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ALFREDO BOST DIALETICA | DA COLONIZACAO 6 UM MITO SACRIFICIAL: O INDIANISMO DE ALENCAR E pr6prio da imaginagto histricaeficar mitos que, muitas ve- es, ajdam a compreender ances o tempo que os frjou do que o ‘universo femoto para o qual foram inventados Acreditando nessa proposicio, atsco-me a revistar um lagar- ‘comum dos compazaisas literitios que afioam o indiznismo brasi- Ieiro pelo diapasto euzopeu da romancizagio das origens nacionais, 1, figuras ecenas medievais cf, mundo indigena tal equal su ppreenderam os descobridores. Cie I, uma operacio de retorno, um ‘forgo patn bem campriro voto michelediano de ressusciaro pass do alvo confeso da historiografia romantica Até que ponto esse pa ralelsmo se sustém? A aproximagio de ambas as vsdes do pasado mantémse vida ‘a esfera ampla da histéria das mentalidades. Houve, de fito, uma cottente de saudosismo, de filiagso ancien régime, cardia mas nem por iso menos intensa que cruzou as letras europea na fase ps & Antisevohuciondria. As obras de Chaveaubtiand, de Xavier de Mais: tue ede sit Walter Scot ilusram os seus momentos de vigor em ma téria de imaginacio e estilo No eaio brasileiro, um dos veios centrais do nosso romantismo, ‘6 alencarian, também mostrou-sereceoso de qualquer tipo de mu ‘danga social, parecendo esgotar os seus sentimentos de rebeldia 20 jugo colonial nas comocdes politicas da Independencia. Passado este ciclo, qualquer medida que avangasse no sentido de alarga 2 tio es lucita margem de liberdade outorgada peta Carta de 23 assumia ares tle subversio.! Assim, a reforma eletoral e a questio seri ficaram Iiloqueadas desde a vit6tia do Regresio em 1837 (0 termo foi cunha~ 176 do 'assumido praverosamente pelos conservadores) até a subida da ‘maté liberal nos anos 60: precsamente os ttés dectnios que viram 0 surgimento ¢ o climax da nossa literatura omatia, ‘Obserease em todo esse periodo uma espécie de encruamento das posigies ibera-adicas que levaram 1 abdicacZo de Pedro! ¢ aos sucessostumultuosos da Regéncia,O fendmeno, qu j foi diagnostic ‘ado em termos de consolidacio do poder escrvista, no € de todo ‘ettanho is formas paradoxais pelas quas uma figura de nftido conte rousscauista como 0 Bon saurage acabou compondo 0 nosso imagi- ‘nitio mais conservador. Gigante pela pr6pria natuteza, o indio en ‘tou in extremir oa sociedad lteritia do Segundo Impétio. ‘Remonte-se tum pouco no tempo, O proceso da independéncla ‘erou, 20 desencadeatse, uma dialética de oposicio. Mesmo consi dderando que os estatos dominantes foram os arquitetos cos beneli- ‘itios da patria del criolla? € forca convit que contradiczo houve, tanto no nivel dos ineresss materinscoibidos pelo antigo monops Tio, quanto no delicado tecido da vida simbslica. Vivew-se uma fase de censio aguda cotte 4 Coldaia que se emancipava e a Metropole {que se entijecia na defesa do seu caducante Impétia. O primeizo quatel Go século Xi fo, em toda a América Latina, um tempo de rupcutn (0 corte napio/colémis, novo/antigo exigia, na moldagem das iden dades, a articlacio de um eixo: de um lado, © pélo brasicito, que ‘enfim levantava «cabesa e iziao seu nome; de outro, 0 plo porte ‘guts, que resist & perda do seu melhor quinhao. ‘Segundo esse desenho de contrases, 0 esperivel seria qu o fn «dio ocupasse, no imagindtio pés-colonial,o lugar que Ihe competity ‘o papel de rebelde. Era aaal, o native por exceléncia em face do invasor; 0 ameericano, como se chamava, metonimicamente, Yer 0 europeu. ‘Mas nao foi precssmente o que se passou em nossa fiegio 10» sndntica mais sigaificaiva, O indio de Alencar entea em forima ‘munhio com o colonizador. Pri é, literal e voluntariamente,esctavo dde Ceci a quem yenera como saa lara, "“seahora", vasa felis mo de dom Ancénio, No desfecho do romance, em fice da caistole iminente, o fdalgo batiza o indigena, dando-the o seu proprio n= me, condo que jalga necesira para concedera um selvger aha de salvar fill dt morte eetta 2 que os aimorés tinham condenada 1 moradores do solar m Se tu foses cristo, Pet 0 find woltou-e exremamente admido daquels palavas. — Pot qué. perguntou ele Por que?.. diselentamente ofialgo. Porque seo fons ctisto, ‘exe confaia a salvagio de minha Ces, e estou convencido de que 4 lemtas 20 Rio de Jencito X minba ima. (0 rosto do sevagem ilaminou-s; seu peito argue de felicidad, seus labios sémulos mal podiam atcularorabilh de palaras que The vinham do tate dala. — Pett quer ser ers! exelamou le 1D Antdaio langourthe uenolhae émido de reconheciments, © Indio cain aos pés do velbo csvalheiro, que impBsthe as moe sobre «cabo St Gisto! Douse 0 mew nome! (0 suaron, paste 1, exp. 8) A conversto, acompanhada de madansa de nome, acore igual mente com o indio Poti, de Iraceme, batizado como Anténio Felipe Camaraa, o futuro hersi da resistéacia os holandeses. E Amalda, 0 ssa rstico de Pesi de O sertonefo, 6 agsaciado com o sobrenome do capitio-mor durante este diilogo edifcante: E paras, Amaldo, que deseja? — iesisia Campelo, {Que o st Captto-Mor me dei bijar sua mao, basta me is ‘Ts és um homem, ede hoje em diante quero que techames At- aldo Louredo Campela, (0 sertnejo, pate, cap. 20) senhor colonial que, nos rs episidios, ourorga, pelo ato da eoomeacio, nova identidade religiosae pesoal ao indi e ao setanejo, ‘Quanto aos aimorés, ue so os veradeios inimigos do congu tadorno Guarani, aparecem marcados pelos epitetos de birbaros, bor ‘endo, satinicos carniceiros,snistas,borvets,sedentos de vinganga, ferozes,diabsticor. Tracema, no belo poemaem prosa que raz seu nome, spaixona se por Martim Soares Moreno, o colonizador do Cearé, por amor de quem ompe coma sua na¢totabajara depois de volar osegredo da jurema, 'Nas historias de Pei e de lacema a entrege do tndio a0 branco € incondicional, faze decompo e alma, implicando sarifiio eaban- "78 dono da sua pertensa A ribo de osigem. Uma partida sem retomo, Da viggem de labios de mel disse Machado de Assis em artigo que ‘screve logo que sa 0 romance: “Nao resiste, nem indaga’ desde ‘que os olhos de Martim se trcaram com 0s seus, a moga cunou & ceabegs aquela doce escavidao") 1 risco de sofimento e morte € acito pelo selragem sem quale quer hesitagio, como se a sua atitude devosa para com o Branco re presentase o cumprimento de um destino, que Alencar apresenta em fermos hersicos ot ilies. CCreio que € possvel detectar a exsténcia de um complexo ste ficial na mitologia romantica de Alencar. Comparem-se os desfecos dds seus romances colonaise indianstas com 0s destinos de Catlis tna, a correst de Ar asar de ume anjo (remida e punida em A expia 0), de Lucfola, no romance homénimo, e de Joana, em Mie. Sio todks obras cujastramas nasratvas oa dramtias se esolvem pela mos lasio voluntétia dos protagonists: o iadio, a fad, a mulher pros tuida, a me negra. A nobreza dos fracos 8 se conquisa pelo still. co de sos vidas Paradosalmente: O guarami Ircema fandaram o romance Mie «ional, 'Nio esti em causa, nesas observagies, a sinceridade patiiea lo nareudor, sentimento que, de resto, ndo guardaria qualquer cele to causal com o valor esético dos seus cextos. O que importa € yer oto a figura do indio belo, forte livre se modelou em um regime te combinasto com a franca apologia do colonizador. Essa concilite ‘lo, dads como espontinea por Alencar, viola abertamence a histta ‘is ocupasto portuguesa no primeir séulo (6 lera eri da mal ‘in clas capitanias para saber o que aeonteceu), toc oinverosiil no ‘as ce Peri enfim € pesadamence ideoldgica como incerprecagio to ppocesso colonial, Nada disso impede, porém, que a linguagem nat= fatima de Alencar aeione, em mais de um paso, a cela da porsa ‘A beleza da prosaItica reerbera aquém ou, em outro sent ském da representagio do dado empitco que a esaica celia busca ‘xpelhar, 0 mito, que esi pros cottetece, se fz aquém, ou além, dlicaleia oattciva veeossimil ‘Aquém: o mito ndo requ oceste da verfeagto nem se vale dae squelas proms testemunhals que fornecen pasaporce id@neo ao dis- {avo historiogedtica, Ou aléna 0 valor estético de um texto mica 119 itscendeo we orznte fal eo eon prc da sto co ia Oi posta, elena ga Drone a memo rerp,¢foma expres Ge dejo que quer ances de refletit. a o ay Tim né spre de peosmenro convrador, mio indians tue mec rina na ede mua de O genet. Ao tena testo Ico eric deve toa o ciao emo ema tan dos oe do stores qu compete asa dase DY ts fcc dn tone aoe ae cate Gt ut in tnd cabs tose Ne equ cla para Hiri ni ce codes esas de Iho bet te elas cn ig ue pean, em Aeonridentepposionsm, Astin, 0 to seacaiano tne so 4 Imager comui do bet» clot uid como genes fea Ut eo clozad, vito, 0 mes temp, como st el ebm Inge. Ne cuca fe, Gor cnmripnsInvengo, aro mio Sg Do Proior ooere in semi auli,sado um pe {ia ms expeo omnes, un image potas Nae. tam que tangs qualiade prpramant eaten mito ie oegirae sem mu, nea on gues Leno, Bam serge encode ding o mconhetneao das colin uz de yar artic Gaus tne eds tue as epee miopocs tegen nasa Ds lass devias a, uot da poe equ, ola A err sonia s geet» pono dea do maar € Peleg scl de in Geena comments cela on log sc Gd decals Cans dl que fcm one cage cor Fog bces pec mee so oes carat wel. Nin eps datocclade lon oo sels Alesat bre os pes atoinasr tum arent aril to pelo ale newralina ops eas © remo mio Yilaslngem & peed, no Guo, pelo rea um imaging Pepto os antes ata onal un sales pate ac Mots nots ates epi et unde oe eat Daa Dally nines geome, tne oa, Mas ul nl € ber Mespiio prone qveexamos funda, consi que Aca do pte colonizadorinpede 180 ‘mo, «beleza, a naturalidade — brilhem em sie paras; eles se cons {clam em torno de um ima, o conquistador, detado de um poder in fuso de atta-loe e incorporéclos. Nio sei de outraformacio nacional cgressa do antigo sistema colonial onde o navvismo tenka perdido {para bem e para mal) canto da sua identidade e da sua consisténcia. ‘Augusto Meyer, em um soberbo estudo que dedicou a Alencar, tudo remete 20 conceito de tenuidade brasileira para dar conta desses de ‘outos singulares descompaswos de nossa cultura roméntica ‘Suspeitando, porém, que o teor ambiguo desse natvismo nao poderia, em t2z30 do seu modo de compote, manter sempre uma face homogénea, busquei 2 exegHo, a ara excecio, eafinal a encon~ teei em uma breve passigem, uma nota exnogrfica aposte 3 lenda de Ubinyars, Boia tlkima obra em que Alencar voltou 20 assunto, ‘Tata-se de uma poetizagio da via indigena anteroe ao descobrimenta, A nota sugre uma lecuta da colonizacio portuguesa como um feito de violéacia. Defendendo os tupis da pecha de taidores com que 0s infamaram alguns ctonists, assim Thes rebate Alencar: “Toi depois da colonizagdo que os portugueses, assaltando-os como a feras € ‘eagindo-os a dente de fo, ensinacam-Ihes 2 uaiglo que eles no co theciam". E verdade que esse jutzo corante nfo tem fora retoativa,chega tarde e no pode alterar a simbiose luso-tupi que Alencar armara tio solidamente nos romances colonials, onde o destino do nativo era tt tado como sactifcio espontineo e sublime. ‘Mas aveeméncia do rom (“asaltando-os como fees ecagando-os a dente de lo” parecem expresses de missionftios inctiminando co- Jonos e haadeirantes) ganha sensido se vista luz das aspera poe cas litertias que Alencar precsou travar, nos seus Gltimos e sombi nos de vida, Zoilos portugueses e penasintolerantes o acusavam de Jnyentar um selvagem flo, e,o que era pior, escreverem uma lingua ingada de americaniimas, desviante do chnon da mattiz. As respostas itriadamente nscionalstas de Alencat se Item ao longo preficio que fe para um dos seus Gkimos romances, Somos d’oaro, que saiu em 1072, O texco € um documento interessance de pollticaculrural bra sileiisea pore fvtmm. Seta iasirutivo esbocar um conftonto da fegto de Aleneac com 1 poosin americana de Gongaes Dias, que precede: de una perc. 141 Nos Primeros cantor do maraahense lateja a consciéncia do des ‘ino attoz que aguardava as tibos tupis quando se pds em marcha ‘ conquista européia, O contlizo da cvilizagies € trabalhado pelo ports na sua dimensio de tragédia. Poemas fortes como O canto do ‘igga e Deprecasao sio agouros do massacre que dizimaria 0 selva gem mal descessem os brancos de suas eazavelas, Pelo seu tom entre espantado e solene lembram esses cantos os Dressigios que os yates asteras anunciarum ao seu povo alguns anos antes da iovasio espanhola, Sao wores de gente preses « sucumbir a ferso fogo; € 0 modo pelo qual sobreviia a matanca era 120 in ‘compreensfvel para as vitimas que s6 palavras mistetiosss de visto © agouro poderiam dizé-lo, Por intermédio do pai, 0 piagadivino em tanse, falam os deu- Ses ou, mais precsamente fala um especcro que viu o mundo as aves- sas: 0 Sol enegrecid, 2 coruja piando de dia, copas da floresta a se ‘gitarem em plena calma, ¢ a lua ardendo em fogo e sangue, Th ni ste nor cbs am negrame Tole afae do sl ofc [io oem a cori de ia Seu ernie tore sole? Te mo we dor bosguer a coma Sem anagem — trgr« gener, Nem aba de fogo ente novent Qual em eres dete, nace? Tim A eisto dos vencidos, Miguel Lea Poll tarscteve press fos que. iniialmente redigdos em nauatle pelo alunos de win mis- Sion, fei Bernadino de Sabagén, + conheceriam vesto em c- Pnhol aos meados do século ax geaas 8 erudico de Angel Maria Garay Immpresiona, neses cantos mexias, a obseszo do fogo que sobe em piriidesecounas canta o sal a ping; em um dado momen- {0,0 encesparse © 0 referer da lagoa que se mone por si mesma, "Jem vento alguay, como "sem atage” se dobra ema bras Tanto na fla do xami cup como nas pred teas surgem do mar figs monsiuosas para extemfao de nages ienpocenes: "Sanit jfitam da Taba 6 despraa 6 ruta! ‘Tupi 186 Como é de todo improvivel que se tenha dado qualquer inter «lo entre os eno ignorados manusettos em ndtl eos poems amie- tcanos do nosso grande romantic, s6 nos resta considera vaso cam po de afinidades de tema e de imagingsio que « elasio das passi- gens revela& primeira leurs joven Goncalves Dias ainda estava préiximo, no tempo e no «spaco, do nativimo exaltadolatino-american. Talvez a familiatdla= de do maranhense com a luta entre brasileitos e marinberos que mat= cou nas provincias do Norte os anos ca Independénciaexplique a sie ra violena e aterrada que rodeia aqucles vetsos de primeira mocida de, Em Alencar, ao conttitio, a imagem do confit retzocederia pat Epocas remotas pasando pot um decidido proceso de atenvagi0 © sublimacio. Goncalves Dias nascen sab osigno de ensbes locus sat lusitanas, que vio de 1822 aos Balaios. Alencar formou-se no perfodo (que vai da maioridade precoce de Pedo 1 (de que seu pai fora um hil articulador) 3 conciliag2o partditie dos anos 50. O nacionalis: mo de ambos, aparentemente comum, merece uma anilise difetens cial, pois forjou-se em cadinhos politicos divescs. Sondar uma possvel genese dos modos que assumiu entre nds «© nativsmo romntio decerto concorte para entender as formas posts de trata o destino das populagSes conquistadas. E junto com a pet pectiva ideolica fruindo embora de im aprecavelgrau de liber Ade poética, vo-se acando os respectivs esquemas de representa. © poético supera (conservando) o ideol6gieo, nao o suprime, Quanto 3 figuras do desisee iminente concebidas pelo primel- ‘0 G. Dias, ceio que o seu modelo se encontze nas visses do Apo lipse joaaino. £ no livtofeeho do Novo ‘Testamento que apacecer, ‘ontiguos na mesma visio, o sol escureido em pleno dia lv cnt ie sang. Sedia nessa mate que iriam colher os sis eSumicos ds stands eatistrofes os discusos esatol6gicos proferidos ao longo da histGria do crstianismo, E de supor que também a voz do poets b= sileito culto, falando embora pela boea do pajé, cena revottido a0 iiaginasio bblico para predizero fim de um mundo, Em parle, ‘states astecasanunciartm o seu prio extetminionarcando os p> «igios que viram ances da chegada dos inasores, A afiidadte que te- sul da leitora dos poemas de Goncalves Dias e dos agouros mexicas, fm cexmos de figura, advém de ur) sentiments comam de vettor expresso por uma rede de sins apocalipticos no sentido ample cant 145 cultural de imagens preaunciadoras de um caacismo a um 30 tempo social ecésmico. O fim de um povo € descrito como o fim do mundo. (0 poeta guardou em seus ltimos vesos aquela visto tgica da ‘conquista, No derradeiro canto que dedicou 20 selvagem, a epopéia inacabada dos Tinmbirar cetornam os vavcioios do piaga: desa vez chom-re a sorte da Amésica, a América infli, com a sua natuteza ptofanada © as suas gentes vencidas Chane the progreso Quem do extern secular se wfoe: Ex modesto cantor do poro exiaxo (Chora nos sitios sepaleros Que v0 do mar aos Andes, e do Pra largo doce mar das Aniazons (0 que resultou do encontr foi uma nagio "que tem por base! (0s fiiasosss da nagdo senhora! E por cimento a cinza profanada! Dos mortos, amassda aos pés de escavos" (Quanto a0 colonizador portugués, aparece como ve/bo tutor e avar,cobigoao da beleza de sua pupila, a América. F yoltarn 0s sig. tos di coarulsto dos elementos naturas, agora decifados como es- ‘tagos produzidos pelas armas de fogo do invasor branco, Aris 0 prio, Rersia o mar om fogo 3 mea note, Naem de epesiofomo condensado Taldava airs cus € 0. mar 05 monies Acordasam regindo 40s Sons toantes Da insta pele! (Cano m) m ditegio oposta & dos Primos camtose dos Timbiras, 0 10- ce histtico de Alencatvoltou-e io para 2 destuiczo das tribos ‘ups, mas para a eonstrago ideal de uma nora nacionalidade: o Bra sil que emesge do contexto colonial, Daf a ateng2o que merecem os ‘moos pelos quais 0 narrador rabalhou a asimettia das forgas em prevengt na sua primeita siotese romanesca. £ minha hipétese que ‘omico sacrificial latcose na visto alencariana dos vencidos, se tenha ‘asad conto seu esquema feudalizante de incerpretagio da nosahis- {étla, Dentro de um contexto matcado pelas relagdes de senhore ser. 186 vo, no qual o dominio do primeito e 2 dedicaao do segundo pars em conaturis,assumem uma logiea propria as personagens de Q. uarani ea doce eseravidto que Machado de Asis viu em Irae 'Nas linhas que seguem procuto cesta a justeza€ os limites da hhip6tese aplicada 20 romance: ¢ retomo, nessa ordem de interroga- Bes, um texto preparado para uma obra coletia sobre o movimento UM CASTEIO NO TROPICO? (© quadto de um Brasil-Colénia crindo & imagem e semelhansa a comunidade feudal européia aparece quase em estado puro n0 Gua ‘ani de Alencar. Masa intuigao do romancista foi além dos precon- eitos do incérpreve da nossa Histrias o guave fe brechas to lags ‘no corpo do romance que ocastelo de dom Antbaio de Mariz se xca~ Dou em rufnas antes que a nacragio chegase 20 termo. Comecemos, pporém, pela sua edificag ‘As piginas com que se abre O guarané descrevem a paisagem aque ceca 0 solar dos Mariz. ‘Ttata-se de um cenito soberbo cajos a pectos se compsem de uma hieearquia de seahor e servo, Para 0 Pi raiba do Sul, que rola majestramente no seu vasto leit, afi 0 Paquequer, “vasaloe tributicio que, altivo e sobranceito contin os rochedes, cura-se humildemente aos pés do suserano[..] esr sub miss, softe 0 litego do Senor" (0 processo europew de dominacio rai asimilar os dados da ni ureza:desenhari na selva formas gotiaseclsscasfazendo ori co. et no meio de acaras de verdura e de capitésformados por leques de palmeias ‘Convo situato homem em um cenitio assim grande pomp? Alencatosilsiaentte um romantsmo selvagem, peé-socal, que de fine homer como am simpler comparea da drama majetozas dos clementos, ea sua perspectiva istrica, mais coerentee asidua, pela qual a nacureza brasileira € posta a servgo do nobre conquistadr, solar do fidalgo esti fincado solidamente na paisagem que de 19: Hos 05 lados o protege: e, sea muralha nio ¢ feta por mo humans, € porque se utlizou a rotha cortadn a pique. A eminéncia da ped 17 ‘0 abismo em redor oferecem casa de dom Ant6aio seguranca dig fa de um castelo medieval ‘Asim, «cas ra um verdadir solar de fidalgo portugués, menos as mise barbic. as quai haviam sido substiafdas por esa murs Ihde rochedos ices, que ofereciam wa dele naturale uma resstnca inexpugel[..] enue os troncos dese vores, uma alta terea de espnhitos trauva aquele pequeno vale impenetie |A tonica posta na indewassado, no fechamento, na inteica defe- aman s elementos natucas&esfere da pequena comunidad que reproduz na selva o modelo da vida medieva. Na transposicio, o.n6- cleo do compleso patriaral euopeu reponta com uma tpicidade ainda mais angulosa. para. A impodénca eolenidade do caste acachapa- se e descana-se sob a forma da casa-rande edifcada com a argue ‘uta simples egroseira que ainda apresentam as nosasprimitias ba Dinas; nba cinco janela de frente, baa, largas,quase quadradss, (O simples, o groseeito, 0 quadrado da froncaria nto do, porém, seesso a um estilo now, rstico, de moradia. Abrase a pesada porta tie jacacandi penettese no inteior do soar: respirana som certo lu 1 que parecia imposseelexctr nea époce em um deserto, como ena entio aquele sitio. As patedes sio apenas caiadas, mas a decora- {lo € herildica com brasdes d'atmas,escudos ¢ elmos de prata dese- ‘ohados sobre o portal, além de bordados no largo reposteto de da- ‘masco vermelho. (© gosto do severo, até do triste, jf permela o que vtia a ser «6 itso colonial-romfntio: que aqui dspse cadeiras de couto de al- to espaldas, aa sila de janta,e, ta aleora objetos exiticos, uma gui tanta cigana, uma gars real empalhada segurando vom 0 bio o cor tinado de fed azale wma colepao de curosidades miners de cores ‘mimosase formas exqnisitas, Com blocos herédicose restduos da sel- ‘a tropical mudados em curisidades recheiam seas desis do noso primeizo romance hisérico romntico. [esse ambiente e no cendtio para ele pintado, movem-se as pes: soas que aaacam do feud ou da selna os tagos definidores. Nai ‘erg dos caracttes, 0 princpio que tudo rege € o que faz 2 nature- ‘a subotnat-se& comunidade fidalg, de tal sorte que a nobreza ‘tiginal da primeira suiaconfirmacla pelo valor inerente tim. A tianspressio do pact entze comunidad feudal e arabiente primiivo 188 seria, a tgor, a Gnica forte de censto capaz de geear um disidio no interior da obra. Dom Anténio de Mariz, um dos fundadores da cidade do Rio de Janeito, ¢ que juata fidelidade & Coroa lusa perante o altar le raiureze, spatece como o instausador do elo: a conquista das tertas ‘ameticanas funda um modo de viver em que violéacia do dominio aparece resgatada pela coragem das primetaslutas contra sea, 0s fndios eos pitatas. Em dom Anténio, como em sua filha dileta, Cet lia, a sintesecolonial-romdnica se perfaz de modo cabal: ambos a nitam incensamente Peri, ambos respeitam os selgens, 20 pass qU dona Tauriana e seu fil, Diogo, que constituem a fidalguiaexte ‘mada, verto com desdém o dugre, aticude que acabard por sr ful 20 equilibrio da historia. Essa diferenciagao interna & pesa fore da ‘deologia 29 mesmo tempo conservadora e navvista de Alencar 0 Se- ‘nhorio da terra, diteito da nobreza conquistadora, deve cecoectt fon indios aquelas virtues natuais de ative efidalguia que seta comuns ao portugués «a0 aborigine. Assim, avilagio do timo pe lo primeico que, de fo, istaurou o contacto entre ambos, parere ‘eer 2 um compromisso de honra entre iguas. Pr isso, quando 0 jovem dom Diogo de Marz mata inadvertdamente uma india na sels, ‘pai o repreende com dureza, porque assssinar uma mulher €agd0 ‘niigna do nome que 905 de ‘Ah ofensa ndo passaia impune: a vingenga dos amorés sets uma «las molas do desenlace de O guaran A honra constitul, como se si- Ih, a pera ce toque das relagbes pessoas pré-burguess. Ela deman todos os sarificios, nfo exceruado 0 da vide, mas incoeposa, sun dindmica, a fralidade da vinganga, desde que estzndo Se man 1 menor indigaidade. O olho atistocetico discerne, a prion fs homens capazes de vier naturalmente, uma exsténcia honsad, © 05 utros vibes, de quem se podem esperar aces igndbeis, O que ‘marca o indiansrmo de Alencar € a inclusto do selvagem ness sles de nobreza, na qual cabem sentimenco de devorgo absolut (le Pet Ceci) ¢ mbém de dio sem margens (dos aimorés aos brancos do ‘ola, Tal sistema de expectativas de honta s6 no reprodus simples ‘mente o modelo da convivéncia ene fidalgos europeus, borane mle nua relgo entre iguais quem o istalou pretendesubjogaro ou {uo ao seu proprio mundo de dominagao, Mas, como ess premissa 149 fica, em gecal, subentendida, o que aparece em primeiro plano & a ingereccgo de fidalgoe selvagem que se cruzam oa posse das vrtades propriamente senhoriais:coragem e alivez, abnegaclo lealdade. (0s predcados nao se esgotam na formasio dos sipos. Nao sendo inetes, «sua ago vai operand 20 longo da historia: € dif contar us vezes em que, do primeiro ao Gltimo capitulo, a audécia eo devo> tamento de Pei salvam os Marz de morte certae aroz. Seguem-n0 tle pero no cometimento de ata herbics dom Anténio e dom Alva- toe Si que do primeirotinka recebido todos os principios daguela tiga lealdade cavalbeiresce do século Xt, 08 quats 0 velho fidalgo omtereasa como 0 mellor legada de seus avs eri €, ao mesmo tempa: lo nobre quanto os mais ilustres ba ‘bes poreugueses que haviam combatido em Aljubartota 20 lado do Mestte de Aviz, ore exvalhicro,e servo espontineo de Ceci, a quem. chama Uidea, ito & senhora, Também Iracema, no romance hom®- ‘imo, toma-se muller de Mactim Soares Moreno, mas 2 relagio de sex08 importa af menos que a de dominio: a india no € senhora, mas seeva do conquistador, ¢ moter por sua causa. ‘Seo solar dos Marz fose, realmente, o que Alencar projetou fazer dele, um castelo no txépico, basta a vingange dos airmorés pa fa provocar no interior do srtema o desequilibrio que o levaré 3 cx. stole. Mas esse ftor, previsfvel, nfo € 0 Gnico a compor 2 tram. Jano primeito capitulo, o letor€informado de que 0 undo de casa, Iinteitimente reparado do resto ds habitagdo por wma cerca, ea to ‘mado por dois grandes armazéas ou senzalas, que serviam de more da a aventureiros ¢ acostades. E que fazer esses acotados junto 1 dom Anténio? A primeica vista, recebiam dele abrigo e protec, nas, logo adiant, esti dico que reambiavam ofatorassegurando 20 fidalgo o dizeito de metade ds huctos auferids nas exploragies¢cor- feria pelo serto, O pacto com mescenisios faz entrar uma reaidade fox 0 gtaho, o dinero, instivuo alheio a rede feudal de valores, ‘\ brecha se bem pensada, era ensinado a Alencar que a Colénia ‘nto repetiaa Edade Média, mas abracava uma sociedade jé aberta, fem interagio freqlente com o mundo: {Quaidochegar a poe da vend dos produtos, que er sempre a fetior Asada da armada de Lisbo, metae da banda dos aventureios la cade do Rio de Jnl, ata ganbo, faz a roca dos obje 190 tos necessros,e na volta pest suas conus. Uma pare das ues ertencia a0 fdalo, como chee, a outa era dserbuida igualmente pelos quatenta avenuretes, que reebiam em diaheiro ou em obj: tos de consumo, (0 modelo da comunidade age, porém, com mais forga no espe rito romantico do que a estratara social que ele soube, fica, ap fnhae com vigor Assim viva, quase wo meio do serio, desconbecida eiguonads, ests ‘bequenacomunbio de bomens, gorerandose com a us leit, 05s [Na verdade, os usos€ os costumes do mercenatio nto podem ser (05 do castelic: ndo corte entre uns e outros aquela faixa de valores ‘que enlaga o nobre eo indigena, Pela porta do acordo feito com um hhomem da casta de Loredano, dom Anténio permiciu que imvadise 1 seu espago hietitico a cupid, com ela, a luxria e a stg, Totedano, ofilho de um pescador, sade das lagunas de Venez armari cladas mais graves que os aimorés: o que move 2 tama do Vilto nfo 6x honta frida, maa a auri sae fame e 0 desejo obscene de possuir Ceca ¢ toricla barrega de aventurero. Boa parte das peripécias, que fazem de O guarant urn romance folhetineso ch te ziguezagues no tempo, deve-se a esse elemento perturbador que ‘maquina oa sombta a ruina es abjegho dos Marz, Vista no conjunto, fenutetanto, a ae20 dos mercenaios antes leva 20 exertco do Tom ‘nesco (0 perigo do Mal, encarnado com vivas cores por um finde st. tile) que a uma alteracZo substancal no sistema. Que rui mate rialmente, mas permaneceintaco nos seus valores mais intimos, Dos AAntOnio¢ a familia nfo fogem:resiscem herSicos e, no momento e ‘remo, fazem explode o solar, atingindo também os aimorés; Cec parte éscoltada por Peri, 2 quem o batismo, ministtado no Git is lante, cornaria digao de salar sua senhors. Os mercenatos impor. tam como fator de ineiga, do geradores de suspense, indices de um ‘asl avencaroo (nem estvel nem feudal) que acena com ouTo€ pat, nas de Robério Dis... mas, na economia total da 1s Tependavas ‘ba, sigailicam principalmente o Gizo que revel, pelo contzaste do feu sobre o claro, a puteza de Cecilia, 0 despojamento de Alvato ile $8, anobreza selvagem de Pri a generosidade inata de dom Ar: io de Mati, 191 ‘As piginas fais descrevem a fuga de Cecilia «Peri pela floresta « pelo io. Cancelam-s aqui os limites hstricos, desfazemse 0s con- tomos da vida em sociedad; a narractovota-se para as fontesarca- has do romance histéice a lenda. O homem e a natuteza e, entre ambos, a natuceza mais homana, a humanidade mais natural mu- thet. © homem deve livrat a mulher da morte pela mediacao da na tuteza protetora, Es6.n0 desfecho, em que a vida rflui para a selva salvadora, 0 romance perfaz a sua ambigio de recorar uma comuni- dade cettada, natura. B como se 0 conist, leitor de Walter Scot, pusese a Fistria entre parénteses ¢imerpsse em uma paisagem sem tempo, © passado, substncia da clea, perdeceleerent tc peso Ela mesma no sabeia expla as emosdes que scat: sua alma ino tere ignorance taha-se himinad com uma abit eevelagso, novos hovizoates se abr aoe sonhos cars do seu pensamenta. Volsendo 40 patado admiraa-e de ea exiténcia, como 01 ols se deslum- ram coma claridade depois de wm sovo profando oo sreconhecia fn imagem do ue fora outrors, na menina iene waves Na solidio da mata, na canoa gue resvala sobre 2 gua lisa do Paraiba, a narrative se arma sinuosamente pata a formas do ido {\relacio fundamental homem-maulherfranqueia, nesse momento de abertura& natureza,o intervalo de raga ede stars que se mantivera ‘onsen 20 longo da histéria, ‘Noma de homens elizdos, (Pei ere um indo ignorance, nas ‘ode uma raga barbara, quem acilizas repeline arava o lugar de catve, Embora para Cala e dom Ancénio fase tim amigo, apenas um esta. “Adi, pote, rods as disngbes desapareciam;o fiho das mats, volando 0 sei de sua mie, ecobravaaliberdace; 11.0 ido deser- to, osenhor dis ores, dominando pelo dvéta da loa eda corgem Para Cecilia, presenga desse homem, now ¢ inteio, no seu es: ‘ado natural, vem ates de revelacir “Um outt sentimento ainda cot uso in clvez completa a transformasio misttiosa da mulher dlislogo da senhors com o esravo ced a inflesdes confantes ce dietas cle conversa entze itm e iemao, que mal escondem outros tons, mais ardentes, E situacBes novasditam a Pri relatos em forma dle mitar, O primeito ¢ alegoria amorosa, posto que sublimada na fvensio do fir 192 — Bscua, dis ele. Os velhos da tbo ouriram de seus pais que Alma do homem, quando sai do corp, se esconde mura No, efi Aliaté que a ave docéa vena buse-aelevila bem Inge, E po ‘que tu vs oguamaani, sland de lr em flo, bljando uma, be jando outa, « depos butendo as ans e fugindo Perio lera su lao corp, dea nea flo. Tn is A fantasia do selragem responde o projeto decatado de Alen: at 4 poétia do amor romantica: nl éa menina que nto consult o orfculo de um malmequer¢ que to vé uma borbolets nega bile fatdiea que The ananea a pea ‘da mais bela esperanca? Como a humanidade na infinca corgi hos paimeios anos tem também a sua mitologi; mtologia mais gi cost e potia do que as crates da Grea: 9 amor € 0 seu Oto poroado de deus ou deuses de uma ble celeste ou iota A situaao final € epifania do grande mito do dilsvi: apresenta ‘© evento primitivo de sore reexpor a sua funcéo exemplar O cata «lismo das chuvas, 0 perecimento de todos os homens, a palmeita que sobrenadou,asalvagio de Tamandatée de sua muilhee reiterm-se 90 ‘eplsiio que fecha O guaran. Na hora do perigo supremo, 0 poder ile salva ver do alto: 0 Senhorfalava de noite a Tamandaré, © le da ele ensinava aos filhos da tribo © que aprendera no céa. No 10: ‘nance, a forge emana do intetior do heréiz Petiinspita-se na sua de yao 4 mules [Do ponto de vista da estrutura do romance, a narragto do n080 Ulivi tem papel deisivo — propieia 0 gesto do amore abre hist Fin para um espago indeterminado, como os do proprio mito redivive A palmeitaarstada pela rorreae impetus fugia. sumiue 0 hotzonts, A ostilacio de Alencar, proposta no comego dest linha, entte ssa perspectiva histrica'e um romancismo selvagem, pré-s0cli eolvese, enfim, pelo segundo pél,o primitivo natural € ainda mais Femoto, mals puro, logo mais tomntico que a simples evocagto dos o8 antigos 195

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