You are on page 1of 6
Gy or = . Hey dee eS pA a fe the rand wos Joana Maria Pedro, oe Miriam Pillar Grossi, _(organizadoras) a4 Fe oe 5 Meet _ 2° of MASCULINO, FEMININO, PLURAL género na interdisciplinaridade EDITORA MULHERES i908 ! | MASCULINIDADE: AS CRITICAS AO MODELO DOMINANTE E SEUS IMPASSES. Maria Regina Azevedo Lisboa Que caminhos sao estes que me conduzem aiteias de que teei de escapar que wama é esta que ronca surda em meu peito, me ‘assusta, mete medo e me poe getaio a deferdderme da vida? (o1asco, 1993, p.28) HA pouco Mais DE ez ANOS (outubro de 1 985), realizava-se pela primei avez no Brasil um “Simpésio do Homem, organizado por homens © para os homens. Iniciava-se um lenio debate sobre @ condigéo Masculina que resultou em um livro sobre o que neste Simpésio foi discutido, Uma conclusao undnime foi a de que os homens es: tavam “em crise”. Esta é apontada como resultante das transforma 6es no comportamento das mulheres © na moral sexual, e do questionamento da posicéo dominadora ¢ patriarcal dos homens nna sociedade ¢ na familia. A “crise” é também consequéncia de uma constatacéo dificil: 0 carcereito é também seu prisioneiro ou, ‘em suas palavras, “a coroa pesa’, Minha reflexéo seguir por este camninho: entender o que este “peso”. Esta nao deixa de ser uma tentativa de distanciar meu olhar de como sempre olhei os homens desde que me tornei uma Maria Regina Azevedo Lishg feminista:simbolo de dominagao e, enquanto tal, sempre negado Alecia de que “os homens estéo em crise ¢ também conty ada por vétios autores que, no Brasi, Pesquisam 0 tema mascu nidacle c cujos rabathos estou tomando Por eferéncia.* Os protago. nistas séo de camadas médias mais inlelectualizadas © estio inser: dos numa logica indvidalisia de cunho fortemente psicologizante mmuto embora possamos generalizar um PoUuco mais, na medica £m que esta ldgica, espaihando'se atravée dos meios de comuni ©2620, atinge de forma maior ou menor grande pane dos homens destas camadas, Assim, estas Pesquisas nao s6 nos fazem pensar Pals. Jovens na década dle 60, tiveram algum tipo de aproximagao COM aS Novas idéias sobre relacionamenio homem/mulher, rela S908 intespessoais, sexualidade, enfim 5 que se convencionou denominar movimentos ea Contracultura, Nao ignoram o movimen foram socializados primatiarente E dentro deste contexto que o Modelo hegeménico de mas. imme ee Masoutinidade: as crticas a0 culinidacle* & contestacio, Mas, 0 que as homens nostas Pesquisas estao revelando de criticas ao modelo? Grande parte delas esté no Plano da relacdo com a mulher, € & aqui que vou me centrar. Esta relagdo 6 reconhecida como umn lugar onde 0 homem & 0 dom nador. Este poder, no entanto, 6 percebido como “castrador” & “pe- ‘sado". A igualdade passa a ser almejada, assim como a possibilida. de de compantithar. ‘Sentimentos © emogdes nao s6 com as mulheres: mas também com outros homens como condicao para alcangar essa igualdade, Procuram as formas de ser homem, as masculinidades pos- siveis. Mas tém um modelo que: & hegemdnico © que constan mente Ihes sinaliza: Perigo. Onde se localiza 0 medo? O medo em coneciar e expressar Certos sentimentos, co- ‘mum na Iteratura a que estou me referindo, aparece na icéia de ue podem “funcirse” & muther © com isto perder sua “individtua. face". Nas palavras de Slot: “Parecem precisar de uma igagso forte com a mulher © temer que tal vinculo Ines rouibe a identidacle” (1987, p.57), Ficam os hornens, assim, entre “o desejo e o medo cla muher* ibid, p.52), 0 que, por tltimo, no meu entender 6 a ex Piossao do medo de ver ¢ seni sua masculinidade posta om ques fa0. Mas cu me PerguNto sc junto com isto ndo esta a necessidade de nao perder 0 controle sobre 0 outro, mantendo a Posicao de do- minador. Assim, @ fuga de um contato mais intimo com as mulheres Seria famb6m a fuga do sentiment de tragilidade que estas repro- Sentam 0s olhas deles, 0 que ameaca toda a fortaleza que ainda presisam ter Para coreesponder ao ideal de mascutinidade que, embora negado, implica intimeras dificuldadtes para ser transposto, ‘A maior delas mo parece ser a de abandonar o sentimento de su Perioridade ao que classificam como dlferente. (Cocrentemente, “autonomia” e “liverdade* ganham significa. Maria Regina Azevedo Lisboa 134 ’, dos prdprios no discurso destes homens, Aparecem relacionadas 0 sexo desvincuiac da relacéo afetiva com a mulher ¢ associadas dificuldade em lidarem com emogées como perda, ciime, inveja, que implica sotimento. Neste sentido, ha sempre uma tenséo entre mudar ou per Manecer que revela nao s6 uma situagao de “desmapeamento" + como 0 quanto é dificil inventarem, parafraseando Almeida, cutras formas identitérias pois, segundo o pensamento dicotomico, a al- Temativa que resta ¢ “inferior”, feminina (199, p.243). Coincidindo com esta tiltima idéia, a maioria dos autores vai explicar que a raiz do medo destes homens em redefinir sua identidade esta no fato de que & masculinidade se constiéi por oposicao a0 que é cult. ralmente considerado feminino, Assim, ser homem 6 fundamen: talmente nao ser mulher, negagao esta cuja origem estaria na sepa- ragdo da mac como condigao para o surgimento do ser home, Consider que este sefa 0 maior motivo do impasse vivido pelos homens que estéio querendo transformar o modelo de masculinic. de que aprenderam com os pais.® Acreditando que a identidade de género é relacional, mediacla pela cultura © construida através de um processo de aprox! magio (identiicagao) e distanciamento (ciferenciacéo), a possibilida do em equilibrar estes clois movimentos estaria, portanto, também dopendente dos homens desconstruirem os significados que tm intemalizados do que & ser mulher, Acho, entretanto, que © impasse masculino fende a ser re- forcado ainda mais, quando alguns autores argumentam que a trans- formacao dos homens passa pela descoberta de seu “lado fermi nino”.” através de denominacées tais como: "homem reconciliado"™ ‘ou *homem menino"* Nao estarfamos assim reforcando uma idéia ha muito contes: tada pelas mulheres de que feminilidade pertence a0 mundo da $ cticas ao moctelo daminante, 138 natureza? Afinal, por que pensar que sensibilidade 6 um atribu'o exclusivamente feminino? Se no hé porque pensarmos em ca racteristicas naturalmente femininas — porque ser mulher 6 uma construgdo — também nao ha porque pensarmos que as transfor magoes masculinas so femininas. No meu entender, neste proces 50 de diluir fronteiras entre masculino ¢ feminino, estes autores terminam por propagar a idéia de que deve corer um proceso de feminiizagao dos géneros. importante ressaltar aqui que, ndo por simples coincidéncia, os autores @ que me tefiro s40 mulheres. Acho interessante a idéia de que a subjetividade se construa ‘com formas especificas de expressarmos as mesmas coisas (no caso em paula, os sentimenios € as emocées). Aqui cu estou me lembrando de Almeida (1995) pesquisando a consitugao do masculi- no em uma aldcia de Portugal ¢ mostrando como os homens «x- prossam sua afctividade através da poesia ¢ do alcool, Outro artigo 60 de Jardim (1993) sobre sociabilidade masculina nos “butecos", onde cla fala disto oconendo através do riso, Entretanto, além disso acho interessante a hipotese levantada por Almeida (1996) de que no Se trata apenas de formas diferentes de expresso, mas de que ha uma construcéo da subjetividade que é exclusivamente masculina, 0 que toma as diferengas entre homens e mulheres inclativizveis.? Nas palavras de Nolasco, a identidace masculina gira. em tomo de “denses emogdes que os hornens nao sabem no: ™mear ou discriminar. Deste modo, agem impelidos por elas, € tém a ilusdo de exorcizélas em suas relagdes sexuais’ (1993, p. 99). Haveria entao ndo algo escondiido que deixa le se expressar © sim um “ndcleo intemo fragil € pouco denso*," através do qual 05 homens possam conectar com stias emogées e sentimentos, tornando possivel, a panir dat, decidirem expresstios ou nao. Neste ‘sentido concluo que a “crise” que se instalou neste segrnento das camaclas médias, ¢ consequentemente 0 "peso ca coroa”, & muito 136 Maria Regina Azevedo Lisboa ye mais estrutural, resultado de Como se constréi a subjetividade mas. Culina em conftonto com as exigéncias de mudanca colocadas a Partir de um referencial ferinino, O reconhecimento desta ciferenga 6, seguramente, um dos caminhos para que possamos olhar 0 “outro” sem precisar reduzi- Jo a um “n6s”, 0 que, mais do que enconttos, traré desencontros, fomando a diferenga sindnimo de relagdes de poder onde domi antes ¢ dominacos brigam o tempo todo para saber quem ocupard © primeizo lugar deste par, —, i | j Notas |. 0 livra a que me refro denomina-se Macho Masculine Homem: a sexuadadh ‘o machismo e a crise de jdennidade do homem brasil 2. Custhini, 1992; Neves, 1986; Bubbon, 1993; Almeida, 1996; Nolasco, 1902 95: Goldenberg, 1995 ¢ Backer, 1992, 3. Este conccla ¢ deseavolvido por Aimeida (1995), para quem a masculinidade hegemnica é “uma vaiedade particular de mascuinidade que suborlina outs variedades”, Assim. 05 homens tesiam como diema central a divisdo crite ¢ primeira ¢ as outras (p.: 49-50), 4. Este conceito ¢ utllzado por Figueita (1986) para designar “a enisténcia dc mapas diferentes ¢ coniradtOros inscrtos em niveiscferentes ¢ rezalivamene dissociadas dentro do sujeita” ip.22-25) 5. & Imponante lembrar aqui o artigo de Aragio (1986) sobve a centralidade do significado de mie, no munclo meditenraneo ¢ no Brast ©. Ver as crticas que Nolasco (1993) faz a respeito, 7. Termo cmpregade por Baclinter (1992) como solugéo para o “homem novo’, faerele que consegue'scr ao mesma tempo “duro” ¢masculno|¢ “mole” ierniniro) Esa expresso Gusada por Vieira (1986) para defn o homem que no rompeu com 0 feminino dento de si 6, Sobre a irclatvidade da diferenga entre homem e mulher, ver também silva LG. Para Almeida (1996), esia caracteristica da subjetividade masculine 6 GmuaGiada pela ausénca, no grupo que: ela analsou, de percepeso de ums ipunsio de interoddade que tvesse de ser preservadta con fortha de govari Fegacldade ¢ singularidade, © pela presenga de um discurso Muente, ser hosts, mas carente de contesdo emocional, onde a subjetvidedes & ale aeitermica’. sempre extrorizavel conde a mulher sea, num primeto momentos Giada como “ouvinte’ para no momento Seguinte ser “dspensavel, ee 138, % Mara Regina Azevedo Lisboa Bibliografia ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de. Masculino/Feminino: tensdo insoldvel — ‘Sociedacte brasiera e organizacdo da subjeliuidadle. Rio de Jancito: Rocco, 1996, ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de si: uma intepretagdo aniropolégica da -masculinidade. Lisbda: Fim de Século, 1995. ‘ARAGAO, Luiz Tarlet de. Em Nome cla Mie, Perspectivas aniropol6gicas da mulher, 13, p.10945, 1983. BADINTER, Elisabeth. XY: sobre a jdentidade masculina, Rio de Janeiro: Nova Fronicira, 1992 BURFON, Rosell. Reconstrugoes da imagem masculina em um grupo de homens das camadas médias intelectualizadas. IV Reunido Regional ABA/SUL, Sessa Construgdo ia Idenuidade Masculina, Florandpolis, nov. 1993. COSTA, Moacir org). Macho-Masculino-Homem a sexualidade, 0 machismo e a ‘se de idenvicade do homem brasileiro. Porto Alegre: LAPM, 1986. CUSCHNIR, Luiz. Feminina-Masculino. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992 FIGUEIRA. Sérvulo A. 0 “Modemo'c 0 ‘Arcaico’ na nova famila brasilera: notas Sobre a dimensao invisivel da mudanga social. Uma nova familia? O modern ¢ 0 «arcaico na fama de classe méctia brasiera, Rio de Janecito: Zabar, 1986, p.1130, GOLDENBERG, Miran. 4 Outra: uma reflexdo anttopoldgica sobre a infidelidade masculina. in: NOLASCO, Socrates (org), p. 131-35, JARDIM. Denise F. 0 riso € 05 compos: traduzindo falas masculinas em classes Populares, IV Reunido Regional ARA/SUL, Sessdo: Consinucio ca Ineniiade ‘Masculina, Floriandpolis, nov. 1983, NEVES, Sitoé Pereira. Hamem, mulher e medo: metdforas da relacdo home: ‘mulher. Rio de Jancita: Vozes, 1987 NOLASCO, Sécrates, 0 mito da masculinidade, Rio de Janviro: Rocco, 1993. (org. A desconsinucdo do mascuing, Ria de Janeiro: Rocco, 1998, ROSTAGNOL, Susan, Cultura mascutina, cultura femenina: fa importancia de fas ‘diferencias. In: FONSECA, ida (rg) Fronteias da cultura, Porto Alegre: Ediora dda UFRGS, 1993. SILVA, Helio R$. Travestt a invengdo do feminino, Rio de Janciro: Rekume Damar 1993 VIEIRA, Yvone Mattos. dentidade do honiem na sociedad paitiacal, In: COSTA, Moacie (org), p.26333. CORPO E HISTORIA LITERARIA: A QUESTAO DC GENERO E A PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA Tereza Virginia Almeicia Conro & HISTORIA Da LITERATURA: A TEMATICA pode parecer esirar Pela prépria articulacéo que propée. Mas para que eu possa suger a reflexéo que tenho em mente, sera preciso antes me ater a idé de historia da literatura, que parece remeter a volumes onde se h de encontrar grandes nomes advinclos do passado, de obras ¢ ¢ autores consagrados. O que se esquece, entretanto, é que a histori (fa literatura advém de uma pratica, ow melhor, 6 uma pratica dis Gursiva € nao 0 registro fel ou meio de conhecimento de fatos pas Sados. Ea histéria da literatura, como qualquer histéria, tem tamberr sua historia Elizabeth Ermarih, por exemplo, adverte que a idéia de ter PO neuro, de um fhixo continuo de eventos que se distinguiom em Passado, presente ¢ futuro © que parece embasar nossa percepeao {la histéria é, na verdade, uma convencdo que encontra seu par na binlura e arquitetura renascentisias. Ermarth parte da consideracao

You might also like