os ataques contra 0 teatro cléssico francés — que, infelizmente, consegui- ram expulsi-lo para sempre dos palcos alemies — sto injustos, desfigurados pelo ddio patridtica € pela aversio pessoal contra Voltaire; nao atingem Racine nem Moliére que, habilmente, é 51 so pouco mencionados. Enfim, a chamada de atencio para Shakespeare teve enormes conseqiiéncias histéricas: modificou © curso da historia da literatura alema. Mas na Dramacurgia de Hamburgo as paginas sobre Shakespeare so sumédrias, sem aprofundar 0 assunto. Espfrito essencialmente classico, Lessing talvez ngo gostasse intimamente do poeta inglés, empregando-o s6 como anima contra a dramaturgia francesa, Em. sta propria pratica dramatirgica no sepuiu o caminho por éle indicaclo Suas pecas desobedecem as regras da dramaturgia francesa, mas sé assim como um oposicionista ocasional combate o governo sem querer derrubélo, A construgio das pecas é cléssica, Quis dar aos alemies exemplos, modelos de arte draméatica. De arte, mas nio de poesia dramética. Lessing nfo € poeta auténtico. Sua intcligéncia desconhece ¢ desaprovaria o “de regramento de todos os sentidos”. Mas é escritor teatral de ha- bilidade superior. Minna de Barnhelm & a primeira comédia alema digna désse nome. Nao é prdpriamente. “comédia”: nao provoca muito o riso da platéia, Mas permanece no repertério pela _brilhante caracterizagéo dos personagens, inclusive do charlatio francés Riccaut de la Marliniére, como comovente quadro de costumes da Alemanha do tempo da Guerra de Sete Anas, da Priissia fridericiana e do Rococé. — Emilia Galotti: 0 eorédo é 0 antigo, romano, da méca que o pai maton para evitar que fésse seduvida ¢ depra- vada pelo tirano. Lessing colocou ésse cnrédo num pequeno principado italiano do século XVIII. Mas o ambiente latino nao iludiu ninguém. Essa “tragédia burguesa” € na verdade ma acusacfo veemente contra o absolutism dos pequenos prin: cipados alemfes da épeca que humilhava os stiditos ¢ pervertia os governanies. E como “libelo de acusagic” foi Emilia Galotti cempreendida e aplaudida pelos cspectadores _contemporincos, Mas ao perdeu até hoje nada do seu quase fulminante efeite no palco, gracas A construgio dramética que € um modélo de habilidade superior: 0 enrédo desenvolv “se com coeréncia fer- renha, movimentado nio pela fatalidade do sistema absolutista, mas pelos caracteres dos personagens: o brilhante mas frace principe, 0 maquiavélico consclheiro Marinelli, 0 irascfvel pai Odoardo Galottiz e a yingativa maitresse abandonada, a Con- dessa Orsina, © mais eficiente papel episédico em todo o paleo moderno. $6 na psicologia da vitima, de Emilia Galotti, des- 52 olvese ligeira incoeréneia, cuja retificacio teria destruido a onsivugio dramética inteira, E que Lessing, grande arquiteto ratval, nio foi poeta dramético por intui¢ko, mas sé por inte- lig@neia exftica, Com problemas désses jd mio se preoeupou Lessing em whan der Weise (Nathan © Sébio), porque sua intengio foi ouint, Nio & prdpriamence um drama, E uma parabola mo- vu, representa no paleo para protestar contra © fanatismo re- ligioso exaltar o valor da tolerfncia. No momento crucial de wie, stbio judeu Nathan para o qual seu amigo Moses lendelssobn The serviu de modélo — conta a histéria de trés uiéis dos quais ninguém sabe qual & 0 legitimo e quais os Lulsoss € uma historia tirada do arsenal do cepticismo antireli- winso, Mas Lessing inverte os térmos da valorizagio moral: jie quer afirmar a falsidade do judafsimo ou do cristianismo 1 do islamismo, mas a aut@ntica yerdade religiora de todos os lots, Para demonstrar a suprema atualidade dessa tese, que sé \juirentemente pertence ao racionalismo do século XVIT, nia nist referir-se as perseguigées anti-semitas do nosso tempo, ‘jue jd alegam outros motivos do que religiosos. Mas a his: turin des trés anéis & atualissima em nosta’época das. guerras wnarematizagoes ideoldgicas, época que ostenta tacos. sinis- ramente parecides com o fanatismo religioso de tempos idos \pesar da fraqueza da construcio dramstica, Nathan der Weise cowwove hoje assim fundamente como em 1779. E do perso- ingom do frade ingénuo, que é 0 tinico cristio auténtico da pCi, itradia mesmo, no palco, ume inesperada luz podtica, Lessing escreveu o Nathan para encerrar uma polémica teo- legica, a maior e mais perigosa polémica da sua vida. Descen- dete de uma familia de pastires Interanos ortodoxos. da Saxb- nit, Lessing tinha cedo perdido a f€ no cristianismo dogmético: Mas néo deixou de ser cristio. Zombar da religiio, 3 maneira de Voltaire — cm que aprendeu, alids, muito sem jamais que- ver admitilo — nunca foi do seu gésto. Contado, acumula- humrse com o tempo as perguntas, as dividas. Quando em Lhimburgo, entregaramlhe os papéis deixados. pelo livre-pensi- dor Reimarus, © amigo do poeta Brockes, que em vida nio ousara publicdlos. Nesses escritos encontrou Lessing argumen- tos fortes contra a veracidace da hisiéria evangélien da ressur- ieigio de Jesus € uma critica implacével de todos os milagres 53 biblicos e do prdéprio messianismo do Cristo. Lessing nfo se sentiu capaz de opor, a esas criticas, respostas satisfatdrias; mais tarde, alids, téda a teologia protestante do século XIX resumir. sse-4 no esf6rgo de refutar Reimarus ou de fazer-lhe conces: sées ou de ceder-lhe totalmente (veja-se a obra de Albert Schweitzer sdbre a Histéria das Pesquisas em Térno da Vida de Jesus, 1906-1913). Embora j& nao acreditando em milagres estava Lessing fundamente inquictado; c, conforme a estructura da sua mente dialética, resolveu colocar 0 problema luz do debate piblico. Para nio criar dificuldades 4 familia de Rei- marus, alegou ter descoberto aquéles cscritos, andnimos, na bi- blioteca do Duque de Brunswick em Wolfenbucttel, confiada 1 sua diregio; e publicou-os, parcialmente, como Fruginentos da Riblioweca de Wolfenbuetiel, Provocou tempestade cnorme. O pastor Goeze, de Hamburgo, enyolveu-o numa grande polémica, denunciando-o como inimigo do cristicnismo. Lessing respon deu com 0 volume AntiGoexe, a mais poderosa das suas obras de combate. E quando as autoridades Ihe proibiram escrever sobre 0 assunto, encerrou a polémica num terreno para o qual os adversfrios no Ihe podiam seguir: deu ao teatro o Nathan o Sébio. Durante ésse debate Lessing deixou de ser, no foro intimo, cristo, mas sem tornar-se livre-pensador voltairiano. Nos seus iiltimos escritas, sdbre a Educagiio do Género Humano ¢ no didlogo Ernst ¢ Falk, atribuiu 2o cristianismo um valor sé tem- pordrio; admite a possibilidade do género humano evoluir no futuro para outras religides, mais perfeitas; ¢ insinua a idéia da metempsicose, ‘Tudo isso manda abandonar definitivamente a imagem que se fizeram de Lessing os liberais do século XIX, de um racionalista séco ¢ sé razoavel. Houve, nese raciona- lista, um fundo talvez nunca confessado de misticismo religio- so. Mas daqui é um grande passo, grande demais, para a tese, defendida por um on outro critico moderno, ce Lessing tet secretamente sido um gnéstico. Sua lucidez, foi insuborndvel, Acreditamos a estrutura do seu espirito determinada, principal: mente ¢ apesar de tudo, pelo racionalismo e pelo classicismo. Nio sio doutrinas muito apreciadas, hoje em dia, Nao inspi- ram entusiasmo, Mas Lessing sempre foi mais respeitado do que querido, Foi, permanentemente, homem de oposi¢io. Eo alemo médio nio gosta da oposigao. 54 Lessing pagou caro, em vida, por essa sua {ndole de homem independente. Desde o dia em que resolve abandonar 0 estu- do da ‘Teologia para dedicar-se as atividades literdrias, nunca conseguin conquistar uma posigio estdvel. Passou por provas duras, vivendo e Iutando como se fésse um aventureiro das letras, embora contra a vontade, $6 quase no fim da vida o Duque de Brunswick The oferecen o cargo honroso de_diretor da biblioteca ducal em Wolfenbucttel. Mas as intrigas da corte (que se parecia com a de Emilia Gatoiti), a polémica com Goeze, a morte prematura da esposa The amarguraram os tlti- mos dias. Morreu com apenas 52 anos de idade, Muito daquilo poderia ser evitado se Lessing fésse capaz de enqtadrar-se na vida literdria alema do seu tempo: se tivesse icrminado estudes que Ihe repugnaram; passando a mocidade como preceptor € companheiro de viagem de um jovem aristo- crata qualquer ¢ arranjando, enfim, o cargo mal remunerado tas tranqitilo, de vigdria protestante numa pequena cidade ou ildeia. Quase todos os escritores alemfes do século XVIII pas: wram assim a vida. FE preciso salientar — mas as histérias da fircratura alem& néo costimam fazé-lo — a pobreza e mesqui nhez da vida alema do século XVIIL nas Universidades ¢ nas casas dos vigdrios, que eram no entanto os bercos da literatura nova, Um homem forte como Lessing conseguiria superar, pelo menos interiormente, aquéles obstéculos, conquistanda 0 ¢quilf: brio, que seré mais tarde 0 do classicismo de Weimar. Os outros submeteram-se a uma lamentével existéncia pequeno- -burguesa — ou entio, revoltaram-se. As idéias de Rousscau ¢ i boa nova da Revolugio Francesa agitaram os espfritos. 'Tinha chegado a hora do pré-romantismo alemio: do Sturm und Drang. STURM UND DRANG (PRL-ROMANTISMO) Sturm und Drang, literalmente: ‘Tenipestade ¢ Impulso ou Agitacio e Urgéncia, é 0 titulo de uma pega dramftica do pré- sromfntico Klinger. Chegou a ser o nome, geralmente usado, da época do pré-romantismo alemio. Como todo pré-romantismo europeu, o dos alemaes também € uma revolta do sentimento contra a razio e do sentimentalis- mo contra o racionalismo. Na Alemanha, essa revolta tem ori gens remotas, (que foram esclarecidas por Wieser) no misticis« mo espanhol e¢ quictismo francés, que no comégo do século XVIII se infiltraram na Renfnia; encontraran com 0 pie tismo, partido da Saxdnia; ¢ ésses movimentos constituem du rante o século inteiro um rio subterrAnca de sentimentalismo, ora choroso, ora violento, que cnfim se tornou mentalidade dominante, irracionalista, protestando em nome da religiso con tra o materialismo dos livres-pensadores ¢ em nome da poesi contra o racionalismo. Parece, portanto, movimento reaciond rio contra o progressismo do século XVIII. Mas é na verdade, uma reacio revoluciondria contra a estreiteza da vida dos in- telectuais sob o absolutismo mesquinho do Ancien Régime na Alemanha: contra a arbitrariedade e 0 luxo barbaro das cértes, que gastaram milhdes para teatros de épera, palécios no estilo de Versalhes e para as concubinas dispendiosas dos principes, extorquindo o dinheiro dos stiditos e chegando a vender salda- dos ) Inglaterra para a guerra na América; contra as draco- nianas leis penais (o proceso e a execucio da médca seduzida que matou o filho recém-nascido é tema preferido dos drama- turgos da época); contra o moralismo rigido das convengées pe- queno-burguesas; contra a intolerancia dos ortodoxos past6res luteranes; contra a crueldade da disciplina militar; contra as barreiras invenciveis entre a aristocracia e as outras classes da 56 oa inca ena sociedade. Até ent&o, a casa do vigdrio protestante nas aldcias © pequenas cidades f6ra o centro de tranqiiilas e inofensivas wividades literdrias. Foram os yigdrios que criaram na Alc- manha o racionalismo, a poesia anacredntica, a literatura do Rococé. Agora, sic os filhos désses vigdrios revoltados contra 1 obrigatoriedade da carreira “estudante-preceptor de aristocra- \wvigério”, que criam o pré-romantismo do Sturm und Drang. lim breve, também se entusiasmario pela Revolugio Francesa. 1 justificam a legitimidade da sua revolta, invocando sua con- digio de “génios”. Esse térmo néo tem, inicialmente, o sentido we qualidades intelectuais superiores ao comum do género hu- mano. Nos tedricos italianos e ingléses da Estética, na primeira metade do século XVIII, 0 “genio” é 0 contrério do “gésto”: a capacidade de criar valores de beleza sem obedecer ds re- yas eruditas pelas quais é formado 0 gosto artistico dos cultos; capacidade atribufda ao povo e invocada para reabilitar 2 poesia popular, que o gdsto cléssico desprezara. Um “genio” é, entio, wuéle que nfo precisa de regras para comover e edificar. “Ge- vial” € a poesia sem imitac3o dos antigos e “genial” é a reli- giosidade livre sem dogmas. Os pré-romAnticos alemies pre- lendem viver € escrever sem e contra as regras da sociedade e da literatura do século; por isso julgam-se “génios”. O Sturm und Drang faz parte do pré-romantismo europeu. Chegou atrasado, sujeito a vérias influéncias estrangeiras. Uma das primeiras foi o romance sentimental inglés, sempre escrito cm forma epistolar, Pamela e Clarissa, os romances epistolares de Samuel Richardson, comoveram téda a Alemanha até as 1 grimas. Klopstock confessou que, ao lé-los, chorou até no. po- der mais continuar a leitura. Os sofrimentos da donzela casta, perseguida pelo Don Juan aristocrStico, também foram uma ad- verténcia contra a soberbia dos nobres; ao mesmo tempo, en- contraram os leitores uma satisfacio nao confessada na leitura dos episédios licenciosos daquela persegui¢io. E a exposicao de sentimentos ¢ sentimentozinhos, nas cartas que constituem os ro- mances, é bem compreendida pelos pietistas, acostumados 4 auto- -andlise dos seus pecados, & introspeccto’ psicolégica, _Enfim, haverd o génio do sentimento: o Werther de Goethe; e Werther também € romance epistolar. Na segunda metade do século, a influéncia de Richardson & sobrepujada pela descoberta de Shakespeare. A tradugao de 57 Wieland & Avidamente lida. Em breve, os clogios algo plat: nicos de Lessing, na Dramaturgia de Hamburgo, sho. conside- rados insuficientes. Shakespeare & para os pré-romAnticos ale- mies, 0 “génio selvagem da Natureza”. Leram-no na prosa da tradugio de Wieland, ignorando-lhe portanto os valores. pos ticos. Da dramaturgia clisabetiana sé percebem um fato ne gativo: a falta das unidades de agao, tempo ¢ Ingar. Na mu danga répida de cenas curtas acreditam encontrar a esstneia dessa dramaturgias e escreverio assim suas prdprias pecas, sem construgio coerente, uma seqiténcia de muitas cenas abruptas; © sempre em prosa. Enfim, 0 grande ator Friedrich Ludwig Scnxorner (1744-1816), diretor do teatro em Hamburgo, ousa representar pegas de Shakespeare — até entao s6 scrviram para a Ieitura — no paleo. A representagio de Hamlet em Hambur- go, cm 20 de setembro de 1776, é a maior date na historia do teatro alemio, Em breve seré Shakespeare o dramaturgo mais representada nos palcos alemfes. No alto intelectualismo ¢ pro- fundo sentimentalismo e na indecisio © incapacidade de agir de Hamlet os jovens “génios” alemies reconhecerdo, como num espelho, seu retrato ¢ seu destino. ‘Tédas as influéncias decisivas — menos uma — chegam da Inglaterra. As poesias ossifnicas, publicadas pelo escoctés Mac- pherson, provocam na Alemanha uma tempestade de entusia mo pelas névoas nérdicas, pelos luares tristes em cima de tie mulos de herdis esquecidos, pelos guerreiros de uma época re- mota que sc acreditavam germfnicos, pelas cangdes dos bardos © pelas Lgrimas das virgens; pela prosa ritmada e os versos sem rimas; ¢ pelos nomes, até entio desconhecidos, de Oscar Selma. Em Goettingen ¢ em outra parte os estudantes formarzo clubes para o culto da poesia ossifinica (Hainbund), E, Goethe incluiré um trecho de Ossian no Werther. Ossian € um nome, s6. BE nome-simbolo do povo que criou aquelas poesias. Em 1765 publica o inglés Percy as Reliquias da Antiga Poesia Inglésa, acwirdvel colegio de poesias popu- ares, especialmente baladas escocesas, E mais uma prova do génio poético do pov. Os jovens literatos alemfes comecam a colecionar poesias populares na Alsécia, na Francdnia, em téda a parte, As estrofes simples, os sentimentos elementares, a climinagéo do clemento descritivo, tudo isso serio determi. nantes da poesia lirica alem’. 58 Peas iis es Mas a influtncia mais poderosa de tédas veio da Franga: \ influéncia de Rousseau. O culto da natureza, contra as con- vengées da sociedade. © culto do sentimento, contra as impo- sigGes da razio. O culto do povo, contra as limitagdes do Ancien Régime aristocrético. B, para os jovens “genios" alemies, uma fo. E em breve’ sera mesino 2 Revolui reve Ao lado e a0 encontro de tdas essas influéncias estrangeiras existe mais uma outra fonte do irracionalismo préroméntico emo: & uma mentalidade mfstica que tem suas origens nas fonteiras orientais da lingua alema, na Silésia e no Baéltico. Desde Jakob Boehme tisha a Silésia dado grandes espiritos ¢ varios movimentos misticos. Eos pafses bélticos, a Leténia wbretudo, dominados por uma aristocracia alema, tinham nos vidrios protestantes ¢ seus filhos cultores assfduos de uma ati- vidade literdria, muito afastada do racionalismo ocidental € pre+ destinado ao irracionalismo pelos contactos com o mundo eslavo. Vambém assim a vizinha Prissia Oriental, onde nasceu Johann Georg Hamann (1730-1788) em que, sc nio fossem as datas, hinguém reconheceria um contemporfneo de Lessing. Ti, em tudo, o contrério do grande critico licido. Homem debochado \jue se converteu a um cristianismo iluminado, visiondério, Es- pfrito introspectivo ¢ antidialético, que em muitos pontos se eneontra com Kierkegaard. Autor de idéias originais sObre a mnisteriosa origem da lingua. Em suma: um irracionalista to- tal, ao ponto de tornar-se quase incompreensivel nos seus eccri tos. Suas idéias deviam passar pelo crivo de uma critica su- perior para revelar sua férca seminal, criadora. Essa erftica era a de Herder. Johann Gottfried Herver (1744-1803) € dequele tipo de yrandes homens que n&o deixam uma cobra, mas provocam efei- los maiores do que qualquer obra bem feita. Suas idéias de critica literdria incorporaram-se de tal modo & consciéncia co- mum que ninguém 44 se lembra da autoria delas, Seus escritos religiosos e filoséficos séo importantes como elos da transigio do racionalismo para o Romantismo ¢ do kantianismo para o idealismo pés-kantiano; mas nio passam de obras de transi¢ao. Seus livros de Filosofia da Histéria séo bdsicos na génese ¢ evohigio do historicismo, do qual Herder é um dos fundad nas veio Hegel, logo depois, ¢ o historicismo supergxe“deQay modo as idéias germinais das Idéias Sébre a Filosofficta His- FURge 7 iéria da Humanidade que essa grande obra jA nia & lida por ninguém. Enfim, Herder tinha extraordinério talento de tra- dutor, Sua versio alem’ do Poema det Cid € porém muito livre. Como poeta, era medfocre. Mas sem Herder, Goethe nfo teria sido 0 que foi Shakespeare {4 estava redescoberto; mas nio estava bem compreendido. Herder, com extraordindria inteligéncia critica descobriu no suposto “génio barbazo ¢ instintivo” novas © nao adivinhadas leis da estrutura dramatica ¢ poéticas chegou a des- cobri-las porque, como o primeiro, sentiu a grande poesia em Shakespeare, que os outros tinham’ lido em prosa. Sem as breves mas penetrantes observagées de Herder —~ cxemplos insuperados de erftica criedora — no teria sido possi vel a critica shakespeariana de Schlegel e de Coleridge, As mesmas leis da expressio e estrutura, sem regras e sem “gOsto” clissico, encontrou Herder na poesia popular; sua colecto de poesias populares, traduzidas ¢ anotadas, de ‘tddas as nacdes, dos escandinavos até os sérvios-croatas, a colegio Vozes dos Povos, talvez, fssc a mais influente de tdas as suas obras. Come poesia popular no mais alto sentido da palavra.apresen- tou le & Europa as epopéias homéricas. Como “arte do povo”, anénima, admirava éle a catedral de Fstrasburgo; ¢ estava ree descoberto € reabilitado 0 esquccido estilo gético, que serd o ideal artistico do século XIX. As idéias de Herder sobre a origem popular das epopéias homéricas — fonte das tentativas posteriores, de Friedrich August Wolf ¢ outros, de desmembrar os dois poemas em fragmentos — essas idéias basciam-se numa fé mistica na forga crladora do anénimo espitito coletivo do povo. Eo que Herder tinha aprendido em Hamana: “Poesia é a Mngua mmaterna do género humano.” Essa teoria do “es plrito do povo” € nova versio de idéias de Vico, precursor de Herder na fundago do historicismo, Serd logicizada por He- gel, como teoria do Espfrito objetivo. Produzir4, ainda pelo proprio Herder, caracterizagées insuperdveis das indoles dife- rentes das diversas nagées curopéias. Levario 20 nacionalismo literatio € religioso © ao medievalismo dos roménticos alemaes, A idéia ainda ressurgird nas definigées diferenciais das diversas culturas da Humanidade, em Spengler, cuja Filosofia de Histé- ria € 0 ponto culminante do historicismo herderiano. Para on- de se olha: Herder € 0 espfrito criador das idéias dos séculos XIX e XX, 60 i Criou-os pela extraordindria capacicade de individualizar os fendmenos concretos. Por isso mesmo, Goethe, discipulo de Herder na mocidade, resistiulhe quando se convertera, em Weimar, ao classicismo, que subordina o particular ao tipico. © classicismo de Weimar, embora incapaz de impedir a in- fluéncia das idéias de Herder, quebrou porém a influéncia pes- soal de Herder na Alemanha, amargurando-Jhe o fim da vida. fisse anti-herderianismo ainda ressurge, de vez em quando, Um critico inglés moderno acreditava encontrar em Herder a fonte do nacionalismo alemio. Outtos apontaram a forte influéncia do seu capitulo entusidstico sébre o futuro dos eslayos (nas lddias Sébre a Filosofia da Histéria da Humanidade): 6, real- mente, a fonte do eslavofilismo russo € tcheco e do pan-eslavis- mo. Mas Herder exaltava diferentes nagdes sé como Vozes dos Povos, como figuras participantes da grande orquestra do yénero humano a0 gual previu, como Lessing, um final har- monioso. Foi um apdstolo do névo humanismo humanitério. Afinal, também um filho do século XVII. Na Alemanha de 1770 ¢ 1780 teria sido dificil apontar éste ou aquéle poeta como diseipulo de Herder. Todos foram. O menos tedrico © o mais auténtico désses herderianos é Matthias Ciaupts (1740-1815), homem simples que nfo adivinhava a profundeza das idéias de Herder; mas foi de superior profun- ceza e pureza da alma, que chegaram a manifestar-se numa poesia de qualidade inédita, Claudius foi escritor popular. Suas publicagdes, como Der Wandsbecker Bote (O Mensageiro de Wandsbeck), serviram 4 instrugio ¢ edificagéo de povo sim: ples ¢ pouco letrado, Literatura de almanaque, mas escrita nu- ma prosa como de bronze, dir-se-ia romana, se néo fésse tam- bém comovida e comovente. No meio dos capitulos aparecem poesias, curtas, simples como cancdes populares, de tal modo que voltaram depois a ser cantadas pelo povo. So as primei- ras poesias liricas auténticas da nova literatura alema. Podem figurar dignamente ao lado das melhores poesias Liricas de Goethe; As vézes, até o superam. O famoso Abendlied (Can- cio da Noitinha) talvez seja a mais perfeita poesia Krica em lingua alemi. A Morte e a Donzela nao precisa da comovente miisica de Schubert para ser o que é; 4 Morte © 0 O Homem, embora menos conhecidas, n3o sio menores. As poesias de Claudius néo so numerosas. Parecem incidentes numa vida de prosa. Mas esta também foi grande prosa. 61 A. aparente “simplicidade” de Claudius impediu durante muito tempo o reconhecimento do seu valor, Os contempo- rincos preferiram a poesia “popular? de Gottfried August Buercen (1747-1794), justamente porque feita com superior in- igéncia artistica. Preferimos hoje a cstas suas pocsias bucé- licas os sonctos, de grande perfeigao formal, ¢ os pocmas erd- ticos em que Buerger manifestava com sinceridade comovente os conflitos da sua vida pessoal, um casamento a trés que escan- dalizava os contemporincos, Buerger, poeta de grande talento, desperdigou sua vida; um ataque critico de Schiller, desagra- divelmente moralistico, deulhe o golpe de graga; mas nao Ihe diminuiu a grande conquista da sua vida: Buerger foi 0 pri- meiro poeta alemao internacionalmente reconhecido ¢ tradu- zido para tédas as linguas, Foi o sucesso das suas baladas, inspiradas pelas baladas escocesas das Reliquias de Percy ¢ accr- tando com felicidade 0 tom popular. O enrédo da balada Lenore consta do folelore de varias nagdes germinicas ¢ eslavas: a méca esperando em vao o noivo do qual nao sabe que morreu na guerra, é enfim levada pelo espectro do revenant para o cemitério. Ainda hoje a leitura da Lenore de Buerger da um frisson. Por volta de 1800, a Europa téda cra buergeriana. Do classicismo racionalista herdaram os pré-rominticos. do Sturm und Drang a ambigio de dar aos alemaes 0 teatro na cional que ainda no tinham. Mas agora devia ser um teatro shakespeariano. Essa produgao dramatica passa, tradicionalmen- te, por sero lado mais forte do Stam und Drang; também Ike dew o nome. 'Também é verdade que os dois maiores dra- maturgos do movimento serdo os dois grandes poetas da fase imediatamente posterior da literatura alema: Goethe ¢ Schiller. Mas os dramaturgos que nao conseguiram superar o pré-roman- tismo, sé tém importincia histrica; e mesmo esta éles devem a produgées em outros géneros. Helarich Wilhelm Gunsten- pure (1737-1823) € 0 autor da primeira tragédia pré-romintica, Ugolino, trada de umn episédio do “Inferno” de Dante. Mas quando morren, decénios depois, em pleno Romantismo, j4 36 era Iembrado como critico yeemente que tinha antecipado ¢ depois exagerado certas posicées de Herder, Destino semethante foi o de Maximilian Kuancer (17521831), autor dagquela pega Sturm und Drang que den o nome & época, ¢ de muitas outras pecas, melhores, ‘mes das quais nenhuma sobrevive. ‘Também 62 cxcreveu varios romances fantdsticos, inclusive sdbre o tema de Vausto, romances satiticos, trfgicos, violentos como suas pegas. Conseguiu, enfim, acalmar o Sturm, a tempestade na sua alma. Redigiu um notével livro de aforismos, de sabor classico. FE chegou a ser general do exército russo. Viveu tanto como seu contertineo Goethe; mas j4 tinha perdido, havia decénios, o contacto com a literatura. Quem no se calmou assim, nado ientaria por muito tempo a alta temperatura emocional do Siurm und Drang. Assim o genial Michael Reinhold Lenz (/751-1792), que quis rivalizar com Goethe e acabou na noite da loucura, Suas pecas, verdadeiros modelos de construgio (ou ndo-construcio) em curtas cenas abruptas ¢ em prosa rude © pungente, escandalizaram pela escolha de enredos atuais. da vida sob o Ancien Régime alemao: Die Soldaten (Os Solda- dos), a vida desregrada dos militares nas pequenas guarnigées, sendo vitimas déles as mécas da pequena burguesias Der Hoj- meisier (O Preceptor), a sorte infeliz dos jovens intclectuais a servigo das famflias aristocrdticas, As pocsias lirica de Lenz revelam talento de alta categoria. Algumas estio dedicadas a Vriederike Brion, a médca alsaciana que Goethe tinha abando- nado, Sempre quis Lenz continuar nos caminhos de que Goethe jd safra; mas enfim, o insucesso o enlougueccu. Mas sempre houve, depois, quem preferisse que a literatura alema tivesse se guido a orientacgio revolucionfria de Lenz, em vez da classica de Goethe. Em 1828 0 romintico Tieck, j4 velho, editou-lhe as obras, caracterizando-o na introdugio como o verdadeiro centro da literatura alema de 1775. Edicio e introdugio impressiona- ram vivamente o jovem Georg Buechner, que escreveu uma novela (inacabada) sdbre a loucura de Lenz e¢ lhe adotou o estilo dramético. Por volta de 1920, 0s dramaturgos expres sionistas redescobriram Lenz (e Buechner); e uma das pegas, O Preceptor, foi representada em nova versio para o paleo, fcita por Bert Brecht. © problema para os préromanticos do Sturm und Drang cra: sair do Sturm und Drang. Tentaram os mais diferentes caminhos de fuga. Johann Jakob Heise (1749-1803) procurow © paraiso da revolta ¢ do amor livre em épocas remotas, como na Renascenga italiana, ou fora da literatura, na vida dos mt- sicos, Ardinghello é o romance dos pintores (¢ de suas mode- Jos) na Itdlia. Hildegard von Hohenthal & 0 romance dos com- 63 positores de dperas (e de suas cantoras) na Alemanha contem porinea, Enredos frdgeis, vivificados por desctiges assom- brosas de obras de artes plisticas e de composigacs musicais — Heinse eta conhecedor e quase profissional dessas artes — © por episédios obscenos, até pornogrdficos. Heinse cra prosador de primeira ordem, Brilhava em terrenos (a pintura dos tempos modernos, a miisica) de que os cléssicos de Weimar nao enten- diam ¢, adeptos de um ideal escultérico, nfo quiseram entender. Rejeitaram, com desgésto ¢ desprézo, o sensualismo de Heinse, que foi para o limbo ou para o purgatério dos historiadores lite. rérios. Mas elementos da sua arte literéria sobreviveram no interésse dos romanticos pela Renascenga (Tieck) e pela mt sica (E. T. A. Hoffmann). Caminho oposto foi o de Heinrich Stilling, geralmente ¢ mado June-Sniume (0 jovem Stilling) (1740-1817), por causa do seu comovente livro autobiogréfico sdbre sua mocidade em ambiente pietista; conforme Nictache, “um dos quatra _melho- res livros em prosa alma’, Também foi um revoltado. Mas encontrou a paz no espiritualismo. ‘Fornou-se mistico, cole= cionando vis6es e profecias, Exerceu forte influéncia sobre cer- tos circulos na Russia, onde nao foi esquecido. Um de seus escritos, “Histéria da Vitéria da Religitio Crista”, é a base das Trés Conversus do grande mistico russo Soloviey. Mas sé Carl Philipp Monrrz (1756-1793) chegou, quase, ao equiltbrio. Crescido na estreiteza sufocante da pequena bur- guesia pietista, revoltou-se: fugiu para tornar-se ator. Fracassou no teatro. Mas teve a forca para auto-reeducar-se, Seu romans ce autabiografico Anton Reiser é um dos grandes documentos psicolégicos do século XVII. Merece ser lido e volta hoje a ser lido. Mas nfo deixa adivinhar a evolugo posterior de Moritz, que na Itdlia se tornou classicista, entrands em boas relagdes com Goethe. Goethe ¢ Schiller sio os autores mais importantes que par- ticiparam do Sturm und Drang; também sio os Gnicos que o su: peraram, tornando-se os protagonistas de uma nova face da lite: ratura_alema. A necessicdade de estudé-los em cada uma das duas fases ¢ a grave inconvenitncia de que, désse modo, se tornaria impossivel o cstudo de suas Obras em conjunto criam para a historiografia literdria um problema. Qualquer soluedo dada a ésse problema seré insatisfatdria. No presente livro ten- 64 sane lise a seguinte: neste capitulo, sdbre o Sturm und Drang, esludar sumariamente as obras pertencentes 4 fase pré-romantica ile Goethe e Schiller; e no capitulo seguinte, sdbre o classicis- iio de Weimar, voltar a essas obras, enquadrando-as no pano- tuma total da Obra de Goethe e Schiller. $6 importam, por enquanto, aquelas qualidades caracter(sticas de Werther, Goetz, Ur-Kaust, Bandoleiros, Cabala e Amor, que relacionam essas obras uno préromantismo. s grandes obras préromdnticas da mocidade de Gozrne wo: Gocts von Berlichingen (1773), Die Leiden des jungen iVerther (1774), a primeira yersaa do Fausto (“Ur-Faust") (1775); © boa parte da produgo lirica. Goetz € um drama histénico: o enrédo € tirado da autobiografia do protagonista, sjue participou das Iutas andrquicas dos senhores feudais no ‘uipo da Reforma, Ao século XVII aquela épeca afigurava-se wucdieval”. A. escolha do enrédo cozresponde, portanto, a0 novo interésse pela histéria medieval e pelo estilo gotico. A idenica dramatica é a mesma dos outros dramaturgos do Sturm und Drang, isto & 0 mal entendido Shakespeare: muitas cenas cuirlas, abruptas, em prosa yigorosa. BE digno de nota o forte patviotismo alernfo que inspira a peca, temperaco porém pelo inidomvel desejo de liberdade individual, anirquica. A pega cuygendrou intimeras imitacdes, os Ritterstuecke (pegas histéricas, dy tempo dos cavaleiros feudais). — Werther € romance epis- tohir, como os de Richardson; e € romance sentimental, de undres infelizes que acabam no suicidio. O modélo imediato cra a Nouvelle Héloise, de Rousseau. Mas a concisio maior da obra alema contribui para intensificé-la; ainda hoje, apesar dit imensa mudanga de gésto, a Jeitura desprevenida do roman- ce pode ser fascinante. Motivo secundério do suicidio sio as umbigdes decepcionadas de Werther, frustradas pelo exclusi- vismo aristocratico do Ancien Régime; mas Goethe relegou ésse motivo para o segundo plano, quase escondendo-o, Q romance léz chorar a Alemanha inteira, provocando imitagGes até na vida, suicidios reais. ‘Também € importante a repercusséo inter- nacional da obra, as tradugées para tédas as linguas, a admiracio de Napolefio, as imitagéies estrangeiras (clas quais a mais im- portante sio as Ultime lettere di Jacopo Ortis, de Ugo Foscolo). Para muitos Goethe ficou sempre o autor do Werther. — A primeira yersio do Fausto, 0 chamado Ur-Fatst, s6 foi desco- 4 65 berto em 1887. Confluem nesse fragmento: certos estudos ocul dsticos do jovem Goethe; as primeiras leituras de Spinoza; a influéncia de Herder € o interésse pelo gético medieval; expe rigncias do estudante nas Universidades de Leipzig e Estras: burgo; eo amor a Friederike Brion, que éle depois abandonou, sentindo remorsos durante a vida téda, 0 que € 0 nticleo da historia trdgica de Gretchen (Margarida); e 0 tema da médga seduzida e abandonada é um dos preferides da época. Mas ‘0 Ur-Faust nfo passa de um primeiro esb3co, caracteristicamente juvenil © tempestvoso. — Enfim, Goethe escreven durante essa fase préromintica hoa parte da sua imensa producio Hrica. Basta essa parte para identificé-lo como o maior poeta lirico dos alemaes, Sao poesias simples em estilo popular, como o conhe: cidissimo Haideroestein, que voliou a ser poesia popular. Ou entio, sfo intensos poemas ecéticos (como os dedicados a Frie- derike Brion) ¢ da Natureza. Depois, os grandes hinos, tpi: camente prétomanticos: Prometheus; Grenzen der Mensch: heit (Limitcs da Humanidade); Das Goettliche (O Divino). Talvez, 0 ponto mais alto seja Hararcise im Winter (Viagem pelo Harz Durante 0 Inverno), conhecido como Rapsédia na composigio de Brahms, Mas enfim, a tempestade se acalma: em Wanderers Nachilied (Cangio da Noite do Caminhante) em An den Mond (A Lua), Goethe alcanga 0 supremo ob: jetivo da poesia lirica, aquilo que Wordsworth chamou de emotion recollected in tranquillity. A passagem de Scnizer pelo Searm und Drang foi mais répida, mas a rcpercussio nZo menos forte. A primeira pega, Die Raucber (Os Bandoleiros) (1781), € a expresso. mais in- tensa do anarquismo que inspirava a mocidade de entio, rebel- des contra tndo, inclusive contra os lagos de familia. A segunda peca, Fiesko, € uma “tragédia republicana”, coisa inédita na Alemanha do Anciea Régime ¢ antes da Revolugdo. A terceira pega, apesar do titulo infeliz Kabale und Liebe (Cabala ¢ Amor) (1784), & a mais importante das trés. §, depois de Emilia Galotti, a primeira “tragédia burguesa”, agora j4 em ambiente contemporineo; muito menos artistica ¢ muito mais agressiva que a peca de Lessing. E acusagéo violenta contra as maqui- nagies diabélicas dos pequenos maquiavéis que aconselham os principes absohutos; ¢ a histéria trégica dos améres de Ferdinand ¢ Luise, que hoje parece de um sentimentalismo insuportavel, 66 épaca um libelo veemente contra cs preconceitos da © sentimentalismo & bem da época do Werther. Nem sem- jue (Uo agressive. Os jovens poctas do Hainbund (Liga do jue) adoram Klopstock ¢ detestam o lascivo Wieland. De- tu verdadeito culto & Lua, recitando versos de Ossian. Seu {eal @ morrer cedo em cima do timulo da amada. Quem liven mesmo cedo, tuberculoso, foi Ludwig Christoph Horry (141-1776), poeta bucdlico, da transicfio do Rococé para a me- juicolia romantica. Sobrevivem, déle, algumas cancées estu- iv © um ou outro poema em metros clissicos, poemas de ww aiinda Brahms gostava. Esses metros antigos sio heranca \. Klopstock. Plenamente chegou a dominé-los um outro mem: ia do Hainbund, 0 Conde Friedrich Leopold zu Svronperc (1/50-1819), em que hoje se reconhece um precurtor de Hoelder- lin, O uso désses metros néo foi considerado como recidiva ao ido classicismo racionalista. Pois Herder j4 tinha incul- ula ans jovens a admiragio por Homero como expressio. mé im cla “poesia popular”. E foi um dos poctas do Hatnbund tic deu aos alem&es o Homero alemio. i por essa tradugio sobrevive Johann Heinrich Voss (1751- [hJo) na meméria da posteridade. Mas merece mais, —Seus lilios Luise ¢ Der siebzigste Geburtstag (O Septuagésimo Ani- cinirin) nko foram “superados” ou “invalidados” pelo muito wis perleito Hermann und Dorothea de Goethe. Sem pre- Innaoes épicas, sio quadros encantadores da vida tranqitila nas 's de vigdrio na Alemanha antes da Revolucio: vinhetas do Uxord. Mas Voss, racionalista impenitente apesar das suas ve- jeidhdes préroménticas, nio desconhecia nem silenciou o reverso yinedalha. No dialeto da sua terra de Meclemburgo escreveu ‘idilio” amargo Die Geldhappers (Os Usurdrios), acusagio mente contra o feudalismo que explorava os servos-campone © essa obra foi, depois, deliberadamente esquecida pelos his joviadores da literatura alema. Vivas continuam as tradugées lu Odisséia (W781) e da Hade (1793), tradugdes quase perfeitas, poly fidelidade ao original sem violentar o espfrito da lingua lens’, pelo domfnio magistral do hexfimetra e por uma forca liyistica criadora que lembra a de Lutero. OQ modesto Voss ‘uipa um lugar de primeito plano na histéria da Ifngua poé- 67 tica alema. Sem gostar pessoalmente do tradutor, homem inéle- xivel € algo stco, Goethe e Schiller reconheceram com gratidao 0 que Ihe deviam. Entre a publicagio da Odisséla e a publicagio da Iifada viajou Gocthe para a Ilia © comegou Schiller a dedicar-se a estudos histéricos ¢ filosdficos. FE 0 inicio da grande época de Weimar. ICISMO E ANTICLASSICL © Sturm und Drang préromantico tinba enquadrado a li jerattra alem@ na grande orquestra das litereturas curopéias, hvendo-a participar da revolia geral contra as convengoes poli- licas, literdrias © morais do Ancien Régime. Foi um movimen- to da mocidade. Nao ligava absolutamente aos ideais classicos li perfeiglo e da beleza. TE nao aleangou perfeicgo nenhuma. Com pouqufssimas excecies, a literatura do Sterm und Drang pereceur com o dia, tendo hoje apenas interésse para os especia- as da bistéria literéria. Mas a maioria dos literatos alemaes tinda continuou fiel Aquele préromantismo quando em Weimar © na vizinha cidade universitéria de Iena jd se criaram as obras, ve valor permanente, que constituem até hoje a maior gléria ik literatura alema. N&o ¢ possivel atribuir essa nova situagdo ipenas 2 presenca de dois homens de génio superior, Goethe e Schiller. © classicismo de Weimar tem outros fundamentos saciais ¢ estéticos do que o Sturm und Drang. Gocthe, filho de um burgués de Francforte, ¢ Schiller, filho le um médico militar da Suabia, ficam enterrados em Weimar ho mausoléu da dinastia reinante. Foram, pouco depois de che- idos ali, enobrecidos, Foram, j4 antes, admitidos na sociedade Weimarana, uma das mais exclusivamente aristocraticas da Ale- manha de entio, que estaya acostumada a tratar pestoas sem \itulo nobilidrquico sé como se tratam fornecedores ou lacaios. A hase social do classicismo de Weimar é a admissio da bur- puesia culta na sociedade, A reyolta dos filhos de pobres vigs hios de aldeia tinha perdido o objetivo. Goethe © Schiller serao, também por isso, cs fdolos da burguesia alem& do século XIX. Por meio de uma reforma estéticorliterdria estava conquistada parte daquilo que na Franca conquistara a grande Revolugao. 69 Aquela reforma estético-liveréria € tlpicamente alemi. As sim como a Reforma luterana conquistou a ilimitada liberdade espiritual do fro fntimo ao preco de consagrar o absolutismo dos principes ¢ da sua burocracia, assim a reforma estética de Weimar desistin da participacio na vida publica, retirando-se para o reino da liberdade total da criagio literdria, como para um reino de idéias platénicas. Tinha-se consciéncia da natu- reza ideal dessa criagdo. Schiller opde a serenidade da arte ao realismo da vida. Goethe fala das “belas aparéncias”. Aquela © estas foram cncontradas num modélo que jé nao existe ou tolvez nunca existisse na realidade, mas que sempre existird no terreno ideal: a Grécia, Foi, evidentemente, uma Grécia estilizada, “apolinea”, sem manchas de fealdade, sem exaltacées menos decorosas. Nao uma Grécia classic uma Grécia classicista. ‘lambém o estudo cientffico désse ideal desenval- veu-se dentro de limites ccrtos, como um culto. O térmo “Filo- logia” nao significa na Alemanha, como em outras paises, estus dos lingitisticos, mas exclusivamente o estudo dir-se-ia sacerdotal da Antiguidade greco-latina; ainda Nietzsche seré professor de Filologia nesse sentido, Quem fsse capaz de imitar com feli- cidade os gregos, criando camo éles obras de beleza imortal, ocuparia na Alemanha de 1800 exatamente © mesmo papel dos Miguel Angelo e Rafaclo na Itdlia de 1500, Weimar realiza ou pretende realizar a Renascenga, que a Alemanha de 1500 nao conseguira acompanhar porque perturbada pela Reforma. Goethe € Schiller, embora respeitando a moral cristi, sio filosdficamente, como tantos grandes artistas da Renascenca, pagios; Goethe chegou a chamar-se a si préprio “nao-cristio decidido”, © primeiro désses pagiios alemies fora Johann Joachim Wisexeimann (1717-1768), Filho da pequena cidade de Stendal, no Brandcburgo, onde hé séculos 36 havia luteranos, conyertewrse sem Iutas intimas e sem esertipulos ao catolicismo romano 86 para se Ihe abrirem as portas de Roma governada pelos Papas. Na verdade, nfo houve conversio, meas indife- renga total a qualquer forma de religiio crista, O que impor- tava, s6 era o caminho: da pobreza abjeta de um mestre-cscola em Stendal para os palécios dos cardeais romanos onde Winckelmann, vestindo a batina de um abé do século XVUL, vivia cm companhia de belas -estdtuas gregas. Nao sabia dis tinguir bem entre arte grega, arte helenfstica ¢ arte romana. 70 \dmirava igualmente 0 Apolo do Belvedere e 0 grupo de Luivcoonte, $6 tinha olhos para a escultura, talvez porque seu smostexualismo the inspirava admiracéo ilimitada do corpo wulturados como pederasta cafra em companhias duvidosas e wsin encontrou durante uma viagem, em ‘Trieste, a morte pelo puohal de um “amigo”. Admirador exclusive da escultura rey assim como € representada nos museus modernos, Winckelmann criou sua imagem pessoal da Grécia: estétua co- io. que petrificada no meio do movimentos e branca como o iinimore e as c6pias em gesso. FE esta a Grécia que redesco~ nin em sua monumental Histéria da Arte da Antiguidede, bya que conguistou a Europa. Disefpulos de Winckelmann orio os artistas que criaram 0 estilo Empire, até Canova, Goethe, iinindo em Roma, seguird 05 caminhos de Winckelmana, Ainda Henri Beyle, a0 escolher um pseuddnimo, lembrar-se-4 da pe- nena cidade onde © pagio alemao-romano nasceu, ¢ chemar- i Stendhal. ; Winckelmann, em que pesem seus erros de Arqucologia, Ini_grande escritor. Snas descrigdes de esculturas gregas no cwrito Pensamentos Sébre a Imitacdo de Obras Gregas sto ins jiradas por um entusiasmo cuidadosamente contido que se ma- hifesta com serenidade, Seu estilo & bem caracterizado pelas jualidades que éle proprio atribui a arte grega: edle Einfalt und ville Groesce (“simplicidade nobre ¢ grandeza serena”), $5 a crfica moderna chegou a reconhecer pessas palavras os térmos caracteristicos da mistica quietista renana do coméco do. século XVIIL Para 0 niorcristio Winckelmann, a Grécia é uma religifio. “(im racionalista como Lessing nfo chegou, por isso, a com preender bem o aleance da descoberta; encontrou, em Winckel- tian, citagdes erradas de autores gregos ¢ imprecisdes sdbre a localizagio de obras de arte; ¢ ficou desgostado, $6 a filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), considerando 0 mundo como construgio do espirito humano € a arte como ocupagio desin- iressada das atividades criadoras désse espirito, s6 essa filoso- lia podia servir de base de uma atitude estética, orientada pelos irleais de Winckelmann. Foi esta a atitude de um. estudioso la filosofia kantiana que, deixando de lado as dificuldades epis- emolégicas — em cujo tratamento reside a verdadeira grandeza do filésofo Kant — elaborou uma nova estéica da autonomia da arte: € Schiller. 7 Schiller foi dez anos mais ndvo que Goethe que lhe sebre- viveu durante mais 27 anos; ¢ é, evidentemente, inferior ao outro. Por todos ésses motivos, a historiografia literéria alema est acostumada a obedecer ao esquema “Goethe ¢ Schiller” —~ Nietzsche j4 protestou, em vio, contra a conjuncio “e” — es- tudando, primeiro, Goethe e, depois, Schiller. Mas motivos im- portantes desaconselham essa ordem. Schiller é grande como dramaturgo classico, de 1787 até o fim de sua vida em 1805. Na longa vide de Goethe, fase estritamente classicista, entre 1788 e 1805, apenas € um episddio; antes disso, Goethe nao & menos importante, como pré-romintico do Sturm tnd Drang; sua tl tima fase, depois de 1805, apesar das suas manifestagdes classi- cistas sObre artes plésticas, nfo se enquadra bem em nenhum es- quema ow estilo, a no ser no estilo sai generis do Goethe da velhice, extratemporal como a terceira fase de Beethoven; mas de qualquer maneira, seja mesmo polémica, ligada ao roman- tismo da época. Sio motivos de exposicic, digamos didéticos, que aconsclham estudar Schiller em primeito Iigar, sem que isso deva sugerir conceitos de prioridade ou superioridade, infun- dados, O comégo dramatico da vida de Johann Friedrich von Scumier (1759-1805) nao deixaria prever sua eyolugao, continua e calma, Revolta contra a disciplina escolar e¢ militar, revolta contra o absolutismo mondrquico, veleidades anarquistas, fuga da escola e do pafs, existéncia inguieta como dramaturgo sem cargo, como escritor sem editor certo — mas poucos anos mais tarde, Schiller j4 goza de saldrio modesto mas fixo e do alto prestigio de um professor de Universidade alema daqueles dias, Em 1794, inicia-se a amizade com Goethe que, embora nunca chegasse ‘a ser pessoalmente {ntima, constituird 0 fundamento da sua vida: como professor da Universidade de Iena e como consclheiro do teatro de Weimar, que Goethe dirigia. Casa- mento feliz, lar burgués, clevagio 4 nobreza hereditdria, uma série ininterrupta de grandes ¢ até retumbantes sucescos de tea tro; € a morte prematura chorada pela nagio inteira. Essa evolugio revela que Schiller nfo nascera para ser o revolucio- nario que parccia na mocidade. Apenas, as circunstincias des- gracadas da vida de um intelectual na Alemanha, pouco antes da tempestade da Revolugio Francesa, levaram a tomar atitu: des polémicas um homem destinado as vitérias verbais, poeta retérico € esctitor de imensos recursos de persuasio pacifica. 72 © silo préromantico do Sturm wind Drang, no qual chiller inicion sua carreira literdria, néo Ihe forneceu nem The vinitity empregar os recursos poéticos de que seu talento pre- aia; propdsthe uma técnica dramatdrgica rude em vez da lunstrucgio que garante © efeito no palco, e uma prosa inclis viplinada em vez do verso. A primeira pega, Die Reeuber (Os Inindoleiros), deve @ imensa popularidade, até hoje nfo dimi- hua, as grandes palavras contra a tirania, que sempre de ndvo eniusiasmam a mocidades e ao papel do vifain Franz Moor, um low inais analisados e melhor representados papéis do teatro Jenio, Mas tudo esta, primitivamente, em préto ¢ branco, os hcssonagens sio demdnios ou anjos, o idealista Karl Moor nao ihe definir os ideals que The inspiram a revolta andrquica; é peg de um mdgo para os mogos. No entanto, a pega seguinte, \ “irapédia republicana” Fiesko, histéria do fracasso de uma conspiracdo em Génova, é quase um retrocesso, 0 dramaturgo wivia no consegue dominar 2 documentacio fornecida pelos (istoriadores. Enfim, Schiller abandona os cnredos fantasticos © histéricos. Kabale und Liebe (Cabala ¢ Amor) co titulo infeliz, nfo é do préprio autor — € uma tentativa audaciosa para jepresentar no palco a vida contemporanea, na Alemanha pré- yeyoluciondria: os intrigantes maquiavélicos ou imbecis de uma jcquena cdrte contrastada com a vida nos modestos lares pe- Guene burgueses; © um amor ideal, destruido pelos preconceitos ‘le casta. A construgio dramatica ainda é primitiva, mas j4 io fortes os elcitos a0 palco, Pode, hoje em dia, desagradar-nos © sentimentalismo exagerado; mas ainda é irresistivel o impeto vevolucionério da pega. 6 a ditima obra prdpriamente pré-ro- nivintica de Schiller. Em Don Carlos, tres anos depois, ainda impressionam 0s discursos inflamados do Margués Posa, em prol da liberdade; mas o que Posa reivindica, j4 € sb a liberdade de pensamento. A elogiiéncia ainda € juvenil; mas j4 harmoni- vada pelo verso, numa linguagem retérica € poctica ao mesmo tempo. A construgdo dramética ainda € imperfeita; mas 0 dra inaturgo j4 conseguiu enquadrar a tragédia doméstica de Filipe It c Don Carlos na tragédia histérica, maior, da luta entre o intolerante absolutismo espanhol ¢ os Paises-Baixos que defen- dem a liberdade politica € religiosa. Ta obra de transigio para 0 classicismo. Ha, no meio, os estudos histéricos de Schiller, que deram duas obras em prosa verdadciramente classica: a Histéria da 73 Separagiio dos PatsesBaizos ¢ a (incompleta) Historia da Guerra dos Trinta Anos. Hé os estudos de filosofia kantiana, que de- ram virios escritos estéticos (Sobre Graga ¢ Dignidade; Sdbre Poesia Ingénua ¢ Sentimental), lancando os fundamentos tedr cos do classicismo, no sé de Schiller, mas também de Goethe. HA os grandes poemas filosdficos: Os Ideais, O Ideal ¢ a Vida, O Passeio. Bsses poemas sio a crux da critica schilleriana. Sio redigidos numa lingua postica de grande helera, que forneceu 20 alemio falaclo € escrito do ptiblico culto grande néimero de citagées ¢ locugées proverbiais; mas carecem de valores Iiricos. ‘Tratam, de maneira elevada, de problemas filoséficos; mas nfo contém nada que niio se poderia dizer melhor em boa prosa Revelam, irrespondivelmente, que Schiller € mais pocta didatico do que Irico ¢ mais elogiiente do que realmente poético. Hssas gualidades retéricas também caracterizam a arte de Schiller num gtnero épico-dramitico particular: na balada. “Der Ring des Polycrates” (O Anel de Polferates), “Die Kraniche des Thicus” (Os Grous de fbico), “Der ‘Taucher” (O Mergulhadar), “De Handschuh” (A Luva), “Das Lied von der Glocke? (A. Can- gio dos Sinos) sio as producées potticas mais famosas de Schiller. Revelam suas qualidades sabretude quando declama- des. Sao leitura obrigatéria na cscola média_alem’ io. se pode negar que continuam contribuinde para descducar o g6sto literdrio “da mocidade, insensibilizando-a contra os valores da verdadeira poesia lirica. As baladas cram © caminho de volta para o teatro, Logo deu Schiller sua obra maior e mais madura, a trilogia Wallenstein, a imensa tragédia do grande general da Guerra de ‘Trinta Anos, que pelos planos de restabelecer x paz — obra A qual se julgava destinads pelos astros — chegou até a fron teira. da traigao, cainda porém pelas mios dos assassinos, Schiller julgava'se com a obrigagio de abrandar o realismo shakespeariano dessa grande obra pela presenca de um par de amantes ideais, Max ¢ Thekla, outrora {dolos da mocidade ale ma ¢ hoje desprezados por uma mocidade diferente, Apesar désse dcfeito ¢ das dificuldades de representagio de obra teatral 40 volumosa € Wallenstein uma obra-prima: 0 problema do determinismo histérico, simbolizado na {6 astrolégica do herdi, 6 fundamente pensado’ ¢ dramdticamente representado. As pe Gas posteriores, cada vez mais afastadas dos princfoios da dra 74 jaturgia shakespeariana, j€ nao se mantém na mesma altura dle fusio dos destinos histéricos € dos cestinos pessoais; dimi- juem aquéles por éstes. Mas a reducio da tragédia de Maria wit V sua rivalidade com a Rainha Elizabeth fornece algu- as das mais irresistiveis grandes cenas do teatro moderno, E | clogiiéncia correncial de Mortimer, na mesma pega, s6 tem juunil na permanente elevagio da linguagem dramftica em Die Jungfrau von Orleans (A Donzela de Orléans), que peca pelo ticsino defeito da diminuigie do conflito histérico pelo senti- nientalismo. Enfim, em A Noiva de Messina, tentativa menos bom sucedida de imitar o fatalismo e os coros da tragédia jot, 4 € 96 a clogiincia postica désses coros que salva a peca. Mas Wilhelm Tell € novamente uma obra de alto véo. ° pa- vintismo suigo dessa pega, que os alemaes, hd 150 anos, inter- Ictam como patriotismo alemio, jd tem, hoje em dia, sabor ‘le lugar-comum poctico dramético. Mas a obra é a primeira rin que um dramaturgo moderno conseguir colocar no centro da agio a coletividade, 0 povo; e a primeira em que Schiller, ciibiora nunca estivesse na Sufga, consegue fazer respirar a at moslera de determinada paisagem geografica ¢ hiswrica. O deamaturgo peetendia continuar nesse caminho, na wagédia rus- ‘do falco Demetrias. Mas a morte interrompeu o trabalho. Si pos ficou um preciso fragmento. Schiller foi, antes de tudo, am mestre da construgio dra matilegica, O efeito, produzido com Igiea dramiciea impect- |, das grandes cenas em Don Carlos, Wallenstein, Withein {cil e sobretudo em Maria Stuart insuperével e insuperado. O virarnatorgo domina soberanamente o palco € 0 piblico. Afastou- © gradualmente de Shakespeare, mas sem se aproximar cos segos. Seu modélo secreto € a tragédia clfssica francesa, so- hvetudo de Corelle e Voltaire, mas nfo de Racine, cuja sdbria tite podtica estd fora do seu aleance. Sua tradugéo da Padre de Racine € frias mas mesmo assim muito superior a sua versio pcompreensiva, “amenizada”, de Macbeth. O estilo do teatro Léssico francés & eviclentemente 0 mais préximo do estilo de Schiller, que € eloqiiente, mas nao litico; mais retérico do que postico. Jé houve quem o chamasse de “grande orador e gran- de jornalista em verses”; ¢ nao ha nada de desonroso nisso, lem- randose que Péricles © Deméstenes foram oradores ¢ que Lutero, Pascal, Voltaire ¢ Chateaubriand foram grandes jor- nalistas. re)

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