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Grit : Revista de Filosofia, Amargosa - BA, v.19. 2.3, p.266-279, outubro, 2019 ISSN 2178-1036 © serps:idoi.org/10.3197T/erirf.v19i8.1288, Recebido: 22/04/2019 | Aprovado: 13/08/2019 Received: 04/22/2019 | approved: 08/13/2019 A RECEPCAO DE KANT NA FILOSOFIA DA FISICA DE HEISENBERG Jndikael Castelo Branco! Universidade Federal do Tocantins (UT) © hteps:oreid.org/0000-0002-4551-2531 E-mail: judikael79@hotmail.com Vi Carvalho da Silva? Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) © ittps:/oreid.org/0000-0002-1061-2727 E-mail: viniciusfilo@gmail.com RESUMO: No presente artigo anali prémio Nobel de Fisica de 1952, formulador do principio de incertezs. Heisenberg parece adotar uma compreensio neokantiana da navureza da ciéncia, segundo a qual a ciéncia nao trataria do real em si, mas apenas do modo como ele aparece, o que depende, inescapavelmente, da inter espeito de tal posigdo, Heisenberg considera que as definicSes kantianas de “espaco”, “tempo” e “causelidede” ni compativeis com os desenvolvimento: da mecinica «qudntica. Nesta aportunidade nos deteremos com mais atenc’ concepede de ciducia e no problema da causalidade, umos o entendimento eo uso da filosofin kantinna pelo fisico filésofo alemio Werner Heisenberg, ute o sujeito 0 objeto do couhecimente, No entanto, a PALAVRAS CHAVE: Teoria fisica; Epistemologia moderna: Mectnica quantica; Unidade da natureza; Fisica experimental KKANT RECEPTION HEISENBERG PHILOSOPHY OF PHYSICS ABSTRACT: In the present article we analyze the understanding and the use of the Kantian philosophy hy the German physicist ‘Wemer Heisenberg, Nobel Prize of Physics of 1932, formulator of the principle of uncertaints. Heisenberg seems to adopt 4a neo-Kantian tunderstanding of the nature of science, according to which science would not deal with the veal itself, but only with the way it appears, which inescapably depends on the interaction between the subject and the object of mnowledge. However, in spite of this conception, Heisenherg considers that the Kantian definitions of "=pace”. "time" and “equeality” are not compatible with the developments of the quantum mechanics. In this opportunity we will see moze carefully the conception of science and the problem of causality KEY-WORDS: Physical theory: Modern epistemology: Quantum mechanics: Unity of nature: Experimental physics. 1 Doutar Dostor em Filo fia pela Universidade Federal do Cearé (UFC), Fortalon ~ CE. Bras pela Universté Chas de Gaulle (Lil 3), ‘Lie, Franga, Professor de Filosofia da Universidade Federalco Tocantins (UFT)- Palas TO. Brash. # Doutor em Filosofle pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro ~ RJ, Bresil. Professor da Univ jade Estadual do Tocantins (UNITINS). Palmas ~ TO, Brasil e pesquiseder nz Univ ino (UERJ), Rio de Janeizo — RJ. idade do Estado do Rio de BRANCO, Judikael Castelo: SILVA, Vinicine Carvalho da; A recepsao de Revista de Filosofia, Amargosa — BA, v.19.1.3, p.266.279, outubro, 2019. © Lo ‘de Helsenbers. Griet | Actige publicado em acccoaberto sb a licenga Creative Commonz Attribution 40 Intemational Licence Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, v-19, 13, p.266: outubro, 2019 1580 2176-1086 Introdugao Este trabalho analisa como a filosofia kantiana influencion a filosofia da fisica de Heisenberg destacando dois pontos: (1) como o conceit de realidade fisiea de Heisenberg & mareado pela distingio kantiana entre “fendmeno” e “coi * © (2) © modo do fisico filésofo entender ¢ recusar a defini¢ao kantiana de cansalidade enquanto categoria do entendimento®. Para tanto analisamos a incompatibilidade entre o principio de incerteza de Heisenberg ¢ uma descrigao causal classica di 1s eventos fisicos. tal como ressaltada por Heisenberg ¢ Weizsicker. Tlustramos o prinefpio de incerteza e a quebra da causalidade classica por meio dos experimentos do interferdmetro de Mach-Zender e da escolha retardada de Scully. Neste sentido, nao tratamos aqui da teoria do conhecimento de Kant, mas de como ela foi compreendida e empregada por Heisenberg em sua epistemok ia da fisica moderna. Nao é intencio, portanto, discutir 0 quanto Heisenberg teria compreendido Kant. mas sim qual © uso epistemolégico que o fisieo filésofo fez da filosofia da Kant na elaboragio de uma ep modo mais amplo. embora a MQ oe temologia que visou abarear nao somente a mecanica quantica, mas a ciéneia natural de sja, de fato. o grande referencial de tal programa temoldgico. Heisenberg. como 6 comum. aos fisicos fil6sofos ewropeus (sobretudo aos de cultura alema) do século XTX e da primeira metade do século XX+, teve uma sélida formagio filoséfica. Tomando obras como Pisica ¢ Filosofia (1974), A imagem da natureza na ciéncia moderna (1981). A ordenagao da realidade (2009), Além da Fisica (1987) e A Parte ¢ 0 Todo (1996), chegamos a centenas de paginas de investigacio filosdfica. Em tais estudos 0 autor v ontologia, epistemologia, légica, axiologia e outros campos, tratando. por exemplo, de Aristételes, Plato, Kant, Descartes e Goethe. ‘sa sobre elementos de 0 realismo nomologico on “desubstancializado” e “a coisa em si” A importaneia de Kant para Heisenberg se deve ao fato de que, para o fisico filésofo a prépria ciéncia natural é, antes de tudo, um discurso acerca do nosso entendimento do real. € nao do real em si, A ideia kantiana de que a “coisa em si” € incognoseivel se estende, em Heisenberg, para toda a ciéncia natural: a ciéncia nao trata da natureza independente do sujeito do conhecimento, mas do modo como ela nos aparece ¢ é objeto do entendimento. 0 fisico atémico teve por isso que resignar-se a eonsiderar a sua ciéncia apenas como elo da cadeia infinita de contatos do homem com a natureza e aceitar que ests sus ciéncis nao pode falar simplesmente da natureza “em si” (HEISENBERG. 1095, p. 14) Entretanto, objeta Heisenberg, a “natureza em si”, embora nao sendo “direta” ¢ “evidentemente” cognosefvel, pode ser deduzida da experiéncia de modo indireto, revelando-se 3 4 relagao entre o pensamento de Heisenberg ¢ « flosofla Kantiana fol tomada, a partir de perspectivas diferentes das por CAMILLERI, 2006 e LEITE, 2012. 1 filossfica no transcomver de algumas déeadas entze a primeira e a segunda metads do Foi unt dos pioneiros da mecaniea quantica, tendo sida Isureado cou o Nobel de Fisica ext 1952. um ano antes de Schrédinger. Dez anos depois (1942) eseroveris “A ordenacio da realidade”, obra na qual reaproxima a cosmovisio da ciéncia, ‘moderna do pensamento filosofico de Goethe. Jé na década de 1950 langou obras importantes, como “Fisica Nuclear”. Nos primérdios da teoria quantiea integrou o grupo em tomo de Niels Bohr. conhecido por defender a Interpretagao de Copenha: da mecdnica quanta, « ual, em linhas geval, sustentava que nfo era poss(vel trata do ohjeto observado sem levar em conta a interac com o aparto experimental do evento de observagt, 'BRANCO, Judikeel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A recepyto de Kant na flocofia da fst de Hlelsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 267 Gree: Revista de Filosofia, Amargosa = BA. v.19. n.3, .266-279, outubro, 2019 15821781086 por meio do formalismo matematico da mecanica quantica Podemos consideré-lo um “realista nomoldgico”. ou “realista matemético-nomoldgic: por defender que o real é unificado ¢ ordenado por prinefpios matematicos de simetria, que constituiriam 0 nfvel ontolégico fundamental. No nfvel mais profundo e fundamental do mundo nao encontrariamos a particula elementar, a matéria, mas a ordem expressa por relagdes matematicas, Antonio Augusto Passos Videira fala em realismo desushstancializado em Por que os Fisicos acreditam que as coisas existem? ao tratar do pensamento metafisico de Heisenberg. qque teria retirado a ideia de substancia, de matéria, de sua posicio central na ontologia da fisiea® Para Heisenberg. hoje, a: simetrias mateméticas so mais adequadas para explicar o= fenomenos do que os corpos elementares. As particulas elementares da fisica atomica s80 melhor expressas por simetria, e nio podem ser considerados ‘entes’ —nio sto eternas © imutaveis (VIDEIRA. 2017. p. 103) Tal concepeio 0 aproxima do que ele entende como “idealismo platénico” presente no Timeu®. Mas o nivel da realidade, que emerge de uma “ordem central”, nao pode ser apreendido diretamente. Podemos representé-lo por meio do formalismo matematico da fisica que nao guarda uma conexao direta com a experiéneia: A conceito, uma estrutura matemdticn: essa estrutura, todavia, é —contrariamente ao que pensava Kant ~ deduzida indiretamente da experiéneia (HEISENBERG. 1987, p. 71) voisa em si” é, no final das contas, para o fisico, easo ele faga mesmo uso desse A experiéncia aleangaria, desta forma, o fendmeno. aquilo que “aparece”, que podemos observar diretamente. 4 fisica experimental ao lidar com observa experimentos, abordaria o nivel fenomenolégico do real. Neste sentido, haveria dois lugares para a matemética, Ou ela estaria a um passo afastada do real, da coisa em si, ou um passo mais présima. 5 Por conta de tal “desusbstancilizagAo", em outra oportundade (SILVA, 2011), consideramos Helsenberg como um ant realists, Nossa posigfo se mantém atual ¢ coerente se 0 leitor tive cm mente quc ca Slosfia da fisica hé mites tipos de reslisno, Heisenberg fot umn sntimateialst, seo & negou a partila slementay de materia como aresidad tina a pati da qual todas as coisas sto fetes, « assumin nn nivel mais profundo de reslidadle, do qual a matéria seria ofendmeno. E, portato. ‘ontologis do reaimo de substancia que o fisico fldsofo se contrapés. Ele assume um sealismo matemitico nomoligico, ot Aesubstencilizado, mas nex Fisica tia 6 4 relagto entee a fsa de Helsenberg € a Mosofa platonic fol ebondada de outra forma por Lelte e Simon (2010). Também o realismo materialista que postula as particulas elementares como constitintes da realidade 'BRANCO, Judikeel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A recepyto de Kant na flocofia da fsa de Hlelsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 268 Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, ¥-19, 13, p.266: Representacio | Imagem cientifica smatemética da natureza do mundo outubro, 2019 ISSN 2178-1036 Ancexpretacio ‘(Teoria de saiday Experiéncia Fundamentos teéricos (Teoriade entrada) Ordem e unidade| Crt Simetrias ‘natureza.cm siy Figura 1: A matemdtica esta presente em todos os niveis No primeiro caso o formalismo matemdtico seria uma linguagem desenvolvida para representar simbolicamente os dados da experiéncia. No segundo, 0 formalismo matematico expressaria regularidade: entendimento atual é 0 de que Heisenberg nao compreende esas dimensdes da matemiética como antagénicas. Ne Toda experiéncia pressupde uma base teérica. um sistema de enuneiados ¢ regras légieas. um arcabouco conceitual e uma linguagem simbélica. elementos sem os quais no pode se realizar. Realizada a experiénci: uma linguagem Idgico-matematica. Outro ponto relevante na filosofia da natureza de Heisenberg Copenhagen da mecanica quintica nao ha como separar o observador do sistema observado — ambos estao entrelacados. uma vez que o proceso de medida empreendido por quem observa altera a configuracio do que esté sendo abservado. Certamente os observadares ¢ 0: observados so entidades distintas. mas a eiéncia nfo pode. para nosso autor, ser tomada como discurso acerca do mundo, antes ela se dé como parte da nossa relacio com 0 mundo, porque toda vez que experimentamos 0 mundo nés 0 modifieamos. simetrias, relagdes ontolégieas, enfim, a ordenacao do real. Nosso a compreensio, a matemética se encontra antes e apés a experiéneia. seu resultado deve ser interpretado e representado também por meio de que na Interpretacio de temas Dagui resulta que as leis da natureza que nds formulamos matematicamente na mecanies quantica nao se referem As particulas elementares em si, mas ao conhecimento «que nés temos delas. O problema da existéneia destas partieulas “em si”, no tempo e no espago, no pode ja apresentar-se sob esta forma, visto podermos falar sempre e =é dos processos que tém hngar quando queremos inferir o comportamento da particala pela acio reciproca entre el e qualquer outro sistema fisiea, por exemplo, © aparelho de medida (HEISENBERG. 1995. p. 14) Esta nogao epistemoldgica de Hi nberg, de que as estruturas matematicas que Assim como outros fisicosfilésofos como Einstein Scheidinger, por exemplo, Heisenberg € um pensador complexo, que possui ases,€ cujo pensamento dialoga com multos autores, Entendemios que com o passar do tempo sua fllagto & Tnterpretagao de Copennagen ficou men 'BRANCO, Judikel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A recepyto de Kant na Glosofia da fisien de Hlelsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 269 Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, v-19, 13, p.266: outubro, 2019 ISSN 2178-1036 aparecem na mecanica quantica, “descrevendo” as regularidades dos “comportamentos” das particulas elementares no representam propriedades da natureza em si (mas propriedades do entendimento acerea de tais particulas) pode nos levar. novamente. a reencontrar Kant, pois 6 exatamente esta a proposta que temos na Critica da Razdo Pura (A125): “Assim, a ordem e regularidade nas aparéncias, mesmos as introduzimos” (KANT, 1987, p. 172-173). No entanto, temos que ressaltar que ao fazer tais afirmacdes. a epistemologia de Heisenberg ainda est fortemente vinculada ao programa filoséfico da Interpretagio de Copenhagen. Posteriormente, esse elemento “kantiano” cedera 0 lugar a uma concepgio cada vez mais “platénica”. Com efeito, na maturidade, Heisenberg se comprometerd com a tese de que os fundamentos iiltimos da realidade sao estruturas mateméticas, como simetrias. De fato. nos parece que Heisenberg em nenhum momento indicou que teria dificuldades em compatibilizar a epistemologia kantiana com a ontologia platénica neste caso especifico (ver figura 1). A coisa é si, 0 real. 6 0 ente matemético ideal. a forma pura platonica, A simetria 6 0 eidos de matéria, uma vez em que a particula elementar é como um produto das simetrias fundamentais (HEISENBERG. 2006). Os entes matematicos ideais sio objetivos. fundamentais, embora nfo possam ser conhecidos em sua completude. A teoria fisica € um continuo esforgo de aproximagao e desvelamento do real, sempre parcial, mas cada vez mais refinado. Aquilo que percebemos, que se apresenta aos nossos : ‘Tomar o que ¢ pelo que parece ser, € confundir o ente ideal real com 0 objeto sensfvel que é a sua “sombra”. Heisenberg considera, assim. que o desenvolvimento da ideia de “coisa em si passo importante de Kant na diregio do tipo de realismo filos6fico fundamental para a ciéneia Ao distinguir o que percebemos de x e 0 que x é em realidade objetiva do mundo, mesmo que incognosefvel. como endossamos a necessidade de duas escolas de investigagio cientifiea — as “ciéncias da percepeao”, que devem investigar por que que me parece x me parece x. ¢ as “ciéncias da natureza”, que, mesmo tendo a “coisa em si” como incognosefvel. dela deve achegar-se por aproximag@es indiretas cada vez mais refinadas (HEISENBERG. 1987). Esta tradigao investigativa, talvez. poderia ser fomentada somente por wn ambiente intelectual no qual predomina o tipo de realismo filoséfico com o qual, segundo Heisenberg, a filosofia kantiana se mantém ligada: © que chamamos Natureza, n¢ entidos, niio é 0 real “em s * foi um modern: estamos assumindo niio sé a A questo hastante incémoda de se “as coisas realuente existem”, ou nao. que deu lugar 0 empirismo filoséfico, aparece também no sistema kantiano, Kant, todavia, nio seguin a linha de Berkeley e Hume, embora tal escolha teria sido logicamente consistente. Preservou ele a nogia da “coisa em si” come sendo diversa daquilo que ¢ perechido c, dessa maneira, manteve algnma Tigagio com o realismo filoséfico (HEISENBERG. 1087, p. 69) Parece-ne . contudo, que, de acordo com Heisenberg. a importancia dos trabalhos de Kant para 0 desenvolvimento das ciéneias naturais, ¢ mais especificamente da fisiea tedrica, nao ultrapassa esses aspectos — se para Heisenberg a filosofia de Kant é fundamental por afirmar a ilidade de conhecermos a “natureza em si”, outros elementos de seu pensamento. por is com a ciéucia moderna, como é 0 caso das nogdes de tempo. espaco ¢ causalidade da filosofia kantiana.? impos: sua vez, nao sao compativ’ ® Sobre os modos de relagao que podem ser articulados entre a cléncia moderna ¢ a ontologia tradicional a partir de Kant, Bosemos ainda remeter a Martin, 1963 'BRANCO, Judikeel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A receppto de Kant na Glocofia da fsien de Hlelsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 270 Grit: Revista de Filosofia, Amargosa - BA, v-19. 1.3 p.266-279, outubro, 2019 ISSN 2178-1036 Elementos a priori de wm sistema fechado de proposigées Além de nao admitir espago e tempo? como representacées a priori}, Heisenberg chama atencio para o fato de que, na filosofia kantiana, ha outros conceitos fisicos fundamentais, tidos como a priori, «que nao poderao ser considerados assim pela nova fisica: No que diz respeito a fisica, Kant tomou, como julgamento a priori, alm de expago © tempo, lei da causalidade e o conceito de substincia. Em estégio ulterior de sen trabalho, ele tentou inelir, na mesma categoria, a lei da conservagio da matéria, a igualdade da “agio e resgao" , mesmo. « lei da gravitagao, Nenhum fisico estaria inclinado a seguir Kant nesse seu ponto de vista cazo a expressio a prion fe sentido absoluto que Ihe foi atribufdo pelo filésofo de Kénigsherg. Em matemética Kant accitou o carter a priori da geometzia euclidiana (HEISENBERC. 1987. p. 69). se usada no Heisenberg considera que a fisica contemporanea nao pode admitir conceitos a priori em sentido forte ou absoluto, quer dizer, tais como so admitidos. em seu entender. no sistema de Kant!!, Todavia, admite que h4 certos saberes a priori na ciéneia natural, em wm sentido mais moderado. Com efeito, considera que determinados conceitos, como “espago”. “tempo” e “energia” devem ser tidos como fundamentos a priori dentro de um = proposigées (que formam a estrutura de uma determinada teoria). embora nao sejam pré- condigdes para o “entendimento humano” de um modo geral. O que chamamos de “sistema fechado de proposicdes” é 0 conjunto de elementos de uma teoria, isto é seus postulados, hipéteses, axiomas, enunciados e conclusées, elementos que nao precisam ser compartithados por outras teorias. Para recorrer a um exemplo, podemos nos referir ao sistema de proposicdes da mecanica elassica. E perfeitamente aceitavel concordar «que esse sistema s6 tem sentido, de fato, se tomarmos os conceitos de “espaco”, “tempo” e “forca” como conceitos a priori. Portanto, embora nio sejam pré-condicdes do entendimento, esses conceitos sho pré-condicio para o entendimento deste sistema espeeffico de proposigdes. Tais eonceitos sto a priori mesmo se tal sistema nio for verdadeiro (nao for fiel & realidade), e mesmo dispens4veis para a construgio légica de outros sistemas fechados de proposigdes. Kant considerou a causalidade como uma categoria do entendimento!, Deste modo. para Heisenberg. no poderfamos, a partir da definicio de Kant. elaborar uma v intuitiva ou formal. que nao pressuponha a lei de causalidade, em outros termos. assim como nio podemos pensar a existéncia de um corpo sem antes pensarmos a existéneia do espaco e do tempo, também nao poderfamos fazé-lo sem levarmos em conta as relagdes de eausalidade. Portanto, dizer que x existe € dizer que no espaco Ee no tempo T existe alguma coisa que tema fechado de tais ideas forem io da natureza, © 4 “desubstanclalizagao” © a “matematizagto da ontologia” sao tao radicals em Heisenberg que sua mectnics matricial, matemsticaente equivalente & mecénica ondulatéria de Schridinger, descreve s realidade fsice subatémica no somente prescindida da nossa de parcicnla elementar, mas tamhém do espaco e do tempo. Conforme Cruz: “Quando Heisenberg formula sua mecinies matricial, ele abre mao da descrigeo no espago/tempo, Tomando as transigoes como as unieas grandeza observaveis eo principio da correspondéncia, ele cria uma descrigao matricial sem se referir, em nenbum momento, a particulas, | posigho ot a miomento no espaco'tempo, Esta formalacto marcon o abandon dos modelos pictéricos, como os de Bob = Sommerfeld ¢ caracterizou uima rupture na forma de representar o mundo fisico” (CRUZ. 2011, p. 308) 10 Para tal formulacio, ver CRP B39. Quanto & natureza aprioristica do espaco, a qual se contrapse Heisenberg, ver CRP ‘A25/B40, Em zelagio ao tempo, CRP ASL. 11 Conforme Videira (2017) Heisenberg retira do a priori kantiano “certa pretensto ao absoluto” (VIDEIRA. 2017, p. 110), 14 causalidade esté arzolada na tébua das categorias, que Kant apresenta como 0% “conceite: puros (..) da sintese que 0 extendimento «priori contém emi" CRP BLO6/A8L 'BRANCO, Judikeel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A recepyto de Kant na flocofia da fsa de Helsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 271 Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, v-19, 13, p.266: outubro, 2019 ISSN 2178-1036 podemos chamar de x, ou, que x ocupa ao menos uma fragio do espaco E ¢ dura ao men instante do tempo T. Isto ndo quer dizer que E e T sejam entidades fisicas rea um, mas que. antes de tudo, sio formas a priori da intuicio. uma ver que qualquer operacio de entendimento do mundo fisieo deve previamente supd-las ~ pensar qualquer evento fisieo sem a pressuposigao de T e E careceria totalmente de sentido. ali, e proposicio hem mais forte, pensar que um corpo nao ocupa nenhuma fragao do espago e nao dura nenhum instante de tempo seria o mesmo que pensar que tal corpo nao existe. Da mesma forma, Kant defende que as relagdes de causalidade sio condigdes prévias do entendimento. Dada uma série de eventos fisicos, tais como (...,¢-8.¢-2, e-1, €0, el, €2, €8,.--5) N&O podemos pensar que cada elemento da série surgiu do nada, sendo completamente independente dos demais elementos. Deste modo, se temos um evento ¢2 isto implica dois outros eventos: um evento factual cl e um evento possivel 3, respectivamente “causa” e “efeite” de c2. A mecanica quantica introduzin o indeterminisma no coracio da ciéneia. Conforme Paty, A fisiea quantica foi a ocasizo para a critica mais viva feita contra nio somente 0 determinismo, mas também a causalidade” (PATY. 2004, P. 481). De acordo com Weizsiicker (1974), na fi ausalidade” nao quer dizer nada mais do que uma conexdo entre estados fisicos em diferentes medidas de tempo. ou seja. conexdes entre eventos. Tecnicamente. isto quer dizer que se um estado 6 completamente conhecido em um determinado momento, & possivel ealeular os valores deste estado em qualquer outro ponto temporal. anterior ou posterior, tal como defendera Laplace (1995). Nao 6 0 caso que a causalidade seja falsa no escopo da estrutura formal da mecanica quantica. Weizsicker defende que a légica da mecanica quantica deve pressupor os conceitos de “Aplicavel” (A) ¢ “Nao-aplicdvel” (~A). Deste modo, a proposi¢ao “Dado o sistema de proposigées da mecdnica quantica. as proposigdes de eausalidade sfo falsas” é falsa. Na verdade, a lei de causalidade é nao-aplicavel ao sistema de propo: quintiea. Isto ocorre porque para todo sistema quintico analisado, as relagdes de incerteza de Heisenberg devem ser consideradas. 0 principio de incerteza (on indeterminagio) de Heisenberg descreve a impossibilidade de conhecermos simultaneamente a posiclo e 0 “momento” de uma particula quantica’®. Se obtivermos com precisio a posicao. seu momento se torna completamente incerto. se obtemos sen. momento, sta posigao se torna completamente incerta. De acordo com a interpretagao ontolégica de tal principio, isto no se deve nem a uma limitacao da razio nem a uma limitago teenolégica experimental, mas se trata de uma propriedade elementar da natureza. Em Causatidade ¢ acaso na fisica moderna David Bohm enfatiza como o prinefpio de incerteza. chamado por ele de “prineipio de indeterminacio”, contribuin para abalar a filosofia da fisiea ‘moderna consolidada nos iiltimos séeulos!: classiea. “ es da mecanica © principio de indeterminagie levantou certo miimero de novas « importantes questdes filoséficas que nao aparsciam na mecinica clissica. Como verenos, essas questies ajudaram a levar os fisicos a renunciar ao coneeito de causalidacde no dominio atémico e por conseguinte, a adotar win ponte de vista filosdfice diferente daquele que prevalecers até o advento da modems teoria quantica. (BOHM. 2015. pp. 176-1 13 Discorremos com maior mini obre © principio de incerteza em “O principio de incerteza de Werner Heisenberg ¢ sss interpretacies ontolégice, epictemoldgica, tecnol6gica e estatictica” (2014). Outro tratamento epistemolégico do principio de inoerteza de Heisenberg foi dado por Chibeni 2005 14 Na “interpretacao das varlévels ocultas” de David Bohm a indeterminagao quantica pode ser o efeito aparente de um nivel fondamental de reaidade_um nivel subguintico. no qual o detemninimo éretaurado (BOHM. 2015) BRANCO, Judikeel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A receppto de Kant na flocofia da fsa de Hllsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 272 Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, v-19, 13, p.266: outubro, 2019 ISSN 2178-1036 Conforme a incerteza de Heisenberg. em meeniea quantica, nunca podemos conhecer com exatidao a localizag’o de uma particula. Isto implica que no podemos pensar em trajetérias, no sentido da fisica classica. Deste modo. nao podemos estabelecer uma con exata entre eventos de transigao temporal de um mesmo sistema. Tecnicamente. se nao conhecemos com exatic ado. nao podem em eventos posteriores ou anteriores. 0 que equivale a dizer que nao podemos pensar as conexd: entre os eventos quanticos em termos de causalidade. Por isso Heisenberg nao poderd admitir. jo um determinado alcular a situagio deste estado com Kant. que a cansalidade é um “conceito puro do entendimento”, sem o qual uma representagao dos eventos fisicos nao é possfvel. © processo causal é um evento continuo de conexio entre o estado de um sistema fisico no tempo f e este mesmo estado em todos os tempos anteriores e posteriores a t. Dizer que 0 estado x é causa do estado y, neste sentido, nio é simplesmente dizer que de x se segue y, mas proce: quanticos sto deseontinuos, ¢ esta é a principal earacterfstiea da natureza quantica. De acordo com Einstein e Infeld: y. Todavia, que ha um evento de transicfo continua por meio do qual x “se torna” Se tivéssemos de earacterizar a ideia principal da teoria quantica em uma sentenga poderiamos dizer: deve ser admitido que algumas quantidades fisicns até agora consideradas comtinnias si0 compostas de “quonta:” rlementares (EINSTEIN: INFELD. 1980. p. 202) ‘Nao somente a matéria é composta por “quantas”, isto é descontinua, mas também os eventos quanticos sfio descontinuos, uma vez que obedecem As relacdes de incerteza de Heisenberg. Sendo assim, nao podemos dizer que um estado x é causa de um estado y. simpl probabilisticamente o resultado de tal descontinuidade, e considerarmos que de um estado x descontinuo se seguir um estado y descontinuo x vezes a cada n casos. Pensemos. por exemplo, em um experimento quantico em que mente porque “entre” x e y h4 uma descontinuidade. Entretanto, podemos prever es de particulas sio disparados a uma velocidade constante ¢ contra um alvo A. Depois de x disparos, notamos que mesmo sob a preservacio de todas as condigdes de disparo em cada um dos x casos, diferentes regides do alvo foram atingidas. Dizemos que tal variagao ¢ intrinsecamente estatistica, e que nao podemos determinar uma causa para tal fato. Em fisica classica, se repetissemos tal experimento com holas de gude ¢ asseguréssemos (tal experiéneia s6 pode ser uma “experiéneia de pensamento”) (1) que todas as partfeulas m exatamente possui \esmas propriedades, e (2) que fossem projetadas na mesma dire¢ao com a mesma velocidade, (3) que as condigdes iniciais de todo o sistema fossem idéntieas (pressio. temperatura, correntes de ar. valores de campos elétricos. gravitacionais. ete.) ent3o .s iniciais do experimenta fossem as mesmas em muitas ocasides. entao o resultado do experimento também seria o mesmo. Realizamos X experimentos S e constatamos que em todos 0 ¢ como resultado. Dizemos que a “causa” disto acontecer pode ser deduzida das condigdes iniciais Ss. todas deveriam acertar a mesma parte do alvo. Se as condici Jbtemos o valor exato de P Todavia, 0 “comportamento” quantico é diferente. Na experiéneia de pensamento em questi, 100% dos di sstando 0 projetor na posicao x. 90% dos feixes atingiram a regiao “a”, conforme a previsio eldssica. Aprosimadamente 9% dos feixes sofreram um desvio estatistico quantico e foram detectados na regido “a”. Cerca de 1% dos feixes sofren desvio estatistico e foi detectado em autras regides. Se realizassemos um BRANCO, Judikael Castelo: SILVA, Vinicius Carvalho da; A recepete de Kant ua flosofia da fisies de Heisenberg. Griet : Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 273 Jaros ocorreram com velocidade c, Gree: Revista de Filosofia, Amargosa = BA. v.19. n.3, .266-279, outubro, 2019 15821781086 experimento no qual fossem disparados um elevado mimero de fétons isolados contra um ou dois alvos. verificarfamos que quanto maior a quantidade de fétons disparados. mais nftida ¢ a formacio de um padrio de difracio nos alvos. Tal padrao € préprio dos fendmenos ondulatérios. Podemos perceber a nfio-eausalidade quantica por meio da simulagao de um experimento com 0 interferémetro de Mach-Zender!’, © experimento virtual foi desenvolvido pela equipe da Prof.’ Fernanda Ostermann do Instituto de Fisica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com © desenvolvimento das ciéncias computacionais. as simulagdes tornaram-se importantes instrumentos cientificos. Programas que realizam simulagdes de eventos fisicos so softwares configurados com dados empiricos projetados para antecipar os resultados fisicos reais a partir da relacio entre as propriedades fisicas constituintes dos sistemas em questdo. As simulagdes, portant, podem prever como determinados event com mais de 90% de acerto. Em um simulador de Mach-Zender, ap6s 3778 fétons disparados a uma taxa de 10 fétons por segundo contra dois alvos. A e B, 1880 atingem o alvo Ae 1889 atingem 0 alvo B. formando um padrio de difracio préprio dos fenémenos ondulatérios. A ocorrerio se varidveis especificas forem levadas em conta, °5Com o grande avanco, nes iltimas décedas, das ciéncias da computacio, es simulagées constituem hoje elementos importantes das prética ciontifies experimental. Maria Grazia Pia # seus colabotadoves, no artigo The impact of Monte Carle simtlation: a scientomstric analysis of scholarly Hterature, cousideram 0 desenvolvimento de determinados métodos de simulagte como fundamental para o progresso da fsica de perticulas (PLA; BASACLIA: BELL: DRESSENDORFER. 2010, p. 1). Em outro ‘Physice-related epistemic uncertainties in preton depth dove simulation, @ autora e seus colaboradores investizem a: Inoertezas epistémicas que podem estar presentes na montagem e interpretagio dos resultados de simulagGes de experimentos de Asa. A despeito de tais incertezas epistémicas, os autores concordam que métodos de simulagao desempenharao urn importante papel no desenvolvimento da fisica de particulas, prineipalmente no eaco da fica elaborada no LHC, 0 Grande Célisor Hadronico, do Centra Entopen de Pesquisas Nucleates (PIA: BEGALLI: LECHNER: QUINTERE SARACCO. 2010, p. 23). © ‘uso de métodos de simulagao de experlmentos clentifieos constitu, também uma Area de grande interesse para a Mlosofia. fine! levanta problemas epistemolégicos e légicos, e mesmo ontoldgicos: Quals so as incertezas epistemicas ce tnis procedimentos? Como podemos, a partir de eventos virtuais, simulados, gevarinos dadoe que facam referencia ao mndo fisico? Caso existama ‘Varidveis ocultas na natureza, estas ndo constam nos programas de simulagko. Este déficit pode ser & fonte de incompletades cepistemolégicas de tais simulagdes? Como podemos admitiz, portento, que xedlidades virtuais simuladas nos oferegam dados signifcativos acerca do real? Creio que estas sejam algumas das questdes fortes, que podeziam constitir uma investizasio flos6fiea dos métodos de simulagdo na fsiea experimental. 'BRANCO, Judikel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A recepsto de Kent na flosofla da fisin de Helsenberg Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 274 ria = Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, v-19, 13, p.266: outubro, 2019 ISSN 2178-1036 formagao de tal padrao nao pode ser prevista classicamente, isto é nao pode ser descrita em termos de causalidade. posto que de acordo com as leis da fisiea cléssica. se disparamos particulas contra alvos, além de ser altamente improvavel a formacio de um padrao de difracao (com isto queremos apenas dizer que nado € matematicamente impossivel. embora a probabilidade seja remotissima). tal formagao nao é nec mecanica quantica. Tal experimento revela trés caracteristicas fundamentais para o entendimento dos sistemas quanticos: dualidade onda-particula, cardter estatistico dos processos quanticos eventos nao-causais. Esse iiltimo elemento ilustra a negagao de Heisenberg em relagao ao entendimento kantiano da causalidade como categoria do entendimento. A dualidade onda- partfeula deve ser encarada ontologicamente, ¢ nao apenas hermeneuticamente, isto é, nao se trata apenas de conjugar estas duas realidades no discurso cientifico. mas de admitir que tais realidades estio conjugadas na natureza. Mesmo quando disparamos particulas isoladamente. obtemos um padrao de difragio. Defendemos que tais elementos fazem parte do niicleo heurfstico da mecinica quantiea, ou seja, que figuram entre as caracterfs fundamentais da meciniea quantiea a serem compreendidas pelo investigador da_fisiea contemporanea. Com relacio a dualidade onda-particula, em um experimente como © interferometro de Mach-Zender, enquanto a quantidade de partfeulas nao for suficientemente grande, tudo se passa como se 0 alvo fosse atingido por corprisculos isolados, Outros experimentos© por meio do qual podemos ilustrar a nao-eansalidade quintiea foram realizados por Mazlan Sculli e colaboradores, ria, ao contrério do que se passa na Figura 3: Ilustracao simplificada do experimento de Marlan Scully No experimento de “escolha retardada” de Scully", um féton é disparado por um projetor p contra um alvo a. A meio caminho ha um alvo transversal b formando 90° em relagao a0 projetor. Dada a velocidade da luz ¢ ¢ a distancia entre 0 projetor o alvo. podemos caleular que o féton levar 1 nano-segundo entre p e a. Em alguns casos, a equipe de Sculli introduzin uum desvio de 90° na metade do trajeto entre a e p, de modo que o féton atingisse o alvo b. se desviado. Entretanto. tal desvio sempre foi introduzido bem depois de *4 nano-segundo, i.e. do féton ter passado por aquela regiao. de acordo com o calcula clissico. 0 acréscimo de tal de: io. 15 Um dos mais famosos est relatado em Scully (1962), = Experimentos de escolha retardada foram propostos desde 1978 por John Weelex (1983). Experimentos de escotha retardada desafiam nosse compreensio mais bésica acerca de conceitor fisicos como expago. tempo e causalidade, Eles comsistem na introducdo de elementos experimentais (como um e:pelho, por exemple) apés a (cuposta) ocorréncia do evento a ser ebservado. A pergunta desconcertante é “Como & modificagao de um arranjo experimental no “presente” pode afetar um evento “passado™? mnforme Wheeler a escotha de mover ou nao o espelho afeta inevitavelmente o que temios de dizer sobre a hstézia ton (1983), 'BRANCO, Judikel Castelo; SILVA, Viniius Carvalho da, A recepyto de Kant na Glocofia da fsien de Hlelsenberg. Gr: Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 275 Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, v-19, 13, p.266: outubro, 2019 ISSN 2178-1036 om sentido classico, nao deveria significar nada, o que quer dizer que as relagdes de causalidade dependem tanto do espaco quanto do tempo. ¢ o tempo possui uma seta, uma direco inviolavel. Eventos no tempo #3 nao poderiam influir sobre o estado de sistemas em 12, dada a direcio do fluxo temporal. As setas temporal e causal avangam na mesma diregio e sio interconectadas transversalmente, i.e. cada evento em um ponto de uma das setas est4 necessariamente correlacionado a um evento em um ponto da outra seta. Todavia. o experimento de Scully demonstra a quebra da causalidade elassica. pois foi verificada a ocorréneia de casos em que o féton atingin 0 alva b, on seja, eventos em que o acréscimo do desvio em 13 gerou a modificagao do estado em 12. Em tais eventos. a seta causal foi quebrada, 0 que contraria a causalidade classica. Isto s informagao de que o experimento foi alterado retrocedesse no tempo, fazendo com que o féton fosse desviado pelo espelho que, ainda nao estava ali quando ele passou. ou se (ii) 0 estado do féton antes da observacio fosse uma realidade superposta das duas possibilidades (atingir 0 alvo A ou B). ¢ que somente a intervengao experimental sucedida pela verifieagao observacional pode selecionar estas duas possibilidade: em que 0 espelho é colocado, a probabilidade de que o féton atinja o alvo B 6 efetivada. ¢ a outra deseartada e vice- versa. Os efeitos de superposicao so fenémenos previstos pela teoria quantica e de certo modo 4 evidenciados por experimentos como a “dupla fenda”.1® omente poderia acontecer caso (i) a efetivando uma das duas. No eas: Consideragaes fi Em suma, 0 que Heisenberg ¢ Weizsticker defendem e que experimentos como os de Scully e o interferdmetro de Mach-Zender confirmam é que. no nivel quantico, a causalidade classica ¢ quebrada, ou, em termos légicos, que o conceito de causalidade classica no € aplicavel ao sistema de emunciados da mecaniea quantica. Sendo assim, Kant, na concepgio de Heisenberg, estava enganado quando sustentou, mantendo-se ligado & tradicao classica, que a causalidade é a categoria sem a qual nenhum entendimento acerca do mundo fisico é possivel. A fisica contemporanea teria demonstrado 0 contrério: a causalidade cléssica é inaplieavel a priori sempre que 0 objeto do entendimento for quantico. No entanto, € preciso deixar claro que em termos filoséfieos isso nao signifiea que Heisenberg admita que a natureza é desprovida de ordem, harmonia, ¢ que os eventos quanticos sejam aleatérios, colocando o acaso no centro do real. A impossibilidade de uma descrigao causal fisica do mundo nfo significa um rompimento com o ordenamento da realidade. Heisenberg considerava que a ordem, ainda que nio pos conhecimento, esta na base do real. Porém, a causalidade classiea nao € a tinica forma de ordenamento do mundo. Os eventos quanticos, embora nao causais, sao expresses de simetrias, estruturas mateméticas ideais, subordinadas a uma “ordem central”. Vimos que no entendimento de Heisenberg. Kant é um autor indispensdvel para compreendermos a concepeao de natureza que surge com a ciéneia moderna. Heisenberg discorda da concepeio kantiana de a ser completamente apreendida pelo sujeito do 1 Realizado por Thomas Young (1773-1629) por volta de 1801. Ne tum alvo,estando tia barzeira a meio caminho, contendo duas fendas. Se 08 0 disparados individualmente contra rons sho disparados ui am, como partic entdo devem passar ou pela fonda A ou pela fenda B. Ao fital de uma considerdvel quantidade de disparos, os efleulos léssicos preveem que o alvo foi atingido em diversas reg ‘om ae regides desprotezidas pelas fendas, Entretanto, 0 resultado demonstra um pedrto de difracio como se o: elétrons individueis interagindo consigo mesmos. O resultado se deve ao fato de que a cada elétron resultado de tal experimento pode ser interpretado com som pelas duas fendas eo mesmo tempo, 14 aszoeiado um padrio ondulatério, O \do 0 mesmo do Interferdmetro de Mach-Zende, que realizamos, BRANCO, Judikael Castelo: SILVA, Vinicius Carvalho da; A recepete de Kant ua flosofia da fisies de Heisenberg. Griet Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 276 Grit : Revista de Fitosofte, Amargosa - BA, ¥-19, 13, p.266: outubro, 2019 TSN 21 76-1036 causalidade, considerando inaplieavel & mecinica quantica, mas, por outro lado, herda de Kant a concepgio de que a ciéneia apreende o nivel dos fendmenos. A natureza, em si, nao pode ser aleaneada. BRANCO, Judikael Castelo: SILVA, Vinicius Carvalho da; A recepeio de Kant ua flosofia da fisiea de Heisenberg. Griet Revista de Filosofia, Amargosa—BA, «19, n.3, p 266-275, outubro, 2019, 277 Grit : Revista de Filosofia, Amargosa - BA, v-19, 2.3, p.266-279, outubro, 2019 ISSN 2178-1036 Referéneias BOHM, D. Causalidade ¢ acaso na fisica moderna. Rodolfo Petronio [Trad. Rodolfo Petrénio]. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015. BORN, M: AUGER: SCHRODINGER, E: HEISENBERG. W. Problemas da Fisica Moderna. [Trad. G. Guinsburg]. S40 Paulo: Perspectiva: 2006. CAMILLERI. K. Heisenberg and the Transformation of Kantian Philosophy. Journal International Studies in the Philosophy of Science 19/3 (2005). p. 271-287. CARUSO, F & OGURL. V. Fisica moderna: origens cldssicas ¢ fundamentos quanticos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2006. CHIBENT, S. S. Certezas e incertezas sobre as relagdes Ensino de Fisica 27/2 (2003), p.181-19 CRUZ. F.F-.S. 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