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ARTIGOS © Movimento de Reconceituacao ~ 40 anos depois José Paulo Netto aconceltuagéo do Servigo Social no Brasil: uma quastéo em movimento? Vicente de Paula Foleiros Acerca Del Movimiento de Reconceptualizacién Norberto Alayén Reconcepiualizacién: 2Un trabajo social alternative una alternativa al trabajo social? Nora Aquin Zoncepsées sobre pobreza e alguns desafios para a intervengdo social Carla Bronzo ladeira Carneiro Geragdo, democracia e globalizagao: faces dos movimentos sociais no Brasil contempardneo ligia Helena Hahn liichmann ¢ Janice Tireli P. de Souza Bioélica, cidadania e direitos teprodutives Suely Gomes Casta AccondigGo paradoxal que constitui o feminismo: dilemas sobre igualdades e diferencas, Maria do Socorro Osterne e Vitéria Gehlet Trajetorias de sujeilos no limo Denise Chryséstomo de Moura Juncd INFORME-SE No i i Me6200 SS S SERVICO SOCIAL & SOCIEDADE TUCO OMS OCIEDADE 2005, . Ponca) ETecoun ys Sang Soca 8 Soria Gnee 4 ANO XM -evemtro 2005 O Movimento de Reconceituacio 40 anos depois* José Paulo Netto” Resumo: Na passagem do quadragésino ati versicio da emergéncia ds Reconceituagio, este breve artigo evecs aquele movimento, assinala as condligges da sua génese e resume as suas prin pais conquistas Sinaizando acontextuaidate pox lia que aboriou 0 desenvolvimento da Recon ceituas0, 0 artigo sublinka teu relevacia pora 8 consituigSo da verteme erfiea @ eomempori- rea do Servigo Social Palavas-chave: econceitiagSo; movimenta de se conceinagao;servigo social etic ‘Tin comemorago aos quarents anos do suginento do Movimento de Reconcetuste publicare 1m Argentina, onguizad por Norbu Alan im vole de txt seferios ioc capil J histia do Sevig Social (Trajo Soeal Latinoamericano. A 40 ar dele Reconcepuaiicin. Buenos Ae, Espacio Batra, 2003). pare de iv 0 present artigo '*° Pofeser ular ds Escola de Servigo Soci dt Universe Federal do Rio de ani, Revonceituagio, tomada como movimento ou processo que emer- zgiu em 1965, constitui um marco inarredavel e incontornével da histéria do Servigo Social Iatino-americano, Heterogénea e con- ‘radit6ria, a Reconceituagao, vem, hé quarenta anos, despertando paixdes e Gdios, ¢ a prova cabal da sua relevancia nos é oferecida ainda hoje pelo trato que conservadores ¢ reacionérios Ihe conferem: para tais setores profissionais, aquele capftulo fundamental do Servigo Social deve ser apagado ‘ou, na impossibilidade de fazé-lo, deve ser desqualificado. Neste brevissimo artigo nio pretendo revisitar a larga documentagiio que | se acumula sobre a Reconceituago;' meu objetivo, recuperando a minha propria contribui¢ao Aquela documentacio,? é bem modesto: propor & reflexio das novas geragdes de assistentes sociais, que nao tiveram o privilégio de par- ticipar daquele processo extraordinariamente rico, uns poucos elementos para a sua compreensio ¢ avaliagio. A erosao internacional do “Servigo Social tradicional’ A Reconceituagdo 56 pode ser adequadamente situada se se considerar ‘que ela se inscreve num processo muito mais amplo, de caréter mundial, A segunda metade dos anos 1960 marca, na maioria dos paises em que o ‘Servigo Social jé se institucionalizara como profisso, uma conjuntura de pro- funda erosdo das suas préticas tradicionais (e, compreensivelmente, dos dis- ‘cursos tedricos ou pseudotedricos que as legitimavam). No século passado, a tansiglo da década de 1960 para 1970 foi, de fato, assinalada em todos os ‘quadrantes por uma forte critica ao que se pode, sumariamente, designar como “Servigo Social tradicional”: a prética empirista,reiterativa, paliativa ¢ buro- cratizada, orientada por uma ética liberal-burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidéncias psicossociais da “ques- tio social” sobre individuos e grupos, sempre pressuposta a ordenagio capita lista da vida social como um dado factual inelimindvel. |. Dada a sua extensto, eta documents, de qualidade multe dfeencadse que vem send pro- \dcida especialmente nos eens de pesquisa em nivel de pés-gaduasS, sequer pose sr aide agi mas cake aduzc que ela popiia hoje uma avalazo segurs do proceso a Reconcsigao 2. Netto, in Alayén el (1975) ainda Neto (1981, 191) As condigées histGricas que propiciaram (mais: que induziram a) essa critica, que constituiu um fendmeno internacional,’ foram, também elas, de ‘magnitude mundial, Trata-se daquelas condigdes que aparecem sinalizadas na baliza de 1968 — de Berkeley a Paris ¢ & selva boliviana, do movimento nas fbricas do Norte da Itilia & ofensiva ‘Tet no Vietnd, das passeatas do Rio de Janeiro ais manifestagdes em Berlim-Oeste, 0 que saltava a luz do dia era uma crise de fundo da ordem capitalista. [Na raiz dessa crise esté o exaurimento de um padrao de desenvolvimento capitalista — 0 das “ondas longas” de crescimento (Mandel, 1976: 1), que Vinham seguras desde 0 segundo pOs-guerra, configurando as “tés décadas gloriosas” de crescimento € que tiveram no fim dos anos 1960 seu citimo momento de vigéncia, O tensionamento das estruturas sociais do mundo capi- talista, tanto nas suas éreas centrais quanto periféricas, ganhou uma nova dind- mica ¢ gestou-se um quadro favoravel para a mobilizagio das classes subalter- nas em defesa de seus interesses imediatos, Registraram-se, entio, amplos mo- ‘vimentos para direcionar os Onus da desaceleragio do crescimento econdiico, mediante as lutas de segmentos trabalhadores ¢ as téticas de reordenagio das recursos das politicas sociais dos Estados burgueses. Em tais movimentos, contetido das demandas econémicas — em fungo da complexidade e da dife- renciagio sociais ja presentes nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas, nas quais os impactos da revolugo cientifica e técnica se faziam sentir — centrecruza-se e conflui com outras demandas sociais € culturais: comogam a se ‘configurar reivindicages referenciadas a categorias espectficas (mulheres, jo- ‘ens, negros, emigrantes), 8 ambiéncia social ¢ natural (a cidade, o equipa- mento coletivo, a defesa dos ecossistemas), a direitos emergentes (ao prazet, a0 lazer, & educaro permanente) etc. Nas suas variadas expressées, aqueles ‘movimentos punham em questo a racionalidade do Estado burgués, suas ins- tituigbes e, no limite, negavam a ordem burguesa e seu estilo de vida; em :odos ‘08 casos, recolocavam na agenda as ambivaléncias da cidadania fundada na propriedade (privada) e redimensionavam a atividade politica, multiplicando (0s seus sujeitos e as suas arenas. Sabemos hoje, corridas quase quatro décadas desde a baliza de 1968, das cfetivas ameagas com que entio se deparou a ordem do capital e como ela, a 3: Pense-t ao dete france que deriv nor wabalhos do grupo rea em tomo da publicagso {Champ Soviet as pities itervenges de Corrigan ¢ Leonard e, nos Bstados Unido, no que depois ‘elo carcterzarse conn “Servgo Social Radial J. Calpe) partir de meados dos anos 1970, reestruturando-se, recompés-se de forma mais agressiva e brutal, instaurando as bases do perfodo contra-revoluciondrio em que nos eneontramos atualmente, com as lutas dos trabalhadores na defensiva © com a capitalagao de intelectuais outrora radicais (Hobsbawm, 1995: partes 2 3; Braga, 1996; Mészfros, 2002: cap. 25 ¢ 2004, parte 1), Mas 0 quadro cconjuntural balizado por 1968 constitufa, em si mesmo, 0 cenério adequado para fomentar a contestaydo de préticas profissionais como as do “Servigo Social tradicional”.* No caso deste, seu pressuposto visceral, a ordem burgue~ sa como limite da histéria, foi amplamente questionado; seus media privile- ssiados, as instituigdes e organizagées govemamentais ¢ 0 elenco de politicas do welfare virara-se em xeque; seu universo ideal, centralizado nos valores pacatos da integracio na “sociedade aberta”, apareceu infirmado; sua engano- sa assepsia politica, formalizada “teenicamente”, foi rechacada; ¢ a sua eficd- ‘cia enquanto intervengdo profissional foi negada a partir de seus proprios re- sultados, Este inquisitorial ao “Servigo Social tradicional” concreti2ou-se tanto mais, fortemente na medida em que 0 cenério mencionado permeou campo profis- sional por meio de um complexo de mediagdes cujos principais condutos de- ‘yom set listados rapidamente. Em primeiro lugar, a revisio erftica operada nas fronteiras das citneias sociais, culminando com a deslegitimago do que ope- rava como a fundamentagaio “cientifica” do Servigo Social: a sociologia ¢ a Psicologia académicas.* Em segundo lugar, o deslocamento sociopolitico de instituigdes cujas vinculagdes com 0 Servigo Social so notérias: as Tgrejas — em especial, mas ndo exclusivamente, a catélica.® Em terceiro lugar, 0 movimento estudantil, cujo protagonismo — em meio as peculia- tidades da “rebelifo juvenil” — foi decisivo na critica ao tradicionalismo no Servigo Social Na particularidade latino-americana, a Reconceituagdo expressou a criti ca ao “Servigo Social tradicional”, 4, Poe- afar que eno fs aft prcamente ado © clenc de avid profissionas que pervs tibutriament a reproduce das eagSe ssi, mas, dads os objetivo deste atgo fei me apenas 9 Serio Sci 5. Aos mais joven certamenteescaps a importincia eatlodesempenhas, por exemplo, or aaores como Charles Wight Mil 6. No cao da are catia, corde 4 sr niciad com Jofo XXII A Reconceituacao do Servigo Social Constituinte do proceso internacional de critica a0 tradicionalismo pro- fissional, a Reconceituacio" esta intimamente vinculada ao circuito sociopoli- tico latino-americano da década de 1960 — em nosso subeontinente, como ‘observou um dos seus protagonists, “a ruptura com 0 Servigo Social tradicio- nal se inscreve na dinémica de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertagao nacional e de transformagdes da estrutura capitalista excluden- fe, concentradora, exploradora” (Faleiros, 1987: 51), Na sua génese imediata, a Reconceituagao foi comandada por uma ques- tio elementar: qual a contribuicdo do Servico Social na superagao do subde- ‘senvolvimenio? Para além dos condicionalismos que, em todo o mundo, eram ptéprios dos anos 1960, entre ns, latino-americanos, esta questao era formu- lada sob condigdes muito determinadas: a insergo de nossos paises na nova divisio internacional de trabalho que entio emergia; © colapso, em nossos paises, dos pactos politicos que vinham do pés-guerra; 0 surgimento de novos sujeitos politicos; o impacto da Revolugio Cubana; o anémico reformismo do tipo Alianca para 0 Progresso. Neste marco, assistentes sociais inquietos e dispostos & renovacio indagaram-se sobre © papel da profisséio em face de expressdes concretamente situadas da “questdo social”, sobre a adequagZo dos procedimentos profissionais tradicionais em face das nossas realidades re; nais e nacionais, sobre a efiedcia das agbes profissionais, sobre a pertinéncia de seus fundamentos pretensamente tedricos e sobre o relacionamento da profis- 0 com 0s novos protagonistas que surgiam na cena politico-social Tais indagagdes minavam as bases tradicionais do Servigo Social. B as primeiras respostas renovadoras permitiram constelar uma espécie de grande unido contra o teadicionalismo: todos aqueles assistentes sociais que estavam convencidos da necessidade de contribuir profissionalmente para as mudancas 7.0 marca ini ds Reconceisgo Soi 0 “I Semindro Regional Laino-Amedcato de Secvizo Social, realizado em maio de 1965 emt Pero Alegre, com a pesca de 415 participates do Bras, Unugl © Acgenina, © movimento estado posterormente plo ns ds Solari nt ona agéncia da Demoeracia Crs germania)desenvolvese como ta a meados de dca de 1970 ‘wando,dadas as ditsduras implaniadss no Cone Sl, fakaranhe eondigies poten pcs prosegue Doves lembnr, sontemporines& Resoneitaes, a funda, em 195, da Assia Laio- Ame ca de Escoes de Servigo Socal (aes), sociais requeridas para superar o quadro do subdesenvolvimento vincularam- se na luta contra 0 “‘Servigo Social tradicional”. Foi esta grande unido que ‘marcou 0s primeiros pasos da Reconceituacio: uma frente profissional que reunia um largo e heterogéneo leque de assistentes sociais (¢ nfo $6) interessa- ‘dos em promover efetivamente 0 desenvolvimento econdmico e social Esta frente renovadora compunha-se, basicamente, de dois grandes seg- mentos: um deles apostava numa espécie de aggiomamento do Servigo Social, capaz. de modernizé-lo a ponto de torné-lo compativel com as demandas ‘macrossocietérias, vinculando-o aos projetos desenvolvimentistas de planeja- ‘mento social; outro, constituldo por setores mais jovens ¢ radicalizados, joga~ ‘va numa inteira ruptura com 0 pasado profissional, de modo a sintonizar “profissdo com os projetos de ultrapassagem das esiruturas sociais de explors- do ¢ dominagao,* Como se vé, os primeiros passos da Reconceituagio resul- taram de uma espécie de “frente ampla” profissional cortada por diferentes concepgies de hist6ria, de sociedade e, naturalmente, das mudangas sociais em curso a época. Em pouco tempo, jé por volta de 1971-72, a grande unido se fratura, dividindo-se 03 seus protagonistas em dois grandes blocos: os reformistas- ‘democratas (tigorosamente desenvolvimentistas) e os radical-democratas (para ‘es quais 0 desenvolvimento supunha a superacdo da exploragio-dominagio nativa e imperialista). Mas esta decisiva diferenciago no péde se desenvol- ver: primeiro no Brasil e, em seguida, em todo © Cone Sul (espago privilegia- do de irradiagio das propostas renovadoras), as ditaduras patrocinadas pelos Estados Unidos e a servigo das oligarquias derrotaram todas as alternativas emocraticas, reformistas € revolucionérias. Em meados dos anos 1970, a re novagio profissional materializada na Reconceituago viu-se congelada: seu processo nfo decorreu por mais de uma década. E seu ocaso siio se deveu a qualquer esgotamento ou exaurimento imanente; antes, foi produto da brutal repressio que entao se abateu sobre o pensamento critico latino-americano — ‘Go por acaso, muitos dos protagonistas da Reconceituago experimentaram 0 cfrcere, a tortura, a clandestinidade, exilio ¢ alguns engrossaram as listas dos “desaparecidos” nas ditaduras 5. Um ssi que tematizase as contibaigesindviduas 20 movimento do Reconeltusgtohaverin ve analsro tabs eno desemvolvise, no dito do primero grup, poe Figure importante cma Enequiel Ander-Egg, Herman Kruse, Seno Carely, Mra Lin Cava da Silt, ene outs: nose _Bundo gro, caberi evcar 0 conbito de Viceote de Pauls Fler, Lila Lima © Béris A, Lima. 10 Nos dez anos de efervescéncia reconceituadora, o movimento expressou também as condig6es nacionais em que se processava. No Brasil, onde rebate J4.com a vigéncia da ditadura implantada em 1964, a renovagio (exccto a ‘expetiéncia de que derivou 0 famoso “Método Belo Horizonte”) traduziu-se especialmente como modernizagdo profissional (Netto, 1991: 151-164); nou- tos patses do Cone Sul, notadamente no Chile ¢ na Argentina (com ressonin-

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