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Stela Azevedo de Abreu Aleluia: o banco de luz Dissertagio. de Mestrado apresentada a0 Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia ¢ Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a ortentago do Prof. Dr Marcio Ferreira da Silva, Este exemplar corresponde a redagio final da dissertagio defendida © aprovada pela Conmssao Julgadora em - 6 45 LA dL, Prof. Dr. Marcio Ferreira da Silva (orientador) Cee Mbadke § [- Prof, Dr, Robin M_Wright Prof. oh eas M. Monteiro jjunho, 1995 /Ab86a UNICAME |25218/BC e | RECO. 0 |AbR6a FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA, BIBLIOTECA CENTRAL - UNICAMP Abreu. Stela Azevedo de Aleluia ~ o banco de luz / Steia Azevedo de Abreu. - - Campinas. SP - |snj. 1998 Orientador: Marcio Ferreira da Silva Dissertagio (mestrado} - Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia © Ciéncias Humanas. \ Emologia 2. indios da América do Sul - Brasil. 3. Cosmologia Resumo A palavra aleivia fez fortuna. por um lado. entre alguns grupos indigenas da area atualmentel partilhada pelo Suriname. Repibica da Guiana. Venezuela e Brasil. e. por outro, entre varios Jobservadores que sc reportaram Aquela regido, A ordem de fatos a que tai palavra corresponde nese contexto especifice é, para a respectva literatura, assunto controverso, Faz-se aqui um balanco desta controvérsia e propde-se, através de uma articulagao do material disponivei na iiteratura dos séculos XIX e XX ao material obtido em uma recente pesquisa de campo entre os Kapon de Roraima. que tal palavra ¢ fio condutor que nos permute vislumbrar um deslocamento por que passou a cosmologia Kapon: do postulado do acesso imedhiato e terresire & transcedéncia da condicdo mortal humana para a formulagao simétrica do acesso diferido e celeste a tai utopia Abstract The word lela has become widespread. on the one hand, amongst some indigenous groups of tho area nowadays shared by Surinam. Republic of Guiana. Venezuela and Brazil, and, on the other hand. amongst several observers who refer to thet region, The kind of facts which such word cortesponds to in this specific context is a controversal subject t0 the respective literature This Jdissertion provides a survey of this controversy and proposes. by means of a hink of the material available in terature of XTX and XX centuries to the matenal obtained un recente fieldwork amongst the Kapon of Roraima (Brazit). that such word is a conductor thrcad which allows us to understand a change that Kapon cosmology has passed through’ from the postulate of the imediate and earthly access to the transcendence of mortal human condition to the simetric formulation of the postponed and celestial access to suett utopia SUMARIO PROLOGO i Apresomtagio 2. Agradecimentos. 3. O desenvolvimento da pesquisa 4. Convengdes INTRODUCAO, 1. Os Kapow: terrério. populagio e etnonimia 2 O caminho da dissertag3o. CAPITULO | NOTICIAS ESPARSAS, 1A imagem dos Kapon. 2. A palavra aleluia e 0 elo perdido 5. Belosdo profética em fins do sécuio XVI 4, Transplante documental 5 Eclosio profettea de Beckeranta 6. A conversio espontinca 6:1 Eclosiio profética no rio Kako 6.2 Influxos indigenas para as misses costuiras 63 Rum aos ries Demerara. Essequibo ¢ Potare 6 4 Eclosio profitica no rie Demerara 6.5 A catequese no rio Potaro 7.0 mais estranho pesadeto, 8. Isengao 9. Imitagao honorifica 10. Religido louea 11, De muito petto. 12. Bpilogo... CAPITULO IT SEIS ANTROPOLOGOS AS VOLTAS COM 0 ALELUIA 7 1. Theodor Koch-Grinberg . 7 2. Michacl Swan 6 3. Audrey Butt Colson... 63 4. Alfred Métrauy. . 66 3. David Thomas. 67 6 Michael F.Brown. oo. . nR CAPITULO LIL O ALELUIA HOJE B | O curse do sito B 2 Cantos 2 3. A agua mcandescente e 0 banco de Inz 2 4 As pesadas mulheres 99 5. A passagem para o alm . 103 6. Bancos 47 EPILOGO 124 BIBLIOGRAFTA 126 LISTA DAS FIGURAS ‘Mapa i: Area etografica da Guiana: Mapa 2- Aldeias Kapon na Republica da Guiana ¢ no Brasil (1989). Crogui: aldsia Serra do Sol (1993): ‘Tabela | Popuiagdo/Aldeia (Roratma), Tabela 2: Tema cosmolégico/Autor, Diagrama: transmissio do Alelui Fotografias: Ceriménias do Aleluia na Guiana Inglesa (195 1:1964) ¢ no Brasil (1943) Bancos 290mérficos Casa corimonial ¢ casa do caxiri em construgao - aldeia Serra do Sol (Roraima), (1-11) Ceriménia do Aleiuia, aldeia Serra do Sol. fevereiro de 1993. "Como toda instiuigzo humana. a religido ndo comeca em parte alguma.” (E. Durkheim) PROLOGO Prologo. 1. Apresentagio ‘A palavia aleliia fer fortuna, por um lado, entre alguns grupos indigenas da area atualmente partilhada pelo Suriname. Repiblica da Guiana, Venezuela ¢ Brasil ¢, por outro, entre varios observadores que se reportaram Aquela regio. A ordem de fatos a que tal palavra corresponde neste contesto especifico ¢ para a respectiva literatura, assunto comtraverso. Desde as primeiras decadas do século XIX. langaram-se a respeito hipéteses variadas. em que foram requeridos & argumentagdo temas, mstituigdes. worias e projetos maltiplos e. por vezes. dispares. Falow-se tanto ‘em conversio quanto aversio ao cristianismo, em temas como o da transformagao dos indios em brancos e o da aguisigao da imortahdade. em rito de multipiicago e rite purificatono. em profetismo e messianismo, em: aculturagao ¢ sincretismo. dentre outras formulagdcs no menos inshgantes que se estendem até a nossa década 0 espectro acima esbogado anuncia alguns elementos do problema a que se dedica a presente dissertagdo. Tomaremos aqui a palavra alehniy como o fio de uma meada cosmologiea cua sistematizagdo sera realizada através da articulagao de dois registros. As informagcs legadas por durante os séculos XIX ¢ XX, atentaram, em particular para a diversos observaidores. que. cosmologia de um pove Carib, 0s Kaoon localizados na entio Guiana Inglesa, sero articuladas a0 que dizem hoje os Kapon que habitam a poreio nordeste do estado de Roraima. fronterra entre Brasil ¢ Republica da Guiana, ontle so chamados Ingariko Se a paiavra alelwvia chegou recentemente « constituir a designacdio de uma religido indigena reconhecida oficialmente pelo governo da Repiblica da Guiana, 2 mensagem que veicula continua ainda obscura na literatura antropolégica. Este trabalho visa circunscrever esta mensagem ¢ fazer um balango das controversias a que deu lugar. Pode-se assim contribuir para uma melhor compreensdio da. cosmologia de um grupo do Norte Amazénico, regio em gue predominam os estudas sobre organizagao social. Prélogo 2 Pretende-se mostrar, de um lado, a razoavel homogeneidade entre os registros acima refetidos, ¢, de outro, um deslocamento por que passou a cosmologia Kapon. Do postulado de um acesso imediato € terrestre A utopia passou-se 3 forma simétrica de um acesso diferido ¢ celeste. Assim. a atualizago dos ideais por meio de cclosies profétivas foi seguida pela representago da utopia através de ceriménias periédicas. Aquilo que o profétismo colocava “em prética” passou a0 plano da representacdo: a tanscendéncia da condi¢ao humana por meio da troca de pele Neste destocamento, ocupam lugar central © motivo da conflagrago prospectiva. a palavra alelua. a demanda do discutso catequstico, os temas da pele branca ¢ da imortalidade. fascinio pelos papéis ou hvros ¢ 0 elemento do banco de luz. que prefigura o destino da humanidade e instaurard a nova ordem cosmica. Vislumbraremos aqui uma cosmologia que dencga a mortalidade postula a transcendéncia da condigae humana ¢ fornece um acesso vida longa sem passar pola prova da morte. a via da troca de pele. Prologo 3 2. Agradecimentos Presto aqui profiindos agradecimentos a todas pessoas e instituigdes que tomaram possivel este trabalho. Inicialmente, agradego & Comisstio de Aperftigoamento em Pesquisa e Ensino Superior (CAPES). Fundacdo de Amparo a Pesquisa de Sio Pavlo (FAPESP). & Fundagdo Ford, a Associagdo Nacional de Pesquisa em Ciéncias Sociais (ANPOCS) e ao Nuicleo de Historia Indigena do Indigenismo (NHII-USP), pelos fimdamentais apoios financeiros ¢ institucionais. Agradeco iguaimente Prof. Manucla Cameira da Cunha, que. & coordenago do Nécleo de Historia Indigena e do Indigenismo. deu estimulo ¢ sugestdes ao presente trabalho. Estendo este agradecimento aos professores Robin M Wright ¢ Jonh Monteiro. pela gentileza em participar do exame de qualificagao ¢ pelas criticas ¢ sugestdes feitas, Ao Prof Mauro W. B. de Almeida, cujos ensinamentos © estimulos foram fundamentais 4 minha formagao. Quero ainda registrar minha gratidio Prof Vanessa Lea, que. desde a fase inicial da Iniciagio Cientifica. acompanhou esta pesquisa ¢ minorou os percalgos da transigdo final Em Roraima. recebi apoio dos religiosos da Ordem de N.S. da Consolata. pelo eve Ihes agradeco A Ricardo Medeiros. pela hospitaisdad: gigantesca. Sov também grata aos roraimistas” Paulo Santilli ¢ Geraldo Andrello. pela vizinhanga sempre téo serena Aos funcionarios do IFCH - Silvana L. M, Moretti, Rosa M. V. Achida. Marinés M Rodrigues. José Carlos Pinheiro. Luciano R. F. Dantas ¢ Solange V. de Souza - pelo ambiente de trabaiho acolbedor Contei ainda, em épocas diversas da pesquisa. com a amizade de Futiana dos Santos. Vitor Warwar, Paulo César Manduca, Narci Ventanni, Carlos Aguilar Kinior. Ubaldo Dias Marques. Juracilda Veiga. Claudia Pfeiffer. Auténio Carlos Macedo e Silva. Tania Alkimin e Renato Brolezzi A Amilton Trindade, pelas fotos. Prologo 4 ‘A meus pais, Elvira © Gilberto, pelo apoio durante 9 meu tortuoso caminho universitario, A minha irma. Marcia, e ao Felipe. mcu sobrinho, que téo generosamente me incorporaram a sua casa. onde eserevi esta dissertagao e recebi sugestées ¢ conselhos preciosos Agradego ainda a Oscar Calavia Saez. que foi um interlocutor constante ¢ grande amigo. A Marcos César Séneda, que viu de tio porto a gestacio deste trabalho. a qual foi inapreseindivel. A Renata Bortoletto, Edmundo A. Peggion e Ellea C. L. dos Santos, com zelo incansavel me fizeram acreditar num fina! feliz. A Prof Nadia Farage. que me fez 0 leme, Ao sex lado. pereorri muitos © mesqueciveis caminhos. A presente pesquisa foi. em quase sua totalidade, um deles, Os erros. porém. ‘sdo todos meus Ao Prof Marcio Silva. que tomov possivel 9 encerramento. provisorio mas necessério. do trabalho. Agradego-o ainda pelos ensinamentos. polos estimules ¢ pela amizade que. bem antes de sua decisiva orientagao final. ja me cram essenciais. Agradego aos Ingarik6, que me proporcionaram a honra inestimavel de ser sua aluna sua testemunia, Prologo 5 3. O desenvolvimento da pesquisa Fim 1989, a Pro? Nadia Farage apontou-me num mapa a Serra do Sol - fronteira do Brasil, Venezuela e Republica da Guiana -, falou-me que alt se localizavam os Ingariké € que este grupo colocava & etnologia sul-americana um problema ainda em aberto. ¢ Aleluia, Deste convite surgiu © presente trabalho. 4 época, eu estava na metade do eurso de eraduagao em Cigncias Sociais na UNICAMP ¢ comecava 2 me familiarizar com as probleméticas indigenas. Em 1990. inicici a pesquisa através da leitura da bibliografia basica sobre os Kapon: a obra da antropéloga Audrex Butt Colson que se compoe de uma extensa série d artigos publicados desde a década dos cingtienta até hoje. ¢ que se baseia. sobretudo. em dados coletados pela autora entre os Kapan da Guiana Inglesa nos anos de 1951 ¢ 1957. A pesquisa bibliografica ampliou-se progressivamente. compreendendo relatos de diversos observadores - missionérios anglicanos © Jesuitas. agentes coloniais. gedlogos ¢ emdlogos. dentre outros - que se reportaram a sociedade Kapon nos séculos XIX ¢ XX. Same-se ainda um relate de 1797. As fontes eseritas a que recorri em todas as fases da pesquisa consistem em material inipresso. seja em periddicos seja em livros E importante ressaltar que quase a totalidade destes autores refere-se aos Kapon da Guiana Inglesa Enire junho de 1991 ¢ fevereio de 1992. desenvalvi um Projeto de Iniciacao Cientifica. sob orientagdo da Prof’ Vanessa Lea. intiwiads "Aieluia’ 0 profetismo Kapon” © subvencionado pela FAPESP. 0 evantamento bibliografico e uma primeira leitura das fontes escritas referentes aos Kapon foram assim concludes no inicio de 1992 ‘As obras compulsadas chegaram-me 4s maos por diversas vias Localize parte do material na Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da UNICAMP. na Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas ¢ Letras ¢ Biblioteca do Museu de Zoologia (USP), Biblioteca do Centro Ecuménico de Documentagio Indigena (CEDI), Biblioteca do Museu Paulista ¢ Biblioteca Municipal de Sto Paulo - Mario de Andrade, Através do sistema de intercémbio bibitografico (COMUT), obtive artigos depositados na Biblioteca do Museu Paraense Emilio Goeldi, Prélogo 6 Belém. E, de moco fundamental, a Prof” Nadia Farage colocou & minha inteira disposigio todo seu extenso ¢ rico acervo sobre a Guiana Inglesa, sem 0 qual a presente dissertagio nao seria possivel Grande parte do material que utiizo aqui foram por ela reproduzidos em diversos acervos localizados 10 Brasil © na Inglaterra. tais como a Biblioteca do Ministério das Retagdes Exteriores (Rio de Janeiro). Institute of Commomwealth Studies ¢ Royal Geografical Society (Londres). A pesquisa pbde ter prosseguimento com meu ingresso. em marga de 1992, no Programa de Pos-Graduagio em Antropologia Social da UNICAMP. Ao longo de disexplinas rministradas. em tal Programa, pelos professores Marcio F Silva e Vanessa Lea tive oportunidade de discutic questdes fundamentals a etnologin sul-americana e. em particular. @ Guiana, que repercutiram nesta dissertagdo, Além disso, a lcitura dos dois primeiros volumes das Muthologignves que. a époea, fiz, sob a oriemtagao do Prof. Marcio F. Silva. exerceu forte influéneia na claboragio das proposigdes aqui apresentadas s resultados preliminares obtidos naquefa primeira etapa da pesquisa biblioardfica ~ um profetismo que girava em tomo do tema. da troca de pele. do fascinio por papéis. impressos ou no, e da demanda por palavras estrangeiras - consistiram na principal bagagem que preparei com Vistas ao trabalho de eampo. Desde 1989, acaiente! o sonho da viagem aos Ingariko, No periodo que 2 antecedeu, arriseava ainda varias transcriedes a partir das fitas gentiimente cedidas pela Prof Nada Faraye que gravou em 1984, uma ceriménis do Alcluia Com relagio as transcrigdes, reeebi um indispensivel auvilio imguistico do Prof. Marcio Silva. Assim. eu procurava com afinco me famitiarizar & sonoridade daquele ritual. Entretanto, no sabia que um “verdadeito laboratério" corresponderia a pelo menos seis horas de exposie2o ininterrupta aos cantos. © trabalho de campo entre os Ingariké consistina no meu verdadiro batismo emolégico, j4 que até entio havia entrado em uma tinica aldeia indigena. Em janeiro de 1990. passeium fim de semana entre os Wapixana da aldeia Canoanim (Roraima). Cheguei. enfim, aos Ingariké em 10 de janeiro de 1993. Permaneci entre eles por Pouco tempo, seis semanas, partinds em 22 de fevereiro, Tendo sido julgado suficiente, para uma Prologo 7 dissertagdo de mestrado, o material que recolhi nesta primeira viagem. nZo retornei aos Ingariké, mas pretendo fazé-lo. Na semana que antecedeu 4 minha chegada. foi instalado um radiocommunicador na aldeia Serta do Sol. mas como o aparetho ficou desligado durante tal periodo. no solicitei, por scu intermedio. permisséo para minha viagem. Entretanto, pedi, em Boa Vista. a um Ingarike que estava de passagem pela cidade. que anunciasse a minha viagem e do meu intuito de aprender 0 Alefura A Viagem entre a cidade de Boa Vista (Roraima) e a aldeia Serra do Sol foi realizada cm (oda sua extenso por via aérea. com durago aproximada de noventa minutos. O acesso tentestre € dificil. posto que ndo ha estradas as. imediagdes das aldcias Ingariké. A escolha da aldeia Serra do Sol deu-se em virtude da confluéneia de dois fatores: a presenga de casa cerimonial de execugdo do Aleluia ¢ de pista de pouso. Ja na aldcia. permitirame-me a permanéncia para aprender o Aleluia. Pedi ainda abrigo na escola. cuja locatizagao sabia de antemio ser proxima maior parte das casas. Nao queria ficar no Posto da FUNAI. entiio desocupado. porque este ficava relativaments afastade do conpnto das casas (veja crogui da aldeia). Nisto fui também atendida Conduziram-me inictalmente para uma pequena casa desocupada, as proximicades da escola Promamente 0 suze! ~ titulo que designa o intermediador entre a sociedade indigena © 2 socixdade envolvente - entregow-me fitas-cassete com gravagtes do Aleiuia. ¢ as criangas trouxcram- ‘me algumas bananas, Passei de imediato a ouvir as fitas v. auxiliada por duas jovens. fiz as transcrigies inaugurais. Instalaram-me, em seguida. na escola. onde permaneci ate minha partida Levei a Serra do Sol um grande supnmento de latarias e coisas do géncro, Os presentes vonsistiam em sabdo. sal ¢ migangas pequenas. brancas ¢ vermelhias. Logo vim a saber do sucesso destas tiltimas. mas = predilego Kapon recai sobre as migangas grandes ¢ sobre a poitcromia. Entreguei-Ihes, ainda. uma pesada carga de tercados ¢ enxadas doada pelos religtosos da Order de N.S. da Consolata. Dom Aldo Mogiano. bispo de Roraima. destinow as ferramentas para as trés maiores aldeias Ingariko: Serra do Sol. Mapaé ¢ Manaitai woe 0 eres ‘FRAGRHGGT vopteanoge sp ODUM TION Hp apr wT ‘seprjoyd soe czzanpnd opu anh sjanaptsas cere Sony SBN 3 “ MIeppUepTsex sese9 STF] gjeare | lapses op sea 2 Peynouryt29 use9 1] (e661) TOs Od Ves VIEGIV « eng ap oot sarod speiis + Prologo 8 Os presentes foram concebidos pelos Ingariké como sinal de que os brancos, inclusive os padres. desejavam aprender 0 Aleluia, Isto ecoava-lhes os “antigos”, que também teriam Pago por tal aprendizado. e indicava, antes do mais, que todos. indios © brancos. ja estavam acreditando no mesmo Deus. Para os Ingariké. este fendmeno nfo se reduzia a um contexto simplesmente regional. posto que afirmavam que os brancos da Repiblica da Guiana também estavam buscando aprender o Aletuia No terceiro dia, fui Kevada pela primeiva vez a casa do "pastor", No entanto. 0 "pastor" no apareceu. Mandou dizer-me. através do tae, seu imao. que dancaria 9 pariara gratuitamente, mas o Alcluia ndo o faria. Eu deveria pagar mnito dinheiro para asststir ao Aleluia ¢ para fazer aravagGes. Sublinhava o aaicua que o “pastor” era pobre e. por isso. queria dinheiro para comprar carro, espingarda, munigo. roupa. etc. Respondi, em resumo. que tampouco eu era rica. ¢ © que eu queria era aprender o Aleluia, © que s¢ quisessem poderiam ficar com todas as fitas que porventura eu gravasse Em seguida. 0 fan saiu ¢ retomou depois de certo tempo dizenda que 0 “pastor” estava trabalhando © que nao viria a casa. Entio. ao deixar aquele local, duas mulheres, que posteriormente vim a saber que eram a mide ¢ a esposa do “pastos". fizeram-me de presente algumas bananas. Na mesma semana, fui levada pela filha do eae novamente casa do "pastor". onde se cencontravam ento dois homens de cerca de 35 anios. Lim. apds servir-me caxiri e bananas, sentou-se sem dizer palavra. a minha frente. 0 outro se esquivava numa porta lateral, Suspeitei que este tltimo fosse 0 "pastor" Como nio me disseram palavra, ew também silenciei. Vim a saber mais tarde que agueie que me servira o caviri ¢ as bananas era justamente 0 "pastor" Apos este intréito desarménico, pude assistir as cerimBnias do Alelula. que me proporcionaram cerca de quinze horas de cantos, discursos € rezas. cuja gravagdo me foi plenamente facultada A partir das fitas obtidas, o trabalho de transcrigdo foi realizado com o avxilio, niio Concomitante, de duas jovens. Estas ourviam os cantes ¢ muito vagarosamente reproduziam-nos para que eu pudesse transcrevé-los. Percebi entio que os cantos eram extremamente calcados no Procedimento da repetigio. Um mesmo verso era cantado varias vezes, antes que se passasse a0 Prélogo 9 seguinte. O trabalho da transcrigao transcorrera bem até a sexta fita. A esta altura, a paciéncia das minhas jovens professoras Ingariké parecia esgotada Haviamos ouvido juntas ¢ integraimente seis fitas Como dispunha de dois gravadores © j4 conseguia detectar as repetigées © as iferencas, reduzi os cantos. através da supressdo de todas as repetigdes. Frases basicas, que foram regravadas. Assim, cerca de dez horas de cantos foram reduzidas a aproximadamente noventa ‘minutos. A partir desta "fita elememtar". consegui que a transcrigiio prosseguisse, posto que o trabalho tormara-se menos arduo. Acabei por transerever um total de 280 versos ou frases. que so. em sua maioria, predicados, os quats, por stia vez. conformavam 54 cantos (eren) Ji a tradugdo e a exegese fot relativamente possivel através da colaboragio de uma mulher de corsa de trinta anos. que falava fluentemente o portugues. Ela trabathou comigo de modo sistemitico, traduzindo ainda os discursos do "pastor’. Recorri esporadicamemte a dois outros informantes para tal trabalho. Antes de me dirigir ao "pastor". esperava adquirir um certo conhecimento, Acabei partndo sem conversar com ele. Na exegese dos cantos. por vezes. 2 explicagdo era fomecida pelos Ingasiko somente depois que ev tivesse insistido em demasia, ¢, muitas vezes. foi negada de modo sutil mas por completo. © terme paras ilustra bem este emtrave, cuja dimensdo pode ser aquilatada pelo que segue Acompanhada do gravador ¢ das transcnigdes. perguntel a um homem o que significava param palavra que se ouvia mitidamente na fita i transerita, Ele me disse que a palavra proferida era Papay. dai retruquei dizendo que era paranw: em seguida. ele insistiu na afirmagao de que se owvia Papay, apesat disso. perguntel uma vez mais © que significava para. Enfim, ele falou que para uma agua que queima, nada menos do que o fator principal da iminente conflagrasio em torno da quai gravita o Aleluia ‘Nao estou certa da extansio que tal atitude face a curiosidade alheia chega a atingir ‘ire os Kapon. O dominio do parentesco nao me parvocu suicito a ela. Ja 0 acesso as rogas nao me foi facultado. Prologo 10 Com as fitas que me foram emprestadas pelos Ingariké € com as quinze outras que eu mesma gravei nas ceriménias do Aleluia, ocupei-me duramte quase todo 0 tempo que estive na Serta do Sol, posto que os Ingariké apareciam muito raramente em minha casa e convidavam-me com freqiiéncia ainda menor para as suas casas. rogas ¢ pescarias. Em virtude também de certo :mobilismo da minha parte, consegui, em pequena medida, dimimutr 0 nosso distanciamento, Some-se 2 isso que 0 bilinghismo no ¢ coisa comum entre os Ingariké, tanto que 0 "pastor" sublinhava. em snas prédicas. que todos deveriam aprender a lingua portuguesa Eu tomava por boa comminicagao. o sorriso que. na auséneia das palavras. por vezes ‘me era dirigido pelos Ingarik, Além deste sinal. perguntaram-me porque eu nao moraria la para sempre, permanecendo como professora: quando retomaria: e. & minha partida, disseram finmemente que era para eu voltar Os dados assim obtidos no terreno fizeram-me retomar 4 literatura em busca. sobretudo. da figura de um banco. que se mostrou fundamental ag Alelwia. assim como. da figura prototipica dos senhores ou pais dos mais diversos elementos: "pai do mutum’, "mle da gua" ote. Elas participam ainda do xamanismo de mancira igualmente essencial Expus ¢ diseuti tais dados em um dos semindrios do Niicleo de Historia Indigena do Indigenismo, sob a coordenagio da Prof Manuela Cameiro dt Cunha. bem como na disciplina “Elaboragio do Proto de Pesquisa”, mimstrada pela Prof" Suelv Kofes. no Programa de Mestrado em Antropologia Social da UNICAMP. Isto foi precedido © sucedide por discussées com Nadia Farage, Vanessa Lea e Marcio Silva A tedacio da dissertagao teve inicio em janeiro de 1994, De maio a meados de Junho. suspend a escrita e fiz incursdes derradeiras mitoiogia americana para obter alguns sentidos ue, apds a exegese do Aleluia, restavam obscuros. Refornei & redagdo na segunda quinzena de junho aencerret no final de fevereizo de 1995. Prélogo u 4, Convengies ‘Traduzi todas as citagdes em lingua estrangeira, com excegdo de um canto, que o ‘mantive em espanho! por causa de seu sentido particularmente intricado ‘As palavras em Kapon © demais linguas artoladas estio grafadas em itatico Reproduzo a transcrigao daquelas que constam da biblografia compulsada. Utilizo, para os dados que coletei no terreno, a seguinte convengio ortografica. que é fonalogica. embora incorpore alguns alofones. Para Walter P. Edwards (1978). que trabalhou com o dialeto falado na Guiana. 0 fonema Je] realiza-se de uma intca manetra, como uma vibrante simples alveolar [r] Os Kapon do temntério realizam o fonema em questdo nao apenas como |r]. mas também como [I]. lateral alveolar. ow como: [1 | lateral alveo-palatal Vogais Consoantes AYA tet Jph Is) iki Jel fof Ibi 1a fh int Jat It fd ind Al hw! Os fonemas apresentam a seguinte realizagio: Ui lel lol Il Ws fois for ful Rl fel PI IHL [nj no final de palavra ou antes de k, g. w w< [8] depois de i Ipc [n} nos demais ambientes (sinda ce {2 fim de silaba nao final joy Sse de {k] inicio de silaba: fim de palavra (nda As informagdes disponiveis sobre a silaba ¢ 0 acento na lingua Kapon niio nos permitem fazer generalizagses INTRODUCAO Introdugao 2 1, Os Kapon: territério, populagio e etnonimia A palavra “aleluia" vai nos conduzir a trechos da regiao compreendida pela Repiblica da Guiana ¢ pelas areas adjacentes da Venezuela, Brasil ¢ Suriname, onde predominam povos das familias lingbisticas Carib ¢ Anuak. Estamos inseridos. pois. na regiéo emografica chamada Guiana, que é um dos vertices do ja clissico trténgulo Brasil Central/Rio Negro/Guiana, ent que se basearam algumnas tentativas recentes de sintese sul-americana ° {cf Overing Kaplan. 1981: 1983-84: Riviere, 1984) (veja mapa 1) Este percurso sera realizado através de varios relatos que datam dos seculos XIX & XX. assim como de obras propriamente etnograficas e de meus préprios apontamentos tomados no terreno, Sublinharemos em particular as informagdes disponiveis sobre um povo Carib que designamos por Kapon Este grupo habita uma area politicamente partilhada pela Repiblica da Guiana, Brasil © Venezuela. que se estende aproximadamentc de 6° a 4°45" N. Lat © 59°15' a 61920° W Long (Butt Colson & Armellada, 1989. 153). O ternitério Kapon. no Brasil. inciui-se na area indigena Raposa/Serra do Sol. cuja extenso, de 1.347.810. ha, engloba tambem o terrttorio Macuxi. 0 que corresponds & porgdo nordeste do estado de Roraima Esta area foi identificada em 1084. Tal identificagdo foi revista. em 1988. pelo Grupo Interministerial de Trabalho. que manteve continua aguela area, A All Raposa/Serra do So! encontra-se tnvadida por fazendas ¢ garimpos, onde sao altas 4 poreentagem de mio-de-obra indigena ¢ a incidéncia de conflitos entre possetros ¢ indios (Farage. 199)b. 147-48), ‘A populagéo Kapon na Republica da Guiana, segundo levamamento realizado no ano de 1989 (Forte. 1990:10-ss) é de cerca de 7 760 individuos. muito embora tai estimativa refira-se apenas a dezessete das trinta © uma aldcias mencionadas pelo referido levantamento (veja mapa 2) ‘ Para uma sintzse sul-americana anda mais recente, em que 0s Tupi-Guarant ocupam posigo estratégica, veja Viveiros de Castro, 19934, 2 i w f~faacyss (suRias TREN Uy, \GUIANAY WAPISHIANA™, vy Fey cer 2 Pra GRE ape suse, Thi _Knowerars, Avea etnogrifica da Guiana, em destague os maix conheeidor grupos. onte:P Rivléro, 1984) Mapa? ALDEIAS KAPON 1989) oe do Sol/Pium; 2.Mapaé; 3.Manalai; 4Philipal; S.amokokopal; 6.Jawalla, 7.Kako; | Kamareng, 9Waramedon; 10.Kalkan; 11Kwobenns; 12.Mahdla; 13.Chenepau; 14.Kopinang; 15 Kalbarupal; 16.Wafpa; 17.Kamana; 18.Kurukaberu; 19,Paramakat 20.Kato; 21.Monkei Mt. A lista acima nie corresponds a0 total das aldeias Kapon. Em viriude da earéncin de Informagées geegrifices mats prectsas, as aldefay seguintes nao puderam ser plotadas. Er Rorsima: Cumaipa, Sauparu, Canauapai, Pipi; na Repabliea da Guiana: Tusenen, Pura, Chiung, Chinowieng, Mabora, ‘Malkwak, Arau, Pastenart, Serena, Tsseneru, Awarapatl, Kaburi, Meruwang, Além destas, hi aldelas situadus na Venezuela, sobre as quals nto dlsponha dos respectivos nomes ¢ locabizagses. Fontes: J.Forte (1990) Escela: 9, 130 Ka Introdugio. B ‘Na Venezuela, estima-se um montante de 49% individuos (Mosonyi, 1987:658). Para a drea brasileira, calcula-se uma populagdo de 614 individuos, distribuidos em 7 aldeias (CIDR, 1992) (veja tabela 1) Tabela 1 ALDEIA POPULACAQ, Serra do Sol 186 Manalai 178 Cumaipa 9 Mapaé $7 Sauparu 36 Canauapat 40 Pipi 28 TOTAL 614 Realizei um levamamento na aldzia Serra do Sol, durante pesquisa de campo. chegando a cifra de 129 individuos. E necessario dizer que a discrepancia entre este dado o respectivo da tabela acima advém do fato de que. a diferenga do levantamento acima. no considerei os habitantes do Pium como ‘membros da aldeia Serra do Sol. Em 1987. houve uma fissio vesta altima. gerando tal agrupamento chamado Pium, que se localiza a noroeste da aldcia Serra do Sol. aproximadamente a 30 minutos de caminhada, Embora se fimdam em varios contextos. como nas assembléias dos grupos indigenas dz Roraima, considerei a diferenciagdo que os Kapon apresentaram-me aquando do lovantamento Os Kapon sto conhecidos. no Brasil. por Ingariké. A questo da emonimia é assunto gue requer detalhamento. O termo Kapon aparece muito raramente no conjunto da literatura acima mencionada Até a primeira metade do século XX, as poucas referéncias ao termo apresentam-no como a autodenominagao dos chamados Akawato (Brett. 1880:125.147; Kenswil, 1946.2) A designagao Kapon veio 2 ganhar ampla visibilidade somente a partir da década dos oitenta, através da obra da antropéloga Audrey Butt Colson. isto se insere num questionamento do modelo atomistico do grupo local que tem inequivoca predomindncia nos estudos baseados na Intyodugio i Guiana, Neste debate, a autora (1983-84a:b.c) sugere que unidades de analise mais inclusivas do que © grupo local sejam antes a via fundamental para a compreenséio das sociedades da Guiana. Neste sentido. o termo Kapon passa a ser enfatizado, Trata-se. segundo A. Butt Colson (1983-84b). da autodenominagao dos chamados Akawaio. Patamona, Waica. Ingaiké, Serekong, Eremagok. dentre outros *, Esta lista prosseguiria, ja que a etnonimia Kapon opera, em larga medida. 4 maneira de uma "fluvionimica" (Butt Colson. 1983-845). Isto ja havia sido anunciado no comego do século pelo etnélogo alemao Teodor Koch-Grunberg (/1924]1982 HE22) “as nomes destes grupos referem-se. em parte. aus rias em cujas margens vive". Com reiagio aos Kapon. 0 autor apresenta os scguintes etndnimos: Teméméké. Kukuyiko, Kuvalako, Kakéliko. Puloivemoko. Aiupiluo. Wanyana, Atero, Akawoio. Patamona ¢ Ingariko A analisc de A. Butt Colson (}983-84b) aponta, pois. fatores ecoldgieo-espaciais na emonimta Kapon. Antes porém de prosseguirmos em tal andlige ¢ interessante ressaltar que a questo dos eindnimos desperiow a atencdo de observadores ja no século XIX. Em meados daquele sécuio. 0 agente colonial M'Clintock (apud Brett, 1868-289) recohew um conjunto de designagaes composto pelos seguintes termos, que guardam pouca semefhanga com as roferéncias contemporancas Quatimko. Etoeko, Passonko. Koukokinko, Cauyarako. Skamana. Komarant ¢ Yaramuna Estes referem-se. nas palavras do missionéio anglicano William Brett (1868:280), a "meray suachvisdes dos Kapohn' eujos noms advém dos "distros" em que se localizam, A toponimia comanda, pois. a ‘etnonimia Kapon. Contrariamente aos autores acima, A. Hyatt Verril (1917) aventa uma hipotese fragil. Retomando @ lista de termos coligidos por M'Clintock. & qual acrescenta os Kamarokotas Guaicas (Waikis). o autor ((108) afirma que "distintas sub-rribos nao sdo rapidamente formadas ¢ requerem muitos séculos de separacio da iribo aparentada, antes que adguiram nomes distintivos © caracteristicas fixas” Fala assim de um processo de especiagdo’ uma suposta agao segmentaria do tempo atingiria inelutavelmente a sociedade, gerando diferenciagdes progressivas, Este argumento * A historicidade de cada designagao ¢ assunto que a literatura compulsada nao nos permite destringar. ‘Chamaremos a atengio, antes, para 0 fator espacial que é crucial na ewonimia Kapon, Introdugao 18 equivoco vem adensar a hipétese central de A. H. Verril (1917) de que os Kapon scriam os mais antigos habitantes do que hoje ¢ a Republica da Guiana Quanto ao significado do termo Kapon. A. Butt Colson (1983-84b:81) afirma que consiste em "pova celeste", "povo nas alturas". "povo elevado". Isto adviria de kak, “céu", “lugar clevado" Afirmaram-me os chamados Ingariké que o termo kapon dosigna "india" - os Macuxi, Waiwai. Yanomami © eles proprios - em oposigo a arafwar "brancos” Alsm disso. disscram que kapon significa "pessoa". "gente’ Nos desenhos que figuravam avibes, cachorros, casas e pessoas, estas ultimas eram referidas por kapon Por fim, acrescentaram que este temo designa “ser celeste, mortal” Face a estas informagdes. nao tomo aqui etnénimo Kapon como uma autodenominagio, Privilegio-o frente a designagées bastante conhecidas como Ingariké ¢ Akawaio ‘com 0 intuito de escapar & conotagao regionalista destes dois termos e de todos os demais etndnimos ‘que ja foram aplicados ao povo em foco, Se o termo kapon também remete a um espago, apresenta a vantagom de se referir aa patamar celeste Quanto a0 termo Ingariké. cujo uso ¢ corrente no Brasil, T. Koch-Grunberg, {192411982 11121) afirma que significa "gente da floresta densa”, Ressalta que no consiste numa autodenominagae. guarda antes conotagdo pejorativa, Posteriormente, A. Butt Colson (1983-84b'86) veio a giosar tal etndmmo por "povo do Apice da montanha". Sublinha a autora que seria possivel ‘chamar todos os Kapon por Ingariké, jé que poucos nie se conformariam a tal localizagdo em terras altas. 0 etndnimo mais encontradigo na fiteratura compulsada é sem diivida, Akawato Este termo designa os Kapon setentrionais. Estes habitam. na Repiblica da Guiana. 0 médio e o alte cursos do rio Mazaruni ¢ aflucntes. ¢ 0 rio Cuyuni. na Venezuela, localizam-se no rio Wenamu (Butt Colson, 1962:83:1983-84b:90-1:1985:105; Migliazza, 1980-132). Introdugao_ 16 © significado deste termo é, para A. Butt Colson (1983-84b-90-1), assunto inescrutavel. A este respeito, aventa Emest C. Migliazza (1980131) que o termo Akawaio advém de awa, "suco de tabaco” ingerido pelos xamas, A designagio Patamona ¢ aplicada aos Kapon meridionais, que, na Repiiblica da Giana, localizam-se entre o rio Potaro © médio curso do rio Ireng (Mati). fronteira do Brasil com aquele pais (Butt Colson, 1962:84:1983-84b:91.1985.105. Mighiazza, 1980:132). Segundo A. Butt Colson (1983-84691), significa "morador”. "povoador" ‘0 sero Waica ¢ atribuido aos Kapon que habitam as imediagdes do rio Cuvumt e do alto curso dos rios Demerars © Essequibo (Bret, [868.277: Koch-Grunberg (|1924]1982. 11243) Adverte-nos T. Koch-Granberg (|1924]3982. 11,243) que a mesma destenagao e aplicada ainda aos “Yanomami. grupo que habsta a regio Uraricocra-Orinoco. Seria por demais cansativo continuarmos aqui este procedimento com relagio = fantos outros etnénimos aplicados aos Kapon’ Temémoko. Kukuyiké. Kuyalako. Kakéliko, Puldiveméko, Aiupaluo, Wauyand. Ateré Como sua aparigdo na literatura ¢ rara. ficaremos restritos ao jai examinados * Cumpre ainda apresentarmos algumas consideragdes sobre a etnonimia relativa 2 um povo Cartb vizinho geografica e culturalmente dos Kapon. os Pemon, Estes dltimos situam-se a oeste © ao sul dos Kapon Habitam uma area partilhada pelo Brasil, Venezuela e Repiiblica da Guiana. que se estende aproximadamente de 69 45) a 30 10' N. Lat e de 38° 50' a 630 W, Long (Butt Colson & Armeliada 1989-153} Segundo David Thomas (1982:16-9). a designago pemon & a autodenominacao dos Arckuna, Taurepang. Kamarakoto ¢ Macuxi Os Pemon sero citados varias vezes nesta dissertagdo, ji que compartilham. em larga medida, os temas cosmotigicos aqui investigados Concluida, assim, @ delimitagio preliminar da pesquisa. através de consideragdes sobre demografia. territorio etnonimia, passaremos, no que se segue, & enumeragdo das demais balizas desta dissertagao > Veja T. Koch-Grinberg ({1924]1987 11:22) para estes etnénimos pouco veiculados na literatura,

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