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HA DEZ ANOS, OS MOMIRRATOS DEANTANIO TENTAM DESTRUIR A POESIA CONCRETA A REALIDADE DESTRUIRA OS FALSOS MAGICOB DILUIDORES AUGUSTO DE CAMPOS DECIO PIGNATARI HAROLDO DE CAMPOS TEORIA DA POESIA CONCRETA TEXTOS CRITICOS E MANIFESTOS 1950 - 1960 LIVRARIA DUAS CIDADES Dez. anos depois, aqui vai_a 2.* edigio da TEORIA DA POESIA CONCRETA. A demora se deveu, desta vez, nic tanto a0 desinteresse dos ‘editores como & inércia’ dos autores. Realmente, mais do que a teoria, nos interessava ver editada a poesia -— sempre menos editével —, @ poesia, que € afinal o que interessa. ‘A teoria nio passa de um tacape de emergtocia a que © poeta se ve obrigado a recorrer, ante a incompeténcia dos criticos, para abrir a cabesa do publico (a deles € invulnerével). Hoje, depois que 2 teoria da poesia coi creta foi diluida e caricaturada em teorréias mais ou menos patafisicas pela voz das subcorrentes para ou contraconcretbides, afanosamente colecionadas pelos histofie- dores/arquivistas literérios, ela nos parece um esforgo quase indtil, urgindo, antes, leitura dos poemas, embora a nitidez ¢ a coeréncia das idéias possam ter a virtude detergente de clarear 0 campo ¢ mostrar, Por comparaghio, 0 escuro ¢ © sujo das coi- sas_meramente fabricadas. Pelo sim ov pelo nfo, aqui vai ela, de novo pra vocés, € de novo t6 pra eles, chupins desmemo- riados. Na introdugSo & 1.* ediglo advertia-se que © volume compreendia textos de 1950 a 1960, incluindo apenas um trabalho escrito em 1960, mas 36 publicado em 1963. E acenava-se com uma segunda coletinea, abrangendo textos tebricos referentes a poesia concreta publicados a partir de 1961. Abdicamos do projeto, nfo por falta de textos, mas por falta’ de tempo. Alguns desses textos vieram a integrar livros indi- viduais, como A ARTE NO HORIZONTE DO PROVAVEL de Haroldo de Campos ¢ CONTRACOMUNICACAO de Décio Pignatari, onde se encontra 0 que poderia sef considerado 0 tltimo programa tedrico de um integrante do grupo: a Teoria da Guerrilha: Artistica. Que os leitores insa- tisfeitos se remetam a eles ¢ a ela. Mantivemos, pdis, 0 volume como estava, acrescentando-lhe apenas dois textos, iné- ditos em livro, que nos pareceram indispen- séveis para a compreensio dos caminhos assumidos posteriormente pelos poetas do grupo: o manifesto NOVA LINGUAGEM: NOVA POESIA, de Décio Pignatari ¢ Luis Angelo Pinto (1964), que originou a poesia semidtica ¢ os poemas sem palavras adotados, depois, cabulosamente, por de- fluxes coneretistas como a poesia proceso. a poesia sinalistica outras; e 0 editorial do n.° 5 —o thtimo — da revista INVEN- CAO (1967): mais um texto de Pignatarl, com alguns toques dos dois Campos — um quase testamento, ou textamento, No mais, o original permanece. Os apén- dices (Bibliografia do Grupo “Noigandres” ¢ Sinopse do Movimento de Poesia Concre- ta) ficam interrompidos em 1965. De entéo para cM muitos itens foram acrescentados 2 bibliografia ¢ varios acontecimentos so- brevieram, destacando-se 0 surto de expo- sigdes e antologias internacionais ocorrido ‘em meados dos anos 60, depois de publi- cada a Teoria. Mas nenhum dos trés auto- es revelou disposigio para coletar esses dados. Tarefa que 0s historiadores litera ios fargo certamente muito melhor, prin- cipalmente quando a poesia-bumerangue- concreta, depois de ter sido exportada, re- fizer o circuito e voltar a cair sobre as suas cabecas. Fernando Pessoa fantasiou um “movimen- to” que praticamente inexistiu e que cle izia ter_nascido da amizade entre ele € S&-Carveiro: 0 Sensacionismo. Acho que 36 pra ter com quem conversar, Téo fan- tasioso que um de seus poucos supostos integrantes, além do préprio Pessoa, era Alvaro de Campos. Outros, muito menores do que ele, fantasiaram “movimentos” pen- sando entrar para a histéria (a0 menos, a da literatura). Muitos gostariam que a poe- sia concreta nfo tivesse pasado de fantasia. A esta altura, acho que até nés mesmos. Porque ela existiu demais ¢ a sua realidade se tornou, afinal, tio ubfqua e palpavel que quase chegou a nos engolir individualmente sob um rétulo anonimizador: os “‘con- cretistas”, Por outro lado, a geléia geral fez de tudo Para esmagar esse osso — a poesia con- creta — sem consegui-lo. Finalmente, al- guns dos seus fabricantes apontaram o de- dinho (a dnica coisa que eles t8m de duro) contra _nés ¢ nos acusaram de terrorismo cultural, Os “concretistas” — esses abomi- paveis homens das neves que espalharam Pegadas monstruosas por toda a parte — seriam culpados do crime de terem garro- teado a cultura brasileira, sufocado a poesia € impedido o seu florescimento. Como diz ‘© Décio, é estranho: trés poetas do bairro das Perdizes, aos quais se juntaram uns poucos companheiros, sem outra forga que a da sua vontade, € sem outro apoio a nio ser o individual para a divulgacdo de seus poemas — até este ano sempre’ publicados em edigdes nio comerciais — conseguiram aterrorizar a poesia brasileira. Ou esta era muito fraca, ou as idéias deles eram muito fortes. O que vocés acham? AUGUSTO DE CAMPOS DECIO PIGNATARI HAROLDO DE CAMPOS TEORIA DA POESIA CONCRETA TEXTOS CRITICOS E MANIFESTOS 1950-1960 fl [Al LIVRARIA DUAS CIDADES 1975 Capa — 1965 Criacdo: Décio Pignatasi Antefinal: Roberto Esteves Lopes INTRODUGAO A 2." EDIGKO POESIA-BUMERANGUE-CONCRETA Dez anos depois, aqui vai a 2,° edigéo da TEORIA DA POESIA CONCRETA. A demora se deveu, desta vez, néo tanto ao desinte. resse dos editores como d inércia dos autores. Realmente, mais do que a teoria, nos interessava ver editada a poesia — sempre menos editdvel —, a poesia, que é afinal o que interessa. A teoria ndo passa de um tacape de emergéncia a que 0 poeta se vé obri- gado @ recorrer, ante a incompeténcia dos criticos, para abrir a cabeca do piblico (a deles é invulnerdvel). Hoje, depois que a teoria da poesia concreta foi diluida e carica- turada em teorréias mais ou menos patafisicas pela voz das sub- correntes para ou contraconcretdides, afanosamente colecionadas pelos historiadores/arquivistas literdrios, ela nos parece um es- forgo quase initil, urgindo, antes, a leitura dos poemas, embora @ nitidez € a coeréncia das idéias possam ter a virtude detergente de clarear 0 campo e mostrar, por comparagio, 0 escuro e 0 sisjo das coisas meramente jabricadas. Pelo sim ow pelo néo, aqui vai ela, de novo pra vocés, e de novo t6 pra eles, chupins desmemo- tiados, Na introdugdo é 1. edigéo advertia-se que o volume compreendia textos de 1950 @ 1960, incluinde apenas um trabalho escrito em 1960, mas sé publicado em 1963. E acenava-se com uma segunda coleténea, abrangendo textos tedricos referentes a poesia concreta publicados @ partir de 1961. Abdicamos do projeto, néo por falta de textos, mas por falta de tempo. Alguns desses textos vieram a integrar livros individuais, como A ARTE NO HORIZONTE DO PROVAVEL de Haroldo de Campos e CONTRACOMUNICACAO de Décio Pignatari, onde se encontra o que poderia ser considerado o tiltimo programa tedrico de um integrante do grupo: a Teoria da Guerritha Artis. tica, Que os leitores insatisfeitos se remetam a eles ¢ a ela. Mantivemos, pois, o volume como estava, acrescentando-lhe apenas dois textos, inéditos em livro, que nos pareceram indispensdveis para a compreenséo dos caminhos assumidos posteriormente pelos poetas do grupo: o manifesto NOVA LINGUAGEM: NOVA POESIA, de Décio Pignatari e Luis Angelo Pinto (1964), que originou @ poesia semidtica e os poemas sem palavras adotados, depois, cabulosamente, por defluxos concretistas como a poesia processo, a poesia sinalistica e outras; € 0 editorial do n.° 5 — o ultimo — da revista INVENCAO (1967): mais um texto de Pignatari, com alguns toques dos dois Campos — um quase testa- mento, ou textamento, 5 No mais, 0 original permanece. Os apéndices (Bibliografia do Grupo “Noigandres” e Sinopse do Movimento de Poesia Con- creta) ficam interrompidas em 1965. De entéo para cé muitos itens foram acrescentados a bibliografia e varios acontecimentos sobrevieram, destacando-se 0 surto de exposigdes e antologias in- ternacionais ocorrido em meados dos anos 60, depois de publicada a Teoria. Mas nenhum dos trés autores revelou disposiggo para coletar esses dados. Tarefa que os historiadores literdrios fardo certamente muito melhor, principalmente quando a poesia-bume- rangue-concreta, depois de ter sido exportada, refizer 0 circuito ¢ voltar a cair sobre as suas cabegas. Fernando Pessoa fantasiou um “movimento” que praticamente inexistiu € que ele dizia ter nascido da amizade entre ele ¢ Sé- Carneiro: 0 Sensacionalismo. Acko que sé pra ter com quem conversa. Téo fantasioso que um de seus poucos supostos inte- grantes, além do proprio Pessoa, era Alvaro de Campos. Outros, muito menores do que ele, fantasiaram “movimentos” pensando entrar para a historia (ao menos, a da literatura). Muitos gosta- riam que a poesia concreta ndo tivesse passado de fantasia. A esta altura, acho que até nds mesmos. Porque ela existiu demais ¢ a sug realidade se tornou, afinal, téo ubiqua e palpével que quase chegou @ nos engolir individualmente sob um rétulo anonimi- zador: os “concretistas”. Por outro lado, a geléia geral fez de tudo para esmagar esse osso — a poesia concreta — sem consegui-lo. Finalmente, alguns dos seus jabricantes aponteram o dedinho (a tinica coisa que eles tem de duro) contra nés e nos acusaram de terrorismo cultural. Os “concretistas” — esses abomindveis homens das neves que espa- Iharam pegadas monstruosas por toda a parte — seriam culpados do crime de terem garroteado a cultura brasileira, sufocado a poesia e impedido o seu florescimento. Como diz o Décio, é es- tranko: trés poetas do bairro das Perdizes, aos quais se juntaram uns poucos companheiros, sem outra forga que a da sua vontade, € sem outro apoio a néo ser o individual para « divulgagao de seus poemas — até este ano sempre publicados em edigées néo comerciais — conseguiram aterrorizar a poesia brasileira. Ou esta era muito fraca, ou as idéias deles eram muito fortes. O que vocés acham? Augusto de Campos abril 1975 INTRODUGAO A 1* EDIGAO O movimento de poesia concreta alterou profundamente o contexto da Poesia brasileira. Pés idéias e autores em circulagéo. Procedeu a revisées do nosso passado literdrio. Colocou problemas ¢ propés opgées. No plano nacional, retomou o didlogo com 22, interompido por uma contra-reforma convencionalizante e floral. Surgiu com um projeto geral de nova informagao estética, inscrito em cheio no horizonte de nossa civilizagao técnica, situado em nosso tempo, humana e vivencialmente presente. Ofereceu, pela primeira vez, uma totalizagao critica da experiéncia poética estante, armando-se de uma visada e de um propésito coletivos. Enfrentou a questéo participante, mostrando que alistamento néo significa alienagao dos problemas da criagéo, que conteiido ideolégico revoluciondrio 36 redunda em poesia vélida quando é veiculado sob forma tam- bém revolucionéria. Pensou o nacional néo em termos exéticos, mas em dimenséo critica. No plano internacional, exportou idéias ¢ formas. E 0 primeiro movimento literdrio brasileiro a nascer na dianteira da experién- cia artistica mundial, sem defasagem de uma ou mais décadas. Sen consumo se deu de mancira a mais surpreendente. Na lin- guagem ¢ na visualidade cotidianas, a poesia concrete comparece. Esté no texto de propaganda, na paginagio e na titulagem do jornal, na diagramagéo do livro, no “slogan” de televisdo, na letra de “bossa nova”. E consumida inadvertidamente mesmo por aqueles que se recusam a reconhecé-la como poesia (rétulo que, alids, n@o se empenha em disputar, tais os equivocos que o impregnam, preferindo antes um compromisso de fundo com @ medula da linguagem), A iniciativa de reunir em volume os textos e manifestos que prepararam ¢ fomentaram a poesia concreta se explica pelo res- peito fundamental ao documento. Um movimento que tem vita- lidade para criar e reproduzir, para gerar variantes, para influir, quando nao em solugées diretamente identificdveis, sob a forma de amplos condicionamentos, corre sempre o risco da difragéo, da refragao, da diluigéo. & preciso facilitar a sua compreensio e @ sua discusséo nos seus termos originais, sem a mediagéo das divulgacées esqueméticas ¢ das interpretagdes duvidosas. Pu- blicados 0s textos, aqui recolhidos, na imprensa didria e em re- vistas diversas, em pouco tempo se tornariam fatalmente inaces- siveis, pelo proprio cardter contingente ¢ heterogénco das folhas em que foram estampados. Como aconteceu com 22, cuja histéria estética ainda néo foi suficientemente contada, e, em grande me- dida, tem que ser rastreada ¢ restabelecida « partir dos elementos dispersos em jornais periédicos da époce, com as dificuldades imagindveis. Este volume é uma selegdo do material publicado entre 1950 ¢ 1960, pois a poesia concreta — movimento em 7 Processo e em progresso — ndo pode dar, a esta altura, sendo um balango parcial de suas atividades.* A incitléncia de certos temas comuns em alguns trabalhos dos trés autores, — quase sempre, porém, tratados ou aprofundados de pontos-de-vista di- ferentes —, mostra como o projeto da poesia concreta foi-se construindo paulatinamente, através de um verdadeiro “plano de- cenal”, na teoria e na pratica. Nessa corrida de revezamento — pluripercurso de idéias em agdo e evolugéo — os tépicos funda- mentais passam de um a outro autor, perseguindo-se a unidade na variedade, Coeréncia estatistica, solidariedade estocdstica, que se alimentam, inclusive, da divergéncia. Os textos aqui compilados formam o pano de fundo da poesia brasileira de hoje, no apenas na sua faixa programaticamente de vanguarda, mas naquilo que ela tem de mais essencialmente criativo. Mesmo aqueles que se tém insurgido contra as teses da poesia concreta, outra coisa nao fazem sendo mover-se na Grea balizada pelos promotores do movimento: usam-thes as téc- nicas, parafraseiam-thes a terminologia, invocam-thes 0 elenco de autores, repetem-lhes os achados criticos, dissimulando-se fregiten- temente por trds de um precério expediente de redenominacéo, como se a mera troca de rétulos fosse suficiente para cortar o corddo umbilical dos fatos e das idéias. Pode-se dizer que as questées fundamentais que o movimento de poesia concrete agitou em matéria de teoria do poema e de cria- ao constituem o nicleo dos debates da poesia e da poética atuais. Nelas se abeberaram os epigonos, conkecidos ou vindicos, para suas reflexes reflexas e seus manifestos diddticos, caracterizados pela sorrateira omissao das fontes, Mas, 0 que é de outra parte compensador, sobre elas se detiveram também os mais respon- sdveis e conscientes dentre os poetas de nossas vérias geracées para delas extrairem, na lealdade do didlogo, estimulos, sugestées, instigagdes. Muitas das reivindicagées sintdticas e semdnticas do movimento entraram jd, pragmaticamente, para o comércio ativo e vivo do que se poderia chamar uma linguagem comum. Pas suram a circular independentemente de seus langadores, anonimi- zadas no patriménio geral, coletivizadas pelo uso. O que é a maior demonstragéo da eficdcia dialética do movimento como produtor de idéias. Qs autores agradecem a Francisco Ashcar a colaboragéo que thes deu na organizagéo do presente volume. * Apenas um trabalho escrito em_ 1960, porém publicado em 1963, foi inclufdo no volume, Trata-se de “Contexto de uma vanguarda”, que se destinava a ptefaciar uma antologia, afinal no publicada em formato de livro. Oportunamente, edicdes INVENGAO lancario. uma segunda coletinea, com: Breendendo textos terics referéntes a porte conctts, pubicados a patt 1961. 8 DEPOIMENTO (*) 19 Se Dicio Pignatari Todo poema auténtico é uma aventura —— uma aventurg_plani- ficada, Um poema nao quer dizer isto nem aquilo, mas diz-se iB proprio, é idéntico a si mesmo e A dissemelhanga do autor, no sentido do mito conhecido dos mortais que foram amados por deusas imortais por isso sacrificados. Em cada poema ingressa- se e &se expulso do paraiso. Um poema é feito de palavras ¢ siléncios. Um poema é dificil. Addo. Sisifo. Orfeu. ‘A que poctas, no mundo, foi concedido o espantoso privilégio de identificar 0 mito com a realidade — como esté acontecendo agora com os poetas do Estado de Israel que, necessitado de uma lingua secular e cotidiana para preservar do prosaismo a velhis- sima lingua do Tora, incumbiu, ou melhor, acatou e organizou verdadeiros dicionarios de neologismos criados pelos seus poetas — agora transformados (em mito e realidade) em adamitas- menestréis? . A contengio de Eliot, 0 aparente desbordamento de Pound nos “Cantos”, as aventuras sildbicas de Marianne Moore, o suave la- birinto lingitistico de Fernando Pessoa (etc.), mais a misica, a pintura, o cinema, poem em xeque a forma mais ou menos aceita. Agora, o poeta é um turista exilado, que atirou ao mar o seu Baedeker. Algo assim como “Salve-se Quem Puder”. Como sempre foi. (*) Trecho do depoimento prestado por Décio Pignatari na seccio “Auto- res ¢ Livros”. dirigida por José Tavares de Miranda, dentro da série de entrevistas “Tendéncias da Nova Poesia Brasileita” (Suplemento do Jornal de Sao Paulo, 2-4-1950). SOBRE POESIA ORAL E POESIA ESCRITA * Décio Pignatari George Thomson, in Marxism and Poetry, diznos do carater fundamentalmente oral da poesia em seus inicios, e em grupos sociais pouco complexos, onde a poesia faz parte do “acervo comum de referéncias” ¢ experiéncias, e onde a propria lingue- gem cotidiana é de cunho marcadamente poético. O mais bem dotado dentre eles é como que cleito o poeta-declamador oficial, © qual, diante do grupo, recebia a “inspiragdo” e declamava o poema, sendo perfeitamente compreendido pot todos, em todas fas suas entonagdes e intengdes. Quando surge a pocsia escrita, as malhas sociais j4 comegaram # emaranhar-se, ¢ 0 pocta vé reduzindo-se seu auditério, até que suas excogitagdes poéticas se transformem no monélogo dos dias atuais. Tem relagdo a isso a expresséo de Carlos Drummond de Andra- de, fazendo blague, ante certa picardia dos mogos, das “poesias jamais declamaveis”. Sinto-me aventurado a acreditar que o poeta fez do papel o seu piblico, moldando-o & semelhanga de seu canto, ¢ langando mo de todos os recursos grificos e tipogrificos, desde a pontuagéo até o caligrama, para tentar a transposigio do poema oral para © escrito, em todos os seus matizes. Um retrospecto diré melhor: este poema de Ledo Ivo: Na ‘noite higiénica © vento balanca grandes flores: calcio. onde uma longa cadeia de nn © vogais surdas imita o lento caule ao vento, repentinamente sustado por dois pontos: cileio — * Trecho extraldo do artigo “A Critica ¢ 0 Despautétio ou a Mosca “Azul” (Suplemento do Jornal de So Paulo, 10-9-1950). As considera- Bes aqui reproduzidas vinham a propésito do poema “O Jogral ¢ » Pros- tituta Negra” (1949), de Décio. Pignari, onde — segundo o mesmo artigo — “as palavras fluem, fundem-se ¢ se desmembram para acom- panhar as contorc6es do jogral". Nesse poema esbocavam-se jd — temi- tic, e estruturalmente —- algumas das preocupacSes que conduziriam & formulagéo da poesia concreta, in a flor que se abre. Se bem que o poema ficasse bastante preju- icado sem a imaginagio sonora, o desenho tipogrifico ¢ per- ceptivel. Este outro exemplo, de Hélderlin, em tradugio de Manuel Ban- deira, é decisivo: Nel Mezzo del Cammin Peras amarelas E rosas silvestres Da paisagem sobre a goa. © cisnes graciosos, Bébedos de beijos, Enfiando a cabeca Na gua santa e sdbria! Ai de mim, aonde, se & inverno agora, achar as Flores? e aonde © calor do sol E a sombra da terra? Qs muros avultam Mudos ¢ frios; ao vento Tatalam bandeiras, Observa Otto Maria Carpeaux (Origens ¢ Fins): “Kase poema resume a vida de Holderlin e sua arte também; o eaplendor cutonal dos ritmos da primeira estrofe, e na segunda os mo. nossilabos étonos, perdidos no fim dos versos como o frio inver. nal, igeda a bandeira da morte”. Finalmente, este, de Marianne Moore, (...), “The Fish”, as trés iltimas estrofes somente: Al external marks of abuse are present on this defiant edifice — all the physical features of ac- cident — lack of cornice, dynamite grooves, burns and hatchet strokes, these things stand out on it; the chasm side is dead. Repeated evidence has proved that it can live on what cannot revive its youth. The sea grows old in it. (**) Ai vemos as estrofes fluindo uma para dentro da outra, e¢ a tipografia compondo o desenho caprichoso dos meandros que © peixe deixa na agua. Na segunda estrofe citada, a palavra “accident” sofreu um trauma, para acentuar o “crash”. © Apresentamos, anexa, a traducéo integral do poema “The Fish” publicada, posteriormente, por Augusto de Campos (pagina “Invengio”, Correia Paslistano, 5-6-60). 13 14 © PEIXE Nad. ando em negro jade, Conchas azul-marinhas, uma 36 sobre montes de p6, a abrir ¢ fechar como que. brado leque. ‘Mariscos incrustados na crista da onda, agora a vista, pois as setas submersas do sol, vidrilhos, sol- tam reflexos, répidas reus por entre as gretas — acendendo a urquesa do mar crepuscular de corpos, A Agua estende um braco de ago na aresta de aco do penhasco, e entéo estrelas, ros- ados grios de arroz, medusas, caranguejos — lirios verdes —. algas a escorrer, des- lizem uns sobre os outros. Os sinais todas do abuso estio presentes 00 vazio deste edificio-desafio, todos os tacos fisicos do ac idente — lascas, ‘marcas de fogo ou dinamits, cortes de machado, tudo res. iste nele, que como morto jaz. Pertinaz evidencia comprova que ele vive do gue nfo the revive a juventud:. O mar envelhece nele. POETAMENOS augusto de campos ou aspirando a esperanga de uma KLANGFARBENMELODIE (melodiadetimbres) com palavras como em Webern: uma_melodia continua deslocads. de um instrumento_para outro, mudando constantemente sua_cor: instrumentos: frase/palavra/silaba/letra(s), cujos timbres se definam p/ um tema gréfico-fonético ou “ideogramico”. .. a necessidade da representagdo griifica em cores (q ainda assim apenas aproximadamente representam, podendo diminuir em funcionalidade em ctos casos complexos de superposigio ¢ interpenetracio temitica), excluida a representagéo monocolor q esté para o poema como uma fotografia para a realidade cromatica. mas luminogos, ou filmletras, quem os tivera! reverberagdo: leitura oral — vozes reais agindo em (apro- ximadamente) timbre para o poema como os instrumentos na Klangfarbenmelodie de Webern. (Publicado ofiginalmente como introdugio i série potiamenos (janciro/ julho 1953). em moigandres, a. 2, Sio Paulo, fevereiro de 1955.) 15 * Reproduzimos, a seguir, um poema de Augusto de Campos, da série poetamenos (texto previsto para 2 vozes-cores, masculina e feminina). eis os amantes sem parentes senado os corpos irmaum gemeoutrem cimaeu baixela ecoracambos duplamplinfantuno(s)empre semen(t)jemventre estésse aqueléle inhumenoutro PONTOS—PERIFERIA—POESIA CONCRETA Augusto de Campos “Sem presumir do futuro o que sairé daqui, nada ou quase uma arte”, dizia Mallarmé no prefécio a primeira versio de Un Coup de Dés (Revista Cosmopolis — 1897), entreabrindo as portas de uma nova realidade potti Qs varios pugil/ismos do comego do século — nao obstante sua utilidade © necessidade — tiveram o infortinio de obscure- ‘poema planta”, desse “grande poema ico e cosmogénico”, que vale por si s6.todo o vozerio das vanguardas de alguns anos depois, Un Coup de Dés fez de Mallarmé o inventor de um processo de composigéo poética cuja significagdo se nos afigura com- paravel ao valor da “série”, introduzida por Schoenberg, puri- ficada por Webern, e, através da filtragdo deste, legada aos jovens misicos eletrénicos, a presidir os universos sonoros de um Boulez ou um Stockhausen. A esse processo definiriamos, de inicio, com a palavra estrutura, tendo em vista uma entidade onde o todo é mais que a soma das partes ou algo qualitativa- mente diverso de cada componente. Eisenstein, na fundamen- taco de sua teoria da montagem, Pierre Boulez e Michel Fano, com relagéo ao principio serial, testemunharam — como artis- tas — 0 interesse da aplicagio dos conceitos gestaltianos ao campo das artes, E é em estritos termos de Gestalt que enten- demos o titulo de um dos livros de poesia de E. E. Cumming: Js 5. Para a poesia, e em especial para a poesia de estrutura de Mallarmé ou Cummings, dois mais dois pode ser rigoro- samente igual a cinco. (Como afirma Hugh Kenner, em The Poetry of Ezra Pound, “q fragmentagdo da idéia estética em imagens alotrépicas, tal como teorizada pela primeira vez por Mallarmé, foi uma des- coberta cuja importancia para o artista corresponde A da fissdo nuclear para o fisico”. Mallarmé descobria e estava consciente do alcance de sua descoberta, e é por isso que scu pequeno prefacio tem quase tanta relevincia como o préprio poema. 7 “Subdivisdes prismaticas da Idéia”, eis como conceituava ele, com fina perspicicia, 0 seu original método compositivo. Corolario primeiro do proceso mallarmeano é.a exigéncia de uma tipografia funcional, que espelhe com real eficécia as metamorfoses, 08 fluxos ¢ refluxos do pensamento. O que em Un Coup de Dés se consubstancia nos seguintes efeitos, que preferimos expor através das palavras do poeta: a) emprego de tipos diversos: “‘A diferenga dos caracteres impressio entre o motivo preponderante, um secun- dario e outros adjacentes, dita sua importancia a emis- sao oral...”; b) posig&io das linhas tipograficas: “... ¢ a situagdo, ao meio, no alto, em baixo da pagina, indicaré que sobe ou desce a entonagio”; c) espago grafico: .“Os “brancos”, com efeito, assumem importancia, agridem a primeira vista; a versificagio o - exigiu como siléncio em torno, ordinariamente, no ponto em que um trecho, lirico ou de poucos pés, ocupa, no meio, cerca de um tergo da pagina: eu nao trans- grido essa medida, apenas a disperso. O papel intervem cada vez que uma imagem, por si mesma, cessa ou reaparece, aceitando a sucessdo de outras”, etc.; d) uso especial da folha, que passa a compor-se propria- mente de duas paginas desdobradas, onde as palavras formam um todo e ao mesmo tempo se separam em dois grupos, a direita e a esquerda da prega central, “como componentes de um mesmo ideograma”, segundo observa Robert Greer Cohn1, ou, noutros termos, como se a prega central fosse uma espécie de ponto de apoio para o equilibrio de dois ramos de palavras-pesos. Trata-se, pois, de uma utilizagio dindmica dos recursos -tipe— ‘gréfiecs, j4 impotentes em seu_ai de a pata serviF ‘propria pontuagio sé torna aqui espaco grafico se substantiva e passa a fazer funcionar com maior plasticidade as pausas e intervalos da diccdo! 1 LiOeuvre de Mallarmé — Un Coup de Dés — Robert Greer Cohn — Librairie Les Lettres — Paris — 1951. 18 L Sob um certo angulo a experiéncia tem raizes na misica. Par- tem ainda uma vez de Mallarmé os primeiros lampejos eacla- recedores: “Acrescentar que dese emprego a nu do pensamento com retiradas, prolongamentos, fugas, ou seu proprio desenho resulta, para quem queira ler em voz alta, uma partitura”; ¢ “Sua reuniéo” (a do versolivre e do poema em prosa) “se efetua sob uma influéncia, eu o sei, estranha, 2 da Masica ouvida em concerto; sendo reconheciveis nesta diversos neiog>,que me ma pareceram pertencer as Letras, retomo-os. Genero, que fica sendo como a Sinfonia”, etc. De modo geral as ligdes estruturais que Mallarmé foi encontrar na misica se reduzem & nogdo”de tema, implicando também a idéia de desenvolvimento horizontal e contraponto. Assim, Un: Coup de Dés compdese de temas ou, para usarmos da expressao do poeta, de motivo preponderante, secundarios e adjacentes, indicados graficamente pelo tamanho maior ou me- nor das letras e ainda distinguidos um do outro pela diversi- ficagio dos caracteres. Objetivament motivo preponderante: UN COUP DE DES/JAMAIS/ N’ABOLIRA/LE HASARD. L* motivo secundirio: Si/c'était/le nombre/ce serait — que tem como adjacente os temas comme si/comme si, pot sua ver ramificados; outros motivos secundarios: quand bien méme lancé dans des circonstances eternelles/ du fond d’un naufrage/ soit/ le maitre/ existat-il/ commengat-il et cessat-il/ se chiffrat-il illuminat-il/ rien/ n’aura eu liew/ que le lieu/ excepté/ peut-étre/ une constellation; motivos adjacentes: os assinalados pelas letras menores. Em sintese, a raiz estrutural do poema seria, portanto: A = motive preponderante motivo secundério motivo adjacente > Mas acontece que os motivos se interprenetram. Como assinala Greer Cohn: “Frases caracteres menores sfio agrupadas em torno da grande, formando galhos, ramos, sobre seu tronco, € todas essas ramificagées se perseguem paralelamente ou se en- trecruzam, oferecendo um equivalente literdrio do contraponto musical”, 19 MaS of FurvRis- Tas Ro SKe ot ExPRESSiveS Q MatLaame? AUGUSTO Fun CONALIS ae ANTIFeNci oe i NALISTA J x BeecKm as] Desprezando-se, para simplificar a demonstracio, 0s motivos adjacentes’ em geral, e chamando-se “A” ao motivo principal, “B” ao motivo secundério “Si/c’était le nombre/ce serait” que desemboca no “LE HASARD” do motivo principal ¢ est expres- so no poema pelo tipo de maior dimensdo depois do principal; denominando-se ainda “b” ao motivo “comme si/comme si”, adjacente de B, e “a” aos motivos seeundirios “quand bien méme, etc.”, que equivalem em tamanho a “b” (com a diferenga de que este motivo, a exemplo de “B”, de que é uma ramificagao, é apresentado em tipo inclinado), temos aproximadamente: A A BA a ob aia Esta é, frisamos, uma visio muito esquematica (e tomada, di- gamos assim, de uma s6 perspectiva) da estrutura de Un Coup de Dés, havendo ainda a considerar, além da maior complexi- dade de ramificagdes e entrecruzamentos, a diferenga dos tipos, a posigéo das linhas e a especial configuragdo das paginas. Mas cremos que a pequena demonstragio intentada pode dar uma idéia, ainda que palida, da ossatura poderosa e inquebran- tavel que 2 consciéncia estrutural e musical de Mallarmé armou para o seu admiravel poema. As experiéncias a que, a seguir, ise entregaram futuristas e da- daistas Tonge estavam de possuir aquélas caractérislicas Tefugs Alaa se. fazen fazem de Un Coup de Dés orn breensivel_constelacde_de_palavras. No momento histérico, porém, incumbe ao Movimento Futurista e ao Dadaismo um papel relevante, de reposigéo, embora em nivel muitas vezes inferior, de algumas das exigéncias que co- locara em foco o poema inovador de Mallarmé. Ja em seu Manifesto técnico da literatura futurista (1912)*, declarava-se Marinetti “contra o que se chama_habitualmente_a_harmonia tipografica da pagina, contraria ao fluxo e Tefluxo que se es tenide fia folha impressa. Nés empregaremos numa mesma pa- gina quatro ou cinco tintas de cores diferentes e vinte earacteres distintos, se for necessrio. Exemplo: cursivas para as séries de sensacdes anélogas e répidas, negrito para as onomatopéias violentas, ete.” Livre diregéo das linhas (obliquas, verticais etc.), substituigéic da pontuagio pelos sinais matemédticos e musicais, eram outras modificagdes propostas. E. sera possivel * Nota da 2.2 edigfo: A citagio_pertine, de fato, ao manifesto Distruzione della Sintassi, de 1913. Ver Tommaso Marinetti, I Manifesti del Futurismo (Florenga, Edizione di “Lacerba", 1914, pag. 143). 20 discernir na “imaginacdo sem fios”, nas “ dade”, na drastica condenacio do adjetivo, algo assim como © pressentimento olfativo de uma renovagio poética que eles, futuristas, nao chegariam a cristalizar, mas para a qual nao i 4 gan ‘ certo “ponto;” mais’ do pollinaire. Em um artigo denominado “Devant T'idéogramme @Apollinaire” {junho de 1914), publicado na revista Soirées de Paris (julho-agosto de 1914), sob o pseudénimo de Gabriel Arboin, esclarecia 0 poeta o sentido de seus experimentos, re- ferindo-se em especial 4 “Lettre-Océan”. Logo de inicio reco- nhecia seu débito ao Futurismo. E, fato importante, era o primeiro a tentar uma explicagéo para o poema espacial por via do ideograma: “Digo ideograma porque, depois desta pro- dugio, néo ha mais divida de que certos escritos modernos tendem a penetrar na ideografia. O acontecimento é curioso. Ja, em Lacerba, podiam-se ver tentativas desse género por Soffici, Marinetti, Cangiullo, Iannelli, e também por Carra, Boccioni, Betuda, Binazzi, estas ultimas menos definitivas. Diante de tais produgées, ficava-se ainda indeciso. Apés a “Lettre-Océan”, ndo ha mais lugar para a divida”. E prosseguia com lucidez: “@ laco entre esses fragmentos néo é mais o da logica grama- tical, mas o de uma logica ideografica que chega a uma ordem de disposicaéo espacial totalmente contréria 4 da justaposigéo discursiva”. Ou, mais adiante, ecoando o “emprego a nu do pensamento” mallarmeano: “E sio idéias nuas que nos apre- senta a “Lettre-Océan”, numa ordem visual”. E, ainda, agudo: “Portanto, seguramente, nada de narragdo, dificilmente poema. Se quiserem: poema ideogréfico. Revolugéo: porque é preciso que nossa inteligéncia se habitue a compreender sintético-ideo- graficamente em lugar de ani o-discursivamente”. © equivoco de Apollinaire esté implicito nestas Finhas: “Quem nao se aperceberia de que isto nao é mais que um inicio, e EM SACRIFICIO MIDE SumBoti sar que, por efeito da logica determinista que dirige a evolugéo de todo mecanismo, tais poemas devem acabar apresentando um conjunto pictural em relagio com o tema tratado? Assim se atingiré o ideograma quase perfeito”. Condena, assim, Apollinaire 9 ideograma poético & mera repre- sentagdo figurativa do tema. Se o poema é sobre a chuva (“II Pleut”), as palavras se dispdem em 5 linhas obliquas. Com- posigées em forma de coracgdo, relégio, gravata, coroa se suce- dem em Calligrammes. £ certo que se pode indagar aqui do 21 valor sugestivo de uma relagdo fisiognémica entre as palavras e © objeto por elas representado, & qual o proprio Mallarmé nao teria sido indiferente. Mas ainda assim, cumpre fazer uma distingao qualitativa. No poema de Mallarmé as miragens gré- ficas do naufragio e da constelagao se insimuam ténue, natural- mente, com a mesma naturalidade e discregio com que apenas dois tragos podem configurar o ideograma chinés para a palavra homem. Da mesma forma, og melhores efeitos gréficos de Cummings, almejando a uma espécie.de sinestesia do movimento, emergem das palavras mesmas, partem de dentro pata fora do_ poema:~Ja ein Apollinaire a estrutura é evidentemente imposta poema, exterior as palavras, que tomam a forma do reci- pien So Felira grande parte io a Dsienonmn possam ter os “cali- gramas”, em que pese a graga e “humor” visual com que quase sempre séo “desenhados” por Apollinaire. Seria preciso que outro poeta surgisse, mais enérgico, mais culto, mais amplamente dotado e informado que Apollinaire, para fundar, em definitive, a teoria do ideograma aplicado a poesia. Referimo-nos a Ezra Pound. Nao importa considerar, de mo- mento, as formidaveis diferengas de perspectiva que separam Pound de Mallarmé. 0: fenémeno, que constitui por si s6 ma- téria para um diferente estudo, diz respeito ao uso diametral- mente oposto que fazem do léxico esses poetas: palavra justa para Pound, palavra magica para Mallarmé: uma oposiggo dia- léxica, diriamos nés. Pois Mallarmé e Pound vao-se encontrar no campo da estrutura. Pound chegou a sua concepgao por intermédio da miisica, como Mallarmé, e através do ideograma chinés. Q estudo do siné- logo Ernest Fenollosa, The Chinese Written Character as a Medium for Poetry, exumado a obscuridade por Pound, e por ele publicado com notas ¢ observagdes suas na Little Review (vol. VI, n.%* 5, 6, 7, 8) em 1919, deu-the a chave para uma nova interpretagdo da poesia e dos préprios métodos de critica postica. O significado de verdadeira “revelagdo” que tem para a esté- tica moderna 0 ideograma chinés é algo de muito sério. Aos céticos, aos que julgam ser esta apenas uma idéia exdtica, re- comendariamos, a titulo de evidéncia culturmorfolégica — um ponto a mais ‘a definir uma periferia” — 0 ensaio O Principio Cinematogréfico e o-Ideograma, assinado por Eisenstein em 1929, que constitu um dos capitulos do livro Film Form do grande cineasta. 22 Acentuando a natureza privilegiada do idedgrafo chinés, dizia Fenollosa no importantissimo estudo a que antes nos referimos: “Neste provesso de compor, duas coisas reunidas néo produzem rceéira coisa, mas “sugerem alguma relagio fundamental” D¢5 \Gvat entre elas”. Ai ‘esté_o_enuneiado basico do ideograma, que, € ¢omti fem_coincidir Imente_com. Se a Fe nollosa se deve o mérito de ter vislumbrado as relagées de esséncia entre ideograma e poesia, a Ezta Pound coube a de- monstragio pratica, com a aplicagio do método ideogramico ao gigantesco arcabougo d’Os Centos. Nessa extraordinaria epo- péia moderna, fragmentos se justapsem a fragmentos, Cantos a Cantos, sem qualquer ordenagio logiichy_atendenda, o_ 7 somente aos principios ideogramicos: @~poema, a esta altura quase completo (40 anos de labor criativo: 95 Cantos!), assume ele proprio a configuragao de um fantastico ideograma da cos- movisdo poundiana. Quanto & misica, deixemos que Pound elucide a medida de sus influéncia sobre os Cantos, ja que ele o faz com extrema cla- reza numa carta a John Lackey Brown (1937, Rapailo): “Tome uma fuga: tema, resposta, contra-tema, Nao que eu pretenda uma exata analogia de estrutura”. Uma carta anterior, de 1] de abril de 1927, a Homer L. Pound, pai do poeta, é ainda mais explicita. Nave? “Mais ou menos como tema, resposta ¢ contra-tema em uma fuga. A.A. O vivo desce ao mundo dos Mortos CB. A “repetigdo da Historia” B.C. O “momento magico” ou momento da metamorfose, irrupgdo do cotidiano para o “mundo divino ou per- manente” Deuses, etc.” De tudo ressalta que a idéia central de Pound, sob esse aspecto, € a analogia esquematica com a fuga, o contraponto, E esta- belece-se assim o circuito Pound-Mallarmé. Ainda que a confi- guaracio de Un Coup de Dés e The Cantos seja em espécie diversa, pertencem os dois poemas estruturalmente a um mesmo género. Um outro poetainventor, E.E. Cummings, leva o ideograma e © contraponto 4 miniatura. no let ou na formagiio de agrupamentos sonore Cum: pe freokama- ‘mings libera 0 vocébulo de sua ja seus - VIDA elementos formais, visuais e fonéticos para melhor acionar sua 23 dinamica. Assim, no poema “bright” do volume No Thanks promove uma verdadeira tecedura contrapontistica, repetindo ou invertendo em sua ordem estas simples palavras: bright, star, big, soft, near, calm, holy, deep, alone, yes, who, © compée com a sua justaposigao, livre de conectivos, 0 i i de yass0 que a ean nas rollinatre, PMtinplicaria numa solugdo tal como dispor is palavias em forinade estrelas, o poéia americano’ iésdlve seit “fema com muito maior sutileza fazendo uma letra maiiscula TXaovch © | movimentarse dentro das palavras bright (bright, bRight, Bright, inreasemnetical briGht), yes (yeS, yEs, Yes) ¢ who (wlo, whO, Who), ou” usando pontss de interrogagao “ei lugar de algumas letras das palavras star (3???, st??, sta?) _¢ bright (????Ht, ?2??2T), a fim de conseguir simbolicamente um jognémica_ | do_brilho estelar, . 0 “micro-macrocosmo” joyciano, a atingir 9 seu Apice no Fin negans Wake, & outro altissimo exemplo do problema que vimos expondo. O implacavel romance-poema de Joyce realiza tam- bém, ¢ de maneira “sui generis”, a proeza da estrutura, Aqui © contraponto € mote perpetuo, o ideograma é obtido através de tuperposigdes de palayras, verdadeiras “‘montagens” Jéxicas; a DeSEMHE | infra-estrutura. geral é “um—desenho—eizeular- onde cada parte Esti Rak lg comeco, meio ¢ fim"? "O esqucnia ceaseless & Poe que vai ligar Joyce a Mallarmé, “por um comodo vieus- de recirculagéo”. Muito se aproxima o “ciclo mallarméano” de Un Coup de Dés do ciclo de Vico reinventado por Joyce para o Finnegans Wake. Q denominador comum, segundo Robert Greer Cohn, para quem aquele poema de Mallarmé tem mais pontos de contacto com Finnegans Wake do que com qualquer outra criagio literdria, seria o esquema:_unidade, dualismo, TANS 95 p08. INTER SEMEL ICA Bararie na multiplicidade, €_novamente_unidade. Expressio evidente, a uma SINTAG mera Inspegao, dess i comum a ambas as obras| PARANTGMA € 0 fato de a frase inicial de Finnegans Wake ser a continuagao da ltima, assim como as derradeiras palavras do poema mak larméano sio também as primeiras: “Toute pensée émet un coup de pés”. No deixa de ser assinalavel que um jovem misico de vanguarda, Michel Fano, procurando situar os mais recentes desenvolvi- mentos musicais perante as outras artes, escreva’: 2 A Skeleton Key to Finnegans Wake — Joseph Campbell an Henry Morton Robinson — Faber & Faber — London — 1947. 3 “Pouvoirs Transmis” — Michel Fano — in Cahiers de la Compagnie M. Renaud-Jean Louis Barrault (“La Musique et ses Probltmes Contem- porains") — Cahier IT — Juillard 1954, 24 “Hoje, quando constatamos no interior das disciplinas plasticas uma propensio & expressio fungdo-do-tempo (mébiles de Cal- der), uma eclosdo se produz no sentido oposto, com a pesquisa de estruturas que vém quebrar o sentido tradicional de desen- volvimento no tempo. Se é evidente que o tempo é necessario comunicagdo, ndo & menos certo que ele nao & mais conce- bivel atualmente como suporte de um vetor de desenvolvimento. Joyce e Cummings elucidaram poderosamente as conseqiiéncias iterdrias dessa nogio que realiza uma totalidade de significago_ _f10_instante, provocando_a_necessidade_de_uma_apreensdo total, ‘da obra pata a compreensio de uma de suas partes, e atingindo Bie principio gestaltiano que nao € possivel deixar de evocar quando se trata do conceito serial.” Essas consideragdes, que vém ao encontro das idéias aqui ex- pendidas, tém para nés o valor de confronto e confirmagio de um ponto-de-vista. Apenas acrescentariamos os nomes citados por Fano a presenca irretorquivel das realizagdes de Mallarmé e Ezra Pound. A verdade é que as “subdivisées prismiticas da Idéia” de Mal- larmé, 0 método ideogrimico de Pound, a apresentagao “verbi yoco-visual” joyciana e a mimica verbal de Cummings coy — um novo conceito de composi para_uma_ nova fe forma ama organoforma — onde nogdes tradicionals como" SINCRONIA SALA KIA Mactakme PeUND IONE CUMMINGS CoMs principio-meio-fim, silogismo, verso, tendem a desaparecer © 8r |p wos pe superadas por um: cal, poético-ideogramica da estrutura: POESIA CONCRETA. (Publicado originalmente no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R. de Janeiro, 11-11-1956. Este trabalho constitui a fuséo, com ligeira modificagdes dos artigos “Poesia, Estrutura” c “Poema, Ideogram: estampados, respectivamente, em 20 € 27-3-1955, no Didrio de Séo Paulo). 25 organizagdo poético-gestaltiana, poético-musi- | ya mesvia CalAx A, POESIA E PARA{SO PERDIDO Haroldo de Campos A_arte da poesia, embora nao tenha uma vivéncia fungdo-da- Historia, mas se apéie sobre um “continuum” meta-histérico que contemporaniza Homero e Pound, Dante e Eliot, Géngora Mallarmé, implica a idéia de progresso, ndo no sentido de hierarquia de valor, mas no de metamorfose vetoriada, de trans- formagao_qualitativa, de culturmorfologia: “make it new”. “A ordenagdo do conhecimento, de sorte que 0 préximo homem (ou geragao) possa encontrar da maneira mais répida a parte viva do mesmo, e gastar 0 menos tempo possivel com caminhos obsoletos”! é a_metodologia critica, tdcita_ou_expressa, que conduz 4 obra de criagio. Assim, na misica contemporanea, vemos um Pierre Boulez, atra- vés_de uma “separacao drastica” preliminar de autores, no sentido poundiano da expressao, operar uma sintese qualitativa de Stravinski ¢ do triunvirato dodecafénico vienense (Schonberg, Alban Berg e Webern), 0 primeiro, pela contribuigdo ritmica, os demais pela elaboragdo de uma nova semantica e uma nova sintaxe sonoras, com énfase, sobretudo, em Anton Webern®, ope- ragio_esta_que se _pde no limiar de suas préprias pesquisas, e de Fano, de Stockhausen, de Phillipot, no campo da nova misica insteumental_e eletronica. Nao nos sirpiesnde, poréni, a vita- lidade que, para muitos, pareceria iconocléstica, de sua postu- lagéo de fé: “Webern nao era previsivel: para poder viver utilmente apés ele, nao se poderd continud-lo, é preciso esquar- tejalo”. 1 Pound, “Date line” em Make it New, 1935, New Haven — Yale University Press, pig, $. Guy Davenport, em “Pound and Frobenius”, na coletanea Motive and Method in the Cantos of Ezra Pound, Columbia University Press, N. York, 1950, pag. 48, vincula esse trecho &s concep- Ses do antropélogo Frobenius, cuja “Kulturmorphologie” (transformagao de culturas} € uma das idéias mestras da obra critica ¢ artistica de Pound. 2, Ver: “Moment de J. S. Bach", em Contrepoints, Vilme. Cahier, Paris, pags. 72-86; “Eventuellement...” em La Revue Musicale — L'Oedvre du XX", Siecle, Paris, pags. 117-147, ambos por Pierre Boulez, 26 . morfolégica_se_manifeste, em tais_termo: da_misica _p6s-dodecafénica, quando & sabida coma pan PH técnica_dos_doze_sons £ ainda ene 2 4 WOO, ORL. = a lente deformante da inumanidad Sirva de Skee 5 plo o beco-semsaida faustice, o inferno glacial vielumbrado. por & | Thomas Mann nesse método de compor, que ele chamou de 2 “constelago”, ao engendrar a “persona” de Adrian Leverkithn, 2 Ticdntropo desesperado e dltimo da grandiloqiiéncia romantica em : is < colapso frente 4 guerra total da revolugo schénberguiana.> BE money O_momento, portanto, reclama_a_higienizago dos _mitos. O (avatar Tapstice @ apenas um dos dragbes-chinests, uma dae ca- Jo ==Sintontat de antifiie. de que se servem aqueles que. investem , arte de uma “Tunglo catdttica” precipus, éspicie de clisterewr ta ve wows 4 do coragio acrescido, as furtadelas, ao clenco portatil dos de- ro: 8 i. 5 coctérios.— peek the reegtOre Perens TENORS, 4 Mais_agudas, mais Siguistadas, ¢, assim, urgindo uma, fumi- ,.. "| gagio de raiz, dado o seu proceso ohtuiiad e° atfaente de © ossificagiio, so certas tendéncias — alids, bem dedi ns, — de “estilizagdo”, de “pausa que refresca © patologia é 0 mesmo Pierre Boulez quem discerne, a0 Tobriga-sveacce-» tne cr las, no caso da misica atual, como “‘iniensas “wostalgiag de ree er + # confortos_salutares”. 2 ihrer isd, RAAT LD £0 lirismo andnimo e 4 ixas_ do vago, £ que_explica, em muitos ca do soneto & Lguisa de “dernier o eed “cone: cidas_desse_preguicoso anseio em prol do domingo das_artes, * remanso_onde a poesia, perfeitamente codificada em pequeninas regras métricas ¢ ajustada a um sereno bom tom formal, apa- relhada de um patriménio de metéforas prudentemente contro- lado em sua abastanga pequeno-burguesa por um curioso poder 1___morigerador — o “clima” do poema — pudesse ficar @ margem do_processo cultural garantida pot 4_..___ciado a eternidade. Esse novo arcadismo, convencionade 4 som- bra de clichés, sancionando a preguiga e a omissao como alitude frente aos problemas ¢ weep GN He o amor as form: wey 3. Schénberg foi o primeiro a repudiar a caracterizagéo féustica de Th. Mann. Diz H. H. Stuckenschmidt em Arnold Schénberg, Atlantis Mu- sikbiicherei, Atlantis Verlag, Zi pig. 118: “E sabido, como ele (Schinberg) se voltou de maneira’ agressiva contra Thomas Mann, quando se sentiu ferido através do Dowtor Fausto. Essa controvérsia na qual nenhuma conciliagio é mais possivel, forgou a muitos, parti- darios de ambos os opositores, a penosas decisdes”. 27 5 S Boer quico-solipsista de “métier” que excomiunga_a_permeabilidade entre_as solugdes poéticas, musicals ou des art juais (por uma ignorancia aprioristica e nao poucas vezes agressiva!), tem como _palavra-senha entre nés_o conceito de humano. Como se a bela, a nobre, a fecunda palavra humano fosse um vocdbulo- uco, destinado a nomear a esterilidade ao invés da criacao. Outro tipo de estética, que se pretende revoluciondria sob o > ponto-de-vista conteudistico, constrdi, com ligeiras modificagées, seu pataiso doméstico, negando pura e simplesmente qualquer vomer Hemem ; se lhe fosse destinado, sem remissio, 0 papel de literatura exotica ou de excegao. Sintomatico é, porém, que aos laboratérios de fisica- inuclear ou as especulagies filoséficas 0 trépico ndo é compelido a afetar, 4 Pescara, eee etd 4 SPeNE wR De LSPA ' nie NTN SE FED Nao poucos equivocos se devem & futileza do processo cultur: ! smorfologico, cuja dinamica vetorial se faz, as vezes, por linhas< : < 5 tra £ ~de_forca tao ténues que certos_ertistas, cuja obra isolados apices criativos, perdem o pé na fluéncia do processo, e acabam, de uma forma ou de outra, morfihigados ‘pela nos t talgia_do_jogo_sem imprevistos, produzindo uma arte de senec-—y fide cujo Alibi é o descanso remunerado e que vive as expensas dos dividendos menstruais das chamadas “pecas antologicas”. No = entanto, o “Canto 85” de Ezra Pound, publicado em The Hudson Review (Vol. VII, n.° 4, Winter, 1955), € uma arrancada que. = ltativa na obra em progresso do poeta septuagenario.> 4° Sartre, cuja concepso do homem wtal — “totalmente alistado ¢ wots mente livre” — & um ponto de partida hicido para o escritor “engagé € 0 primeiro a advertir que, “na literatura alistada, o alistamento nao deve, = em caso algum, fazer esquecer a literatura ¢ que nossa preocupacio deve set_a de servir a literatuta, infundindo-Ihe um sangue novo, so mesmo tempo que servir a coletividade, procurando dar-lhe a literatura que Ihe convém” (Situations HI, Gallimard. Paris, pig. 30). A questio pode ir mais longe, e escapa ao ambito deste artigo. Lembremos, apenas, como termo para uma futura discussdo, que € 0 préprio Sartre quem dia poe sia uma situagdo especial, falando da “tolice que seria o exigir-se um alis- tamento poético” (ob. cit, pag. 69) ¢ definindo a “atividade pottica” como a que “considera as palavras como coisas e no como signos” — (ob. cit, pig. 65). 35 B de se notar, desde logo. nc “Canto 85" de Ezra Pound, 0 uso mais acentuado do que antes do idzograma em si (ndo a técnica, mas 2 pic- tografia), com funcio semaférica de grupos de idéias. O “bring to focus” — “wazer 20 foco” — agindo nfo apenas verbalmente, mas oticemente, © efeito “aural” do chinés € também utilizado, 0 que S6 raramente ocorre nos Cantos anteriores: "The sheltered grass hopes, cheb, cohere. (No, that is not philological).” 28 e Nao € sem motivo que o. “olho de Medusa” da critica — de uma certa critica, pelo menos — tao incisivamente descrito por = Sartre, encontra entre nés campo facil para. suas incursées pe- 2 trificantes: hé qualquer coisa de funerdrio nos paraisos perdi- = =" dos. A palavra “mestre”, no jargéo de muitos militantes de * 3 rodapé, soa, como nenhuma outra, a dobre de finados. #2 Aarte & uma coisa viva. “Art is a joyous thing”, disse Pound. Uma coisa alegre. F tempo de se libertar a obra de arte cria- \ Giada wilhe do matracas ¢ da mistica do pesads original com que o conformismo das estéticas “paradistacas*-procura (__ferreteg.ta_para_garantia da_salubridade convencionada dé” suas | igre pe eee “intelectualismo”, “Yormaliame” © outros tantos falsos pejorativos, “lendas dessuetas” na expressiio lidade e da inteligéncia em toda criagao” com palavras que precisam ser meditadas: 9 “Ultimo residuo do rémantismo, concebem-se sempre as pesqui- sas teéricas como um ciclo fechado, ndo coincidente com as eriages propriamente ditas, como jd mencionamos. Desemba- racemo-nos dessa lenda dessieta: nao pode ser assim, sob pena de asfixia mortal. Uma ldgica_conscientemente_organizadora nio_é_independente da obra, mas_contribui_para_crid-la, est ligada a ela em um circuito reversivel; pois é a necessidade de_precisar_o que se quer chegar a exprimir que traz a evolu- Ao da técnica; esta reforca a imaginagéo que se projela, entio, fata o nao percebido, e assim, em um perpéluo jogo de espe- Thos, se precessa a criagio; organizagio viva e vivida, Tazendo possiveis todas as aquisigées, enriquecendo-se a cada nova expe- i wletando-se, modifi modificando-se,_mudandc 0 de “Colher no ar uma tradigéo viva” é culturmorfologia aplicada Bpoesia. Assim o fez Poun itando o campo de Torgas que serviu de base a sua obra, que ifumina’o meio século. O [Tnilsico conitemporaned que pfové, to’ mesmo sentido, as Tieces- sidades_de ensibilidade criativa integra-se, tambéni,cons- cientemente, no processo, Nao 6 muito esperar-se do intelectual brasileiro, em 1955, que pondere essa dialética. (Publicado originalmente no Diério de Sdo Paulo, 5-6-1955; republicado em O Jornal, R. de Janeiro, 7-8-1955). 29 # 2 gi Pl de_una organizagdo_clrcular_de_matéria”pobion A OBRA DE ARTE ABERTA Haroldo de Campos Para_objetivar_o que, numa postulag#o voluntariamente “dras- tica”, no sentido pragmético-utilitério que assume a teorizagio poundiana, poder-se-ia definir como o campo. vetorial da arte 1po, de cuja_conjuncao de linhas de forca resultantes_previsiveis e outras imprevistas podem surgir & sdli- citagdo do labor criativo, basta as_obras_de Cummings. Sem ingresso em profundidade nos miltiplos problemas que a simples mengdo conjugada desses nomes suscita ao limiar do experimento poético de nossos dias, seré suficiente indicar alguns dos_vetores da precipitacao_culturmorfolégi jue suas obr: acarretam. ~ ~ ~ A_concepgao de estrutura pluridividida ou capilarizada que ca- tasleriza’ 9 poerha-conatdhivo- mallarmeano, Trquidando. & nogio de desenvolvimento linear seecionado em jrineipiormeto ine Tinear seccionado em principiomelo-fim, em perempta toda relojoaria ritmica que se api organizagao ritmica, o siléncio, aquele siléncio que é, para Sar- ttre ane momenta: Te momento da Tinguagem" e que, “como a pais, emi -_recebe seu sentido dos grupos dé notas qué 0 éércain”, mitindornos dizer da possia-o- que Pierre Bouler”afirmou da z ebern”: “é uma verdade das mais dificeis de por em evidéncia que a misica no é somente a arte dos sons, mas que ela se define melhor por_um contraponto do som ¢ do siléncio”. Também_o universo_joyciano evoluiu — dentro do quadro de sua propria’ obra’ © a0 Tnflixe —daconeepgio bergsoniana. da 1 Qu, para nos servirmos das expresses de Adelheid Obradovic em Die Behandlung der Riumlichkeit im spaeteren Werk des James Joyce — Marburg, 1934 — pag. 11: a) Nacheinander ohne Durchdringut “uma parte apés a outra sem interpenetragao” (estrutura do Portrait of the Artist as @ Young Man); b) “Nebeneinander ohne Durchdringung” — 30 inear_no tempo, “durée” — a_partir de um desenvolvimento para_o espaco-tempo_ou_contencio do todo na parte (“allspace in a notshall” — nutshell, casca de noz), adotando como orga- nograma do Finnegans Wake 0 circulo vico-vicioso. Se ao_primeiro corresponde uma nogdo visual do espaco grafico, servida_pela_notacao prismética da imaginagdo poética, em flu- xos_e Tefluxos que se deslocam como elementos de u1 ilizand féncio como Calder o ar, a Joyce se fluxo polidimensional_¢ se 0 riverrun—élan-vital — o que 0 obriga a uma atingido através dat elipse dos temas periféricos a “coisa_em do poema, sucedendo porém, na estrutura da obra, o que Husserl assinala em relagao a seu método: “O' colocado entre paréntesis nao é apagado da tabua fenomenolégica, mas colocado simplesmente entre paréntesis ¢ afetado por um indice. Porém, com este, entra no tema capital da investigacao.”? Joyce & levado A microscopia pela macroscopia, enfatizando o detalhe_— panorama/panaroma cosmos metaférico numa 86 palavra. Donde o poder dizer-se do Finnegans que retém a propriedade do circulo, da eqiidistancia de todos os pontos em relagéo centro: a obra é porosa a leitura, por qualquer das partes através das quais se procure assedid-la. po Gus evs Fore Para Cummings a palavra é fissil: O° poeina cummigsiano tem como elemento funda “letra”; \propésitos, um material complexo. A_“modé: es ude_poética € semelhante a de Webern: — interessado na palavra a partir do proprio fonema, orienta-se para uma forma postica aberta, embora a risco de esgotar-se no poema-minuto, frente aos percalgos duma sintaxe ainda experimental. Como anota_Fano a propésito das primeiras obras de Webern, si “uma parte justaposta & outra, sem interpenetragao” (Ulysses); ¢) “Durch- dringung” — “interpenetragio” orginica (Ufysses, desde o monélogo silencicso de Molly Bloom ¢ Finnegans Wake). 2 Husserl, ideas relativas a una fenomenologia pura y una filosofia fe- nomenolégica, Fondo de Cultura Econémica, México, pag. 169. 31 “Organizacoes_curtas materializando um _possivel_e concluindo ni A_eventualidade de novas transformagées. Procedimento cat litico pelo qual certos elementos de base determinam es desi tegragoes e coagulagées dum material fi je se_transfors serem éles mesmos afetados.”3 who a)s w(e loo)k upnowgath PPEGORHRASS eringint(o- aThe) :1 cA tp: s a (r rlyInG .ghrEaPsPhOs) to rea (be) rran (com) gi(e) ngly sprasshopper; que sje e(u olh)o altojareu HOTGOAFAN nindosee(m- parAele} :s aL A c ah eGaNdO -gOaTfOaNh) recom (tor) pon(n)d(ar-se)o jeafanhoto; 3. Michel Fano, “Pouveirs transmis", em La Musique et ses Problémes Contemporains, Cahier de la Compagnie Madeleine Renaud — Jean Louis Barrault, Julliard, 1954, pég. 40. 32 Estrutura_aberta_oferecem também os Cantos de Ezra Pound, em particular os “Pisanos”, que, organizados pelo método ideo- ‘Amico, permitem uma perpétua inleragao locos de idéias que se_criticam reciprocamente, produzindo uma soma poetic cujo principio de composigao é gestaltiano, como j4 observou James Blish, em “Rituais em torno de Ezra Pound.”4 Tendo a sua disposigéo um léxico que se enriqueceu_com con- quistas desde os simbolistas até os surrealistas, e sua reciproca, a “definigdo precisa” de Pound, 0 verbo postico compreendido a luz duma arte de “ ‘i "; tendo a sua frente palidamente aqui _ das, 0 pocta contemporaneo nao pode sentir-se envolvido por melancolias bizantinas de’ constantinoplas ‘aia, _“ent_polt fas, hem polipizar-se & margem do proceso culturmorfolé gico que_o convida a aventura criativa. ee \ Pierre Boulez, em conversa_com Décio Pignatari, manifestou o seu_desinteresse pela obra de arte “perfeita”, sica”, do 5 Spo diamante" enunciou @ famante”, ¢ enunciou @ obra de drte 2 aberta, como um “barroco_modern * a) Talvez. esse neo-barroco, que poder corresponder intrmsecamente 2 gs necessidades culturmorfolégicas da expresso artistica con- { temporinea, atemorize, por sua, simples evocagio, os_espirites ‘{remansosos, que amam a fixidez das solugdes convencionadas. Mas esta ndo é uma razéo “cultural” para que nos recusemos a tripulagio de Argos. £, antes, um estimulo no sentido oposto. 4 The Sewanee Review, Spring, 1950, Vol. LVISI, 0% 2, pag. 196. (Publicado originalmente no Diério de Sao Paulo, 3-7-1955; sepublicado no Correio da Manha, R. de Jancito, 28-41956. Para a presente edi- do, acrescentouse a taducéo do poema “Grasshopper”, por Augusto de Ecmpos, extraida do livro 10 Poemas de E. E. Cummings, Servico de Do- camentacio, MEC, R, de Janeiro, 1960, ora especialmente revista). 33 POESIA CONCRETA Augusto de Campos Em siéromizaelo com a terminologia adotada pelas artes visual ©, até certo ponto, pela _miisica de yanguarda (concretismo, mu- sica concreta), diria eu que hd uma poesia concreta. Concreta no_sentido em que, postas de lado as pretengées fi ivas da expresso (o que ndo quer dizer: posto & margem 0 significado), as_palavras_nessa poesia atu: objetos autonomos. Se, “ no entender de Sartre, a poesia se distingue da prosa pelo fato de que para esta as palavras so signos enquanto para aquela so coisas, aqui essa distinggo de ordem genérica se transporta a um estagio mais agudo e literal, eis que os poemas concretos caracterizar-se-iam por | estruturagao ético-sonora irreversivel —f s s sonora z funcional, ¢, por assim dizer, geradora da idéia, criando uma ~ i entidade todo-dinamica, ‘verbivocovisual” — é 0 termo de Joyce gxGay— de palavras Citieis, ‘moldaveis, amalgashavels, & disposicao 22" E\'do poema. ca 4 *Como_processo consciente, pode-se dizer que tudo comegou com 25} g 59a publicagdo de Un Coup de Dés (1897), 0 “poema-planta” do #8 "Mallarmé, a _organizag fede pena amento-‘em' “subdivisdes_pris- ‘maticas da Idéia”, e a espacializacio visual_do poema sobre 2} }8_pagina. Com James Joyce, o autor dos romances Ulyss "££ 819141921) © Finnegans Wake (1922-1989), e sua “técnica de “C’palimpsesto”, de narracéo_ si é i ‘ney espns ow gando_o. seu. método ideogrémico, que permite agrupar temente, como um mosaico, fragmentos de Com_E. E, Cummings, qu com suas_ar amticulagdes aa di le oho e félego, em con- tacto direto com a experiénci irou 0. poema. No Brasil, o primeiro a sentir esses novos problemas, pelo menos em _determinados aspectos, é Joao Cabral de Melo Neto. Um arquiteto do verso, Cabral constr po 7 lances_de vidro e cimento. Em Psicologia a_“Fabula de Anfion” e “Antiode” turidade expressiva, ja pr 34 Composieéo com (1946-1947), atinge 2 ma: em O Engenheiro. Flor é a palavra flor, verso inscrito no verso, como manhas no tempo. diz cle em “Antiode”, ¢ nada mais faz do que teoria da poesia conereta. “O Jogral ea Prostituta Negra” (1949) é outro salto constru- tivo de vanguarda, desta vez logrado por’ um novissimo, Décio Pignatari. Neste poema Pignatari langa mao de uma série de recursos “concretos” de composigao: cortes, tmeses, “palavras- cabide” (isto_é, montagens de palavias, possibilitando a simul- taneidade de se al (gema negra) cova = aleova, algema, gema negra, negra cova), todos eles convergindo para a tema- tica_que é a do poeta torturado pela angi £ a davida_hamletiana aplicada_ao poeta e a pal: até_que_ponto ela exprime ou deixa de exprimir, revela”? E eis o poeta, ck rdote a compor de eartilagens moluscos a poesia-prostituta negra-hasard que aqui — como o “mudaria o Natal ou mudei eu?” do soneto de Machado de Assis — explode em um Gnico verso: “‘cansada cornucépia entre festées de rosas murchas”. Haroldo de Campos é, por assim dizer, um “conereto” barroco, 0 que o faz trabalhar de preferéncia com imagens ¢ metéforas, que dispde em verdadeiros blocos sonoros. Nos fragmentos de Ciropédia ou a Educagé (195: merece mengio o espe P converter_a ic idec (Publicado criginalmente em Forum, 6rgio oficial do Centro Académico 2 & ‘gost da Faculdade Paulista de Direito, ano J, a." Ill, outw le 1955). 35 © jogral ¢ a prostitute negra farsa tdgica Décio Pignatari Onde eras a mulher deitada, depois dos oficios da penumbra, agora é wm poema: Cansada cornucépia entre festGes de rosas murchas. £ a hora carbéni- ca € 0 sol em mormago entre sonhando € insone, A legido dos ofendidos demanda tuas pernas em M, silenciosa moenda do crepisculo, E a hora do tio, o grosso rio que lento flui flui pelas navalhas das persianas, tio escuro. Espelhos ¢ ataiides em mudo desterro navegam: Miras-te no csquife © morres no cspelho, Mores, Intermorres. Inter (ataide e espelho) mortes, ‘Teu lustre em volutas (polvo barroco sopesando sete laranjas podres) © teu tém as galas do cortejo: ito de chumbo Tudo passa neste rio menos o tio. Minérios, flora ¢ cattilagem acodem com dois moluscos murchos € cansados, Para que eu te comronha, recompondo: Cansada cotnucépia entre festées de rosas_murchas. (Modelo em repouso, Correm-se as mortalhas das persianas. Guithorinas de luz Japidam 0 teu dorso em rosa: tens um punho decepado e um scio bebendo na sombra. Inicias 0 ciclo dos cristais ¢ j& cintilas). 36 Tua al(gema negra)cova assim soletrada em cima. fa lenta, levantas @ fronte ¢ propalas: “Ha uma estétua afogada...” (Em camara lenta! — disse). “Existe uma esti- tua afogade e um poeta feliz (ardo em louros!). Como os lamento ¢ como os desconheco! Choremos por ambos.” Choremos por todos — solugo, ¢ entcandum Hiuirgico impropério a duas “vozes compomos um simbélico epicécio AAquela que deitada era um pocma e 0 nio é mais. Suspeniso 0 f6lego, inicias o grande ciclo subterrineo de retorno is grandes amizades sem meméria © jk apodreces: Cansada cornucépia entre festies de rosas murchas. (1949, “in” Carrossel, 1950) Ciropédia ou a Educacao do Principe (fragmentos) Haroldo de Campos You find my words dark, Darkness is in our souls, do you not think? James Joyce 1 ‘A Educagio do Principe em Agedor comeca por um célculo a0 cotacio. Jogamse os dados, puericultura do acaso ¢ se procure aquela vértebra cervical de formato de estrela ow as filacteras enroladas no antebrago direito: sinal certo do amor. Em Agedor o Principe € um operirio do azul: de suas méos edifica — infancia. —- as galas do cristal ¢ doura 0 andaime das colméias: paz de cimaras ardentes. (© Preceptor — Meisterludi -- di o tema: rigor! As matemiticas: céries de uma série gelada, Linguamortas: oblivion sagrando a saiz dos drias: ars. Lingua vivas: amor. (© Principe, desde crianga, é um aluno do instinto. Saida as antenas dos insetos. ‘Ave! as papitts papoulas e 4 dlorofila — salve! tomassol das espécies sensiveis. 37 Helianto, doutor solar, sol honorério, o topismo te ensina a graca das elipses? inferno-afélio do langue heliotropo! ‘Térmitas: dii_inferi! Ele orienta as abelhas. Ele irisa as {ibéiulas, Ele entra o palicio dos corais € suspende os candelabros. A hora dos deméritos 9 Mestre diz: Rigor! Infancia do Principe: igua de que se fartam infinitas criancas. 2 © Principe aprende 2 equitagio do verbo. As palavras écio ¢ amor nada significam em Agedor — pois significam tudo. Impibere, ele pensa: a pluma o pagem ‘As aias — coro de vozes — baixelas de seu banquete. ¢ — Camaleio melancblico/distende a lin- gua e colhe Em Agedor, 0 Tempo — um inseto de bronze, 3 Nipciss Parandipcias Pronipcias, ‘A Educagio do Principe atinge a sua crise noturna. Congregacio de rubis, a puberdade instaura a missa rubra, Ele admira as grutas, apalpa as volutas cornucépies, contorna 0 maral- miscar das serei A Geometria Plana? Japiter Tetraedro de quadradas espiduas? — Drésera rotundifélia, amdlgama de stiabas cardi Labilingue, ele diz: amor — larva do beijo, ninfe nibelung dum ciclo de legendas. ‘Meisterludi: Rigor! Cobica as galixiasestrelas, dourora-se em lénguidas palavras: licomnes libidinosos ¢ gliteas obsidianas. Luz pirpura. Em Agedor chega-se A idade por uma sibite coloracio roxa sob as unhas. " légica do_olho & sensivel_¢ sensorial, artistica; ifi ARTE CONCRETA: OBJETO/E OBJETIVO Décio Pignatari Pela primeira vez, os concretistas brasileiros tém a oportunidade de_se_reunir como ‘presenga imediata de realigagdes © cori postulegao. postulegéo de prin principi 5 O concretismo visual j4 fez suas primeiras provas, circula, se 2 apura no debate saneador, leva avante o qualitativo rigoroso baseado na_informacéo e na co 2 # A poesia concreta, depois de um periodo mais ou_menos longo de pesquisas —- para determiner os planos de clivigem de sua mecanica interna (Mallarmé, Un Coup de Dés — Pound — Joyce —— Cummings — algumas experiéncias dadaistas e futu- ristas — algumas postulagdes de Apollinaire) entra na sua fase polémica. A mostra de poesia concreta tem um cardter_quase didatico: fases_da_evolugao formal, passagem do verso 20 ideo- gtama, do ritmo linear ao ritmo digdes para novas estruturagées da elementos verbivocovisuais — — como di Uma das principais caracteristicas do concretismo é 0 probleme do "moyimento, estrutura indica, mecanica_qualitativa. se estranhe falar aqui em “mecAnica” Norbert Wiener (cy. bernetics: the human use of human beings) nos adverte do equi- voco e do indtil saudosismo individualista de tratar vamenté tudo o que é mecnico. Isto nos leva as telagé: geometria ¢ pintura_geométrica: a pintura geométrica estd para a_geometria_como a arquitetura esté para a engenharia. A a da geometria, conceitual, discu a enfim. Nem foi por outro mo- tivo que, em niimero anterior desta publicagdo e neste mesmo lugar, o arquiteto Eduardo Corona lembrava a necessidade de um contato mais estreito dos arquitetos com as artes visuais, como a pintura e o desenho: “O aprendizado dessas artes deveria ser Jevado muitissimo a sério em nossas Faculdades, para formar arquitetos mais completos, mais conhecedores da Arte, enfim”. 39 a CARTS RETRY Te Se PROMEUDAR yecUArO as o Pm Ope Wao gy Por_outro lado, os concretistas também sentem a urgéncia de um_contato mais intimo com a arquitetura: o fato de varios deles_serem — quando arquitetos ou estudantes de arqui tetura — decoradores, paisagistas ou desenhistas de esquadrias — atividades ligadas a arte arquitetnica — atesta essa_neces- sidade_e essa urgéncia, se ja nao bastasse, por si mesma, a sua presenca numa revista de arquitetura e decoracao. Quanto A poesia, ela ndo esta alheada da questo, como pode parecer a_ primeira 08" aparentamentos isomérfitos das diversas manifestagdes artisticas nunca seraéo um tema de somehos. Abo: — Tido_o verso, a poesia concreta enfrenta muitos problemas de espago e tempo (movimento) que so comiuns farito as artes visuais ¢ i “esquecer_@ miisica mais avan- cada, _eletrénica. Além disso, "p. ex., 0 ideograiia, monocromo ou a cores, pode funcionar perfeitamente numa parede, interna ) ou externa. © - Finalmente, cumpre_assinglar_que_o_ooneretismo_nAo_pretende (alijar da circulacéo aquelas tendéncias que, por sua simples existéncia, provam sua necessidade na dialética da formagio da cultura, Ao contrario, a atitude_critica, concretismo o leva a absorver as preocupagées das demais correntes artisticas, bus- ~“cando_superalas pela emplstagio cocrente, objetiva, dos pro- blemas. Todas as manifestacdes visuais o interessam: desde as inconscientes descobertas na fachada de uma tinturaria popular, ou desde um aniincio luminoso, até a extraordiniria sabedoria pictérica de um Volpi, ao poema maximo de Mallarmé ou as maganetas desenhadas por Max Bill, na Hochschule fiir Ges- taltung, em Ulm. (Publicado originalmente na revista ad —— arguitetura @ decoracan, Sto Paulo, novembro/dezembro de 1956, n.° 20; tepublicado 10 Correfo da Manka, R. de Joneiro, 62-57, ¢ no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, R, de Janeiro, 21-4-57). . 40 | ) nova poesia: concreta cuk UE ae a_uma_atitude _postig: nao consegue libertar-se dos liames. légicos da linguagem: ao tentar faaé-lo, discursa adjetivos. nao da_majs conta do espago como condigdo de nova realidade ritmica, utilizando-o apenas como veiculo passive, Tombar, € ’io_como elemento relacional de estrut “ anti-economico, destrui “Te apenas 0 golpe de misericéfdia da consciéncia eritica: o primeiro ja fora dado, de fato, por mallarmé, ha 60 anos atrés — §un coup de dés§. américa do sul américa do sol américa do sal oswald de andrade uma_arte_geral_da_linguagem. propaganda, imprensa, radio, televiso, cinema. uma arte popular. ~ a_importéncia_do olho na comunicagio mais rapida: desde os andncios luminosos até as histérias em_quadrinhos. necessi- dade do movimento. a estrutura dinimica. o ideograma como, esto visibile parlare, novello a noi perché qui non si trova. dante, purg., x, 95 contra_a poesia de expresso, eubjetiva. por uma poesia de criagio, objetiva: conereta, substantiva. a idéia dos inventores, de eata pound, ideogramas cor o_um objeto poético, produto _indus- trial de consumacio, feito a maquina, a colaboracdo das artes Visuals, artes graficas, tipograficas. a série dodecalonica (anion webern) e a musica eletronica (boulez, stockhausen).~ 0. cineina. pontos de referéncia. - 4 bie. @ rose is a rose is a rose is @ rose gertrude stein com_a revolugao industrial, a palavra comecou a descolar-se_do objeto a_que se referia, alienou-se, tornou-se objeto qualitativa- mente diferente, quis ser_a palavra §flor§ sem a flor. e desin- tregou-se ela mesma, atomizou-se_(joyce, cummings) . conereta realiza a sintese critica, isomorfica: §jarro vta_jarro_e também jarro mesmo enquanto conteddo, isto Avante objeto designado, a palate jan de 9 jarro do jarro, como §la mer dans la mer§. o elevador subiu aos céus, ao nono andar, ~ © elevador desce ao subsolo, : termémetro das ambigées. 5 © agicar sobe. - 0 café sobe. 4 os fazendeiros vém do lar. mério de andrade BERS eave, o_tuais Licide tabatho intelectual para_a_intuicio mua © Geghar tom ae aides. tom on formalism ‘anitos da poe- sia_puma. a beleza ativa, no para a contemplacdo. para nutiir © impulso, pound. no maximo: ser raro e claro, como diss timo fernando pessoa. criar problemas justos e resolvélos em termos de linguagem. sensivel. ~~ o olhouvide ouvé. titica: joyce, cummings, apollinaire (como visio, nio como rea- izacio), morgenstern, kurt schwitters. estraiégia: mallarmé, pound (junto com fenollosa, 0 ideograma)- parean Pocchiaie anella sanza gemme: chi nel viso delli uomini legge OMO ben avria quivi conosciuta lemme. dante, purg., xxiii, 31 © uco dos olhos como anel sem gema: quem julga ler, no rosto humano, OMO agui veria fécilmente 0 eme. 42

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