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Sl A PILULA VERMELHA QUESTOES DE CIENCIA, FILOSOFIA E RELIGIAO EM MATRIX ‘oncanzacho: 3 / PUBLIFOLHA ©2003 biota ~ Divito de Pubtieasdet ds Empresa Fula da Mans S/A (© 2003 Summerdale Pblahers Lid det des res Notun pe des publ pode padi ego ‘rancid de enum forma cu por nem om peso ates press da ‘Pubes de Pubes da Empress ade a 74 Tadugto eeteto Cato Siera Mendes Ros Assn etre Seri Bin Cur c Debora nano Foto deans leat de Veg de Cumpich Edhorago dees Crayon PPG useagies lon Cardoso Producto geitea Assstnca de producto gia Cultherne Macabell Alves de Crvaho Revie Mire Menio ioe Renato Rocha Catos Dada nec a ada an eee ee ay Suteceee lo galing hee i: ene, soy an spn sve Gea et i Tas pr cag on 1 ste rie Semone get ce 791.472 21 ate: Rce scrapes tea PR PUBLFOUIA Divito de Puliages do Grupo Folha A Bato de imei, 401, 6 ada, CEP 01202-001, So Pou, SP “els (ty 3224-2196/2203/2205 ~ Ste: wav pba come ‘Probie omer fora do rio rare. MATRIX: PARADIGMA DO POS-MODERNISMO (OU PRETENSAO INTELECTUAL? 1.* PARTE Dino Felluga Matrix foi aclamado como primeiro filme de ago ineleeializado e foi ridicularizado como filme de «gto desmiolado com ares filsofis. Qual dos dois jutzos€ 0 correto? Nos dois ensais seguintes, ‘specialisas em pés-modernism e fico cientfica debate a questo, Neste, Dino Felluga afirma aque Mattix leva com sucesso 0 pés.modernismo as telas de cinema Poucos filmes no padrdo de Hollywood fazem referéncia direta tio clara & teoria do pés-modernismo quanto Matrix, Na cena que apresenta 0 personagem Neo, vemos que ele escondeu 0 seu programa pirata dentro de um exemplar oco de Simulacra and Simulation, de Jean Baudrillard, obra que, apesar das difi- culdades (tanto de linguagem quanto de argumentacao), teve grande influgncia na compreensdo da era em que vivemos, era ‘que, correta ou incorretamente, recebeu o nome de “pés-mo- dema*. Aqui, vou discordar dos criticos que tacharam Matrix de pretexto pseudo-intelectual para apresentar violéncia (ponto de vista defendido por Andrew Gordon neste livro) ¢ vou levar a sério 0 modo pelo qual os irmios Wachowski tentam ser figis a certos aspectos das teorias de Baudrillard, mesmo que paresam contradizé-los. Dessa maneira, darei aqui um curso répido sobre alguns dos principais conceitos utilizados atualmente para ex- plicar a nossa era pés-moderna. 3 22 Apkuuaverenia A relagio com as teorias de Baudrillard torna-se especial- mente clara no roteiro de filmagem. Como diz Morpheus a Neo numa cena; “Vocé tem vivido num mundo de sonho, Neo. Como na concepgio de Baudrillard, toda a sua vida tem sido gasta dentro do mapa, nao do territ6rio"?. Essa mesma fala re- fere-se a fabula contada por Jorge Luis Borges no ensaio “Do Rigor na Ciéncia”. Do mesmo modo, Baudrillard menciona a fabula na primeira frase da sua obra: “Os cart6grafos do Império desenham um mapa tao detalhado que ele acaba cobrindo per- feitamente todo 0 territério”. Com o tempo, o mapa comesa a se desfazer, até que 36 restam alguns “fragmentos (...) ainda dis- cerniveis nos desertos”2, Segundo Baudrillard, 0 que aconteceu com a cultura pés-moderna foi, de certa maneira, 0 contrério: a nossa sociedade tomou-se to dependente de modelos e mapas ue perdemos todo 0 contato com mundo real que precedeu (© mapa. A prépria realidade passou a simplesmente imi modelo, que agora precede e determina o mundo real: 0 territério nao mais precede o mapa, nem sobrevive a ele. £ o mapa, todavia, que precede o tertt6rio ~ a precedéncia dos imulacros-, que engendta o tertt6ri, e, se & necessério retomar a fabula, hoje sio os fragmentos do territério que Jentamente apodrecem na superficie do mapa, Sio 0s vesti- gos do real, e nio do mapa, que persistem aqui e acolé nos dlesertos que nao mais s20 os do Império, mas os nossos. 0 proprio deserto do real Morpheus volta a se referir diretamente & obra de Bau- drillard ao dizer a Neo que ele € bem-vindo “ao deserto do real”, durante a seqiiéncia do programa Constructo, quando Ihe Informa que toda a sua vida tem sido uma ilusio gerada por uma Matrix computadorizada, Com essa referéncia, Morpheus também incita 0 espectador a ver o préprio Matrix como uma alegoria da nossa atual condicéo pds-moderna, pois, de acordo com Baudrillard, nés, na platéia, jé estamos vivendo numa 41 Wachowski p 38 2 Bavdellard,p. 1 21d Iuarnix: PaRAGIOMA DO POS MODERNSMO OU PRETENSAO VTELECTUAL?-1° PARTE 83 “realidade” gerada por cédigos ¢ modelos; jé perdemos todo 0 contato até mesmo com a lembranca da realidade. Entdo, qual € precisamente o simulacro ¢ como Matrix usa fesse conceito para exemplificar elementos da nossa atual condigdo pés-moderna? Segundo Baudrillard, quando se trata de simulagdo ¢ simulactos pés-modernos, “Nao € mais uma questio de imitagio, nem de duplicagao, nem mesmo de par6- E uma questao de substituir a realidade pelos signos da rea- lidade"s, Baudrillard nao esté apenas insinuando que a cultura p6s-moderna seja artificial, porque a concepcao de artificiali- dade ainda depende de algum senso de realidade para reco- mhecer 0 embuste. Em ver disso, 0 que ele afirma é que perde- ‘mos foda a capacidade de dar sentido & distingdo entre natureza e embuste. 0 pos-modernistas demonstram como a linguagem, de modo sutil, impede-nos de ter contato com a “realidade”. A mesma linguagem que necessitamos para nos comunicar ¢ até para pensar é a um s6 tempo, produto da ideologia ¢ criadora da ideologia (por exemplo, o modo pelo qual a linguagem discri- minatGria estabelece distingdes entre homens ¢ mulheres). Em principio, achava-se que a ideologia escondia a verdade, repre- sentava uma “falsa consciéncia”, como afirmavam os marxistas, impedindo que percebéssemos a atuacio real do Estado, das forcas econsmicas ou dos grupos dominantes no poder. O pés- modernismo, por outro lado, costuma entender a linguagem ¢ a ideologia como base da nossa percep¢ao da realidade. De acor- do com esse ponto de vista, nao existe um modo de se libertar da ideologia, ou ao menos um modo que se possa expressar por meio da linguagem. Por sermos to dependentes da linguagem. para estruturar as nossas percepgoes, qualquer representacao da realidade é prontamente ideol6gica. Dessa perspectiva, a huma- nidade ndo pode fazer outra coisa que nao ver a realidade através do prisma ideol6gico. A idéia de verdade ou de realidade objetiva, portanto, nao tem sentido. No entender de alguns pés- be y 84 Apkucavenmcuna ‘modernistas, isso sempre ocorreu; no entender de outros tedri- ‘cos pés-modernistas, 0 perfodo aproximadamente posterior 3 Segunda Guerra Mundial representa uma ruptura radical, no qual varios fatores contribuiram ainda mais para ampliar a nossa distancia da “realidade”, entre eles os seguintes: + Cultura dos meios de comunicagdo. A midia contemporanea (televisio, filmes, revistas, cartazes, internet) preocupa-se do apenas com a retransmissio de informagoes ou histé- rias, mas também com a interpretacio da nossa intimidade pessoal para nés mesmos, levando-nos a abordar os outros € © mundo através do prisma dessas imagens da midia. Portan- to, nés compramos produtos nao mais por causa de uma ne- ccessidade real, mas por causa dos desejos, que sio cada vez mais definidos por comerciais ¢ imagens comercializadas. + Valor de troca. Segundo Karl Marx, o ingresso na cultura

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