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Poste Uy - vb 939 ISBN 978-85-225-0590-6 Copyright © Olivia Maria Gomes da Cunha e Flavio dos Santos Gomes Direitos desta edicdo reservados A EDITORA FGV Praia de Botafogo, 190 — 14° anda 22250-900 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil ‘Tels: 0800-21-77 — 21.2559-5543 br — pedidoseditora@fgvbr fgxbr ‘mpresso no Brasil / Prince in Bi ‘Todos os direitos reservados. A reproducdo no autorizada desta publicagio, no todo ou em parte, consi cio do copyright (Lei n® 9.610/98). 0s coneeitas emitidos neste Livzo slo de intera responsabilidade dos autores. 1" edigdo —2007 [BDITORAGAO BLETROMICA: FA Editoragio Bleménica [Ruvisio: Mauro Pinto de Faria Cara: affalo + associados design — wwwaadesign.com.br Ficha catalogréfiea elaborade pela Biblioteca ‘Mario Henrique Simonsen/FGV ‘Quase-cidado; histrias © antropologias da pés-emancipacio| te Beal / Orgeniendoren: Ola Mazia Gomes da Cunha ¢ Flévia dos Santos Gomes — lo de Janeiro : Editora FOV, 2007. 4529. Inclui bibliografia, 1. Bseravos — Ema Fundagio Getuio ccpd — 326.0981 Introducéo Que cidadéo? Retéricas da igualdade, cotidiano da diferensa Flavio dos Santos Gomes e Olivie Maria Gomes da Cunha (© modo frio com o qual fol acolhida falta de pacrioismo que existe entre nés ( ‘eorente ano em nada diferiram das eomuns, send ‘ sentimento de um povo (.) Essas consideragdes so de Joio China, editor do semansrio A Pit um jomal dedicado aos “homens de cor" que circulou na capital paulistana 1889 e 1890.! Um ano apds a Abolicio, o entéo candidato a Assembléia Co te pelo Partido Republicano se mostrava temeroso com 0 descaso das autoridades. © reconhecimento de que algo mudara a vida dos homens e mulheres “de cor" no pais motivara a festa ea eelebragio, Mas a tentativa de banit os populares das _ruas da capital pauistana parecia condenar os festejos da libertagio dos escravos 80 silencio, China debitava tais aontecimentox a0 “preconceito de cof", heranga da es cravidéo que a Republica haveria de extinguir. Mas também advertia que a auséncia de noticias acerca desses fatos nos jomas teria sido muito mais danosa e éruel. Fora ‘capaz de retirar os “ranseuntes que safram dos seus lares” da histria,O siléncio acer- ‘ca das comemoragbes do 13 de Maio de 1889 parecia projetar no futuro iam pesigoso ‘esquectiento. As palavras de Joao China esto envoltas num emaranhado de sentidos 9 chine, 1869:4, 8 GuaseeioxoKo em tomo da festa e do siléncio que colocam em didlogo representacGes sobre a me- réria e a escrita da hist6ra. Mais de um século apés & extingio formal do trabalho escravo no Brasil, a indignagio de Jofo China nos estimula a refletir sobre seus signi- ficados no cotidiano da “populaco de cor” ao fim do século XIX e nas primerres déea- das do século XX. ‘Ao sugerir descontinuidades entre a produgéo e a inscriglo do evento © a construgio da meméria, suas preocupagdes nos instigam a pensar sobre alguns dos desafios que devem ser enfrentados por todos aqueles que adentram no complexo territério das quest6es relacionadas com o estudo das experiéncias socais que per- _meiam a pés-emancipacio no Brasil. Embora no esteja propriements ausente das ‘reocupacces de historiadores ¢ ci jversas conjunturas hisérices polfticas coloriram a lembranca da qual Joo China se ressentia de razdes outras, nas quals 0 esquecimemo por vezes transformou-se em esteatégia através da qual gra possivel imaginar outros 1 de liberdade localizados muito além do ato, Tent siléncios, esquecimentos ¢ protestos constitufram estra- historiogrficas e populares descreveram e aludicam a0 13 de Maio nos permite es- Dogar algumas questées que norteiam a proposta deste lvro.? ‘Uma pergunia, de inicio, se faz necesséria. Como esquadtinhar o impacto ico do evento “libertadar” sem reduzir os signficados conferidos as experién- cias de liberdade que o fizeram social e culturalmente relevante? Diante disse desa- fio, nosses preocupagées se projetam para além da simples (ainda que necesséria) problematizagdo do evento e seus significados, ros, densos e profundamente enral- zados na cultura e no imagindrio da nacio. Imaginamos imprescindtvel inven jogo aparentemente contraditério que nos permitisse nos desvencilhar do evento, direcionando nossas atengées tanto para o cotidiano de marginalizagao quanto para as estratégias de scbrevivencia enfrentadas pela “populacdo de cor” nos anos que se 2 Gom algumas excegSes, todos os textos que compiem este livo foram apresencados em se- minério homdnimo, orgenizado pelo Laboratsrio de Antropologia e Histéria da UFRJ em 22 de maio € 10 de setembro de 2003. Além da participago ativa dos autores aqui presentes na discussio de textos de outros colegas durante 0 semindrio, a apresentaco dos trabalhos be- neficiou-se dos valiosas comentérios dos colegas Celso Castro, Moc Palmeira, Ma ‘Ricardo Selles e Peter Fry. Gosfarfameos de agradecer o3 comentirios vallos0s € ‘com que os colaboradores e debatedores atenderam 20 nosso convite. Finalment Doradores deste livo, aos debatedores, aos alunos Dolsistas de iniciagto cientifice que se en- ‘volveram em tapas diversas da preparacéo do seminitio e deste limo, © 8 ‘apresentaram seus trabalhas no semingrio, mas que por razes de ordem di ‘gui incluidos — Keila Grinberg, Moacir Palmeira e Rabson Machado —, nossos agra tos pela rica parceria nesea aventura de reflex. inrropugko: ° _seguiram 2 1888 e, paralelamente, considerar as construgGes culturais que The con- idade e densidade histérica.® Esse caminho foi trilhado de forma menos eriativa, pelos varios autores. A liberdade ¢ seus significados — para ex-escravos, ex-africanos livres, I: bertos por elforria, ingénuos (nascidos no pés-1871), tutelados e para a populacéo de livres e pobres em geral — foram constantemente redefinidos. Por um. walitiria” com 0 advento da Repiiblica e, por outro, por experiéncias historicas ‘coneretas, vivenciadas em Areas urbanas ¢ rurais no Brasil entre o vltimo quartel dé século XIX e a primeira metade do século XX, nas quais valores como igualdade cidadania foram cotidianamente contestados.* vel. Da mesma forma, a libertagio comportou outras terpretagies do evento. Para além do fato de a po- ira de “livres de cor", no final do sSeulo XIX, ser bastante superior a was em grande parte & fado em importantes inv ‘de cor" livres mas sem direitos de escravista —, 0 debate em torno da exting dades locais e regionais bem diversas. As provincias do Amazonas e do Ceard, por cexemplo, decretaram a Abolicéo em meados de década de 1880. Levando em conta ‘a heterogeneidade desses processos, é preciso entender, por exemplo, como exper _tacias ociais mareadas por contexts de dspersio geogrifica e projetos de interio- ‘izagao — envolvendo comunidades de fugitivos, escravos, populace “Aaquelas aldeadas, enfim, uma gama de outras identidades regionals — partilharam {das mesmas ansiedades e questionamentos em torno da Abolicio que mobilizaram livres e escravos na Corte e/ou em centros urbanos no final do século XIX.* Essa ‘questo nos dé a oportunidade de refletic sobre as possiveis conexdes entre formas de ocupagio terri i 343 de eapansio, ocupagio ¢ contro Repiblica. fl qual aparecem num mapa geopolitico que localiza éreas e personagens, compondo um retrato dos im- pactos produzidos pela Abolicio no pais, nos parece o primeiro passo em direcao a uma ampliagéo dos estudos sobre a pés-emancipagio. Ao relativizar 0 recorte regio nal e deslocar o eixo politico tradicionelmente proposto para pensar a Aboligfo € a “transigio", quisemos imaginar outros espagos de significagio nos quais tenha sido (re)interpretada na éxperiéncia.® 3 Sobre fests e comemorages em roro da Abolgf, ver Sire, 1997 ©2008 Ver Azevedo, 1987; e Chalhou, 1990. {ver Conrad, 1975. Ver Almada, 1984; Gebara, 1996; Lamounler, 1958; Lanna, 1989; ¢ Stein, 1990, lo auase-cipasko (© que se imagina ruptura ou corte entre estatutos soctais distintos —o do cescravo e 6 do eidadiéo — constitu, uma rede de temporalidaddes diversas, porém inter ‘ramente conectadas. Bm seu interior se abrigam multas fortias de ser.e Feeonhecer-se principalmente, de vivenci i trabalho, nos mecanismos de participagio politica, nas. ests ‘gubjetividade e identidade. £ justamente nessas esferas que a conexo entre est Juridicos de cidadania, representagies sobre "cor" e concepeées de “pessoc” aparecern ‘como pegas de um quebra-cabeca aparentemente incompleto. Nele & possivel reco- hecer discursos polissémicos, que ora reafirmam dessemelhancas relat dazem novos significado. dim quadro de mudanga politica mais amplo. Novas classficagdes sociais poveeram documentos, processos, registros estarsticos, cartas relatrios, que inseriram néo-c dadiios até entio qualificados como escravos, ingénuos, libert rutelados, desordeiros & radios no universo burocrético ena linguagem juridica do Estado republicano, Vérios Xjustes, aeja no plano da linguagem, seja no da tepreventagé, foram necrsdrios, No- ‘he slgnifieados pavoaram textos diversas e estiveram presentes em infindves del “Jes travados nos tribunals, ministérios ecartrios acerca da cesslo de di “Glegais a pessoas de cor, classificadas iio e sua ori “fei por uma stile poderosa memdria socal fortemente enraizada no imaginirio pa- “riareal eeseavista” ‘Ainda que, no Breil, a figura do “emancipado ral e juridica bastante imitada — aplicada aqueles Tires", apreendlidos dirante o téficoilegal etutelados tum de seus mais importantes sentidos nos oferece tativas do que se pretendeu consttuir periodos ", “preparagio”, “aprendi- ‘para 0 advento do trabalho ivre.® Ao mesmo temps, vale a pena mnto os debates quanto os processos de concessdo de liberdade imy lugdo e da reinvengio das formas de do lae protesdo, que permearam as relagSes entre one a5 décadas do sévilo XIX, con- ‘altos entre apreensbes dispares d sume e querelas envolrendo a defi- nigao do estatuto social de ingénuos e sexagendrios, que passaram a povoar o mundo dos “livres de cor” nos tribunais, parecem apontar para a necesidade de re 7 (im trabatho pionelzo que recupera as ldgieas da emancipayéo & Finseberg, 1977. Seguindo out 1, por exemplo, os seguintes trabalhos mais recentes: Mendoncs, 1999: Papali, 2003; e Pena, 2000. 8 Para uma andlise dos debates sobre o fim d& io, ver Rodrigues, 2000. Ininopucao. n qualifiar tanto a AboligSo quanto os atos que a tornaram reconhect iberdade nko si iiagdo e a desumani soda escravi (vam inteligibilidade & “posterior a0 término f re Aquelas sticas das re- Como os estuddos sobre a pés-emancipacéo em outros cendrios vém mos- trando, formas de eativeiro e a liberdade abrigaram miltiplas e complexas modalida- ds deiner oda, antes e depois do ermino formal da esrnvito, Os debaes ‘as Lutes poiteas que marearam os procestos de pé-emancipacao no Brasil podem ser comparados com aqueles ocorrdos em utras sociedades das Américas e do Caribe Embora constituam situagbes histéricas, cultura e socais diversas, em tals socieda- des formas de acesso 4 cidadania por parte da populacio emancipada estiveram int rmamente vinculadas a mecanismos de ajuste ¢ regulagio de ordem moral, carder supostamente particular das ideologias que deram suporte A manures escravidlo, Entender alguns dos signticados conferidos berdade”e as formas de isericSo social baseadas em eriérios como cor ¢ raga, naqueles contexts, “fos ajuda interpreta os limites tenues di format Zante — mas no transformaram sociale poiticamente — 28 forma “dadania.e& igualdade existentes no Brasil durante a escravidio. ‘Nao foi apenas no findar do século XIX que o siléncio sobre as i 20 contrixio do que Jeiaras mais apressadas possain dade de lembrar 0 seu duplo, a eseravidio. Cingien- ‘aos “ex-eseravos” — e foi essa a categoria utilizada pela imprensa e pelos intelectuais afinados ot nfo com 0 Estado Nevo era oferecido tum ché nas dependéncias do Palicio do Catete.!? A instituigdo da escravidio ‘oeupou, desde as primeiras décadas da séoulo XX, um lugar de destaquena histrio- alia e na tradigio ensaistiea e sociolégica brasileira. Mediante a veiculagto de tex- (5, nio s6 se produziram andlises sobre as 1995. 18 Destaca ae o trabalho coletivo de Cooper, Holt e Seor, 2000. Para perspectivas comparatl- 45, ver Foner, 1988, Cunta, 1999. 12 Quase cioarke classieos da ica e sociol6gica brasileira a escravidéa é a institnicao nao s6 que dé 4 nagio, mas que a inventa de forma singular. ‘A onipresenca dessa tematica fol por vezes entrecortada por possibilidades Fscravos que falavam pela boca de viajantes perplexos exta “ia dos corpos e trépicos, de juristas fascinados por liberalis- mos de todos 0s matizes, de funcionsrios do Estado enfadados em contabilizar os feitos da administragao colonial e imperial, e de senhores precavidos e senhoras de- sesperadas. iores dessas vozes tornaram os presente. Por esse mesmo camino, os chamados “livres de cor” s ‘dade € do siléncio e foram transformados em icones de uma instituicio matizada | pela agéncia dadivosa e gencrosa das elites. Se a escraviddo é onipresente nos textos que inventam o Brasil, nao pare- cce ter sido nas vozes, na meméria e nas préticas cotidianas daqueles que, a particda nnsformados — de forma gradual, é verdade — em te deste livro, Hebe Mattos nos mostra o caréter selet , necessariamente, um voluntério esquecim« ‘dadania revela uma cuidadosa operacio discuss ‘por vezes aludido de forma obliqua, confere sen- Lido e legitimidade & historia pessoal do cidado. Estamos diante de um apareate | paradoxo — como dizem os antropdlogos — “bom para pensar”. A formacao de um corpus erudito de conhecimentos sobre a escravidao é paralelo e nao necessariamen- te oposto ao aparente esquecimento, apagamento ou ocultamento do passado esera- vista no imaginério popular. Se assim é, como compreender essa disjungéo, esse paralelismo que por vezes ensaia, nem sempre com sucesso, espagos de intcrsccéo? Referimo-nos, por um lado, a um conjunto de estudos produaidos por historiadoces sobre a meméria da escravidao e do cativeiro desde os anos 1980 ¢, por outro, as Desquisas realizadas por cientistas sociais sobre as formas de sociabilidade e de con. ‘ito que no Brasil tem suscitaco retéricas identitarias que ora aludem a continuida- de desse passado, ora recusam a referéncia a este. Se a escravidio tem sido estruturante do chamado “pensamento social hrasilaita” e o sildncio sobre a expe- rigncia escrava frequente nos estudos sobre seus descendentes, o que dizer do even- o que cristalizou seu momento de ruptura, suas implicagées e representagdes no imagindrio popular e nacional? Ao contrério da escravidao, a Abolicéo, vista a partir de_uma perspectiva mais ampla, e as experiéncias de liberdade a ela relacionadas foram temas timidamente enfocados pela historiografia ¢ inexistentes nos estudos de cigncias sociais. A crenca na panacéia universalista tingiu parte importante dos textos, ¢ do 86 aqueles de cardter juricico, que investiram no aperfeigoamento de retéricas em torno da cidadania. Por acteditar que a sujeicao legal nfo se coadunava com 5 ventos civilizatérfos da nago que se imaginava moderna, um ideal de cidada- nia se imps como corretivo de um passado, acreditava-se, cada vex mais distante desejo de marcar 0 estatuto d J va, na qual o “tempo do cativein inteoouce: 13 te universais, nos incita a pensar 0 caso bra- smparada,!2 ido so termos antitéticos, ¢ o terreno que se- riéacias que se abriga em cada um deles merece de uma perspectiva “Bscravidio" e “iberdad para um conjunto complexo de nossa atengio. A auséncia de vi gais de subordinacio n dos textos ¢ instrumentos burvcréticos que k sinais que sacralizaram a subordinacdo ¢ a sujeigdo tornaram-se parte de um ambi- guo terreno no qual ex-escravos e “livres de cor” tornaram-se cidadéos em estado contingente: quase-cidadios. O que fazer entdo com as marcas fisicas e simbélicas desse pasado, inalterdveis mesmo diante de operagoes juridicas, institucionals ¢ simbélicas diversas? Liberdade tampouco foi sinénimo de igualdade. & 6 justamente nesse nédu- Jo que envolve supostas oposigSes, em grande parte construldas pelas anclises sobre 0 estanuto juridico do escravo e do cidadio produzidas a partir dos anos 1930 nos Esta- dos Unidos (e também no Brasil), que nos encontramos. Como dissociar © matizar uma seqiiéncia de topos que se auto-reproduzem? Liberdade avesso da escravidao, ide como corolirio de liberdade, liberdade como duplo da cidadania, escravo versus liberto, sujeito/assujeitado versus livre ete.? Ao investir na compreensio da di- ‘mensao proviscria, por vezes preciria, atributa a esses termos, talvez. devéssemos ex- plicitar que mio estamos necessariamente evocando os sinais da permanéncia e da continuidade, Aa cor interessa-nos entender como e através de que operagies dis- cursivas, processos sociais €histéricos, homens e mulheres culo estatuto social esta va condicionado a combinagéo de sua condigio juridica, origem social ¢ aparéncia ‘fsica passam a ser vstos e a ver a si préprios como iguais, Bvidentemente, essa 6 uma transformagio social complexa. A interpretaao jucica que permite essa mt danga é lara, embora nfo o seja sua adogio como um sistema de erence, verdade I valor no plano das rela I6gica talvez seja muito mais préxima a conquista, do convencimento e da continua produgio de interpretages outras, através das quais crenga no estatuto juridico igualitcio seja possivel. Nossa intene so € refletr sobre as viisstudes das experiéncias de lberdade. & por entender que 2 Holt, 1995a € 1995); e Scott, Holt e Cooper, 2009. 1 auase-ciea040 liberdade nao se resume a um estatuto legal ¢ esti longe de encontrar amparo nos textos juridicos coetneos ao ato que a in crdisciplinares. De forma dos gedlogos — a natureza ti em que condigbes homens € m pretacéo, contendas, ou mesmo rejeitaram os cor no pats no final do 5 fem conjungo entre posigao de classe e aparéncla, e mesmo em micropoliticas de — termo potico lembrado, cunhado por Oracy Nogueira nos anos 1940 43 j evitagao poderia ser tomaca como resisténcia a uma interpretagio 2 Talvez. O fato & que as experiéncias de confor cia tém sido compreendidas como estratégias de ajuste, de aceitacio — por vezes passiva — dos projetos politicos que concebem 0 “cidadao nacions iéia de acentuar ¢ sublinhar 0 cardter provisério do estatuto da cidadania — o titulo quase-cidadio — se justifica por um desejo. Dar énfase & compreensio de casos e experiénclas de recusa do projeto di ju “ridicamente a figura do cidadao e do nacional, Essas pr Jr exemplos de resisténcia ou critica social envoltos num discurso p. ‘muito mais presentes em sicuacées aparentemente triviais experimentedas no co ano do trabalho, na relacio com 0 Estado ¢ as instituigSes oficiais, nas relagé« terpessoais vivenciadas em espacos domésticos, enfim, a todo momento em ¢ steve em jogo 0 poder do exercicio da igualdade para homens ¢ mulheres marc dos por origem social ou cor. ‘O que significa ser de fato live e igual, sc cssas condligSes estiverem de: das das prerrogativas politcas (e scbretudo jurfdicas) que concedem aos sujeitos p sibilidades concretas de exercé-las? Por isso nos referimos a trivialidade como @lgo aparemte, Talvez os elementos mais esquecidos nas andlises sobre a pés-emancipasio ‘no Brasil seiam aqueles que dizem respeito as esferas e as dimensbes de poder. O de- ‘bate sobre as experiéncias de liberdade delineado pelos varios autores que compoem este livro coloca em relevo facctas diversas da distribuigio desigual de poder numa sociedade pés-escravista e a3 Iinguagens utilizadas para referi-las, Desse modo, pode- ros explorar um pouco mais o que Nogueira chamou de evitagio e que por vezes foi traduzido como siléncio. Formas de pretericdo, subordinagao, humithagao e domina- {io nada aleatérias € que resultaram em formas mais ou menos explicitas do que Vee- na Das (1997) chamou de “sofrimento social” — condicéo na qual se encontram populagdes que, por sucessivas geragdes ou catastrofes de grande impacto social, es- 13 ver Nogueira, 1985, InTRoDUCAG 1s so sues a reheradas formas de suborcinagto, Insabiiade ewibulgfo # no pla erdade e da igualdade que floresem os mecanismos mals perverso, envoltos em retéricas fluidas, de preterigiio e evitaciio. . hae ‘Ao falazmos de antopologia ¢hiséias de pds-emancipao, nos ang tos em una Teitara na qual eategorias de cor erage nd Insttuem de antemio 0 ada ao deatea pessoais. Sua perplexidade, indagar sobre as construgSes sociais que per plorar og marcos temporais que por vezes dei ‘experitncias de liberdade, e compreender as nuances, a obliquo, por vezes difuso, em o dua discussiio sobre cados atribuidos & em tempos de ér- do que refletir sobre os signifi- idadania ao findar do demos comecar pelo fim, com a pergunta de Thomas Hé jobramentos e narrativas da pés-emancipagéo na Jamaica: 0 reunir historiadores e antropélogos nessa aventura de reflexdo, nossa intencGo foi instigar formas de didlogo, a umpla sobre os modelos de cidadania e fgualdade no Brasil durante a pés-emancipagao. Itinerérios iste lio se subdivide ém duas pate. A pimeia, invad a Messi i elk che Gan URE Ee Wield Bae oe tuna meméra sobre a Aboligfe la Morte Schwarezfocalizao que denomina “am. bigtidades do processo de Aboligo”. Narrativas em torno da nogio de dédiva (e re- conheciment) os Ibertcs para com a Renters e, em ukima ands, « monaria foram agenciadas por intérpretes, protagonistas ¢ narradores diversos. E os sons do sesso fw fa extends nos aos inediamene pba Fara 0 Jobe Maria Mattos de Gastro e Ana Maria Ros investigarn as naratvas da mera 16 Quase-ciasso dos libertos e seus descendentes, Nelas, as concepedes de liberdade dos anos imedia- tamente pés-Aboligio foram marcadzs pela m: terra, trabalho fat joe para os seus ses. Produtziram-se outros espagos e fronteiras da pds-emancipacéo, demarcando ‘iferencas entre quilombolas e suas experiéncias diante de outras populagdes negras, emancipadas no Brasil, no Suriname ¢ na Guiana Francesa. Fronteiras agrérias de ‘ocupagio ¢ colonizagio com indios, quilombolas, camponeses e migrantes cearenses, ‘sdo petscrutadas por Flévio das Santos Gomes. Toi o Maranhio entre os séculos XIX e XX um cendrio para a gestago de um campesinato negro que desafiava terrtérios de poder e controle na pés-emancipacdo. Terra, trabalho e formas de controle colo- caram em disputa e conflito virios setores sociais em diversos contextos. £0 que evidencia Verena Stolcke ao tratar da introducéo de trabalhadores livres na agricul- tura de Sao Paulo em meados do século XIX. RelagGes de trabalho cada vez. mais conflitivas e formas de agenciamento de mio-de-obra redefiniram a posigio de pa tWes e trabalhadores — com destaque para as mulheres — nas fazendas cafeeiras. lugar da familia e do trabalho feminino na légica capitalista nos remete a uma série de questbes sobre o papel de concepgbes sobre moralidade nos estudos sobre trabalho no Brasil. Se a liberdade — parafrascando Barbara Fields — era ur alvo em constan- it — para os te uma miragem, Ela foi desenhada tanto nas suas dimensdes -simbélicas quanto através da agéncia dos sujeitos envolvidos. Essas e outras questoes pperigncias de trabalhadores negros, homens e mulheres, que através de sociedades be- neficentes organizavam os mundos do trabalho e da cultura a sua volta, Pademos pensar como as histérias do trabalho nas ilimas décadas da escravidao foram frag- ‘mentadas em narratives nas quais a etnicidade e as culturas de classe foram transfor- madas em invisiveis. Ideologias raciais, exclusio e cidadania ndo se m: apenas entre diseursos. Cronologias, empos e espagos acabaram refundidos. Mas as representagées nfo foram quimeras. Ruas, fabricas, conveses e OUutIOS esPago visados foram palcos de confromtos. Eno s6 de idéias. A Uiberdade, suas concepyoes © simbolos foram experimentadas, como demonstram os capitulos de Maria Helena Ma- inrsopucie: "7 chado ¢ Alvaro Pereira do Nascimento. A primeira investiga be jos nas tiltimas décadas do stas — 05 tals caifases celebrados pel am — nos seus prOprios termos — outros personags teiros, As contradicbes estavam mesnos nas atiudes deles e mais numa hstoringrafia dda transigao, Alvaro Nae rento de construgio do monumento & mae preta na década jculagdo entre movimentos sociais, inteloctuais ¢ elites numa perspect vva transatlintica. Ao descrever o didlogo travado entre diferentes personagens — fa voriveis ou no ao erguimento de um monumento a mae preta —, Siegel nos mostra sobre raca e género, ile BUA. Retomando as «) dugio do siléncio e da invengao do no-evento e de sua ndo-meméri cialmente, surgem estudos abordando as dimensbes das acusagbes de lentes narrativas sobre as crengas organiza vam uma ce jerarquizando-a em meio ao clientelismo © a0 paternalismo. Outras formas de reproducdo de hierarquias se imbricam com re presentagées sobre intimidade e domesticidade. A partir da andlise da documentagio i indada em 1868 em Petrépolis, e de processos ltigiosos envolvento “criadas” e “pa mes da Cunha discute a formagio de uma consciéncia moral e de uma pedagogia do nario, Brodwyn Fischer fecha 0 livro com um estado no qual operagées juridicas no campo do direito civil e na legislago de ocupacio urbana produzem a “repal mica, social e topografica da cidade maravilhosa nos anos 1930 ¢ 40. Fischer mostra roteiros da ocupagdo urbana obedeceram as politcas piiblicas do mercado de >, de modemizacdo e exelusdo da populacéo pobre e negra, e como esta esta- beleceu canais de relacionamento e diglogo com as elites ¢ clientelas politcas locais. quecides, aproximados, enfatizados e distanciados entre textos ¢ sub’ sas expetiéncias histéricas. ue auase-cioapa0 Bibliografia ALMADA, Vilma Paraiso Ferreira de. 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