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CLASSICOS CULTRIX A FILOSOFIA DE DIDEROT Introdugio, selecéo e traducdo de textos ¢ nots por | : J. Gumspune SBD-FFLCH-USP 7.5 EDITORA CULTRIX sho PAULO PARADOXO SOBRE O COMEDIANTE (**) PRIMEIRO INTERLOCUTOR. — Néo falemos mais disso. SecuNDo mvreRLocuToR. — Por qué? Primemo. — Porque a obta é de vosso amigo. (°) SecuNpo. — Que importa? PrimemRo. — Muito, De que vos serve ficar na aterna OD) tiva de desprezar ou o seu talento, ou o meu julgamento, ede. preciar « boa opinio que tendes déle ou a que tendes de mim? SecunDo, — Isso néo sucederé; e mesmo INDO. 2 5 que sucedesse, mi- ‘aha amizade pelos dois, baseada em qualidades mais essenciais, nao seria atingida. ° Primero. — Talvez. SEGUNDO. — Estou certo. Sabeis a quem vos asseme- neste instante? A um autor de meu conhecimento que suplicava de joelhos a uma mulher a qual estava ligado, que nfo assistisse A primeira representacéo de uma de suas pecas, PrrmeIRo. — Vosso autor era niodesto e prudente. Szunno. — Temia que o sentimento terno que Ihe de- dicavam ficasse na dependéacia da apreciacéo que fosse feita de seu mérito literério, Primero. — Isso seria possivel, Secunpo. — Que um fracasso piiblico o degtadasse um pouco aos olhos de sua amada, _Primemo. — Que menos estimado, fSsse menos amado, E isso vos parece ridiculo? Secunpo. — Foi assim que foi alugedo e 9 autor logrou 0 foi abracado, festejado e acaric PrIMetro, — Sélo-ia muito mais se a pega f0sse vaiada. julgou o fato. O camarote éxito: s6 Deus sabe como 164 Secunpo. — Nio duvido. Primero. — E eu persisto em minha opiniio. SEGUNDO. — Persisti, consinto; mas lembrai-vos que nao sou mulher e que & preciso, se vos apraz, que vos expliqueis, PRIMErRO. — Absolutamente? SeGUNDO. —— Absolutamente. Prien. — Ser-meia mais ficil calarme do que dis- fergar meu pensamento. Sscunpo. — Actedito. Primero. — Serei severo. Sacunpo. — 0 que meu amigo exigiria de v6s. Parmero. — Pois bem, j& que é mister vo-lo dizer, a obra dale, escrita em um estilo slambicado, obscuro, tortuoso, em- polado, esté chela de idéias comuns, Ao saic desta Jeitura, a fre: ik grande comediante nfo seré melhor, e um’ Atof* serd menos tuim. Compete 2 natureza dat as qualidades da pes- soa, a figura, a voz, o julgamento, a sutileze. Compete a0 estudo dos grandes modelos, 20 conhecimento do coragio hue meno, & prética do mundo, a0 trabalho assiduo, & experi € 0 habito do teatro, aperfeigoar o dom da naturera. O mediante imitador pode chegar ao ponto de representar tudo passivelmente; nada haveré a louvar, nem a repreender em seu desempenho, SeGuNDO. — Ou haveré tudo a repreender Pareiro. — Como quiserdes. O comediante por natu- reza é emitide detestével e as vézes excelente. Em qualquer gé- ‘nero que seja, desconfiai da medioctidade constante, Qualquer ‘que sea o rigor com que um estreante seja tratado, & fécil pres- sentir seus triunfos vindouros. As vaias sufocam apenas os ineptos. E como formaria a natureza sem a arte um grande comediante, jé que nada se passa exatamente no palco como na natureza, ¢ que 0s poemas draméticos sio todos compostos se- gundo um certo sistema de principios? E como seria um papel desempenhado da mesma maneita por dois atbres diferentes, se no escritor mais claro, mais preciso, mais enérgico, as palavras nifo so © nfo podem ser senfo signos aptoximados de um pen- samento, de um sentimento, de uma idéia; signos cujo valor o 165 movimento, 0 gesto, 0 tom, a fisionoméa, os olhos, ¢ circunstin- cia dada, comple a i wvEas: plesam? Quando ouvis estas palavza +++ O que faz at vosse mio? — Apalpo 0 vosso traje, 0 seu tecido & macio, (8) O que sabcis vés? Nada. Ponderai bem o que segue, ¢ con- cebei como é fregtiente e f4cil que dois interlocutores, empre- gendo as mesmas expressGes, tenham pensado e dito coisas to- talmente diversas. O exemplo que disso vos darei & uma e cie de prodigio; & a obra mesma de vosso amigo. Perguntai a uum comedicnte francés qual a sua opinigo a respeito, ¢ éste con- cordaré que tudo néle é verdadeiro. Fazei a mesma pergunta 2 um comediante inglés, e éle vos juraré, by God, que nao hé sequer uma frase a mudar, e que é 0 puro evangelho da cena. Entretanto, como no hé ‘quase nada em comum entre a ma- neira de escrever a comédia ea trogédia na Inglaterra ¢ a ma: neira com que se escrevem ésses poemas em Franca, pois, se- gundo o modo de pensar mesmo de Garrick, quem sabe repre- sentar perfeitamente uma cena de Shakespeare no conhece 0 primeiro acento da declamagéo de uma cena de Racine; pois enlegado pelos versos harmoniosos déste wltimo, como por ov- tras tantas serpentes cujos anéis lhe estreitam a cabega, os pés, as mios, as pernas, e 05 bracos, sua ago perderia com isso téda a liberdade: (°) ' segue-se evidentemente que o ator francés € 0 ator inglés, que concordam unénimemente quanto A verdade dos princfpios de vosso autor, nfo se entendem, e que hé na lin guagem técnica do teatro uma latitude, um vago bastante con: derivel para que homens sensatos, de opini6es diametralmente opostas, creiam reconhecer ai a luz da evidéncia. E continual mais do que munca apegados 4 vossa méxima: Nao vos expliqueis nunca se quereis vos entender, Secunpo. — Pensais que em téda obra, e sobretudo nes- ta, existem dois sentidos distintos, ambos encerrades sob 0s mesmos signos, um em Londres e outro em Paris? Parmerro. — E que tais signos apresentam tio nitida- mente ésses dois sentidos que vosso amigo mesmo se enganow com @les, uma vez que, associando nomes de comediantes in- eléses a nomes de comediantes franceses, aplicando-lhes os mes- mos pteceitos, e concedendo-lhes a mesma censura e os mesmos 166 (° Quant a ‘mim, quero qu louvorés, imaginu, set divida, qué aquilo qué declarava quati- to a-uns eta igualmente justo quanto a dutfos. SEGUNDO, — Mas, désse méd0, nénhirm Outro autor te tia cometido tantos verdadeizos contra-sensos. Parmzino. — As mesmas palavras de que éle se serye enunciam uma coisa no carrefour de Bussy(*) e coisa dife- rente em Drury Lene, (*) devo confessi-lo com pesar; de resto, posso estar ertado. Mas 0 ponto importante, sObre_o “qual temos opinides.inteisamenté. qpostas, vosso autor eu, ‘questo das qualidades principsis de um grande comediant cesta gue honem um spect idle, por_conseaiiéncia, -peneiragao e{ nenbuma_ seni TaeIE Te inter bire Guede TO hese, Ue aptiddo para téda_espécie de caracteres ¢ papéis. Secunpo. — Neahuma sensibilidade! Prieto, — Nenhume. Nzo coordenei ainda bem mi- nhas razdes, e me permitireis de vo-las expor como elas me vie+ rem, na desordem da prépria obra de yosso, amigo, Se o comediante fésse. sens(vel,serJhe-ia permitido, de boa £6, desempenbar duas vézes seguidas um mesmo papél om 0 meimio calor e o mesmo ‘ior Nato atdente na primeira fe- presentagio, estatia esgotado e Frio como mérmore na terceira™) Ao passo que, imitador atento ¢ discipulo atento da natureza, na ‘pllineina vez “que se apresentar no_paleo s05-6 nome de Au., “gusto, de Cia, dé “Orosmano, de Agemenon, de Maomé,(*) ‘copista rigotoso de.si_proprio ou de seus estudos, ¢ observador_ ‘sontinud de sensag6es, sua interpretagao longe de nits: quecer-se, fortalecet-sea” cof iowais-rellexces que_terd—realhi-—~ », Ale se exaltard ou se moderaré,c_wds. ficareis com isso..cada- fio. "Se tle €éle_ quando representa, como dei. xaré de ser éle? Seéle quer cessar“de set éle, como_perceberd” “S ponto justo em que deve eslocarse e deerscy {© que me confirma minha opiniao € a desigualdade dos t6- q . Nao espeteis da parte del nenhuma unidade;, seu desempenho.€ alte: nt “co, quente ¢ fric see sublime... Hao de felhar amenha na ppassagem onde hoje primaram; em compensacio, ho de primar naquele em que falharam na véspera,) Ao_passo que o come: } 167 diante que tepresentat com deliberacio, com estudo da /fatutezd ~ (humana, [com imitagio ‘constante segundo algum modélo ideal,” com, imaginagéo, com ‘iméniéria, seré ume o mesmo em tédas as representagies, sempre igualmente perfeito: tudo foi medido, combinado, apreendido, ordenado em sua cabega; nfo ha em sua_declamacgo nem monotoni term seu Progresso, Seiis {mpetos, suas retilissOes, seu comiégo, seu © meio, seu extremo. Go os mesmos acentos, as mesmas posi- Ge esmos__moviménids;~seexiste alguinadiferenca—de- unit epiesentagdo = ovtra, € comumente em vantagem da tima. Ble nfo seré desigual: € um espelho sempre disposto a ~mostratos chjetos ¢ a mostrlos com a mesma preciso, ames. ma férea ¢ a mesma verdade. Assim como © poe satitemente abeberar-se no fundo inesgotével da natureza, quanto que teria assistido bem cedo ao térmo de sua prépr riqued, jue desempenho 1 serfeito que o da Mile Clairon? (1°?) ([Entré¥aito, seguia, estudala, e ficarcis convencido de que na ‘sexta representacio ela sabe de cor todos os pormenores de sua interpretasfo, assim como tOdas as_palavras de seu papel), Sem. diivida ela f€2 pata si um tiodélo)2o qual procurou de infcio éonfo sem_divide “Esse -modélo da maneira ‘Orca de trabalho, eld se aproximon dessa id gue péde, ‘tudo ficou” terminado; ‘manterse firme pura questiio de exercicio e de meméri estudos, quantas vézes Ihe dirk vvézes ela vos responderia: Estais enganad Quesnoy, (3) “a quem o amigo segurava pelo brago, © gtk tava: Deteivos!, 0 melhor & inimigo do bom: ides estragar tu- do... Ws enxergeis o que eu fiz, replicava o artista arque- jante. ao, conhécedor miaravilhédo; mas n4o enxetgais 0 que eu ‘tenho af, €'0 atie esiou procurando, ‘Nao duvido de modo algum que Mile Clairon padega 0 tor- mento de Quesnoy em suas primeiras tentativas; mas passada ak ig de clevar-se uma vez a altura de séu fantesma, ina, ela Se Fepeté sém' EROS. Como nos acontece nem dissondacia. Q ardor -— as vézes no sonho, (1%) a cabega tocelhe nas uvens, as mifos vo procarar os dois confins do horizonte; ela é a alma de um grande menequim que a envolve; seus 3s o.fixaram. sobre cla, \Negligentemente estendida ‘numa éspreguicadeira, com os Biacof étuzados, os olhos fechados, imével, ela pode,’ seguindo seu sonfio de meméria, ouvir-se,_yer-te, julgar-se ¢ julgar as im- Bressdes que provocard. Nesse moment é “dupla: a pequena Claizon ¢ a grande Agripina) Sscunpo. — Nada, a convir convosco, assemelhs-se tanto 2 um comediante na cena ou em seus estudos, quanto as ti gas que, de noite, contrafazem as almas do outro mundo nos cemi- térios, erguendo ecima de suas cabecas um grande lengol branco nta de ume vara, ¢ Jancando de baixo désse catafaleo uma vvo2 Iégubre que atemoriza os passantes. Primero. — Tendes, razi0. Com Mlle Dusmenil (8) nfo acantece 0 mesmo que com Mlle Clairon. Ela sobe 20 paleo sem saber o que iré dizer; a metade do terapo ela nao sabe © que diz, mas chega um momento sublime. E por que diferi ria 0 ator do poeta, do pintor, do oradot e do miisico? Ngo é no furor do primeito jacto que os tragos catacteristicos se apre- sentam, é em momentos trangililos e frios, em momentos total- mente inesperados. Nao se sabe de onde semelhantes tragos provém; éles se parecem com a inspiragio. B quando, suspen sos entre a natureza e 0 esb8¢o que fazem, ésses génios dirigem alternadamente um olhar atento a um e outro; as belezas de ins- piracio, os tracos fortuitos que espalham em suas obras, € cuia sibita epaticéo éles préprios espanta, so de um efeito e de um éxito assegurados de mancira bem diversa daquilo que jo- garam nelas num repente, Cabe ao sanguefrio temperar 0 de- io do entusiasmo. ie ~ Nao € S\fomem violento que esté fora de si que dispde de és; trata-se ates de uma vantagem reservada a0 homem que se domina, Os grandes, poctas dreméticos, sobretudo, 380 ex pectadores assfduos do que se passa em t6rno déles no mundo ff- sico e no mundo moral Secunpo — Que sio um 86. Primeiz0. — Apreendem tudo que os impressiona; fazem colegio. E dessas colegées formadas néles, sem que o seibam, que tantos fendmenos raros passam as suas obras. Os homens 169 + plaiéia acalorados, violentos, sensfveis, enconttam-se_em cena; dio o “Gperéculo, mas no” o desfrutam. (24) SG éles que servein de modélo para o homem de génio fazer sua cépia. Os grandes 8, 08 grandes atbres, e, talvez, em geral, todos os grades’ adores’ da natureza, quaisguer que sejam, dotados de bela” ginacio, de grandé julgemento, de tato fino, de gésto muito seguro, sio os menos sensiveis dos séres. igualmente aptos a um niimero demasiado de coisis; acham-se’ demasiado ocupados em olhar, em reconhecer ¢ em imitar, para que vivamente afetados no intimo déles préprios. Eu os vejo incessantemente com a pasta de desenho sébre os joelhos ¢ 0 lépis na mio.” Nés sentimos; éles_cbservam,estudam e pintam, Posso diz8'fo? “Por que nad? ”A sensibilidade é “a quali- dade de um grande genio.’ Ble améré a mas exercerd essa virtude sem recolher sua dogura. Nio é seu cotagio, mas sua cabeca que faz tudo. A menor ciicunstincia imprevista, o homem sensivel a perde; éle nfo serd grande tei, nem grande 3 » nem grande capitiio, nem grande advogado, nem gran- ide médico. |Enchei a sale de espeticulo désses chotSes, mas nio ueis nenhum déles no paleo, Véde as mulh ;passam_certamente, e de muito Tonge, em seas diferenca entre elas e nds nos instantes da paixdo! sim como nos sfo superiores quando agem, do inésmo modo nos sio inferiores quando imitarn. A. sersibilidade. nunca_se presenta sem fraqueza de, organizacio. A Mgtima que escapa “do hoinem verdadeitamente homem nos comove mais que todos 1 6s prantos de uma mulher. Na grande comédia, a comédia do] mundo, aquela para a qual sefnbie. tomo, tédas a almes quien- “te ocupam o teatro; todos_os homens de’génio encontramse'na Os primeicos chamam-se louicos; os segundos, que se’ edicam @ Thes copiar as loucuras, chamam-se sébios.”"E 0 élho do sébid quid capta o ridiculo de tantas personagens diversas, que © pinta, e que vos faz rir, quer désses importunos originais, de que féstes vitima, quer de vés mesmo. éle quem vos obser- vava, e quem tracava a cépia cémica, quer do importuno, quer de vosio suplicidey = SPR “Se, es3as_vetdides fOssem. demonstrades os grandes come- diatifes ‘nao eGncordariam-com eles; £05 dies, (Os ate. re8 mediocres ou nedlitos sio feltos para rejeitélas, e poder-seia dizer de alguns outros que éles acteditem sentir, como se disse 170 / s0, que éle acredita crer; e que sem a fé para éste, de para aquéle, nfo hé qualquer’ salvacio. Mas como? diré alguém, éstes acentos téo plangentes, to dolorosos, que esta mie arranca do fundo de suas entranhas, ¢ com as quais as miahas sio to violentamente sacudidas,. no é 0 sentimento azual que os produz, nfo € 0 desespéro que os ins- pita? De modo algum; ¢ a prova € que sio medidos, que fa- zem parte de um sisteme de declamacio; que mais baixos ou mais agudos do que a vigésima parte de um quatto de tom, sio fal- 503; que esto sujeitos a uma lei de unidade; que sio, como na harmonia, preparados ¢ preservados: que, satisfazem “tdas ai condicées requetidas apenas através dé um longo estudoy que concorrem para a solugio dé um problema proposto; us para set levados 20 ponto justo, foram ensciados cem vézes € que, apesat cessed freqUenves Cheaios, ainda thes falta algo; € que aa tes de dizer: Zaira, vés chorais (1°) Vés compreendereis, minha filha (29°) Q ator-escutou-se durante muito tempo a si mesmo; ¢ que éle que vos perturba,.¢ que todo.seu. te. ‘Gig’ sentir,}. comg_supondes,_mas..em.expressar es mente OE AINAls externos. do sentimento, die wis ‘Yos enganais, a esse respeito... Os gritos de sua dot sao notados em is gestos de seu desesptro sio decorados, foram preparadas diante de um espelho. Fle conhece 0 momento exato ‘em que hé de tirar 0 lengo ¢ em que as légrimas hio de rol j.as a esta palavra, a esta silaba, nem mais cedo nem mais tat- ste tremor da voz, estas palavras suspensas, éstes sons su- focados ou arrastados, éste frémito dos membros, ésta vacilagio dos joelhos, éstes desfalecimentos, éstes furotes, pura imitagio, ligdo recordada de antemo, trejeito patético, macaquice subli- ime de que s6 0 ator guarda lembranga muito tempo depois de té- “la estudada, de que tinha consciéncia presente no momento em que @ executava, © que lhe deixa, felizmente para o poeta, pata 0 espectador ¢ para éle, téda rdade de seu espirito, © que nao || , assim como os outros exercicios, senfo a férca do corpo.) O soco ou o cotumno deposto, sua voz extinguiu-se, éle sente extrema fadiga, vai mudar de roupa branca ou deitar-se; 171 a mas nfo lhe resta, nem perturbagio, nem dor, nem melancolia, nem abatimento dalma-] Sois_vés_quem levais_convosco tédas e525. » © ator est cansado ¢ v6s, triste; € que éle"se™ seitti,"E"V65 sentistes sem vos agitar.. agitou sem ii st Se fos- s€ UE Outto modo, a condi¢ao do comediante'setia a tials desgra- sada das condigdes; mas éle no € 0 personagem, éle o rep senta e o represent: sio_s6 existe para v bem que vés o tomais como tal Je sabe muito bem que éle no 0 Quanto as-senbibilidades diversas que se concertam ent si para Obie © aior efelto possivel, que-e"afinam, que ée ca - jecem, que se fortelecem, que se matizam para former.xum todo qué séja um 86, isso me faz tir..Insisto portanto, ¢ digo: ('E a extrema sensibilidedé que faz 0s at686S iediocress te absoluta, de, ser . As ligrimas do comediante'Ihe-desvein de sei oérebro; as do ho- “inem sensivel Ihe sobem do coragio: sio as entranhas que per turbam_desmesuradamente a cabeca do~Kémem sensivel; € a abeca do comediante’qiie Teva as Véres ABGGeita pervurbacio : as suas entranhas; éle chora como um padre incrédulo que prega a Peixo; como um sedutor aos joelbos de uma mulher que éle | no ama, mas que deseja engans i j A porta de ume fgteja, que vos injuria quando desespera de vos | cortesé que nada sente, mas que desmaia em es sObte a diferenca entre as légrimas pro- ocadlas. por um_acantecimerito thdgico ¢,as ldptimas provocadas Por_um relato patético? Ouve-se contar uma bela coisa: pouco 4 poucs «-cabera se baralhe, as entranhas se comovem ¢ as lé- grimas rolam. ‘Ao contrétio, a vista de um acidente trégico, 0 objeto, a sensacio"é o éleito se tocam; tiuim instante, as entre- has se Comover, lta 0, 2 cabieca se perde, e as Mari- has correm; estas vém stbitamente; as outres so trevidas, Eis 4 vantagem de um lance teatral natural e verdedeiro em uma cena elogtiente, éle realiza bruscamente © que a cena faz espe- rar; mas sua ilusdo € muito mais dificil de produzir; um inci te falso, mal representado, a destréi. Os acentos so melho: tados que 0s movimentos, mas os movimentos atingem lentamente. Eis 0 fundamento de uma lei para a qual 172 | pobre € fraco sereis. | Mas transportai 20 teatto voiso tom haver excegfo, é a de solucionar por uma acéo € nfo por um re- “lato, sob pena de ser frio. Pois bem, nada tendes a objetarme? Eu vos ougo; proce- deis a um relato em sociedade; yossas entranhas se comovem, “VoRa Vr se enttecotia, chorais, V6s seutistes, dizeis, e sentis- tes mui vivanente. Convenho; mids Woe Brepatastes para isso? Nao. Feléveis' em versos? Nao, Entretanto, arrastastes, es- ppantastes, tocastes, produzistes grande feito. E verdade. fainiliar, vossa expresso, tural ¢ vereis qui timas, sereis ri mas uma farsa simples, vosso porte doméstico, rosso gesto ‘Em vao/ derramareis Nao“eré uma tragéd colo, as pessoas ritko. trdgica que representareis, Credes que as cenas de Corneille, de‘ Racine, de Voltaire e mesmo de Shakespeare possam ser recita~ | das com vossa vor. de conversac#o e com o tom que adotais 20 | canto de vossa lereira? Nao mais do que a historia do canto de vossa Jareira com a énfase e 2 abertura de béca do teatro. Secunpo. — £ porque talvez Racine e Corneille, por grandes homens que fOssem, aiinéa ‘fizetam nad@ “que valhd. Primero. — Que blasté Quem ousaria proferila? Quem ousaria aplaudila? As coisas familiares de Corneille nfio podem sequer ser ditas em toni familiar. ‘Mas uma experigncia que, por certo, repetistes cem vézes, 6 que no fim de vosso relato, no meio da perturbagio e da mozio que lancastes em vosso pequeno auditério de salio, sobrevém uma ova personagem cuja curiosidade cumpre satisfazer. Vés no podeis mais fazélo, vossa alma estd esgotada, no vos resta nem sensibilidade, nem calor, nem Mégrimes. Por que nfo experi- menta 0 ator a mesma prostracéo? E qué ha de fato diferenca @ntre o interésse que assume um conto de pura invencio e 0 fnterSsse que vos inspira’ o inforsinio de vosso vizinho. ‘Sois Cina? Féstes alguma vez Cledpatra, Mérope, Agripina? Que vvos importa essa gente? A Cledpatra, a Mérope, a Agripina, 0 Cina do teatro sio mesmo personagens histéricas? Ngo. Sto fantesmas imaginétios da poesia; digo, mui espectrds dé. {feito d&ste ou daquele poeta. “Déixai essa espécie de hipogrifos fia cena com seus movimentos, seu comportamento e seus gri figurariam mal na histéria: provocariars gargelhadas em um cfr- culo ou outra reunigo da sociedade. As pessoas se perguntariam 173 no ouvido: Seré que esté delirando? De onde vem ése Dom Quixote? Onde & que se fazem dessas histétiss? Qual & 0 planéta em que se fala assim? SEGUNDO. — Mas por que nfo se revoltam no teatro? Primero. — E que af elas existem por convengio. & uma férmula dada pelo velho Esquilo; € um protocolo que data de trés mil anos, SecuNno. — E ésse protocolo vai durar ainda muito tempo? PRIMEIRO. — Eu o ignoro. Tudo o que sei é que nos afas- tamos déle & medida que nos aproximamos de nosso século ¢ de nosso pais. Conheceis uma situagio mais semelhante a de Agamenon na primeira cena de Ifigénia, do que a sisuacio de Henrique IV, quando, obsedado por terréres que eram mais do gue fundados, dizia a seus fai “Bles me matario, nada € mais cetto; ales me matari Suponde que ésse excelente homem, &sse grande e infeliz monarca, atormentado a noite por tal pressen- timento funesto, se levante e va bater a porta de Sully, seu mic nistro € amigo; credes que houvesse um poeta bastante absur- do para levar Henrique 2 dizer: Sim, & Henrique, 6 teu rei que te desperta Vem, reconbece a vox que chega a teu onvido... ¢ levar Sully a responder: Sois vés mesmo, senbor! Que importante necessidade Vos féz preceder a aurora de tio lange? Apenas uma fraca lux vos iluntina @ me guia, Vossos olbos 6 e os meus estio abertos! (101) Secunno. — Era talvez esta a verdadeira linguagem de ‘Agamenon. Primero, — Nao mais do que a de Henrique IV... a.de Homero,.¢.0.de Racine, € 2 da poesia; ¢ essa linguagem pombosa pio pode ser empregada sento' por slice derconeeac, .&-falida_por bacas_posticas com um tom poético. Refleti um momento sbbre o que se chamia no teatro ser verdadeiro. Seti miosttet es. coisas’ como elas ‘sdo na hatureze?, 174 De forma nenhums. (@ verdadeiro neste sentido seria apenas ‘© comum. O que ¢ pois o verdadeito do paleo? Ea confor- midade das aces, dos discursos, da figura, da.voz, do movimento, do gesto, com um médélo ideal imagt ‘wezes exagerado pelo comediante délo nfo influi stmente no. tom: postura, Dai ven gue 0°¢o ‘personagens to diferentes, que mal se consegue reconhect-los. A primeira vez que vi Mlle Clairon em casa dela, exclamei com téda a naturali “Ab! senborita, eu vos julgava mais alta a uma cabeca inteira, 32 pow ‘Uma mulher infeliz, ¢ verdadeizamente infeliz, chora e nfo yos comove em nada: pior ainda, um traco ligeito que a desfi- gura vos faz rir; € que um acento que lhe € préprio desentoa a vosso ouvido ¢ vos fere; € que um movimento que Ihe € ha- _Pitual og, mostta essa dor ignébil e enfadonha; € que as ete quase tédas sujeitas’a trejeitos que o gésto copia servilmente, mas que o grande axtista evits. queremos que no acme dos totmentos o homem guatde 0 caté- ter de homem, a dignidade de sua espécie. Qual é o efeito desse esférgo hersico? Distrair da dor e temperéla. Nés quetemo; que essa mulher caia com decéncia, com delicadeza, e que heréi morra como o gladiador antigo, no meio da arena, com 0s aplausos do circo, com graga, com nobreza, numa atitude ele- gante ¢ pitoresce. Quem é que satisfard nossa esperanca? Se- 1460 atleta que a dor subjuga e que a sensibilidade descompée? Ou 0 atleta academizedo que se domina e pratica as licdes da gindstica 20 render 0 whtimo suspiro? O gladiedor antigo, co- mo um grande comediante, e um grande comediante, assim co- mo o gladiador entigo, no morrem como se motre no leito, mas sfo obtigados a nos representar uma outra morte para nos agra- dar, © 0 espectador delicedo sentisia que a vetdade nua, a agdo despida de qualquer apresto, seria mesquinha e haveria de con- trastar com a poesia do resto. Néo que a natureza nfo tena seus momentos sublimes; mas penso que se hé alguém seguro de apreender © conservat sua sublimidade, € aquéle que 0s tiver pressentido ‘por imaginacéo ‘ou por génio, e que os representar com sangue-ftio. 5 * Entretanto cu nfo negeria que nfo houvesse ai uma espé- cie de-mobilidade ‘de entranhes adguirida ou factf perguntardes minha opinido, julgo-a quase tio perigi to a sensibilidade natural. Ela deve condudir pouco @ pouco 0 ator 4 maneiza ¢ & monotonia, E um elemento contrdrio A di- versidade das fungées de um grande comediante; éste é amide obrigado a despojar-se dela, ¢ tal remincia s6 é possivel a uma cabeca de ferro, Contudo, mais valeria, para 2 facilidade e 0 @xito dos estudos, para a universalidade do talento, e a perfei- Go do desempenho, se no precisasse cometer essa incompreen- sivel distragao de si para consigo, cuja extrema dificuldade, 20 limitar cada comediante a um s6 papel, condena as companbias a setem muito numerosas, ou quase tédas as pecas a serem mal representadas, a menos que se inverta a ordem das coisas, ¢ que as pecas se fagam pata os atdres, que, me parece, deveriam mui- to so contritio ser féitos para as pecas. SeGUNDO. — Mas. se-umamultidéo.de. homens agmupados na_rua por alguma catdstrofe vem exibir_ sdbitamente, ¢ cada — SE Sie mane, ibilidede natural, sem se haver_som- ui Sie Hahei, sha se los pykeigos, revilnoso, mull modelos HASHES. ps ‘Binedo,-criarto um_espetic ‘pata a escultata, a” pintura, a miisica e a poesia Primero. — E verdade. Mas se espetdculo pode- ria comparar-se a0 que resultaria de uma combinacao bem conce- bida, dessa hatmonia que o artista The infundiria quando o trans- pportasse da praca a cena ou A tela? Se vés pretendeis que sim, ‘qual é pois, replicarei eu, essa Zo gabada magia da arte, se se a estragar 0 que a natureza bruta e um atranjo fortuito realizas ram methor do que ela? Negeis que se embeleza a natureza? Nunca elogiastes uma mulher dizendo que era bela como uma Virgem de Rafael? A vista de uma bela paisagem, no excle- mastes que era romanesca? Além vvés me falais de uma coisa zeal, ¢ eu vos falo de uma imitagio; vée me falais de um instante fugez da natureza, e eu vos falo de uma obra de arte, projetada, interligada, que tem seus progressos ¢ sua duracio. Tomai.cada um désses atOres, fazei variar a cena na rua como Ro teatro, e mostrai-me vossos. personagens sucescivasiente, #s0- lados;-dois'a dois, trés a trés; abandonsi-os a seus prdprics ‘mno- vimentos; que sejim senhores absolutos de suas agées, e vereis a estranha cacofonia que daf resultard. A fim de evitar ésse de- 176 . feito, fazeis com que ensaiem juntos. Adeus entio & sensibilidade natural déles, e tanto melhor. Ocorre com o espetéculo 9 mesmo que com uma socieda- de bem ordénads, onde cada_um_sncrifica, de seus. direitos. p ‘o bem do conjunta ¢ do todo, Quem apreciard. melhor a medi- da détse sactico® Serf o entusaste?O fandtico? N&O, por “certo, Na sociédéde, seré 0 homem justo; no. teatro, 0. come: diante que tiver a cabeca fria, Vossa cena de mua esti para a cena draméti¢a como uma horda de selvagens para uma assembléfa ‘de homens civilizados. délo ideal a fim de colocé-lo 20 nivel do pobre-diabo com 0 est contracenando. MPassase entéo com o estudo e 0 bom jul- gamento 9 mesmo que se far initintivamedte no passcio ou a0 “pé do fogo: aquéle que fala absixa o tom do interlocstor. Ou se preferis outta comparacio, € como no ulste, onde perdeis uma porgio de vossa habilidade, se nfo podeis contar com vos- s0 jogador. H'mais: a Mille Clairon vos dis4, quando quiserdes, que Le Kain (2) por malvadez, a tomava mé ou mediocre, 3 vontade; ¢ que, em represélia, ela 0 expunha as vézes.aos apu- pos. O que so portanto dois comediantes que se sustentam mituamente? | Duas personagens cujos modelos apresentam, guardadas as proporgdes, ou-a igualdade, ou a subordigagio que sogytm as circunsténcias em que 0 pocta as situou, sem que uma ‘soja demasiado forte ou demasiado fracas ¢ pare salvar essa dis- ara, sonincia, o forte elevard ratamiente o frico 4 por reflexio, descend & pequeneza déste| E sabeis qual jeto désses enstios tio miltiplos? Estabelecer um eq entre of talentos diversos dos atSres, de maneita que dal r tuma ago geral que seja una; e quando o orgulho de um déles se recusa a Sse equillbrio € sempre as custas da perfeicéo do Todo, em detrimento de vosso prazer; pois & taro que a ex-. célente de um s6 vos indenize da mediacridade, dos, outros. que ela reséalts. Vi por vézes'a personalidede de um grande ator “punida; € quando o péblico decretava tdlamente que @le fra extgerado, cm ver de sentir que seu parceiro era fraco, Boot Llend 17 Agora sois poeta;. tendes. uma peca pata ser tepresentada ¢ eu vos deixo a escolha ou de atéres de profundo julgamento ¢ de cabeca fria, ou de atdres sensfveis. Mas antes “de~vos de- idizdes, periniei"aue”€i Vos Faca ume pergunta, i se é grande comediente? E na idade em que. fogo, em que o sangue feive nes yeias, em que méis ogue leva ‘a petturbagio"'a0 fundo das entfanhas, em que.o es- to’ se inflama & menor centelha? Parece-me que nao. '\Aqué: Te due € comediante rubticado’pela natureza prima em sua arte apenas quando @ longa experiéncia € algo adquitida, quando © impeto das paix6es decaiu, quando a cabeca esté calma e quando a alma se domina.3 O vinho da melhor qualidade ¢ acre to quando fermenta; ¢ po¥ lita longa estadlé no tonel que joing generoso. ‘Cicero, Séneca e Plutarco representa para im as u8s Tdades*do homem que compie: Cicero nfo passa muites vézes de um fogo de palha que me rejubile os olhos; Sé- rneca um fogo de sarmento que os fete; ao passo que, se remexo as cinzas do velho Plutarco, descubro'as grandes’ brasas de um braseiro que me aquece docemente-\ Baron (199) interpretava, coffi sessenta anos passados, o Conde de Essex, Xifarés, Britinico,(##°) e 0s interpretava bem. Mlle Gaussin (#1) ’ encantava, em O Oréculo e A Pu- pila, (33) aos cingiienta anos. Secunno. — Ela nfo tinha quase a aparéncia de seu papel. Primero, — E verdade; ¢ éste ¢ talvez um.dos obstécx- los_insuperdveis para a exceléncia de um espetdculo. Cumpre ter passeado longos anos \s6bre 0 paleo, e 6 papel exige as vé- zes a primeira juventude. Se se encontrou uma atriz de dezes- sete anos, (#18) capaz de desempenhar 0 papel de Monima, de Dido, de Pulquétia, de Hermfone, (14) tratase de um prodf- gio que nfo mais se tomaré a ver. Entretanto, um velho come- diante.s6 € ridiculo. quando as f6rcas 0 sbandonaram inteiramen- te, o3 quando 2 superioridade de seu desempenho. ago. silva o contraste entre sva velhice ¢ seu papel. Acontece no teatro como na socidade, onde nio se censura a galanteria numa mulher a fo ser quando ela nfo possui nem bastantes talentos, nem bas- tantes outras virtudes para cobric um vicio. Em nossos dias, Mlle Clairon e Molé(#) reptesenta- tam, a0 estrear, quase como autématos, a seguir mostraram-se 178 verdadeiros comediantes. Como se produziu isso? Acaso a alma, @ sensibilidade e as éhtranhas. thes vieram someste & me- ‘ide ‘que avencavam em idade? / Hf pouco, apés dex anos de auséncia do teatro, Mile Ci ron quis reaparecer; se representou mediocremente, 6 porg perdeta a alma, a sensibilidade, as enttanhas? De modo algu as antes 2 memérla de seus papéis, Invoco o testemunho do futuro, | SzcuNDo, — Como, acreditais que cla se nos apresentaré de nbvo? PRIMEIRO. — Ou que petecerd de tédio; pois o que quereis gue se ponha no lugar do aplauso piblico e de uma grande pai- xio? Se tal ator, se tal atriz estivessem profundamente compe. netrados, como se supée, dizei-me se um pensaria em langar um olbar para os camarotes € 0 outro a dirigir um sortiso aos bas- tidores, falando apenas & platéia, e se se iia a0s foyers interrom- per as tisedas imoderedas de ura , ¢ advertislo de que ¢ hora de vir apunhalar-se? Mas sinto vontade de vos eshogar uma.cena entre um co- mediante e sua mulher que se detestavam; cena de amaites ter- nos ¢ apaixonados; cena interpretada piblicamente no. paleo, .ta como vou apzesenté-a e talvez um pouco melhor; cena em que dois atéres parece 38 © comediante Erasto, amante de Lucila, Lucila, amante de Erasto e mulher do comediante. O Comepranrs, Nao, nao, néo acrediteis, madama, Que eu volte a falar-vos de minha flama, A ComepianTE — B 0 que vos aconselho. Esté tudo acabado. — Assim espero. 179 Quero cuurar-me, @ bem reconbeco O que de voss0 coracio possui 0 meu apréco. — Mais do que mereceis, Uma célera téo constante pela sombre de uma ofensa — Vés, me ofenderdes! nfio vos dou esta honra, Esclareceu-me muito bem sébre vossa indiferenca; E devo mostrarvos que os tracos desdenhosos — Os mais profundos. Sao sensiveis sobretudo aos espiritos generosos — Sim, aos generosos. Exo confessarei, que nos vossos os meus otbos observavam Encantos que em todos os outros io encontravarn. — Nao por falta de télos visto, E 0 enlévo em que eu esteva de minbas algemas Haveria de preferi-las a ofertados diademas. — Fizestes melhor negécio. Ex vivia todo em vds; — Isso é falso, ¢ vés mentistes. 2, eu confessarei mesmo, Talvez que apesar de tudo sentirei, embore ofendido, Bastante pena por delas me haver desprendido. — Seria deploravel. E possivel que, apesar da cura que experimenta, Minka alma verteré por muito tempo desta chaga sangrenta, — Nada temais; a gangtena more nela, 180 E que liberta de um jugo que faria todo meu bem Terei de resolver-me a nurica mais amar ninguém, Pe — Encontrareis recompensa, Mas enfim néo importa; e jd que 0 ddio vos induz A expulsar une coragao tantas vézes quantas o amor vo-lo reconduz éste 0 siltimo dos molestos seguidos Que sofrereis de meus anseios repelidos. A Comepranrs Vés podeis fazer aos meus a graca téda inteira, Senbor, ¢ me poupar ainda esta derradeira. © Comepranre — Meu coracio, sois uma insolente, e vos atrependereis disso. Pois bem, madama, éles bio de ficar satisfeitos Eu rompo convosco, meus lagos convosco esto pare sempre desfeitos, Una vez que o desejais, que ex venba a perecer, Sea vontade de vos falar de n6vo aparecer, A Comzpianre Tanto melhor, é fazer-me um favor. O ComepranTE Nao, niio, néo tenbas temor, A ComEDIANTE. — Eu nio vos temo. Que eu falte 2 palavra; tivesse en une coragao fraco, A ponto de ndo poder déle apagar vossa imagem. Crede que nunca tereis essa vantager © ComepIaNTE — A desgraca, quereis dizer. De me ver voltar outra vex, A ComspianTe, Seria realmente em vio. 181 O ComEpiANTE — Minha amiga, sois uma rematada rameira, a quem ensinarei a falar, Ew mesmo com cem punbaladas me cortaria 0 peito. A. ComEDIANTE — Prouvesse a Deus! Se jamais cometesse ésse insigne aviltamento, Comepranre — Por que nio éste, apds tantos outros? De vos rever, apés ésse indigno tratamento. ‘A ComeprANTs Seja; nao falemos mais disso. E assim por diante, Apés essa dupla cena, uma de aman- tes e outta de esposos, quando Erasto reconduzia sua amante Lucila para os bastidotes, @le Ihe apertava o brago com uma violéncia capaz de arrancar a carne sua querida mulher, e res- pondia a seus gritos com as pelavras mais insultantes © mais amargas. SEGUNDO. — Se eu ouvisse essas duas cenas simulténess, creio que jamais em minha vida tornaria a por 0 pé no espetéculo, PRiMeio. — Se pretendeis que ésse ator ¢ essa atriz sen: tiram, pergunter-vosei se foi na cena dos amentes, ou aa cena dos esposos, ou em ambas? Mas escutai a cena seguinte entre a mesma comediante ¢ um outro ator, seu amante, te diz de seu marido: no me atreveria a vos Enguanto o amante fala, a comedi “B um indigno, éle me chamou.. repetic.” Enquanto ela responde, 0 amante replicahe: “Nao estais habituada a isso?...”” E assim de copla em copla, “Néo cearemos essa noite? — Eu bem que gostaria; mas como escapat? — E vosso problema. — E se éle vier a saber? — Nada mudaré, de qualquer jeito, € nés teremos & nossa fren- te uma doce noite, — Quem convidaremos? — Quem qui- 182 | serdes. — Mas primeiro 0 cavaleiro, que tem fundos. — A. pro- pésito do cavaleiro, sabeis que dependeria sé de mim sentir climes déle? —E sé de mim que tivésseis zazio, Assim ésses_sétes, 10. sensiveisvos pareciam estar, inteira mente na'cend elévada que ouvieis quando. na verdade estavarn, ‘apenas na cena baixa que’ fia Otivieis; ¢ exclamastes: “E pre- ciso confessar que esta imulher € uma atrlz encantadora; que ninguém sabe escutar como ela, ¢ que representa com uma inteligéncia, uma gtaca, um interésse, ume finura e uma sensi- bilidade pouco comum de_vossas exclamagée: Entretanto a atriz engana o marido com outto atot, été ati como ito com uum terceiro, que 0 cavaleiro “ikpisende ok ‘bragos dela, “Bite planejou uma grande Vingen- ga. Ble se postard nos balces, nos degraus mais baixos. (O Conde de Lauraguais nio(#!")’ desobstruira ainda nosso tea- tro.) Af, esperava éle desconcertar a infiel com sue presenca, ¢ com seus olhares. desdenhosos, perturbéla ¢ expé-la aos apu- pos da platéia. A peca principia; a traidora aparece; ela per- cebe 0 cavaleiro; ¢, sem se abalar no desempenho, dizlhe sor- tindo: “Apre! © eterno zangado que se irtita por nada.” O cavaleito sorri, por seu turno. A atriz continua: “Vireis hoje 2 noite?” Ele se cala. Ela acrescenta: “Acabemos com essa bbriga sem graca e fazei avancar vosso céche...” 38 Esa beis em que cena isso era intercalado? Numa des meis como- vventes de La Chaussée,(##°) em que a comediante solucava € nos fazia derramar légtimas ardentes. Isso vos confunde; no entanto € a esttita verdade. Secunno. — E de me despostar do_teatro: Paumeno. —E por qué? Se essa gente nao fésse ca- paz de semelhantes proezas, entio sim & que nfo se deveria ir. © que irei vos contar, ew mesmo presenciei. (12°) Gartick mete a cabega entre os dois batentes de uma porta intervalo de quatro a cinco segundos, seu rosto passa su- fe da louca alegria & alegria moderada, desta alegria 2 tranqiillidade, da tranqiiilidade & surprésa, da surprésa 20 es- panto, do espanto & tristeza, da tristeza 20 abatimento, do aba- mento 20 pavot, do pavor 20 horror, do horror 20 desespézo, € sobe déste grau aguele de onde descera, Serd que sua elma pode experimentar tédas essas sensactes ¢ executary dewcérdo’, 183 Pn com 0 seu. tost6, esta espécie de.gama? Nao creio absolutamen- te, nem vds tampouco. Se pedirdes a ésse homem célebre, 0 qual 36 le mereceria tanto que se fizesse a viagem a Inglaterta, co- mo todos os restos de Roma merecem que se faga @ viagem a Itdlia; se the peditdes, digo, a cena do Pequeno Pasteleito, éle fa interpretaré; se Ihe peditdes logo em seguida a cena de Ham- let, le a interpretaré, igualmente pronto a chorar 2 queda de suas massinhas ¢ a seguit no at a trajet6ria de um punbal. Aca- 80 a gente ti, acaso chora a discricéo?. O que a gente faz € uma careta mais ou menos fiel, mais ou menos enganadota, confor- me se € ou nfo se € Gatrick. Bu zombo as vézes, «até com hastante_verdade, a.fim_de. Thomens do mundo; “mesmo os mais fnos. [Quendo l6"ela morte simulada de minha irma, na cena com o ‘edvogado notmando; quando, na cena com o ptimeito recebedor da matinha, eu me acuso por ter feito um filho & mulher de um cepitéo de navio, apresento tealmente o ar de quem sente dor ¢ vergonha: mas estou aflito? estou envergonhado? Nao. mais em minha pequena comédia do que na sociedade, onde execiitei @ssé8 “dois papéis antes de introduzilos_numa_obra_de... teaitos (#27) JO.gue.é pois um grande comediante? "Um gran. de escarnecedor trdgico ou cdmico, a quem o poeta ditou o discurso..* ~ Sedaine (222), Interesserme ‘mais enta.O Fildsofo sem o Saber. (199) fiente do qié”éle-no' éxito da pera; 0 chime de talentos € um vicio que me é estranho, jé os tenho suli- cientes sem éste reco © testemunho de todos os meus confr: des em literatura’ auendo se digisiam poi vézes.a me consulta: Sébre suas obras, se ndo fiz tudo o que dependia de mim a fim de responder dignamente & matce hontosa de sua estima? O Filésofo sem 0 Saber nfo se firma na primeira nem na segunda reptesentagio, e eu fico muito aflito; na terceita, vai as nuvens, Na manhé seguinte atiro-me num era inverno, fazia o onde espero ‘encont mam-me que éle esté no fim do faubour Antoine, man- do que. me conduzam até Ié. Eu o ‘bord Tango meus bragos em t6rn0 de seu pescogo; a voz me falta, e as légrimas me cot- rem sobre as faces. Eis o homem sensfvel_e medfocte. Se rigo- Infor- 184 a daine, imével,¢ frio, me fita ¢ me diz: “Ab! Senhor Diderot, como sois adrigfoe ” Bis o observador ¢ 0 homem de génio. Bste fato, ex o contei um dia A mesa, em casa de um ho- mem cujos talentos superiores o destinavam a ocupar o lugar mais importante do Estado, em casa do Sr. Necker; (#24) ha. via um grande mimero de homens de letras, entre os quais Mat- montel,(#*) que amo e a quem sou caro. Bste me disse irénicamente: “Vereis que, quando Voltaire se desola 20 simples telato de um trago patético e quando Sedaine guarda seu san- gue-frio 2 vista de um amigo que se desfaz em Igrimas, & taire que € 0 homem comum e Sedaine o homem de génio! Esta apéstrofe me desconcerta e me, reduz a siléncio, porque_ 2 homem ‘ensfvel, como eu, qué std todo iitéito no’ que Ihe Objetam, perde a cabeca e se encontra ao pé da escada. Umm outtd, fio é senkiot de si mesmo, iésporidetia’ a Marivontel: “Vossa reflexdo ficaria melhor em outra béca que nfo a vossa, porque vés no sentis mais do que Sedaine, e porque vés tam- bém fazeis coisas muito belas, e porque, seguindo a mesma carreira que éle, podeis abandonar a vosso vizinho o cuidado de apteciar imparcialmente seu métito. Mas sem querer pre- ferit Sedaine a Voltaire, nem Voltaire 2 Sedaine, poderfeis di- zerme o que teria saido da cabeca do autor do Filésofo sem 0 Saber, do Desertor e de Paris Salva, (1#*) se, em vez, de pas- sat trinta ¢ cinco anos de sua vida a estragar o estuque € a cottat a pedra, emptegasse todo o tempo, como Voltaire, como ‘v6s ¢ cu, em ler e em meditar Homero, Virgflio, Tasso, Cicero, Deméstenes e Técito? Nés nunca poderemos ver como éle, e éle teria aprendido 2 falar como nés. Eu o encaro como um dos descendentes de Shakespeare; éste Shakespeare, que nio compararei nem a0 Apolo do Belvedere, nem ao Gladiador, nem a Antinoo, nem ao Hércules de Glfcon, mas sim 20 nosso Sio Cristévéo da Notre-Dame, colosso informe grosseiramente es- culpido, mas entre as pemas do qual passarfamos todos sem que nossa fronte Ihe tocasse as partes vergonhoss -Mas_um,outro.traco em que eu_vos mostrarei uma perso- -pagem tornada em um moméits plana ¢ tla por sua sensibi- idade,-e. n0 idmento” sefuinte sublime pelo sangue frie que Sucedeu a sensibilidade abafada, € 0 seguinte: Um literato,(221)_cuio..nome. calatei,.caira na extrema _Andigéscia. Possufa um irmio, teologal ¢ ico. Perguntei 20 185 indigente por que ¢ que 6 irmio nfo 6 socditla. B qué, res pondeu-me, agi muito mal com éle, Obtenho entio déste a permissio de ir procurar o senhor teologal. Vou. Anunciam- sme; entro. Digo ao teologal que desejo falarlhe do itmio. Ele ‘me toma bruscamente pela mo, faz-me sentar e me obser- va que cabe a um homem sensato conhecer aquéle cuja causa advoge; depois, apostrofando-me com férca: “Conheceis meu irmao?' — Assim creio, — Estais @o pati dos seus procedimen- tos para comigo? — Assim creio.—"'Vés 0 credes? Sabeis E eis que meu teologal me recita, com rapidez € surpteendentes, uma série de agdes umas mais atro- zes, mais revoltantes, do que as outras. Minha cabeca se bara- tha, sinto-me acabrunhado; perco 2 coragem de defender um monstto tio abomindvel como aquéle que me pintam. Feliz. mente meu teologal, um pouco prolixo em sua 1° sme tempo de recompor-me; pouco a pouco retitowse e cedeu lugar ao hotiem elogiient i wet Gué 0 ful na oca: ‘Senhor, disse friamente ao gal, vosso itmao agiu ida, e eu vos Jouvo por me ocultar © mais gritante de seus crimes. — Nao oculto nada. — Pode- res acrescentar a tudo o que me dissestes, que uma noite, quan- do salstes de vossa casa para irdes as matinas, éle vos agarrou pela garganta, e que, puxando uma faca que mantisha escondi- da debaixo da roupa, estve 2 ponto de meté-la em vosso peito, — Ble é bem capaz disso; mas se nfo 0 acusci é porque nfo é verdade...”” E eu, erguendo-me subitamente, e cravando em meu teologal um olhar firme e sevéro, exclamei com voz atroa- dora, com téda a veeméncia e 2 énfase da indignagéo: “E mes- mo gue fésse verdade, ainda assim no seria necessario dar pao 4, pow inmio?” | Q stologal, smusade, sonstemedo, contun- dido, permanece. mudo, anda dé"um lado’ para o outto, volta 4 mime. me concede wine peisio anual para o itmao. __Ser4.no, momento em que acabais de perder vosso amigo oii Vossa amante qué comporeis um poema sdbre sua morte? Nie. “Ai dé quem goza-entdo de seu talento! \E quando a grande dor pass0i, quendo a extreme sensibilidade”esti amorte- Gida, quando estamos Tonge da catdstrofe, quando a alma esté apaziguada, que nos lembramos da ventura eclipsada, que so- mos capazes de apreciar a perda sofrida, que a memérla se ret ne a imaginacio, uma para descrever ¢ outta para exagerar a 186 dogura de um tempo passado; que nos dominamos e que fala: mos bem. Dizem que se chora, mas ninguém chora quando persegue um epiteto enérgico que se recusa, dizem que se cho- fa, mas ainguém chora quando se ocupa @ tomar seu verso hharmonioso: ou se as légrimas correm, a pena tomba das sis, a gente se entrega ao sentimento e cessa de compélo. ‘Mas hi prazeres violentos assim como penas profundas; so mudos. Um amigo terno ¢ sensivel revé 0 amigo que per- dera por férga de uma longa auséncia; éste reaparece em um momento inesperado, imediatamente 0 coragdo do primeito se perturba: corre, abtaga, quer falar; nfo consegue: tartamu- deia palavras entrecortadas, nfo sabe 0 que diz, nio ouve nada do que se The responde; se pudesse perceber que seu delirio nfo & partilhado, como softia! Julgai pela verdade desta pintura, da felsidade’ dessas entrevisias teatrais onde dois amigos dis- péem de tanto espfrito e se dominam tfo bem. Que nfo vos diei eu dessas insipidas ¢ elogiientes disputas acérca de quem morzeré ou, melhor, acérca de quem nfo morrerd, se éste texto, sébre 0 qual eu nunca tetminaria, nfo nos afestasse de nosso tema? ¥ o bastante para pessoas de grande e verdadeiro gos- que eu adicionasse nada ensinaria aos outros, Mas quem salvard ésses absurdos tio comuns no teatro? O comediante, € gual comediante? HG mil creonstincis pare uma_em_que_a_sensbildade-¢ ju vante ‘is dois aman- tio prejudicial “na sociedade quanto no palco. Eis dois tes, ambos t2m_uma_declapacio a fazer. “Qual dees SE3aik > ia é que ‘Bio, a objeto amado todo. tinue, 0 coragio me. bata, idéias “se batalhavam, minha voz se embargava, eu rado 0 que respondia néo quando devia ‘responder sin; cometia mil asneiras, inépcias sem fim; era ridfeulo da cabeca aos pés, percebia-o ¢ me tomava tanto mais ridiculé/ Ao pas- adévi so que, diante de meus alhos,_ geiro, dominan gurave-a as vézes sei ue a S0licitasse, beijava-a, Give eu, ROIRGS ein ain oa de clogiar finamente, divertia, apra- sQlicitava time mao que \haabaridonavam, se- aves ain: lancolia, coberto.de.um suor_frio, eu nfo conseguia, nem mos- em ocultar minha afligéo. 'Jé se disse que 0 amor, que 'o espltito aos que’o possuiem, concede-o 20s que nfo 0 pos- térmos, que torna uns_sensiveis € audaciosos. a "TQ homem sensivel obedece aos impulsos.. expttisa preciiehte Sento 0 Filto de_seu_ cota to em qie modera ou orga Ese grito, nfo € mais éle, € um co- seediante_qae Fepresenea: “© ‘prande comediante observa os fendmenos; 9 _homem s sosl semrelhe de-medets, Heo Bids, @ eficontra, pot_re- flexio, 0 que cutipté adicionar ou subtrair pata o melhor. E, “ai jy, fatos, segundo 122068, ; rove (CONG primeita “representagdo de Inés de Castro,(7#*) na \ /' passagem em que os infantes aparecem, a platéia pOs-se a tir; a Mlle Duclos, (22°) que fazia a Inés, indignada, disse & platéie: “Ri becil platéia, na mais bela passegem da pega.” A pla- téia ouvin, conteve-se; a atriz retomou o papel, e suas Iégrimas | @ as do espectador rolaram. Como entfo! passa-se e repassa- | se assim de um sentimento profundo @ outro sentimento pro- \ fundo, da dor a indignacio, da indignagéo A dor? Eu nio 0 \ concebo; mas o que concebo muito bem, é que a indignacio da e Duclos sta real e sua dor simuilads, Quin: it-Dufresne (18°) interpreta o papel de Severo em Poliewcto, (#51) Bste foi enviado pelo imperador Décio para ‘petseguir os cristios. Confia a um amigo seus sentimentos secre- tos sobre a seita caluniada. © senso comum exigie que tal con- fidéncia, que podia custar-lhe o favor do principe, a dignidade, 1 fortuna, a liberdade e quigé a vida, fOsse feita em voz bain, A platéia gtitalhe: “Mais alto.” Ele replica & platéia: “E vés, senhotes, mais baixo.” Se fOsse realmente Severo, reconver- teseia tio prestamente em Quinault? Nao, eu vos digo, nao. S60 homem que se domind como sem diivida éle se dominava arc th excelencia, Le KainNinia(?*) desce ao timulo do pai, esgana af a mie; ‘soi com mios ensangiientades. ‘Transborda de horror, seus membros tremem, seus olhos estio perdidos, os cabelos pa- recem erigarselhe sobre a cabesa. Sentis os vossos se arrepiar, 188 ide _assimm_depor ¢. © terror vos assalta, ficais tio perdido como éle. Entretanto, Le Kain-Ninia empurra com o pé para o bastidor ‘ii ipit terde“Giattnte que se despréndera da otélha de” uima attiz. E G3t8" ior senié?"NaG~é" possivel. Direis que € ‘rman ator? Naovercio"dé modo “algum: “O que € pois Le KainNinia? / um homem ftio que nfo sente nada, mas que figura su ~ ie lidede. Debaldé~bradard: “Onde estou?” Eu “Onde estés? Sabes muito bem: estés sobre © tablado e empurras com o pé um pingente pata os bastidores.” Um ator é tomado de paixio por uma atriz; uma peca os coloca por acaso em cena em um momento de ciime. A cena genharé com isso, se 0 ator fOr medfocre; perder se fOr come- diante; entio. 9 grande comediante tomnar-se-4 éle préptio ¢ nio mais 0 modélo ideal e sublime que imaginara de vii ciumento YQ Prova de que entdo o ator ¢ a atriz se rebaixam um c outro al vida comum, € que, se conservassem a grandilogiién na cara;_o citime.empolado e trégico nfo hes pa vézes senio uma fatsa do sei Seounpo. — Entretanto, haverd verdades de natureza, Primero. — Como hé na estétua do escultor que tradu- ziu fielmente um mau modélo, Admiramos tais verdades, mas achamos 0 todo pobre ¢ desprezivel. Digo mais: um meio seguro de tepresentar mitida, mes- quithamente, é representar nosso préprio cardtet. Sois um tar- ‘wfo, um avaro, um misantropo, vés © repre bem; mas do fareis nada ‘do que o posta féz; pois éle f& 0 Tartufo, 0 aroe-0 Misantropo. . Srcunvo. —|Que diferenga estabeleceis, pois, entre um tartufo ¢ 0 Tartufo? Primero. — O preposto Billard (3**) € um tattufo, 0 Abade Grizel & um tartufo, mas nfo é 0 Tartufo. O financis- ta Toinard era um avaro, mas nfo esa o Avaro. O Avaro e 0 Tartufo foram feitos segundo. todos os, Toinards. ¢..todos_os Grizels do’miindo; sto seus tragos mais gerais e mais marcantes, mas nfo € 0 retrato“exato de nenhum; ‘por isso ninguém se re- einhece, néles As comédias de vela e mesmo de caracteres sfo exagera de sociedade € uma espuma ligeira que se eva- stacejo de teatro é uma arma cortante que fe- 139 riria na sociedade. Nio se tem com séres imagindtios 0 come- dimento que se deve a séres reais (A sétira:é de um tartufo, e a comédia}é do Tartufo. "A | sitira persegue um so, a comédia. persegue um vicio. “Se | hhouveste existido apenas uma ou duas Preciosa’ ridiculas, po- der-seia fazer uma sétira delas, mas néo uma comédia, Ide & casa de La Grenée(1%) pedithe a Pintura, ¢ ale julgard ter satisfeito voss0 pedido, quando houver colocado s6- bre a tela uma mulher diante de um cavalete, com a peléta me- tida 0 polegar ¢ o pincel na mio. Pedilhe a Filosofia, e 6le julgard téla representado, quando, diante de uma secretétia, de noite, 20 claro de uma candeia, houver apoiado sbbre 0 coto- vélo ‘ume mulher em roupio, desgrenhada ¢ pensativa, que lé ou medita, Pedislhe a Poesia, ¢ éle pintard a mesme mulher de um laurel, ¢ em caja mao colocaré um rélo. inda 2 mesma mulher, com uma lira em lugar do x 1¢ a Beleza, pedi mesmo essa figura a outro mais hhébil do que éle, ou eu me engano muito, on éste wltimo se per- suadiré de que exigis de sua arte apenas a figura de uma bela mulher... Vosso_ator_e éste_pintor_incidem ambos no_mesmo_ defeito, “eu lhes Fois0 quadro, vosso desempenho, si0 apenas retratos de individups muito absixo da idéla geral_ que 0 poeta tragou, e do modéld-Weal caja Copia eu esperava, Vos- sa vizinha € bela, muito bela, de,acdtdo: mas néo € 2 Beleza, Hi tanta sia “entre’ Vossa obra e vosso médélo quanto en- tre vosso modélo € o ideal.” _{ Wo setd uma quimera? crigem, a escultura, por exemplo, Ela copiou o primeito mi délo que Se The apieseritou. Viu em seguida que havia mo- delos menos imperfeitos que deferiu. Cortigiu os defeitos gros- | seitos déstes, depois os defeitos menos grosteitos, até que, pot | uma longa seqiiéncia de trabalhos, atingiu uma figura que nao | existia mais na natureza.—} | Szounpo. — E por qué? Sucunno. — Mas, sendo ideal, nfo existe: ora, nada hé no entendimento que a0 teitha estado na senseciio. Primemo. — # certo. (Mas tomemos uma arte em sue | 190 Primero. — Porque ¢ impossivel que_o. desenvolvimento de uma méquina tio, complicada come wm._corpo animal seja re. gular. Ide as Tulheries ow aos Champs-Elysées im Belo dia de festa; considerai tédas as mulheres que hio de encher-as ala- médas, ¢ nfo deparareis uma vnica que apresenta os di da béca perfeitamente similares. A Danea(#*) de um retrato; 0 Amor, colocado a0 pé de seu leito, é ideal. Em um quadro dé Rafeel, que passoa da galeria do Sr. de “Thiers a de Catarina If, (35) “o Sao José é uma natureza comus Virgem € uma bela mulher real; o Menino Jesus ¢ ideal se quiserdes saber algo iials sObie etses, principiog e&pecil da arte, eu Vos comiiinicare’ meus Saldes. Seunpo. — Oiivi falar déles com louvor por um ho- mem de gosto fino e espftito delicado, Parmero. — O Sr. Suard. (288) Secunvo. — E por uma mulher que possui tudo o que @ puteza de uma-alma angélica actescenta A fineza do gésto. Pammetro. — A Sr.* Necker. SecuNpo. — Mas voltemos a0 nosso assunto. Parmerzo. — Consinto, embora prefica louvar a virtude a discutit questées assaz ociosas. Scunpo. — QuinaultDufresne, glotioso de caréter, in- texpretava maravilhosamente 0 Glorioso. (25°) Primero, — E verdede; mas de onde sabeis que & 4 matureza nfo teria feito gue separa o belo real atem as diferentes escolas? terpretava 2 si mesmo? Ou por um glotioso muito préximo do do belo ideal, limite sébre o qual SeGuNDO. — Néo vos entendo, Primero. — Sou mais claro em meus Saldes, onde vos aconselho a ler 0 trécho sObie a Beléza em geral. Enirementes, dizei-me, Quinault-Dufresne ¢ Orosmano?("°) ‘Nao.~Enure: fanto, quem é que o substituln ¢ 0 subslittird esse papel? Era éle 0 homem de O Preconceito na Moda?(¥™1) Nao, Entre- tanto, com que veracidade no o representava éle? Szcuno. — A crer.em.vés, 9 grande comediante ¢ tudo ou no é nada, ee Priiwetzo. —!E talvez por nio ser nada € que é tudo por exceléncia, nfo contrariando jamais sua forme particular as for- mas estranhas que deve sooo 191 Entre todos os que exerceram a itil e bela profissio de co- ‘piséadar. laics,“iii dos homens mais hone: sula.a.fisionomia,.o tom € 0-porte, Gil Blas, do Bacharel dé Salainan- 3) SecuNDo. — O filho de Le Sage tOda essa agradavel familia. . Primero. — Fazia com igual éito Aristo em A Pupi- 4a,(*) Tartufo na comédia do mesmo nome, Mascarilho em As Artimanbas de Eseé ®) 0 advogado ou Mr. Guillaw. me na farsa do Pathe Secunpo. — Eu 0 Primo. —E para vosso grande espai cata dbsses diferentes Tostoe” NGS eta naturalmente, sureza- lhe,dera apenas a déleytinha pois as Serd que existe uma sensibllidade ticia, “seja nat, a sensibilidéde ito ) pai comum de N08 as causas quan ora, € com mais fregiiéncia telvez, o comediante concebeu mais fortemente que 0 poeta; e nada é mais verdadeiro do que esta cexclamagio de Voltaire, 20 ouvir a Mlle Clairon em uma de suas pesas: Fui realmente eu quem {éz i807 ~S@4 que a Mlle Clai- 30 a conhece mais que Voltaire? Naquele momento pelo me- nos seu modélo ideal, 20 declamar, estava muito além do mo- délo ideal que o poeta imaginara ao escrever, mas ideal niio era ela. Qual era pois seu talento? O de geande fan se i 192 uma oragio de Deméstenes nunca conseguiu dar, o mugido da g oabldeie do ina, _ dos neryés, que 0 fio We asado com o essesnio do pei E sua cabeca na mio, exigindo o seu salério; (3) deiros abracos de tua ma jé vejo as aves de rapina, rew bem pior, se éste discurso, pronunciado 5. bese ainda | fortalecido” por sua_ver of um_grande cont Bidet Sec ido a vos interzomper a fim de perguntar 0 que pensais daquele vaso apresentado a Gabrielle de ' 193 Vergy, (1?) que via néle 0 cotagio ensanglientado de seu amante. Primero. — Respondet-vos-ei que é pteciso ser conse- qiiente e que, quando alguém se revolta contra tal esperéculo, nao deve suportar que Fdipo se_mostre com os olhos vazados, € que cumpre expulsar de cena Filoctetes atormentado por seu ferimento, ¢ exslando sua dor por meio de gritos deseetenla Os antigos tinham, parece-me, outra € sses antigos exam. oF Bregos, cram os x es, Este povo tio Aelicado, que ‘nos deixou em todos ‘0#géneros modelos que as outras nagées ainda. nio igualarem. Esquilo, Sofocles, Eurfpi- des nao velavam anos uma ceia, Pretendiam entristecer profundamente com a sorte dos desgracados; prétendiam, info Serpe seus, concida- dios, mas torné-los melhor fos? Estevam com a favo? Pam éste efeito, faziam corret s6bre a cena as Eumé- hides (758) na trilha do pat conduzidas pelo vapor do sangue que Thes atingia o olfa wham demasiado, discerni- mento pata aplaudir tais iambroglios, tais, escamoteacies de pu- ‘iheis, qué séo bons somente para criancas, Uma tragédia nido 6 a mei very séndo uma bela pgina histérica gue se partilha em certo ntimero de pausas marcidas. O xerife é esperado, fle aparece. Interroga o senhor da aldeia. Propte-lhe apostasiar. Este recusa-se, O xerife o condena & morte. Envia-o as mas- mortas. A filha vem pedir-lhe graga para 0 pai, O xerife conce- dea, mas com ume condiggo revoltante. O senhor da aldeia € executado. Os habitantes perseguem o xerife, Este foge diante déles. O namorado da filha do senor o abate com uma punbalada; e 0 atroz intolerante morre em meio das imprecagGes, No é preciso mais a um poeta para compor uma grande obra. Que a filha haja”interfogado a mae sébre o timulo dela, a fim de saber o que deve aquele que lhe deu a vida. Que esteja incerta sébre o sactificio da honra que lhe exigem. Que, nessa incerteza, mantenha o namotado afastado dela, e se recuse aos discursos de sua paixio. Que obtenha permissio de ver 0 pai na prisio, Que o pai queiza unila a0 namorado, e que ela nio consinta, Que se prostitua. Que, enquanto ela se prostitui, 0 pai seja executedo. Que ignoteis sua prostituicio até ¢ mo- mento em que o namorado, vendo-a desolada pela morte do pai 194 sda" tragedia, que éle Ihe informa, ¢ informado do secrificio que ela {82 pata salvélo. Que entio © xerife, perseguido pelo povo, chegue, ¢ gue seja mossacrado pelo namoredo. Eis uma parte dos porme- nores de semelhante tema. Seeunvo. — Uma parte! Parmerro. — Sim, uma parte. Serf que os jovens ens- motados nfo proporio ao senhor da aldeia a fuga? Serd que os habitantes nfo Ihe proporio exterminar 0 xerife ¢ seus satélites? Seré que em meio daquela jotnada de dor o namorado permane- cer ocioso? Serd que nfo hé ligagdes a supor entre tais per- sonagens? Seré que nio hé qualquer proveito a tirar dessas ligacées? Sera que o xerife ndo pode ter sido o amante da filha ia? Serd que no est de volta com a alma cheia de vinganga, quer contra pai que o ter expulso do burgo, quer contra a filha que o terd desdenhado? Quantos incidentes importantes € possivel tirar do mais simples tema quando se ‘ein a paciénciarde-mediiceio! Quanta cor nae” s€ Thes pode dar— quando se € eloqientel "Ninguém~é pocte~drammatico sem” set elogiiente. Eacteditats qu ‘espeticulo? Este “Interrogetdrio far-se-4 com todo o aparato. Deixai-me dispor do meu local e démos um fim # essa digressio. Eu te invoco como testemunha, Roscius(1**) inglés, célebre Garrick, tu que, pelo consenso unanime de t6das as na- Ges subsistentes, pessas pelo ptimeiro comediante que elas co- mheceram, rende homenagem a verdade! No me_disseste, (35°) que, embora sentisses fortemente, tua aco Seria fraca, se, qualquer rGue fOsse a paixdo’ ou 0 carater s. soubesses: elevar-te-pelor pensaiichto 3 grandéza’ de omérico ao qual procuravas identificar-te? Quando te objetei que nfo era portanto’de aé6ido contigo’ mesmo que represents- vyas, confessa tua resposta: nao reconheceste que efa isso o que evitavas que parecias tZo surpreendente no palco apenas por- que mostravas constantemente no espeticulo um set de imagi- nagdo que no era tu? Secunpo. — A alma de um grande comediante & formada do clemento sutil com que nosso fildsofo(#°7) preenchia o es- aco que ndo é nem frio, nem quente, nem pesado, nem leve, nifo assume qualquer forma determinada e que, sendo igualmente suscetivel de tédas, nfo conserva nenhuma. 195 Primo. — Um gtande comediante nfo ¢ um piano- forte, nem uma harpa, nem um cravo, nem um violoncelo; néo, ‘hf acorde que The seja préprio; mas toma o acorde e o tom Ge Convéin F sua parte, -e-sabe~prestarse x todos.” Nutro: elevads idéia do talento de wit ‘grande Comediante: “este Homie € rato, io taro-e-talver Poe Aquéle que na s ‘s€ propée, € tem, o infeliz talen- to de agradar 2 todos, niio € nada, nfo tem nada que Ihe pertenga, que o distinga, que embeveca uns e fatigue outros. Fala sem pre, ¢ sempre bem; é um adulador protissional, é um grande ‘cortesio, € um grande comediante. Secunpo. — Um grande corteséo, acostumado, desde que respira, 20 papel de titere maravilhoso, assume téda sorte de formas, ® vontade do cordfo que se encontra nas mios de seu senhor. Primero. — Um grande comediante ¢ outr vilhoso.cujo corddo o-poets seBura, c eo qual indica a cada li nha a verdadeira forma que deve assumir. SEGUNDO. — Assi, Mir corteszo, um comediante, que nfo consigam tomar senio uma forma, pot mais bela, por mais inte ressante que seja, nfo passam de dois maus titeres? Primero. — Meu des{gnio no é calunier uma profissio que amo ¢ estimo; ‘eferime-& do comediante, i Jado''se" minhas ‘observacbes; mal interpretadas, sombta do desprézo a homens de talento raro ¢ utilidade reel, acs malhos do ridicalo e do vicio, aos mais elogtientes prepa dores da honestidade das virtudes, & vara de cue o homem de génio se utiliza para castigar os maus os loucos. rei os olhos em tdrno de vds, e vereis que as pessoas poeta: lidads"coftiaiia nao possaent grandes défeitos, nem grandes qua- “idadedy que comuiDente Os Fiacejadores de prolissao sf0 homens “frivelas, sem qualquer principio sélido; ¢ os que, semelhantes a certas personagens que circulam em nossas sociedades, nao tém nenhum caréter, primam em desempenhar todos} Um comediante no tem pai, mae, mulhefy filhos, itmfos, inmas, combettdos, amigos; aiitante?~fSe-fosse dotado dessa és- ‘anha sensibilidade, ques considers a principal qualidade de sua condiggo, perseguide como nés e atingido por uma infinidade de penas que se sucedem, ¢ que ora manchem nossas almas, ora as dilaceram, quantos dias lhe restariam pata conceder ao n0ss0 196 divertimento?"} Muito poucos. O gentilhomem da cémara real interporia varienté~sia” séberania, 0 comediante encontrar-se-ia amitide no caso de lhe responder: “Senhor, hoje eu nfo saberia tr, e € de outra coisa que nfo os cutdados de Agamenion aus de Sej6 chotar" —Enmeretanto, fad se percebe que as alligdes da vida, ‘io freglentes fara éles como para nds, e muito mais contrariag a0 livre exercicio de suas fungées, os intetrompam amide, No mundo, quando nfo sio bufées, acho-os polidos, ‘céus- ticos“é trios, ‘faustosos, dissipados, dissipadores, intéréssados, “Tals inpressionados por a0ss Tidfoulo de que tocddos por_nos- Pe ‘Vi muitas_vézes um comediante rir fora do. falco, no guard lenbrang de jai Writ Ges hota. Esta éensibilidade que éles se axtogams"e’que'se’Ihes abona,~o Jque fazem dela entio? Largam-na sobre o tablado, quando des- cem, a fim de retoméla quando tornem a subir> © que Ihes calga 0 soco ou 0 cotumno? A falta de educa rf inagem. © teatro é um recurso, nunca 1ém se féz_ comediante por gésto & vir- mover um espirito”této, wih“ Coracas~ ardente, a abtagar-tio bela profisso, ne efi, ‘ostilava éfitre a Sorbonne e a Comédié.”) ) esLagIS tals Tigorosa, Fecitarem-alea” ; voz os papéis de Moliére e de Corneille nas aléias solitérias do | Luxemburgo.(18*) Qual era meu intento? Ser aplaudido? | Talvez. Viver em famniliaridade com as mulheres de teatro que | en achava infinitamente amiveis e que eu sabia serem muito fé- ceis? Certamente. Nao sei o que eu teria feito s6 para agradar & Mlle Gaussi rreava entfo e era a beleza personificada; & “J& se disse qué 69 comediantes nfo tém qualquer cardter, porqile, representands todos, perdem aquéle que a natureza thes deu, que se tornas Como 0 médico, 0 citurgigo ¢.0 afou _BieiiO se tomann dite’. “Créio que se tomou a causa pelo efei- fp ams 2 MOS Me 197 f we gn que_contava tentos_atrativos no paleo, e to, ¢ que éles nfo servem pare interpretar todos porque nfo tém neshum. SeguNpo, — Ninguém se torna cruel porque € carrasco; mas a gente se faz carrasco, porque é cruel. Pammeio. — Debalde examinei ésses homens. Nada vejo néles que 0s distinge do resto dos cidaddos, a ndo ser uia Vai- dade que. se poderté thainar ifoléncia, uni ‘cide que enche de Gissensées e Sdios suds TeUt sntre “‘tédas as associagOes, nao ha talvez neshimi ondé-O"interésse comum de todos ¢ 0 do publico sejam mais constante e mais evidentemente sac cados a miserdveis pequenas pretenses. A inveja é sinda pior entre éles do que entre os autores; é dizer muito, mai € verdide, Poets Ferdoa Mais ficilimente a outro poeta o éxito de uma do que ume attiz perdoa a outra atriz os aplausos que a de- Signam 2 algum lustre ou rico devasso. Wés os védes grandes ¢ tém alma, dizei; quanto a Hilti, €i os vejo pe- Guenos 6 baixos dude; potque nfo a tém absolutaimente: dom a6 pilivfis e o tom de Camila e do velho Horicio, sempre os costumes de Frosina ¢ de Sganarelli. (38°) Ora, para julgar 0 fntimo do coragio, deverei reportarme a discursos de emprésti- mo, que alguém sabe expressat maravilhosamente, ou A natureza dos atos e eo teor da vida? SEGUNDO. — Mas outrore Molitre, os Quinault, (1%) Montménil, (2) mas hoje Brizard (##*) “e Caillot (2) que € igualmente bem-vindo entte os grandes ¢ os pequenos, a quem is sem médo vosso segrédo vossa bélsa, e com 0 gual julgatfeis a honra de vossa mulher ¢ @ inocéncia’ de vossa filha tmais em seguranga do que com éste gric-senbor da cérte ou com aquéle respeitével ministro de nossos altares... Prinseino. — O elogio no € exagerado: o que me irrita 6 no ouvir citados um niimero maior de comedi nham merecido ou que o mezegam. O que me irtita é que en- tre ésses proptietérios por condigéo de uma qualidade, fonte preciosa e fecunde de tantas outras, um comediante homem edu- cado ¢ uma attiz mulher honesta sejam fendmenos to raro: id 0 fosséi’ dotades, info Ihés € 2’ base do caréter tiem 3 gue cla no Ihes pertence tanto quanto esta ou aquele”condigio'da Sociedade, e que se oF 198 dado ver pouco grandes conediantes é porque as pais aio des- tina’ 0s filhbs Go" wAWOE €" Porque ‘Aiiguém-se-prepatw Para" femilias da sociedade, e conduzidos 4 cena como 20 setvico pi blico, 20 palécio, a igreja, por escolha ou por gésto e com 0 con- sentimento de seus tutores naturais. SaGUNDO. — C avibamsotn dos comedianes modernos. é, ‘parece-me,.uma.desafortunada herance que Ties jogaram os co- mediantes’ antigos.. aa a omen Primero, — Acredito. SzcuNDo. — Se o espetéculo nascesse hoje que temos idéias mais justas das coisas, talvez.. Mas vés nao estais me ouvindo, Com que soafiais” Gswroc 3? Primero. — Sigo minha ,ffimeira 1d8i@)e penso_na_in- luéncia do speticylo-sGbte_ 0 bom go se 0s comediantes fdssem pessoas de(benise sua protissac £0856 Roirada YOnde'eit4’o poeta qué ouisasse propor a homens bem- Tnascidos sépetir pUblicamente discursos enfadonhos ov gros tos; a mulheres quase tio recatadas como as nossas, recitar afton- tosamente, diante de uma multido de ouvintes, palavras de que corariam no recesso de seus lates?\ Depressi os nossos_au- tores draméticos atingirlam uma pureds, wits “delitadeta, it ‘legancia, da qual “encontrain aiid is cue 0 espitito nacional sent — Poder'seia objetar-vor Guiga que a5 pees, s como modernas, que vossos honestes comedian: tes excluiriam de seu repertério, so precisamente as que repre- sentamos em sociedade. Parmaizo. — Eo gh Fa que nossos cidaddos se re- cbaixem a condigio” dos” mais ‘vis. histrides? [Seria “merios” ttil)~ seria menos’ de deséjar que nossos ‘comédiantes se elevassem & condicao des mais honestos cidadios?") SecuNpo. — A metamorfose néo € fécil. _Prrer0. — Quando aptesentei O Pai de Farailia (#8) 0 magistrado da policia exortou-me a seguir o género. 199 Sscunpo. — Por qué nfo o fizestes? Primero. — B_gue, nio tendo obtido o éxite que eu és- patara e no tendo a pretensao ce po me “Roe UROL ‘de tute cavfelita “pares qual ‘fo me julguei ‘eon ‘bastante talento. ~~ ee - SecuNDS. —[E por que essa pega que enche atualmente a sala de espectadores antes das quatro e meia, ¢ que 0s come- i Giantes colocam em cartaz sempre que necesitam de um milhar fi 7 ~ee escudos, foi tio tbiamente acolhida no coméso?~> . Cov os *Primgimo. — Alguns alegavam gue nossos costumes : cram faticidn demais para Se deomodarem a um género tao sito- ples “e conrompidos temas pat paid apteciarem “With “geHéis' tao “recat ~— . Secunpo, — O que nao era inverossimil. PRIMEIRO. —Mas a expetiéncia,demonstrou de fato que 5, pois_ndo nos tormamos melhores. Alids ‘Sea obra de um. “ofrecer Ciias caracterfsticas ¢ 0 autor | ver talents, seu triynfo estard’ mais "do" que asseguredo, " E so- jt bietudo-qiiarido ‘tudo € falio qué se ama 0 Verdadeiro, ¢ sobre- Fido quando #d5" est Corrompido que o espetdculo ¢ mais de- “purado,” © cidadéo que se apresenta a entrada da Comédie dei- xa af todos ios, a fink de etoinélos apenas 3 salda, parcial, bom’ pai, bom amigo, amigo da virtude; vi muitas. vézes a oie Jado malvados profundamente indignados contra ages que nfo deixariam de cometer se se en- contrassem nas mesmas circunsténcias em que o poeta situava ‘@ personagem que aborreciam. Seno fui bem sucedido de : 4 que o géneto era estranho aos espectadorss e 20s atb- 1 res; é que havit um pteconceito estabelecido ¢ que subsiste ai (78 conta 0 que se cheme a comédia choramingss,(™#) que eu tinha uma nuvem de inimigos na cérte, na cidade, entre os \ magistrados, entre a gente da igteja e entre os homens de letras. SscuNno. — E como incotrestes em tantos édios? |. Primero. — Por minha FE hao tenho idéia, pois nunca fiz sétira nem contra os grandes, nem contra, os pequenos,.e nig crt “Fer ninguém no eaminho da fortuna e das honres, E verdade | ie ‘pertencia’ ao niimezo dos gue se chamam fildsofos, que eram Le i Entio considerados cidadios perigotos, € contra 0s quais o mi ‘sso nio era yg or elt 0 veridico ¢ oThonesie'Etercem tamasihoTascedenite sobre nd Ete, “tementé sob <"vara de outro escravo. Acreditais que as ee chamam a, Nao se tratava mais, para se ilustrar, de saber tornear um ma drigal ou uma copla indecente, Primemo. — E possfvel. Um jovem dissoluto, em vez de freqiientar com assiduidade o atelier do pintor, do escultor, do artista que 0 adotava, perdeu os anos mais preciosos da vida, ficou aos vinte anos sem recursos e sem talento. O que que- reis que éle se torne? Soldado ou comediante, Ei-lo portanto alistado numa companhia que exza pelo campo. Ble vagueia aré que possa permitirse uma estréia na capital. Uma infeliz cria- tura_atolow-se no lodacal do deboche; canseda do mais abjeto ‘© de baixa cortesi, decora alguns papéis e apresenta-se a casa de Mile Clairon, como 0 escravo antigo a casa do edil cu do pretor. Aquela segurahe a mio, ordenalhe que faca uma piruete, tocaa com sua vatina ¢ lhe diz: “Vé fazer rit ov chorar os ‘basbaques.” Bles so excomungados. Bate piblico que nfo pode dispen- sil08,"desptezacs, Sao escfaves” que se enconitram incessan- arcas nado a tarefa dos poctas e dos literatos em geral mais di de um aviltamento tio continuo possam permanecer sem que, sob o fardo da ignomfnia, uma alma seja bastante firme para manterse a altura de Corneille? © despotismo sdbre éles & exercido, éles 0 excercem s6- bre 08 autores, e nfo sei qual é mais vil, 0 comediante inso- lente ou o autor que 0 suporta, SzGuNpo. — O que se quer é ser representado. Priwerno. — A qualquer condigio que sei todos cansados de seii"ofiGio. “Dai “vosso~ dines“ portiiy"s, ‘Bes "He GatisatRS de Vossa presenga e de Vossos aplasos.” Ob- ‘tendo’ rendas suficientes dos’ pequenos' camatotes, estiveram a ponto de decidir que © autor renunciaria a seu honorétio, ou que sua peca nio seria aceita. SEGUNDO. — Mes tel projeto daria em nada menos do que extinguir 0 genero dram Paimsizo. — Que diferenga Ihes faz? SzcuNno. — Penso que vos resta pouco a dizer“) 201 4 \ Pareto. — Estais enganado. Devo tomat-vos pela mio ¢ introduzit-vos em casa da Mille Clairon, esta incompardvel fei- ticeiza, SeuNDo. — Esta pelo menos sentia o orgulho de sua condigio, PRiMeIRo. — Como o sentirlo tédas as que primaram.. teatro s6 € menosprezado por aquéles atdtes cue Os apupos ex- Bulsetant “dele.” “Devo mostrai-vos Mlle’ Clairon nos transpor- tes reais ‘de sua célera. Se acaso conservasse entZo a postura, 2s entonagSes, a aco teatral com todo seu aptesto, com toda sua énfase, nfo levarieis vossas mios aos quadtis, e poderleis con- ter vossas gargalhadas? O que ensinais entio nesse caso? Ni declarais nitidamente que a setfibilidatte verdadeira ¢ 2 cessi- Bilidade ‘reptesentada ‘sx0-duas~< ito diferentes? Rides ‘do que havieis de’ ad ‘© por due isso, se vos apraz? Porque a célera real da Mlle Clairon se parece & cé- Jera similada, é porque tendes o di to, justo. da_més- cara dessa paixdo e de sua pessoa. imagens das paixdes no teatto nfo sto invagéns, sendo portanto ape- nas ettatos ékegerédos, apenas grandes caricaturas sujeitas a rregtas deco interrogei-vos, perguntai a vés mes- tho qual € 0 comediante que aprender melhor essa prosé- ‘a homem dominado por seu prdprio cardter, ou o homem nascido sem cardier, ou o homer que déle se despoja 2 fim dé revestit'e de oiitro, thaior, mais nobre, mais violento mais elevado? {Somos nés_mesmos, por_natu os um outro por imjtag;.0 corato” aus ipomos ter ago <0 eokigzo que temos. 70 que € pois o verda talento? YO de conhecer } bem os sintomes exteriores da alma de“embréstimo, de ditigir-se\ XJ A sensagio dos que nos ouvem, que nos véem, pela_imitacio, désses_sintomas, mediante uma | Bfandece tudo em suas cabecas e que se torna j mento déles; pois passa dentro de né regra do julga- ppossfvel apreciar de outro modo 9 que se E que nos importa, com efcito, 9 que éles ‘___Sintam ou nfo sintam, contanto_que.o ignoremos\ _—- “ ~"Rquéle pois que melhor conhece e traduz m: mente ésses signos externos de acérdo com 0 modélo ideal me- Ihor concebido 0 maior comediante. 202 - i SecuNvo, — Aquéle que deixa menos a imaginar ao gran- de comediante € 0 maior dos potas. - Primero. — Eu ia dizé-lo, Quando, por um longo hé- bito do teatro, conservamos na sociedade a énfese teatral nela passeamos Bruto, Cina, Mitridates, Cornélia, Mérope, Pompeu, sabeis o que se faz? Acasalem-se a uma alma ‘pequena ou grande, da medida precisa que a natureza Ihe concedeu, os signos exter- nos de uma alma exagerada e gigantesca que nao se tem; e dat nasce 0 ridiculo, SEGUNDO. — Que cruel sétira que fazeis af, inocente ou malignamente, dos atéres e dos autores. ‘Primetro. — Como assim? Secunpo. — E permitido, exeio, a todo mundo possuir a alma forte e grande; & permitido, cteio, possuir o porte, a pe- lavra e a acio de sua alma e creio que a imegem da verdadeira grendeza nunca pode ser ridicula, Parimeino. — © que decorre dat? Secunpo, — Ab! tratante! nio oussis cumprird que eu incorra na indignaco geral por vés. E que @ verdadeira tregédia ainda est4 para ser encontrada, ¢ que, com seus defei- 10s, os entigos estavam talvez mais préximos dela do que nés. Primeio. — E verdade que me sinto encantado em ou- vir Filoctetes dizer “faoSituples e180" fortemente “a "Neoptalé- “fet, que Ihe eqéeaga as flechas que Hétcules the roubata por igagio de as Wendo'a”a¢zo que cometeste: sem fe apercebetes, condenaste um infeliz a perecer de dor e de fome, ‘Tew roubo é o crime de outrem, ten arrependimento é teu. Nao, jamais pensarias em cometer semelhante lade se estives- ses 86. Compreende, pois, meu filho, quanto importa em tua idade nao freqtientar senio pessoas de bem. Eis o que tinhas 2 ganbar na companbia de um celerado. E por que te associar também 2 um homem désse carter? Era éle que teu pai teria escolhido para compenheiro ¢ pata amigo? Esse digno pai que nunca admitia junto de si os mais distintos personagens do exér- cito, o que ditia éle se te avistasse com um Ulisses?, ..” (298) Ha nesse discurso algo elém daquilo que enderecarfeis a meu filho, daquilo que eu diria a0 vosso? Secunpo. — Nao. Pumemo. — Entretanto € belo. SecuNpo. — Seguramente. 203 4 Peruetao. — E o tom désse discurso proferide em cena diferitia do tom com que o profetiriemes na sociedade? SEGUNDO. — Néo creio. Parmerro. — E ésse tom na sociedade, seria ridfeulo? SecuNDo. — Nunca. Parwetro. — Quanto mais as agdes sio fortes e as pale- vtas simples, mais Su7as Sauk" Teo” fealinente que’ teaha- mos tomado’ por céia ano! segaidés « fanfarrice de Madri pelo herofsmo de Roma e confundido o tom da musa enérgica com a linguagem da musa épica, Szcunbo. — Nosso verso alexandrino é numeroso ge demais e nobre demais para o didlogo. (le dy pe Prumetro. — E nosso verso decassilabo é demasiado ft -¢ demasiado ligeiro, “Seja como 18r, dx GEseparIA qué Hao {6sseis A represéritagéo de qualquer das pegas romanas de Corneille, a Bio ser so sai da letora des cis, de . ‘omo acho empolados nossos autores draméticos! Como me séo (Ebfadonhas’ suas. declanagées, qoaido ae Tembro da simplicidade e do vigor. do discurso de Régilo (#72) “disstiadindo 0 Senado € 0 Povo romano di irbta-de-vativos! E assim que éle se ex- prime numa ode, poema que comporta muito mais calor, estro © exegéio que um mondlogo trégico; diz éle: “Vi nossas insignias suspensas nos templos de Cartago. Vi @ soldado romano despojado de suas armas que no haviam sido tintas de uma gota de sangue. Vi o olvido da liberdade, e ci- dadéos com os bracos virados para trds ¢ atados as costas. Vi as portas das cidades escancaradas, e as colheitas cobrirem os campos que haviemos assolado. E ctedes que, resgatados a péso de prata, éles voltardo mais corajosos? Actescentais uma perda A ignominia. A virtude, expulsa de uma alma que se aviltou, s the retorna, Nada espereis de quem podia motrer e se deixou gartotear. © Cartago, como ests grande e orgulhosa com nossa vergonhal *) Assim foi 0 seu discarso © assim se recusou aos abracos da mulher e dos filhos, julgou-se indigno déles, como um vil escravo, Manteve o olhar feroz pregado 3 terra, e desdenhon os rogos dos amigos, até que levou os sena- dores:a um parecer que s6 le era capaz de dar, ¢ que lhe foi permitido regressar a seu exilio. sua conduta, Ble 204 "; gistrado, homem | mente, sublime imitador da natureza, a menos que possa con- | de uma imaginagio forte s { manter a atengio fixada em fantasmas que Ihe servem de mo- Secunpo. — Isso € simples ¢ belo; mas 0 momento em que o herdi se mostra é o seguinte, Primero. — Tendes razio. Secunpo. — Ble nfo ignorava o suplicio que um inimigo {err Ihe prepeava Entretanto, & sexenidade, despren- dos préximos que procuravam seu retérno, com a mes- iberdade com que se desprendia antes da multidio de seus clientes para ir descansar da fadiga dos negécios nos campos de Venafzo ou em sua companha de Tarento. Primero. — Muito bem. Agora, colocai ciéncia, e dizeime se hé em nossos posts tom proprio @ uma virtude tio clevads, 126 faillar, e 0 que vos parecetiam ‘nééta béca nossés tetnal.jetemiadas, ou a méioria de nossas fanfarronadas 4 Corneille. Quantas coisas que s6 ouso confiar a vés! Eu seria 6 Tuas. se soubessem que sou culpado dessa blasféinia, 36 ha qualquer espécie de smattici » eu ambici . Se chegar.o dia em que um homem de génio oust dar a ; suas personagens o tom simples do heroismo antigo, a arte do comediante seré desmedidamente dificil, pois a declamacio, ces- ‘4 de ser ums espécie de canto, ~~ ~ “DE ‘esto, quando declarei qu r{sti€a da bondade dalma e da ridade_do, a uma confissfo que nfo € muito cOmum, pois se a natureza ficou uma alma sensivel, foi a minhd. © homem sensivel fica demais 2 merc de seu disfrag- ma(#") para que seja grande rei, grande politico, grande to, profundo observador e, consegtient _ sensibilidade é a caracte- eridade do, génio, procedi, ajuda tenaz, ¢ distrair-se de si mesmo, ¢ que, com sigo esquece: ya criar, e, de uma meméri @le quem age, é 0 espirito de um delos; mas entio aio € m: outro que-o domina. a Deveria deter-me agui; mas v6s me perdoaceis.m: mente uma reflexio deslocada"do. que omitida, “E uma exp ‘ia pela qual apatentemente jé passastes alguma vez, quando cha- mado pot um estreante ou por uma estreante, em casa dela, ein 205 | tervosia espantado, [Mai reunio intima, para que vos promunciasseis sébre seu talento, ibilidede, vés a cumulastes de elo. ‘ug’ vos separar dela, aééperanga do | Entretanto, 0 que acontece? Ela apa- SE WaiddasS Fs vos confessais que as vais tém razdo de set. De onde ver isso? Tet ela perdido a alma, a sensibili- dade, as entranhas, da manha”&-noite? Nao; mas em seu rés- -do.cho v6s estéveis teira-a-tetra com cla; vés a escutdveis sem considerar as convengies, ela estava frente a frente convosco, no havia entre ambos qualquer modélo de compatasio; vés es- ‘téveis satisfeito com sua voz, seu gesto, sua expresso e seu por- te; tudo estava em proporcéo com o auditério © 0 espaco; nada requeria exagéro. No palco tudo mudou: af fazia-se mister uma outta personagem, pois. ‘tid Se engrandecera, Em um. teatto particular, em um saléo onde o espectador se encontra quase 20 nivel com o ator, a verdadeira personz- gem_dramica ee, vos figuotia enon gigantesca, € a0 sait fa representagao dizer céifidencialmente a vosso amigo: “Ela nfo se saird bem, ela é isso um bem ou um mal, o comediante nio diz nada, nem faz nada na sociedade pre- cisamente como na cena; éste é um outro mundo ‘Mas um fato decisivo que me foi contado por um homem veraz, de um feitio de espitito original e fino, 0 Abade Galia- ni (11) e que me foi em seguida confirmado por um outro homem veraz, de um feitio de espirito também original ¢ fino, © St. Marqués de Caraccioli, (2%) embaixador de Népoles em € que em Népoles, a pétria de ambos, hé um poeta dra- mético cajo principal cuidado no € compor a pega. SecuNDo. — Lé 0 vosso Pai de Familia conquistou sin golar triunfo. Primero. — quatro representacdes seguidas pe rante o tei, contra a ‘ctigléta dacOrte que prescreve tantas pe- cas diferenteyquantos dias de espetaculo, ¢ 0 povo ficou en- tusiasmado. {Mas a preocupagio do poeta napolitano € encon- tar, na sociedade, personagens de idade, figura, voz e carter préprios para desempenhar papéis que éle cria| Nao se ousa recusarlhe, porque se trata do diverti to do soberano. Fle exercita os atdres durante seis meses, juntos ¢ separadamente. E quando imaginais vs que a companhia comeca a tepresentar, 206 seu éxito no teatro _| a entenderse, a encaminher-se para o ponto de perf Ale exige? Quando os atéres ficam extenuedos de cansaco, dos censtios multiplicados, © que chamamos blasés. A pattix, désse instante os progressos so surpreendentes, ceda qual se’ identifi- ca com sua personagem; e é depois désse penoso exercicio que as representagdes comegam e prolongam-se por seis outros me- ses seguidos, ¢ que o soberano e seus stiditos usufruem do, maior razet que se posed dulérir da ihisto veateal. Festa ilost0,) 0 jotte, ad perfelta tig ftinia sco quanto na pi a vess0 avigo, pode séf"ef ilidade? De resto, a “quésifo que aprofundei foi outrora encetada, entre um literato mediocre, -Rettiond de Salat Albine, e um gren- de com (27°) _,0 literato advogava a cause da sensibilidad? © Gomediante aavogitg YT mIRY Ete anedota” @iié eu ignotava e Ge acabovde-fiear-sabendo. Eu disse, uds me ouvistes, ¢ eu vos pergunto presentemen- te o que pensais do caso. SscuNpo. —|Penso que ésse homenzinho arrogante, de- cidido, séco © duros“em quem haveria de reconhecer uma dose hhonesta de desprézo, se possufsse apenas um quarto do que @ natureza prédiga Ihe concedeu em suficiéncia, seria um pouco mais reservado em seu julgamento se vds, de vossa parte, tivés- seis a complacéncia de expor-lhe vossas razées ¢ éle, de sua par- te, a paciéncia de vos ouvir; mas a desgraca é que éle sabe tudo, © quer a titulo de homem universal, juigese dispensado de ouvir. Primeino. — Em compensacio, 0 publico pagalhe’ bem, Conheceis a S, Riccoboni? (#77) SEGUNDO. — Quem nfo conhece a autora de um grande mimero de obres encentadoras, chela de talento, de honestidade, de delicadeza e de graca? Primeino. — Credes que esta mulher ¢ sensivel? SecuNpo. — Nao. apenas pelas sues obras, mas também pela conduta ela o, provos. Hf eiysia vida um ‘incidente que estéve a ponto de levéla 20 timulo. Ao cabo de vinte anos seus prantos nfo secaram ainda, e a fonte de suas légrimas ainda niio se exauriu. Paimerno. — Pols bem, esta mulher, uma das_mais_sen- stveig que 2 naturerd jamais formou, foi ima_das, piotes atnizes que jamais sirgitam 20 pal ‘Ninguém fala melhor de arte, Tlifiguem representa pior. 207 SzcUNDO. — Acrescentarei que ela concorda com isso, € que nunca Ihe acontecea acusar os apupos de injustica. yualidade pr ak E19 made. Secunpo. — E que aparentemente as outras the faltem a tal ponto que a primeira néo pode compensar o defeito, Primero. — Mas a sua figura nio é de modo algum mé; ela tem espirito; tem o port chocante, Todas as boas qualidades que se devem & educagio, ela as possui. Néo apresenta nada de chocante em sociedade, Pode-se olhé-ia sem custo e ouvicla com o maior prazer. SEGUNDO. — Nio chego 2 entender 0 caso; tudo 0 que sei € que 0 puiblico nunca chegou a reconciliar-se com ela, ¢ que durante vinte anos seguidos ela foi vitima de sua profissao, Pamemo. — E de sua sensibilidade,.acima da qual nun- ce péde elevarse;, e TOF porque ela permanecen constantemente ela, que 0 piblico constantemente 2 desdenhou. Szaunpo. — E vés néo conheceis Caillot? ‘PriMEIRo, — Muito, SsGuNDO. — J& conversastes alguma vez com éle sébre 0 assunto? | Pramemo. — Nunca. Secunvo. — Eu, em vosso luger, me sentiia curioso de saber a opinio déle. Primero. — Eu sei qual é. SeguNpo. — Qual? PRIMEIRO. — A vossa ¢ a de vosso_ amigo, Sscunno, — Bis" uiia tertivel “autoridade contra vés. Primero, — Concordo. Secunpo. — E como viestes a tomar conhecimento do parecer de Caillot? ‘Primeto, — Por intetmédio de uma mulher de muito espitito e fineza, a Princesa de Galitain. (378) Caillor inter- pretara o Desertor, (37) éle permanesia ainda no luger onde acabave: de experimentar e ela de partilhar, ao seu lado, todos os transes de um infeliz pftstes a perder a amante e a vida 208 devente; sua vor nada tem de ‘A. princesa, espantada, disseshe: “Como! vés nfo es morto! Eu, que fui mera espectadora de vossas angustias, ainda nfo voltei 2 mim. — Néo, senhora, nfo estou motto, sstimar-me demais, se eu morresse tio amidde, ina vossa. A’ Brince8a fifo se record: Tot, mas" observara que ésse grande imitador da nat quando ia ser atrastado ao. suj cebendo que a cadeira onde deveria depositar Louise desf cida estava mal colocada, artumowa, cantando com voz mo- ribunda: “Mas Louise nfo vem, ¢ minha hota se aproxima.. Mas estais distrafdo; no que pensais? SecuNno. — Penso em propor-vos um acomodamen de reservar A sensibilidade natural do ator of momentos, retos m que petde a cabeca, em qué’ ido vé mais o espetéculo, em we esquece de si mesmo, que € 0 proprio perso- em que éstd em nagem que-interpreta;’éle chore. Primemo.-— Com medida? Secunpo. — Com medida, Ble grita, PRIMEIRO. — Justa? SecuNpo. — Justa, Ble se ittits, se indigna, se deses- pera, apresenta a meus olhos a imagem real, leva 20 meu ouvi- do ¢ ao meu corasio.o acento verdadeiro da paisdo que. o agita, a ponto de me arrastér, dé éd ignoiar ‘a mim mesmo, de nao ser mais nem Brizard, nem Le Kain, mas Agamenon que eu vejo, mas Nero que eu ougo... etc,, & abandonar & arte todos os outros instantes. Penso que talvez entio acontece & natu eva como #0 escravo que aprende a mover-se livremente sob © grilhio, o hébito de carregélo tiralhe 0 péso © a coercio. Primeio. — Um ator sensivel terd talvez em seu ds penho um ou dois momentos dé alictatac’ que’ des © rests, faiito ‘ais fortememte"quaAto” SEFH6 “Fil dizei-me, entio o espetéculo ndo cessa de sei" tim se tora um suplicio para vés? Secusno. — Oh! nfo. . Primero. —( Este’ patético de ficcdd\ndo prevalece s6- bre o espeticulo doiitsticé ¢ reatde ume fatilie “desolida em ‘térno do leito fiinebre de um pai querido on de uma mie adorada? SeguNDo. — Oh! ni, Pemmeiro. — Néo haveis portanto, nem o comediante, nem vés, to perfeitamente esquecido. . SEGUNDO. — Vés jf me confundistes fortemente, e nio duvido que possais me confundir mais ainda; mas cu vos abala- 1, crelo, se me permitisseis associar alguém mais. Sio qua- tzo horas'e meia; esto levando Dido, (#°) vamos ver a Mile Raucourt; ela vos responderé melhor do que eu. Parmeto, — Eu o desejo, mas no 0 espero, Pensais gue ela faca o que nem Le Couvreur,(*#) nem a Mile Du- clos, (282) “nem a Mlle de Seine,(2##) nem a Mile Bal court, (8) nem a Mille Clairon, nem a Mlle Dusme conseguiram fazer? Ouso assegurar-vos que, se a noss estreante encontra-se ainda fonge da perfeiséo, ¢ porque € de- masiado novica para no sentir nada, vos predigo que, se con- inuar sentindo, permanecendo ela propria e preferindo 0 ins- limitado da natureza ao estudo ilimitado da arte, nunca ha de elevarse 2 altura das atrizes que ev vos mencionel. Teré belos momentos, mas nfo seré bela. Acontecer-lhe-é 0 que acontéceu & Mlle Gaussi(*#*)e @ muitas outras que foram a vida t6da amaneitadas, fracas e monétonas, sbmente snunca lograram sair do recinto estteito em que a sensil natural as encetrava. Vosso propésito continua sendo o opor a Mile Raucourt? SecuNDo. — Seguramente. Pximzmo. — No caminho, eu vos contarci um fato que cabe bastante no tema de nosso’ coléquio. Eu conhecia Pigel- >; (287) eu costumava entrar em casa déle. Vou ld certa ma- hi, bato na porta: o artista me abre, com o desbastador na ¢, detendo-me & soleira do atelier: “Antes que ou vos deixe passar, dizme éle, juraime que nfo tereis médo de uma bela mulhet inteiramente nua...” Sorri... entrei. Ble trabalha- vva entdo no seu monumento do Marechal de Saxe, e uma belis sima cortesé serviathe de modélo para a figura da Franca, Mas 210 como acreditais que ela me pareceu entre as figures colossais a cercavam? Pobre,,peauens, mesguinha, uma especie de is gstava esmagada Bor elas; e eu teria tomado, pela palavza do artista, @ 18 por lui’ bela mulher, se nao houvesse esperado o fim da sessio € se nao tivesse visto tetta-a-terra e com os dor. sos vitados figuras gigantescas que a teduziam a nada, Delxo 2 yi 9 caidade de solicar Este singular fenfmeno & Mlle Gat sin, Riccoboni ea tédas aque do_puderam enti Sip 8 Riccoboni ‘ea tSdas avelesque.ndo_padeiam engemule Se, por impossivel que sej lidade em grau compardvel a6" que'a arte levada 20 extrétno po: é simular, tantos s40 05 caracteres diversos que 0 teatro se Pro-, 3 tiritas”siovas”sivwagSes” opostas a que Teva um 56 papel principal, que essa tata chotaminga, isicapaa de repre. sentar bem dois papéis diferentes, pontos do mesmo papel; setia a com limiteda e mais inepta que se possa imeginat, Se Ine. aconte: cesse tentar um vio, sua sensibilidede predominant datia a reconduzila 4 mediocridade, “Ela se assemelharia mes ‘Ros 1 um vigoroso este! que galope do que a uma hacanéia que toms 0 freio nos dentes. Seu. instante de energie, passageiro, inopinado, sem gradasio, sem prefiro, semi tnidade, barecerog, via um acesso detoucysa.s 7 8 SESE lidade, com efeito, companheiza da dor ¢ da uma criatita doce, frégil’ &Sensivet €Feal- conceber ¢ traduzit 0 sangueftio de Leon. ‘8 transportes ciumentos de Hermfone, os furores de Ca. 4 ternura maternal de Métope, 0 delirio ¢ os remorsos de ‘orgulho tirinico de Agripina, a ia de Cliternes indandi..vossa,.etema choramingas 2 alguns de uma atriz_recebesse a sen: Eiacos, ¢ nao 9 tireis mais dat 3: & 103808 papéig Ei que sex sénsivelNé une a outra uma questio d idade, 0. que. nfo. seberfamos iedade, no. pg da lareira, dha’ teatto;{¢ que no tet, como ae se 0s alha no teatro; {€ que no teatro, com 0 que se chania sensibilidade, alma, edtranhas, expressamos bem.uma,oa duas tiradas ¢ falhamos no resto; é Oras anger téda.a extensio Fan de um grande papel, dispor néle os°claos € ss Bde eo 211 __ fraco, mostrat-se igual nas pessegens trangiilas ¢ nas passagens Feit, ser-varlade os’ portmenwEs, tino € hatindnioso’ no con- ji omstiEh t ia fitme de dedlatitagao' que vé'a-pon- “tg de salvar 09 xepentes do poeta, € obra de urda cabecs de umm profundo discetnimento; de“am gésto refinadd, de um es- ‘tudo penoso, de uma longa eizpetiéneia de uma tenacidade de meméria_néo comum; & qué a regra qualis ab incoepto processerit et sibi constete, (28°) muito rigorosa para o poe- ta, subsiste até a ia pera o comediante; € que aquele que sai os bastidéres sem ter seu desempenho presente € seu pa- pel anotado provard a vida Oda o papel de um estreante, ou que se, dotado de intrepidez, de suficiéncia e de estro, contar com a ppresteza de sua cabsca'e 0 hébito do oficio, éste homem vos Hladiré pelo calor e pela embriaguez, e que apleudireis a siia ~reptesentarko comic" win eonkecedor de “pint Soret diate de ‘umr-esb6co"libetting” onde tudo est indicado © nada decidido. E uni dessee prodigios que ce vem as vézes nas feiras ou n0 teblado de Nicolet. (##°) ‘Talvez. ésses loucos procedam muito bem permanecendo 0 que sfo, comediantes esbosados, Mais tra- balho no Ihes fomeceria o que Ihes falta ¢ poderia quigé hes o que tm. Tomai-os pelo que valem, mas nio ‘os qucis ao lado de um quadro acabado. SecuNno, — Nao me esta seno uma perganta « fazer-vos. Primerro. — Farei-e, SecuNpo. — ‘slguma yer ume pega inteira per ‘itamente represent ‘PraMeino. — Por minha f, nfo me lembro... Mas es- Sim, as vézes uma pega mediocre, por atdres medio- Nossos dois interlocutotes foram ao espeticulo, mas no en- contrando lugar desceram para as Tulherias, Passearam algum tempo em siléncio, pareciam haver-se esquecido que estav: juntos, ¢ cada qual se entretinba consigo mesmo, como se ‘vesse_sd: um, eri 'aleerwou; € Sitro, em’ vor téo baixa que nfo Se ouvia, deixendo apenas’ escapar ‘por intervalos palavras iso- Tadas, mas distintas, pelas quais era f4cil conjecturar que nfo se considerava vencido. do.se suptimem de um, soliléquio os intermediérios que server, ; os inters _ de ligacao. | Dizia: Que se ponha em seu lugar um ator sensivel, e veremos éo: mo se sain. O que fez ele? Pousa o pé sébre a balaustrada, tora a prender @ jarreteira, e responde ao cortesio que despre- za, com a cabega yoltada para um dos ombros; assim, um inc dente que desconcertaria qualquer outro que nfo fsse ésse {sublime comediante, sibitamente adaptado & circunstincia, tor- nase um trago de genio. (Falava, creio, de ‘Baton, (281 Essex. (#9) Adicionava sortindo:) Pois sim, éle acreditard que aquela outra sentia, quando cefda sébre 0 regago da confidente e quase moribunda, com os olhos voltados para os tezceiros camarotes, percebeu ai um ve- lho procurador que se desfazia em Iigrimas e cuja dor trejeitava de maneiza realmente burlesca, e disse: “Olha um pouco 1 em cima a cara daquele murmurando na garganta essas palavras, como se féssem a continuacéo de um lamento inatti culado... Hé outras! hf outras! Se bem me recordo do fato, le se passon com « Mlle Gaussin, em Zaira, (18). E éste terceito cujo fim foi tio trdgico, en o conkeci, conhe- cio pai déle, que me convidava também algumas vézes'a dizer ‘uma palavea em sua comets. (2°¢) (Néo hé diivida que se trata, no caso, do sage, do sébio Montménil (3° ). Era 2 propria candura e honestidede. O que havi de co- ‘num entre seu caréter natural eo do Tertufo que éle interprete- va superiormente? Nada. Onde foi que arrumou aguéle tor- cicolo, aquéle rolar de olhos tio singular, aquéle tom adocica- do e tédas as outras finuras do papel do hipécrita? Cuidado ‘com o que ides responder, Bu vos apanhei. — Na imitagi fonda da natureza. — Na imitagio profunda da vereis que os sintomes exteriores que designam mais forte- mente a sensibilidede dalma nfo se encontram tanto na nature- za como os sintomas exteriores da hipocrisia; que af nfo se poderia estudélos, e que um dificuldades em captar e em imitar uns do que outros! ra tragédia do Conde de €a mais ficil de contrafizer, nfo havendo um tnico homem bas- 213 ? = tante cruel, bastante desumano para que ndo trouxesse 0 germe disso no set coracio, para jamais t@-la experimentado; © que nio se podetia afingar a respeito de fedes as outas pine, tal ¢o- mo a avareza, a desconfianca? Acaso um excelente instrumen- to?... — Eu vos entendo; existiré sempre, entre quem contra- faz a sensibilidade e quem sente, a diferenca entre a imitacio e a coisa. — E tanto melhor, tanto melhor, eu vos efirmo. No primeiro caso, © comediante nfo precisard’ separar-se de si mes- mo, transportar-se-4 de repente de um salto 3 altura do mo délo ideal. — De repente e de um salto! — Vés me chicanais sobre uma expressio. Quezo dizer que, néo sendo nunca redu- zido 20 pequeno modélo quie réle se encontra, éle sér¥ Tio gran- ‘de; tio expaitoso, to perfeito tinitador de sensibilidade quafto da avareza, da hipoctisia, da duplicidade e de qualquer outro ‘aréter que no seré o seu, de qualquer outra paixdo que nfo alimentaré. A’ coisa que 0 personagem naturalmente sensivel ine mostraré, seré pequena; a imitagZo do outro ser4 forte; ou, se ocorzesse que suas cOpies f6ssem igualmente fortes, 0 que ho vos concede, mas de forme nenhunse, um, petfltemente 3 nhor de si proprio e representando inteitamente por estudo e julgamento, seria tal como a experiéncia didria © mostra, muito ais do que aquéle que representasse metade por natureza e me- tade por estado, metade por um modélo ¢ metade por si_pré- prio. Com qualquer habilidade que duas imitagées fossem fon. didas nuiia’s6, im” éspectador delicado as discerniria ainda mais Ficilmente que um profundo attista deslindaria em uma estitua alisha’ ie’ sepataria ow dois estilos diferentes, oi a frente execu- tada segufido um modélo, @ 0 dorso segundo outro, — Que uum ator consimado cesse de representat de cabeca, que se es quesa, que 0 cozagio se lhe ensede; que. a sensibilidade o ge- he, que éle se the entregue. Ele nos inebriaré. — Talvez. — Ble'nos wansportard de ad: — Isso no € impossivel; mas, contanto que ndo sea de seu sistema de declamasao e que a unidade nfo. desapar 9 que declarareis que éle ficou Touco... Sim, nesta suptsigio’tereis ‘um bom momento, con- venho; mas preferir um bom momento 2 um bom papel? Se tal € vossa escolha, ela no é a minha, Agui o homem do paradoxo calow-se. Passeava a grandes pessos sem olher onde ia; ter-se-ia chocado & direita ¢ 2 esquer- da com os que vinham 40 seu encontro, se éles nfo evitassem 0 214 choque. Depois, detendo-se de stbito, e colhendo fortemente sey avtaponita pelo brago, deine em tom dognétco ¢ ten qiil 14 trés modelos, o homem 6° Tinea do ae ae ae gue 0 do pecta, ¢ este menor aitida que“ do. grande comediante, o.mais exageradd de Fodos.t"O. Itimo déles"monta s6bre a pidues do anterior, e encétrase em um grande manequim de vime cuja alma ¢; éle..move. ésse manequim de uma. forma as- sustadora, até para o poeta que nfo mais, se xeconhece, ¢ ‘nos BBavore, coind” bem o, dissestes, com® as criancas. se. apavoyan? ‘umas as outzas, segurando seus pequends gibdes curtos erguldos, sdbre’a cabeg indo-se ¢ imitando, o. melhor.que.podem, a.voz rouca e légul fentasma que. contrafezesa. Mas,” por acas0, néo tefeis Visto jogos de criangas que foram gravados? Nio tereis visto um rapazote que avanca sob a méscata hedionda de um velho gue 0 oculta da cabega aos pés? Sob a méscara, dle ride seus pequenos amiguinhos que o tertor pde em fuga, Esse rapazote ¢ 9. yerdadeiro simbolo do ator; seus amiguinhos do espectador. [Se 0 comedianté € détado ape. Z i jocre © e af todo 0 seu métito, no considerareis um homem mediocre?) Tomai_cuidado, & ‘ainda uma armadilha que eu estendo. — E 3e for dotado de ex” trema sensibilidadé; 0 que IRE sticederé? — O que lhe sucederd? Que nio representard mais, ou que iepresentard ridiculamente,, Sim, tidiculamente, ¢ a prova, podereis'véla eit" faim quando vos aprouver. Basta que eu tenha wy sto_als ic zet, exguese wg eco ‘minhe ‘Engua se ‘idéias sedi Sem; mei" dis bem percebor“as"Iptitnas"folam. de. min! — Mas isso"¥6s 0 conseguis. — Em sociedade; ‘no teatro, cu 25, eu~mencalo, ~setia_vaiado. — Por qué? —]Porgiie ninguém vem assistir 30s rantos, mas ouvir discursos qué.os atranguer, porque essa ver~ dade de natureza desafina com a. verdade da convenca, Ex. Plico-me: quero dizer que, g.sisterma dramético, nem a acéo, nem os discursss do" “S€ conciliariam com mishka decla- , solugada. Vedes ue ids” é se- quer permitido imitar a natureza, mesmo a bela natureza e a verdade de muito perto, havendo limites dentro dos quais € pre- ciso encerrar-se, — E tais limites, quem os estabeleceu? — O 2s as bbom senso, que nifo quer que um talento prejudique outro talento. E necessério as vézes que o ator, se_sacrifique a0 poeta. — Mas se a comiposirfo'do ‘poeta sé Brestasse 7” Pois bem! tericis outra sorte de tragédia, inteiramente diferente da vossa. — E conveniente disso? — Néo sei bem o que isfeis ganhar; muito bem 0 que ifeis perder. Aqui o homem paradoxal se aproximou pela segunda ou terceira ver de seu antagonista, e disse lhe: ito € de mau gésto, mas é engracado, é de uma atriz jo talento nfo hé duas opinides. Eo par da situacio ‘in; também ela esté caida nos bra- ‘lo menos assim 0 como fedes! ‘A. passagem & de Arnould (1), interpretando Telaira. E neste momento, Amould ¢ vetdedeicamente Telaira? Nao, € Amould, sempre Arnould. Nunca me levareis a elogiar os graus intermediftios de uma qualidade que estragetia tudo, se, Jimpelide ao extremo, o comediante fésse por ele dominado. Mas suponho que o poeta escreveria a cena a fim de ser declamada no teatro como eu a recitaria em sociedade; quem reprecentatia cena? Ninguém, ninguém mesmo, nem sequer o ator que f6s- se mais senhor de sua aco; se éle se safasse bem uma ver, fe- Jharia em mil outras. © éxito depende entéo de tio pouca coi- Este ‘timo raciocinio vos petece pouco sélido? Pols ‘mas nem por isso concluirei que preciso furar um s ampélas, abaixar de alguns entalhes nossas andas, ¢ deixar as coisas quase como sio. Para um poeta de génio que atingisse esa prodigiosa verdade de natureza, clevar: navem de insfpidos e Ihanos imitadores. Nao & petmitido, sob pena de ser insfpido, cactte e detestével, descet uma linha abai- x0 de simplicidade da natuzeza, Néo achais, també:n? SeouNpo. — Nao acho nada. Néo vos ouvi. Paimeiro. — O qué! nfo continuamos a discutir? Secunoo. — Nao. Primpio. — E que disbo facteis entio? ‘SzGUNDO. — Soplfava, C25 “= Parmztno. — Eo que sonhiveis? ng wel 2S ase > 216 jue um ator inglés chamado, creio, Ma ,'devendo es- 4 platéia pela temeridede de interpretar, apés Gar- ual papel no Macbeth de Shakespeare, di s, que as impresses que subjugavam 0 come te eo submetiam ao génio e A inspiracio do poeta eram-lhe mui- is; ndo sei mais que razSes apresentava, porém cram s, e foram apreciadas e aplaudidas. De resto, se sois curioso, encontrilasei em uma carta inserta no Saint James Chronicle, 2%) sob 0 nome de Qui Primemo. — Mas eu conversei entio todo ésse tempo sdzinho? “pee Secunno. — E possfvel; tanto tempo quanto eu sofhei sdzinho. Sabeis que antigemente os atéres faziam os pape de srulheres? Primerro. — Sci sim, SeGuxpo. — Anlo Gélio(2) conta, nas Noites Aticas, que um certo Paulus, coberto dos trajes ligubres de Electra, em vez de se apresentar’em cena com a urna de Orestes, apareceu abragando a urna que encertava as cinzas de seu préprio filho que cabava de perder, e que entio nfo foi uma va representacio, ‘uma pequena dor de espetéculo, mas a sala retiniu de gritos e de verdadeiros. gemidos. (#91) PrIMERO. — E credes que Paulus naquele momento. fe Jou em cena como filaria em sua casa? Nio e nfo. Esse pro- digioso efeito, de que nfo duvido, nfo se deveu aos versos de E ripides, nem A declamagio do ator, mas antes 2 vista desolado, que banhava de prantos a time d Paulus no era quiés sede Um coi ‘que aquélé Esopo de qiniPlutirce (#4) “narra qu sentando um dia em pleno teatro 0 papel de Atreu di consigo mesmo como poderia vingar-se do irmio, Tiestes, aco teceu por acaso que um dos seus servidores quis passar de stil to correndo diante déle, e éle, Esopo, estando fora de si devic 2 veemente afeccio e 0 ardor com que precisava representa: 20 vivo a paixio furiosa do Rei Atreu, desferivlhe tamanho golpe na cebega com © cetro que segurava na mo, que o matou no mesmo instante...” Era um louco que o tribuno devia enviar imediatamente 20 monte Tarpeu. 207 SecuNpo, — Como apatentemente féz Primeixo. — Duvido, Os romanos faziam tanto caso da vide de um grande comediante, ¢ tio pouco da vida de um es. genta, quendo Eu o nego. -E “quando ». Qs, comediantes iotiam 0 publico, ‘nto do esto fariosot, mas quands itérpretaid bem ‘furor, Nos ait todos os lugares onde se quer fi car senhor dos espititos, fingese ora 2 célers, ora o temor, ort 2 piedade, a fim de levat6i outios a 65 sentimentos diversos, ‘Aguilo que a propria i fazer, a paixio bem imitada 0 executa, Nao se diz no mundo que um homem ¢ um grande come- diante? Nio se entende com isso que éle sente, mas a0 con- io que primg_em simular, embora nada sinta:, papel bem dificil do qe 6-do ator, pois fal homem tem ademais o discutso a encontrar ¢ duas fungées a realizar, a do’ pocta e a do comediante, "O poeta na cena pode ser mais hibil do que 9 comedidnte no“mundo, mas acrédita alguém que, na cena, 0 tor seja mais profundo, seja mais habil em fingir alegria, a tristeza, a sensibilidade, a admiracio, 0 édio, a ternura, que um velho cortesio? J ‘Mas estd ficando tarde. Wamos cear. 218 DOS AUTORES E DOS CRETICOS (2°*) Os viajantes falam ‘de uma espécie de homens. selvagens, que sopram no passante agulhss envenenadas. E a imagem de nossos criticos. Esta comparagio vos patece exagerada? Convinde a0 me- nos que éles se assemelham bestante a um solitério que vivia no fundo de um vale cercado de colinss por todos 0s lados. Bs- se espaco limitado era, para éle, o universo. Girando sébre um pé, ¢ percorrendo com um golpe de vista seu estreito horizon- te, exclamava: Sei tudo; vi tudo. Mas tentado um dia a pér- -se em marcha, a aproximarse de alguns objetos que se lhe fur- tavam so olhar, galgou o cume de uma dessas colinas. Qual rio foi seu espanto, quando viu um espago imenso deseavolver- vse acima de sua cabera © 2 sua frente?. Entio, mudando de discurso, disse: Nao sei nada; nao vi nada. Ex disse que os nossos crfticos se pareciam com ésse ho- mem; estou engenado, éles permanecem no fundo de sua chou- ‘pana, e munca perdem a elevada opiniio que tém de si préptios. (© papel de um autor € um papel bastante vio; é 0 de um homer que se jolga em condiao de dat ligées ao péblico. E © papel do critico? # bem mais vao ainda; ¢ 0 de um homem que se jolga em estado de dar ligées aquele que se julga em con- digio de as dar a0 piblico. © autor diz: Senhores, escutaimes pois sou vosso mes- tre, Eo critico: Ea mim, senhores, que cumpre escutar; pois sou o mestre de vossos mestres Quanto ao publica, éle toma o seu proprio partido, Se 2 obra do autor & mé, zomba da mesma, assim como des ob- setvagies do critico, caso sejam falsas O cexitico brada depois disso: © tempo! © costume! O g6st0 esté perdido! ¢ eislo consolado. 219

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