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O TRABALHO COMO PRINCIPIO EDUCATIVO ACACIA ZENEIDA KUENZER do Selor de EducapGo/UFPR RESUMO. Este artigo tem por objetivo discutir uma proposta para © ensino de 2° grau & luz do trabalho tomado como prin- ciplo educative. A partir de pesquisas anteriormente lizadas, que evidenciam ser a apropriacio do ssber_arti- clade a9 mundo do EABSIRD sssenciel para o Tabalhagor ‘iscute-se a possibilidade de organizagio de uma escola de 2* grau que supere tanto 0 academicismo baseado no velho principio educativo classico quanto 2 profissional zagio estreita. Para tanto, propée-se uma organized] Para 0 ensino de 2° grau de tel modo que ele seja nico | lenguanto estrutura, seja politécnico quanto 20 conteido © dialético quanto & metodologia, _ SUMMARY ‘The purpose of the present article is to discuss @ proposal for high school having work as an educational principle. Possession of knowledge about work as shown, in pre- vious research, to be essential to workers. A new organi- zation of high school is thus argued, to overcome both old classic erudition an narrow occupation-minded curricula It is suggested that high school should have an undiversified structure, polytechnic content and @ dialectic methodology. Cad. Pesq., Séo Paulo (68): 21-28, fevereiro 1989 at Apeser das inimeras discussOes que témse de- senvolvido nos ultimos. anos, @ dos estudos e pes- quisas que tém sido realizados, pouco tem-se avance- do na compreenséo da fungo social do ensino de 2° seu, e, em decorréncla, na concepeéo de uma pro- Posta pedagégica que permita sua viabllizacéo. Indiscutivelmente, a falta de vontade polit expressa nos reduzidos recursos destinados a grau de ensino pelas diversas esferas de governo, tem contribuido para a balxa qualidade © para a es. cassez de oferta. Contudo, 0 grande problema nfo reside af, mas na absoluta falta de clareza acerca do que deva ser uma escola de 2° grau no Brasil hoje, considerada a especificidade do estégio de desen- volvimento politico © econdmico que atravessa © a concepgto de sociedade que se pretends, a partir do qué derivar-se-6 sua proposta pedagégica. Neste sentido, um dos grandes entraves para o avango na construgéo histérica desta concepc8o 6 0 fato de que os estudos realizedos, em sua malorie, Partem sempre do interior da escola de 2° grau to- mada em si mesma, sem que se considers como Ponto de partida a relagdo entre escola © trabalho, que 6 a ralz da questio. Enquanto néo se ultrapasser esta perspectiva, passando-se a desenvolver #8 and- lises da perspectiva externa & escole, ou tir des relagées socials de producio, jo encontradss as solupbes para o impasse que hoje ceracteriza o ensino de 2.° grau: como superar, ‘20 mesmo tempo, o academicismo rangoso © 0 pro- {lssionalismo estreito, Na tentativa de avancar a partir desta perspect!- va, este texto, sintese de um estudo (Kuenzor, 1988) recém-publicado, procura analisar os resultados obti- dos om duas pesquisas anteriores — com os operé- rlos (Kuenzer, 1985) e com estudantes da classe tre- balhadora (Kuenzer, 1986) — & luz d Gramsci, mas sem perder de vista a do modelo de desenvolvimento © da escola de 2° ‘rau no Brasil A primeira pesquisa, fetta com os operérios, evi denciou a relevancia, para o trabalhador, da eproprie- ‘¢80 do conteddo do trabalho @ do saber produzido Soclalmente, através da escola, como estratégia de resisténcia & desquelificagio resultante do processo de controle @ distribuigso desigual do saber, em que se articulam escola, empresa e sociedade. O trabs- lhador reconhece que, apesar de suas limitagées, a escola se constitul em espaco indlspensével para a apropriagio do saber socialmente produzido, de modo 2 the permitir superar a parciallzaco e a fragmenta- go do aprendizado que ele desenvolve ne prética cotta ‘A segunda pesquiss, realizada com alunos tra- balhadores, mostrou que, para estes, a preparacio para o mundo do trabalho, oferecida no 2.0 Grau, independentemente de sua quelidede ou natureza, 6 uma mediagio fecilitadora do seu ingresso no mer- cdo de trabalho, 0 que iré visbilizar, a longo ou mé- dio prazo, 0 seu ingresso na universidede. Isto signi- fica que, se no horizonte da asplragio do sluno tra- balhador esté 0 ingresso na universidade, ele tem 22 claro que isto 86 seré possivel através do acesso a lum emprogo, através da mediago do ensino de 2° grau que the permita se apropriar de algum saber ‘sobre o trabalho. Desta forma, apesar dos limites Impostos pela sua origem de classe, ser-lhe-s possi- vel financiar 0 ingresso e permenéncia em algum ‘curso superior, mesmo que noturno e de qualidade discutivel. Mas, pera que isto seja possivel, o aluno traba- Ihador reivindica um ensino de 2° grau de “qualids- de", entendida como preparacéo, so mesmo tempo, ppara o Ingresso no mundo do trabalho e para a con- tinuidade de estudos. Esta concepgéo pareceria con- traditéria, nBo fosse @ percepgfo de que a continul- dade 86 seré possivel através do ingresso no merca- do de trabelho, proporcionada por um 2° grau que tenha caréter terminal. ‘As conclustes destas pesquisas mostram que é preciso avangar na compreenséo da relagdo entre escola ¢ trabalho, e particularmente, na adogo do trabalho como categoria explicativa e principio orga- nizador do ensino de 2.° grau, de modo a atender as cessidades, da classe trabalhadora na construcéo do seu projeté hegeménico. A grande questo perma- rece, contudo, “no entendimento do que seja essa “qualidade” reivindicada, e como ela poderd ser tra- duzida em uma proposta curricular que supere 2s s0- lug6es até agora Implementadss, as quals, ou tém ‘como elxo a educagéo geral ou, na tentativa de se articular com o trabalho, apenas reproduzem a estra- tégla fabril — a pedagogla da fébrica — que se ca- racteriza pela distribulc#o desigual de um saber frag- mentado e parcial, limitado & transmiseéo de modos de fazer, sem a correspondente apropriacSo dos prin- cfplos teéricos e metodolégicos que Ihes déo suporte. Em ambas as pesquisas, fica evidente que a classe trabalhadora reivindica 0 acesso a um saber que Ihe permita, ao mesmo tempo, participer ative: mente do processo politico ¢ do sistema produtivo, enquanto compreende as relagbes socials que deter- minam seu modo de vida, sua concepg8o de mundo © sua conscléncia, Esta constataco exige uma proposta de ensino de 2: grau que permita a0 aluno trabalhador a apro- prlagéo do saber clentifico-tecnol6gico e hist6rico-cl- tico, de modo a participar do processo produtivo & da vida social e politica. Esta ncessidade se impée & medida que se cons- tata que, nes duas citimes décadas, como fruto das pressGes das camadas médias da classe trabalhado- ra — embora nfo tenha havido expansto significativa da oferta de 2.0 Grau, que permanece nos 14% da populacfo de 15 a 19 anos — houve uma mudanga qualitativa fundamental na clientela deste grau de ensino. Cada vez mals a classe trabalhadora tem elto presente na escola de 2° grau, particularmer nas escolas noturnas e nas localizadas nas periferias urbanas. Esta cllentela, fundamentalmente diferente da tradicional, composta por jovens jé inseridos no proceso produtive ou que buscam condicdes pera essa Insergéo, esté a exigir do 2° Grau que se re- defina, Cad. Pesg. (68) fevereiro 1989 Da mesma forma, a escola de 2° grau que esté ai J& n&o dé conta, sequer, de atender os interesa da burguesia e da pequena burguesia, o que significa que alguma coisa na sociedade se modificou, enquan- ‘to @ proposta pedagégica da escola continua a mes- ma. Para pensar uma nova proposta, torne-se necessé- rio compreender esta nova sociedade, uma vez que, a cada estéglo de desenvolvimento da sociedade cor responde um determinado principio educativo, partir do qual a sociedade formaré seus intelectuals, segun- do suas necessidades, através da escola. (© TRABALHO COMO PRINCIPIO EDUCATIVO Os estudos que tém sido realizados sobre o ensino de 2° grau t8m reconhecid no de um, mas de diversos “ensino: Mesmo com a proposta homogeneizante contida na Lei 5692/71, a heterogeneidade do 2° Grau nunca fol superada, uma vez que é determinada, ndo pela escola, mas pela diferenca de classes, que define as condigées de acesso e de permanéncia no sistema de ensino, Assim, existem escolas de 2° grau diferentes para clientelas diferenciadas por sua origem de = ‘se; estas diferencas transparecem em propost dagégicas com diferentes nivel de. quelidede, do contetido, de objetivos. Esta diversidade 6 um fenémeno estrutural_ co- racteristico do ensino de 2.° grau, determinado pelas diferencas socials, ¢ néo pelos diferentes tipos de encola. Manos que ae imposes da lenislectoafo snsinod “de 2 grau, que distribuiréo o saber de forma diferen- “Giada, segundo as necessidades de instrumentalizar ara ocupar distintas fungdes nia hierar- ‘quia do trabalhador coTetivo. —~ Vista desta forma, a diversidede na oferta do ensino de 2° grau, concretizada na dualidade estrutu- ral, expressa 0 velho principio educativo humanista tradicional, que previa a necessidade de formar diri- gentes @ trabalhadores em escolas com objetivos distintos: para formar as geragées de dirigentes, que néo exerceriam fungdes instrumentais, mas sim fungées intelectusis, as escolas de educacto geral, literatura, a cultura univer- para formar as geragées de trebelhadores, profissionais, Esta dualidade estrutural, aparentemente demo- crética por pretender permitir a mobilidade social, conservadora na raiz, por seu conteido de classe, ‘do por sua forma; ou seja, ndo 6 por ser profissiona- lizante ou por conferir saber técnico que uma escola de 2° grau 6 de segunda categoria, m dirigir a uma classe social determinada trabalhadora. Aos trabalhadores deve-se posse dos mecanismos operacionais, o seber pratico, parcial e fragmentado, e no a posse do saber cientf- fico e técnico contemporaneo, socialmente produzido. trabalho como principio educativo E Ingenuidade, portanto, pensar ser possivel, nas atuais condigbes, a superacéo da dualidade a partir da escols, posto que ela fem uss raizas na ivi “e técnica do. trabalho. € necessério, “eontudo, Iniciar 0 processo que culminaré nesta su- eraco, para o qué um passo importante seré asse- gurar a todos o acesso a um saber que até agora fol apropriado por uma minoria, a qual, néo por coincidén- cla, néo 6 a classe trabalhadora, E desnecessério afirmar que o velho principio edticativo humanista tradicional, que justificava pro- postas academicistas, livrescas, para a burguosia, € escolas profissionais para os trabalhadores, fol supe- rado pelo préprio desenvolvimento do capltalismo mo- derno; 0 dirigente literato, bom orador, com sélida cultura geral, mas sem o dominio da dimenséo instru- mental, cientifico-técnica do trabelho, néo tem mals lugar. £ 0 proprio desenvolvimento da cléncla_e_da tecnologia que pos em cr “fivo_que_se fundamentava_na_rigi “fungBes. -2_instramentals. ‘A modernidade, caracterizada pelo avanco clenti- fico @ tecnolégico, ‘panso dos meios de comu- nicaglo, pela generalizacfo do modo de vida urbano, pelas pressGes pela democratizaglo, traz novas for- mas de relacéo entre Giéncia e trabelho. Assim, a socledade moderna cria um novo tipo de intelectual, diretamente produtivo, chamado por Gramsci de “intelectual moderno”, cuja formacdo se baseia em um novo equilfbrio entre o desenvolvimen- to da cepacidade de atuar praticamente (trabalhar tecnicamente) e o desenvolvimento da capacidade de trabalhar intelectualmente. Este novo tipo de intel tual 6 exemplificado pelo téenico da indéstria, que deverd a0 mesmo tempo ter capacidade dirigente e técnica, 0 que exige formacdo néo 86 técnico-cient’- fica, mas também histérico-critica. O que caracteriza esse intelectual 6 a sua capacidede pera transformer @ natureza e as relacdes socials, a partir de uma nova e integral concepgo de mundo, cujo “modo de ser néo pode mais consistir na eloqdéncia, mas num imiscuir-se ativamente na vida prética, como constru- tor. organizador, persuasor permanente, j& que néo apenas orador puro — e superior, todavia, no espiri to matemético; da técnice-trabelho, eleve-se a técnica ciéncia e & concepcao humanista hist6rica, sem a qual se permanece especialista e néo se chega a dirigen- te” (Gramsci, 1968, p. 8). ‘A medida que, na sociedad contempordnes, ciéncia se faz técnica e esta se complexifica, ov, a8 atividades se fazer complexas ¢ a teoria se faz ope- rativa, trabalho e cléncia, antes dissociados, voltam a formar uma nova unidade através da mediagio do rocesso produtivo, exigindo uma nova concep¢éo da histéria © da sociedade que unifique ciéncla, técnica @ cultura. Em decorréncia, exige-se um novo princi- pio educativo para a escola em todos os nivels, que tome o trabalho como ponto de partida, concebido como atividade te6rico/prética, sintese entre ciéncia, técnica © humanismo histérico. ‘Assim, | nfo se sustentam propostas pedagé- ‘que separam as fungdes Intelectuals das fun- gic 23 strutural _| i ai \ sssim 0 ensino de 2° grau, em sua di olitécnica,)seré capaz de superar tanto 0 academi- ‘elsMo cléssico quanto o profissionalismo estreito. uw ‘ges técnicas; pelo contrério, 0 que se exige do homem moderno ¢ uma formagéo que the permita captar, compreender @ atuar na dinamicidade do real, ‘enquanto sujeito politico e produtivo, que, potencial- mente dirigente, tenha conhecimento cientifico e consciéncia de sous direitos e deveres para dominar @ natureza e transformar as relagdes sociais. Desta forma, refuta-se ao mesmo tempo os tre- dicionais esquemas de formacdo profissional estre!- ta, fragmentada e despida da apropriaco dos prin- elpios teérico-metodolégicos que a sustentam e a nal, fundamentada na transmisséo de um conteddo dito geral, mas ace demicista e livresco. Pelo contrério, a escola de 2° grau deveré com- prometer-se com uma cultura geral diferente, por fundamentada no desenvolvimento da conscléncia his. t6rica_compreendida enquanto dominio progressivo, Clentifico © tecnolégico, do homem sobre a natureza, Isto significa que a escola de 2.° grau defenderd a democratizagdo da cultura para os trabalhadores ‘como forma de superacdo do aprendizado profissional estreito que eles adquirem no trabalho ou nos cursos, de qualificacdo profissional. Neste sentido, seré ge- ral, sem compreender, no entanto, a cultura como saber enciclopédico, em que o homem 6 visto como ‘mero receptor de dados empiricos e fatos desconexos que deverd resgatar sempre que se torne necassério. Pelo_contrério, a educagio geral seré compreendida como. a apropriagéa dos_principios tedrico-metodolé- ‘gleos que permitiréo compreender ¢ executar tarefas ‘instrumentals, dominar_as diferentes formas de lin- guagem e situar, a =u trabalho, em relagdo 0 conjunto das relagées socials das quais participe. nso Esta questéo precisa ser analisada com culdado, Porque as propostas legais e as formas concretas de ensino de 2 grau até hoje no conseguiram promover esta sintese, E importante destacar que o problema é politico, © ndo meramente metodoldgico, uma vez que, pela ‘sua propria natureza, néo existem conteddos “gerals”, voltados para a compreenséo da cultura em que se vive, a par de contetidos “especiais”, que formem exclusivamente para o trabalho. Todos os contetidos — a escrita, 0 célculo, a his- toria, a fisica, a quimica, a biologia — sfo a0 mesmo tempo instruments que permitiréo a compreensao das relagées sociais e a preparagio para a atuacdo competente no proceso produtivo. Se a separagdo existe, ela é mero reflexo da divisio social e técnica que existe na sociedade, responsével pela distribul- go dos homens para o exercicio de fungées inte- lectuais ou instrumentals, segundo sua origem de classe. Pelo contrério, a0 nivel do trabalho concreto, esta olassica dicotomia néo existe, uma vez que todo © trabalho instrumental tem uma dimensdo intelectual e vice-versa, Pode-se, contudo, restringir 0 aprendize- do desta atividade & mera aquisicdo de um conjunto de modos de fazer om determinada seqiiéncia, sem 24 ‘que haja a compreenséo do processo como um todo ¢ tampouco a spropriagéo da ciéncia que a méquina incorpora. Da mesma forma, pode-se ensinar fisice através de mera automatizacéo de formulas e meca- rnismos a serem utilizados para a solucio de proble- ‘mas te6ricos, Dai a questéo ser politica, e no metodolégica, por depender do tipo de homem que se pretende for- ‘mar: 0 que domine apenas “formas de fazer", e por- tanto submisso ¢ dependente de especialistas que ‘conceberdo 0 trabalho externamente a ele, rebaixado condi¢éo de mero executor. Ou o que domine os principios teéricos e metodolégicos que explicam suas ages instrumentals, de modo a dominar um tra- balho em sua dimensio de totelidade e ao mesmo tempo exercer sua capacidade criativa. Por outro lado, se 6 um equivoco separar as fungdes intelectuais das nfo intelectuais 20 nivel da escola de 2° grau, 0 desenvolvimento da sociedat contempordnea traz para o interior desta mesma esco- Ja uma contradigéo dificil de lider. Por um lado, & medida que avanca o desenvolvi- mento clentifico e tecnolégico, as atividades no siste- ma produtivo véo se tornando cada vez mais simpli- ficadas. Esta simplificacéo, no entanto, 6 aparente, na medida em que resulta da complexificacéo da cléncia. Ou seja, quanto mals se desenvolve a ciéncia, mais se simplifica o trabalho. Contrariamente a0 que se afirma, esta simplificacéo deveria levar a forma ‘40 cientifica mais profunda, sob pena de divorciar-se cada vez mals o trabalhador do seu instrumento de trabalho, por néo dominar a ciéncia que ele incorpora, tornando-se, desta forma, e inversamente eo que se pretende com 0 processo de humanizaco, escravo do sistema produtivo. Quanto mais se simplifica o trabalho, mais co- nhecimento se exige do trabalhador para poder com- preendélo, néo obstante sua execucéo seja facil Esta clentifizacdo de todas as atividades deverd levar escola de 2° grau a outros caminhos formativos, ‘em funcéo da imbricagdo entre ciéncia e tecnologia, Tal hoje néo se dé, & medida que, quanto mais capital usa a ciéncia e a tecnologia a seu favor, me- ros qualificacéo exige do trabalhador. Por outro lado, 0 préprio desenvolvimento da sociedade contempordnea, marcado pelas pressées por democratizagdo, pela expansio dos meios de co- municacdo, pela informética, pela urbanizacto, val criando novos espagos de participagao politica e cul- tural que exigem do trabalhador 0 dominio de conhe- clmentos cada vez mais amplos. Assim, a escola contemporénea, e particularmen- te 0 2° Grau, especialmente 0 que atende a classe trabalhadora, passa a ter que exercer uma func5o extremamente contraditéria: “formar 0 cidadéo, 0 homem da polis, sujeito e objeto de direitos, que deverd buscar a ampliagdo de seus espacos de partl- cipagéo cultural, politica e econémica, enquento pro- dutor e consumidor; formar o trabalhador, que exer- cera suas fungées em um proceso produtivo simpll- ficado pelo desenvolvimento clentifico e tecnolégico, fem postos de trabalho que the permitiréo reduzida Cad. Pesq. (68) fevereiro 1989 mobilizacao de suas energias mentais, principalmente relativas & reflexdo e & criatividade” (Kuenzer, 1988, . 122). ‘Ao constatar-se que a maioria dos trabalhador no tem acesso ao saber socialmente produzido de qualquer espécie, quer ao saber que Ihe permitira reconhecer-se e atuar como cldadio, quer ao saber ‘que he permitiré reconhecer-se como profission: necessidade de se repensar o 2.° Grau torna-se ainda mais premente Torne-se premente @ necessidade de democrati- zar 0 saber cientifico, tecnolégico e histérico-critico, em funcao da crescente clentifizacdo da vida social produtiva, desde que se pretenda resgatar o traba- Ihador em sua fungo de sujeito da histori Se, no limite da utopia, 6 a politecnia que res- ponderd a este imperativo, a anélise até aqui desen- volvida mostra que inexistem, neste momento histé- rico, condigdes concretas para sua viabilizaggo, uma vez que ela significa a superagao da dualidade estru- tural (escolas para intelectuais © escolas para traba- thadores), 0 que n&o é possivel resolver através da escola, posto que a diferenciacdo resulta do caréter de classe da sociedade brasileira contemporanea. Da mesma forma, a escola de 2.° grau que af esté do satisfez sequer a classe dominante, por néo it corporar esta modernidade, formando 0 novo intelec- tual cepaz de unir ciéncia e tecnologia. Assim sendo, considera-se possivel, nas condigdes concretas dadas, € um passo adiante rumo & politecnia, uma proposta curricular que viabilize, minimamente: — @ aquisic’o dos principios tedrico-metodolégicos basicos que estéo na base da ciéncia e da tecno- logia contemporaneas; — a apropriagéo de contedidos histérico-riticos, que Permitam a compreenséo das relagées sociais em seu conjunto: — 0 dominio de algumas formas tecnolégicas que permitam 0 exercicio de funcdes produtivas: — 0 dominio dos cédigos e das formas correntes de ‘comunicacéo, ‘A partir dessas consideragtes, fundamentadas ‘em Gramsci, podem ser definidas as linhas bésic a partir das quals deverd se constituir a nova propos- ta de ensino de 2. grau, comprometida com os inte- resses da classe trabelhadora. A diretriz mais geral, a partir da qual se organi- zaré toda a nova proposta, seré o trabalho tomado ‘como principio educativo, enquanto expresso das relacoes sociais contemporéneas, que reunificam cul- tura e produg&o. Como decorréncia deste novo prin- cipio educativo, teremos uma ensino de 2° grau que: — do ponto de vista da estrutura, ser unico, nfo admitindo mais a dualidade estrutural, antidemo- cratica, que separa a escola da cultura da escola promovendo o resgate da relacdo entre conheci- mento, produgéo @ relagdes socials, democrati- zando 0 saber cientifico e tecnolégico a partir da perspectiva histérico-critica, que permitiré a0 ho- trabalho como principio educativo mem, enquanto cidaddo e trabalhador, participar ‘como sujeito na vida social, politica e produtiva; — do ponto de vista do método, seré tedrico-préttico, recuperando a unidade entre saber e producio, cultura e técnica, trabalho intelectual e trabalho ‘manual — do ponto de vista da gestéo, seré democrético, enquanto sintese superadora do autoritarismo & do espontanefsmo, uma vez que toda transform: go exige diregéo, unidade de esforgos, organize Go, eficiéncia, o que s6 serd possivel a partir da existéncia de um projeto de sociedade do qual derive o projeto pedagogico do ensino de 2.° grau; — do ponto de vista das condicées fisicas, eeré mo- derno e atualizado, com equipamentos, bibliotecss, laboratérios, que permitam a apropriagao do saber clentifico, tecnolégico e historico-critico sobre os quais se constréi a sociedade moderna, A ESCOLA UNICA COMO ESTRUTURA A andlise das distintas propostas estruturais pe- as quais passou o ensino de 2° grau no Brasil mos- tra que, do ponto de vista do principio educativo, no se ultrapassou 0 principio humanista cldssico tradi- clonal, fundamentado na divisfo social do trabalho, que distribui os homens pelas fungGes intelectuais e manuals segundo sua origem de classe, para 0 que freqdentam escolas diferentes. Mesmo com a Lei 5692/71 e sua proposta de unificagéo do ensino de 2.° grau, nao se conseguiu ultrapassar este principio, uma vez que & proposta de escola Gnica nao correspondeu a politecnia enquanto roposta de conteudo, a dialética enquanto método & @ recomposigéo das condigées fisicas das escolas. Pelo contrério, a leitura do Parecer 45/72 mostra @ permanéncia da ambigildade entre academicismo e profissionalizacgo, através de uma proposta curricular ‘que compromete a pretendida unidade quando prope disciplinas gerais e disciplinas especiticas organiz das em duas partes distintas. Assim, este parecer nega a dualidade na forma, ao pregar a escola Gnic © a recupera no contetido, através da forma de organi- zagdo curricular; as disciplinas de educacdo geral continuam a ser ministradas de forma academicista, enquanto as especificas devem ser “préticas” 4J8 0 Parecer 76/75 toma o caminho inverso para chegar ao mesmo ponto: comega defendendo a pol tecnia enquanto conteido e nega a forma (escola nica), resgatando a dualidade estrutural. Na prétic ‘esse parecer retomou o velho principio educativo, re- forgando a educagéo geral de cunho academicista, que teve sua carga horéria aumentada, revestindo- de caréter propedéutico, inclusive como estratégla de aproveitamento de docentes e de redugo de custos. ‘Ao manter as habilitagdes plenas e parcials © apre- sentar a habilitacdo basica como alternativa, reedita a dualidade estrutural ‘A Lei 7044/82, por sua vez, a0 extinguir a obri- gatoriedade da formacgo profissional, legitimando os cursos propedéuticos, de cunho livresco e academi- 25 1cagio geral que forme 0 jovem conforme as exigéncias do antigo intelectu um homem polido e culto. “Educaggo geral que nao rivilegia a modernidade, a qual j4 no aceita a frag- ‘mentacgo da ciéncia, porque rompeu com ae barrelras do conhecimento e descobriu a dimenséo de totalide- sducaco geral que se faz a partir da estrutura de cada campo de conhecimento em si, e nfo toma- do a partir das quest6es concretas da prética coti- historia, a fisica pela fisica iitica, onde tudo é relevant @ néo pode ser negociado, inchando-se os curriculos ‘com contedidos de atualidade e relevncia discutivel educago geral que no exige competéncia do profes- sor, nem espagos e equipamentos préprios; educaco geral de ‘cuspe 1988, p. 136). Estas propostas so re veementemente Pelos jovens trabalhadores, ao mesmo tempo que 6 ‘no atendem as necessidades da burguesia, estando longe da politecnia (uma vez que no super lidade estrutural), no adotam a politecnia, ram as condigdes de funcionamento da escola e as condigdes de formacdo do professor, no superam a iso entre teoria e prética e nfo alteram as formas de gestdo da escola e ndo conseguem organizar-se a Partir de um projeto coletivo. Em resumo, néo alteram o velho principio educa- tivo humanista cléssico, ‘A POLITECNIA COMO CONTEUDO Os contedidos deverdo ser tratados tendo a poll- tecnia como horizonte, buscando promover 0 resi entre conhecimento, trabalho e relagdes socials, atra- vés da democratizacéo do saber clentifico e tecnolé- gico tratado na perspectiva histérico/critica, de modo permitir ao cidadio trabalhador a participago com- petente na vida social, politica e produtiva. Isto significa trabalhar com os contetdos que caracterizam a modernidade, marcada pela crescente lentifizagéo da vida social e produtiva, promovendo €@ aquisig&o histérico-critica dos principios gerais, das formas metodolégicas e das habilidades instrumentals bésicas que regem os processos soclais @ produtivos ‘em suas distintas modalidades, de modo a formar um intelectual de novo tipo. Nesta perspective, 0 tratamento dado ao contet- do deverd superar tanto a preparacSo para ocupagbes definidas no mercado de trabalho quanto @ educagto genérica resultante do antigo principio educativo hu- manista tradicional. Ou seja, nem formago especial voltada para a profissionalizacdo estreita, nem edu- cagio genérica voltada para o passado. 5 J se afirmou anteriormente que néo existe edu- ‘cagéo geral em si; ela 6 sempre educacdo para algu- ma coisa. Assim, uma vez adquiridos os instrumentos bésicos de leitura, célculo, compreensio da natureza © das relagées socials, os contetidos passam a se Fevestir de alguma especificidade determinada pelo fim a que ele se dirige. Ou seja, nfo existe uma mate- 26 mética téo geral que explique todos os: fendmenos desta natureza presentes em todos 08 processos'pre- dutivos; em fungo da especificidade de um processo produtivo, o conteddo “matemético” deverd sofrer-um recorte especifico, subsidiando, por exemplo; 0 orca mento e 0 financeiro na contabilidade, ou a metodo- logia para ensino dos conceitos bésicos na educacéo ‘assim por diante. ‘Sem ser genérica, a proposta curricular deverd identiticar es disciplinas bésices com seus contetidos fundamentais que possibilitem a atuago nos diversos campos da vida social e produtiva. A guisa'de:exem- plificagdo para maior clareza, destacam-se, como contetidos fundamentais & insercéo do jovem na s0- ledade contemporanea, 0 dominio da linguagem em todas as formas nos si de texto, andlise critica da mensagem, dominio da re-

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