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CURSOS DE ESTETICA Volume II ' G. W. F. Hegel Tradugao Marco Aurélio Werle Oliver Tolle Consultoria Victor Knoll SBD-FFLCH-USP i ill me a DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE RI 21300112027 ‘Tilo do orginal: Vortesungen uber die Astherk Dados Internacionsis de Catalogagio na Publicagzo (CIP) (Ciunara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 1770-1831 Cursos de Estética, Volume Il/G. W. F, Hegel; wadugio Mareo Aurslio Werle, Oliver Toll; consultotia Vielor Knol, - Sao Patio: Universidade de Sie Paso, 2000. = (Classica; 18) Editors ds Titulo original: Vorlesungen Uber die asthetik ISBN 85-314-0573-4 1. Ame — Filosofia 2. Ane Histéria 3. Est lem’ [.Tiulo, 1. Sévie 12 4, Filosofia 00.3819 cpp-701.17 Indices para eatslogo sstemstico: |. Estes: Amtes 701.17 tos em lingua portuguesa reservados & Eudusp ~ Editora da Universidade de So Paulo [Av, Prof Luciano Gualberto, Travessa ), 37 6" andar ~ Ed da Antiga Reitoria ~ Cidade Uni (05508-900 ~ Sto Paulo ~ SP — Brasil Fax (xx!) 3818-4151 Tel, (xx 1) 3818-4008 / 3818-4150 ww w-usp br/edusp ~ e-mail: edusp @edu usp.br Printed in Brazil 2000 Foi feito o depésitolegat SUMARIO ‘Nota dos tradutores Parte Il, DESENVOLVIMENTO DO IDEAL NAS FORMAS PARTICULARES DO BELO ART{STICO. Primeira Secdo: A FORMA DE ARTE SIMBOLICA Introdug&o: Do Simmo.o EM GERAL DIVISAO...... 1. O Simpoxismo INCoNscIENTE. 2. O SimBoLisMo Do SuBLiME . 3. O SIMpoLismo ConscieNTE Da Forma De ARTE COMPARATIVA Primeiro Capitulo: 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE A. A Unipabe Imepiata Do SIGNIFICADO E DA ForMa 1. A Religido de Zoroastro 2. Tipo Néo Simbélico da Religido de Zoroastro . Concepgao e exposigdo ndo artisticas da religido de Zoroasiro . B. O SimpoLismo Fantastico . 1. A concepgdo indiana de Brama..... peers 2. Sensibilidade, desmedida e atividade personificadora da fantasia indiana . 3. Intuigdo da Purificagéo ¢ da Expiagao... C. O SimpoLiswo AureNtico 1. Intuicéo e exposi¢do egipcias do morto; piramides CURSOS DE ESTETICA 2. Culto aos animais e méscaras de animais 3. Simbolismo completo: Memnonas, Isis e Osiris, Segundo Capitulo: © SIMBOLISMO DO SUBLIME A. O PanTEIsMo Da ARTE 1. Poesia indiana 2. Poesia maometana .... 3. A mistica crista. B. A ARTE Do SuBLIME . J. Deus como 0 criador e 0 senhar do mundo O mundo finito desdivinizado. 3. O individuo humano Terceiro Capitulo: O SIMBOLISMO CONSCIENTE DA FORMA DE ARTI COMPARATIVA.... A. CoMPARACORS QUE TEM INICIO NO EXTERIOR L.A fabula . eee 2. Pardibola, provérbio, apélogo........e.ee.e a. A Pardbola b. O Provérbio. ¢. O Apédlogo. 3. As metamorfoses 1. Oenigma . 2. Aalegoria 3. Metéfora, imagem, simile a. A Metafora......... b. A Imagem c. O Simile . Deena eee C. O DESAPARECIMENTO DA FORMA DE ARTE SIMBOLICA 1. O poema didético.. 2. A poesia descritiva, 3. O antigo epigrama.......... ccc ceeevevees 10 Esfinge - 80 81 87 = 90 91 93 - 96 97 99 100 101 E - 105 - 109 110 7 .u7 COMPARAGOES QUE Na FIGURAGAG TEM INICIO CoM 0 SIGNIFICADO 119 119 120 122 124 125 129 129 135 . 137 147 149 150 . 150 sumario Segunda Seco: A FORMA DE ARTE CLASSICA voce eeeee es ISS Introdugdo: DO CLASSICO EM GERAL ns 157 J. A Autonomia do classico como interpenetracao do espiritual e de sua forma natural fo be eee ences eee ceecceee es 1OL 2. A arte grega como existéncia efetiva do Ideal cldssico ........... 166 3. A posicdo do artista produtor na Forma de arte classica ......... 167 1D} 59.8) poagogopop9q99aG000b00 eect 170 Primeiro Capitulo: O PROC! SO DE CONFIGURAGAO DA FORMA DE, ARTE CLASSICA 173 1. A DEGRADACAO DO ANIMALESCO ...... eee eee . 175 a. O Sacrificio de Animais eeneees 176 EE 7 cc. As Metamorfoses ...... 178 2. A Luts entre os Deuses Anticos £ Novos .. vette e eens 18S a. Os ordculos ee 187 b. Os deuses antigos & diferenga dos deuses novos .......+..++++. 189 ©. A vitoria sobre os deuses antigos.. 196 3. CONSERVACAO PosiTIva DOS MOMENTOS PosTos NEGATIVAMENTE « 198 a. Os mistérios...... 199 b. Conservagao dos deuses antigos na exposigao artistica......... 200 ¢. A base natural dos deuses novos ....... veeeeee 202 Segundo Capitulo: 0 IDEAL DA FORMA DE ARTE CLASSICA....... 207 1. O Ibeat. pa Are CLAssiCa EM GERAL 208 a. O ideal enquanto nascido da criagdo artistica livre 208 b. Os deuses novos do ideal classic ....... ceteeeteeeeeeeees 22 c. A espécie exterior da exposigéo ... . 27 2. O CikcuLo Dos DEUSES PARTICULARES 0... 0. 06ceeeeeveeeee eens 217 a. Multiplicidade dos individuos-deuses . . . oa wevees 218 b. Caréncia da articulagdo sistemética .......2. 00.00 00vevveees 28 ©. Cardter fundamental do circulo de deuses .........000c000ees 219 3. A INDIVIDUALIDADE SINGULAR Dos DEUSES ... .. Peers tzed un CURSOS DE ESTETICA a. A matéria para a individualizagato b. Conservagdo da base ética c. Progresso para a graga e para o encanto ;OLUGAO DA FORMA DE ARTE CLASSICA Terceiro Capitulo: A DISS I. O Destino. 2. A Disso.ucao Dos DEuses ror MEI Do seu ANTROPOMORFISMO a. Caréncia de subjetividade interior. beeeeeeee b. A transigdo para o dmbito cristdo objeto somente da arte mais recente ¢. Dissolugdo da arte cldssica em seu préprio émbito 3. A SATIRA a. Diferenca entre a dissolugéo da arte classica ¢ a dissolugdo da arte 244 244 246 249 . 251 252 simbélica . b. A sétira ¢. O mundo romano como solo da sétira Terceira Segdo: A FORMA DE ARTE ROMANTICA © Introdugaio: DO ROMANTICO EM GERAL . 1. O Principio ps SuBIETIVIDADE INTERIOR. 2. Os MomeNTos Mals PRECISOS DO ConTEUDO E DA FORMA DO Romantico 3. O Mono ve Exposicio RoMANTICO EM RELAGAO CoM SEU ConTEvDO DIVISAO Primeiro capitulo: O CIRCULO RELIGIOSO DA ARTE ROMANTICA. 1. A Historia pa REDENCAO DE Cristo - a. O aparente cardter supérfluo da arte. . b. A intervengdo necessdria da arte c. Particularidade contingente do fendmeno exterior. 2. O Amor RELIGioso a. Conceito do absoluto como conceito do amor b. O énimo ¢. O amor como o ideal romantico. sumARro 3. O Espinito DA COMUNIDADE «0.6... cee cceee eee cee eeeee es 278 a. Os mértires : 279 b- A peniténcia € a conversao interiores Beeereeer tt 2a3) ¢. Milagres e lendas cee ce vevee sees 284 Segundo capitulo: A CAVALARIA Seeeee ener) «++ 287 L.A HONRA eee eee c cece e eee eeeeee =. 292 a. Oconceito de honra............05 : 292 b.A violabilidade da honra .......0000cceeeeeeees see eees 295 ©. A reparagdo da honra : 296 2. 0 Amor fence eeee ee 297 a. O conceito do amor 297 b. Colisdes do amor seeeeeees 300 c. Contingéncia do amor 301 AE ier Dae Sete eset eee eee ere eer aero a.A fidelidade de servir : 304 |b. A autonomia subjetiva da fidelidade ........ 66066. e 0 vveeees 305 c. Colisaes da fidelidade 305 Terceiro capitulo: A AUTONOMIA FORMAL DAS PARTICULARIDADES INDIVIDUAIS «00... 0.000000 . See eee 309 1. A Autonoma D0 CarATER INDIVIDUAL ceeveee 312 a. A firmeza formal do cardter...... 06.666. peepee i?) b. O cariiter enquanto totalidade interior, mas ndo desenvolvida 2 31S c. O interesse substancial na apresentagiio dos caracteres formais ...... 320 2. A AVENTURA fee eee eee e een cece ences 322 a. A contingéncia dos fins e das colisoes ; =. 322 b. O tratamento cémico da contingéncia 326 . O romanesco . . oo 328 3. A Dissowucio pa Forma be Artz RomANTICA 329 a. A imitagdo arttstica subjetiva do existente ... 060600... 0ceeee 331 b. O humor subjetivo eee cee evceee es JIG c. O fim da Forma de arte roméntica....6066.0 000 c cece eves 338 ial APENDICE: PREFACIO DE H. G. HOTHO PARA A 2* EDICAO DE seeteeeeeeeeeeeees sees SAT 349 NOTA DOS TRADUTORES A tradugo do segundo volume dos Cursos de Estética de Hegel, que abran- ge as Formas de arte simbélica, cldssica e romantica, segue as determinagdes estabelecidas para a tradugao do primeiro volume. Além do texto de Hegel, este segundo volume ainda apresenta um “Apéndice”, constitufdo pelo pref cio de Heinrich Gustav Hotho para a segunda edigio dos Cursos de Estética de Hegel, publicada em 1842 - o prefacio de Hotho & primeira edigao de 1835 esté reproduzido no primeiro volume. A traduco destes prefécios possui um interesse para a questo da constituigo do texto da estética de Hegel, questo que anima, principalmente na Alemanha, o atual estégio das pesquisas em tor- no desta obra de Hegel. Recentemente foram publicados dois cadernos de alu- nos que assistiram aos cursos de Hegel sobre estética: 0 caderno de Ascheberg, relativo ao curso de 1820/21, ¢ o caderno do préprio Hotho, relative ao curso de 1823!. Estes cadernos permitem uma melhor compreensio do que foram individualmente os cursos de estética dados por Hegel em Berlim, mas néo autorizam afirmar que a edigao final de Hotho é inauténtica, como pretendem alguns estudos, pois o manuscrito de Hegel se encontra perdido, manuscrito que Hotho tinha em mios para fazer a sua edigfo. Para a claboracio das notas que acompanham este volume nos apoiamos nas referencias bibliogréficas j4 mencionadas no primeiro volume e em duas 1. Hegel, G. W. F. Yorlesung tiber Asthetik, brsg. v. H. Schneider, “Hegeliana 3°, Lang, Frankfurt am Main, 1995; Hegel. G. W. F. Vorlesung ber die Philosophie der Kunst (1823), Nachschrift v Hotho, hrsg. v. A. Gethmann-Siefert (Colegio Vorlesungen. Ausgewihlte Nachsehriften und Manuskripte), Hamburg, Meiner, 1998. is CURSOS DE ESTETICA outras. Uma delas é uma reedigdo recente da antiga tradugio francesa de Charles Bénard*. A outra referéncia € a edigdo feita da transcrig%io de Hotho do curso de estética dado por Hegel em 1823, mencionada acima 2, Hegel. G. W. F. Esthétique, traduction de Charles Bénard, revue et complétée par Benoit Timmermans et Paolo Zaccaria, commentaires et notes par Benoft Timmermans et Paolo Zaccaria, Paris, Le Livre de Poche, 1997 16 [387| PARTE IL O DESENVOLVIMENTO DO IDEAL NAS FORMAS PARTICULARES DO BELO ARTISTICO 389] © que nds consideramos até aqui, na primeira parte, concerniu certamente a efetividade da Idéia do belo enquanto ideal da arte, mas por mais que tenhamos desenvolvido segundo os mais diversos aspectos 0 con- ceito da obra de arte ideal, mesmo assim todas as determinagdes referiam-se apenas a obra de arte ideal em geral. Porém, do mesmo modo que a Idéia, a Idéia do belo & por sua vez uma totalidade de diferengas essenciais, as quais tém de surgir como tais ¢ efetivar-se. Podemos denominar isto no todo de Formas particulares' de arte, enquanto desenvolvimento daquilo que se en- contra no conceito do ideal e que alcanga a existéncia por meio da arte. No entanto, quando falamos destas Formas da arte enquanto espécies diferentes do ideal, nto devemos tomar “espécie” no sentido usual do termo, como se aqui as particularidades se aproximassem por fora do ideal enquanto género universal ¢ 0 modificassem, mas espécie no deve expressar nada mais do que as determinag ¢ do ideal da arte mesmo. A universalidade da exposigao, portanto, no seri determinada aqui externamente, mas nela mesma por meio do seu proprio conceito, de modo que € este conceito que se desdobra numa totalidade de modos de configuragdo particulares da arte es diferentes e, com isso, mais concretas da Idéia do belo 1. A expressio “particulares” [Desonderen} atribuida as Formas de arte tem o sentido de “especificas”, ‘especiais", tendo em vista que o cardcter das Formas de arte ndo & exatamente da no sentido dado as artes particulares, das quais tatardo os volumes terceiro ¢ quarto, para as artes partculares 0 adjetivo eincelnen. lteralmente: “singulares” (N, da T). 9 ‘CURSOS DE ESTETICA Mais precisamente, as Formas de arte, enquanto desdobramento efeti- vante do belo, encontram de tal modo sua origem na Idéia mesma, que esta se impele por meio delas para a exposigdo ¢ realidade ¢, na medida em que ela € apenas para si mesma segundo sua determinidade abstrata ou segundo sua totalidade concreta, conduz a si para a aparigdo também numa outra forma real. Pois a Idéia é em geral apcnas verdadeiramente Idéia enquanto se de- senvolve para si mesma por meio de sua prépria atividade, e uma vez que cla é, enquanto ideal, aparigdo imediata [390] ¢ com sua aparigdo justamente Idéia idéntica do belo, entio, em cada estdgio particular que o ideal percor- re no seu curso de desdobramento, também se encontra enlagada a cada de- terminidade interna imediatamente uma outra configuragio real. Por conse- guinte, tem o mesmo valor se consideramos © progredir neste desenvolvi- mento como um progredir interno da Idéia em si mesma ou como um pro- gredir da forma, na qual ela se dé existéncia. Cada um destes dois lados esté imediatamente unido ao outro. Por isso, a consumagio da Idéia como con- tetido aparece igualmente como a consumagio da Forma; e, inversamente, as deficiéncias da forma artistica mostram-se proporcionalmente como uma deficiéncia da Idéia, na medida em que esta constitui o significado interior para a aparico exterior e nela torna-se real a si mesma. Se, portanto, inici almente encontramos aqui, em comparacao com o verdadeiro ideal, ainda Formas de arte inadequadas, entiio este no € 0 caso de quando se est4 acos- tumado a falar de obras de arte fracassadas, que ou nao expressam nada ou nao so capazes de alcangar aquilo que deveriam expor; mas para cada Con- tetido da Idéia é sempre adequada a forma determinada, a qual ele se dé nas Formas de arte particulares; e a deficiéncia ou 2 consumagio reside apenas na relativa determinidade verdadeira ou no verdadeira, em relagio a qual a Idéia € para si. Pois 0 contetido tem de ser verdadeiro e concreto em si mesmo antes de ser capaz de encontrar a forma verdadeiramente bela. Como jé vimos na divisao geral, devemos considerar a esse respeito trés Formas principais de arte. Em primeiro lugar, a simbolica. Nela, a Idéia procura ainda a sua auténti- ca expressio artistica, pois € ainda abstrata ¢ indeterminada em si mesma e, por is 0, também nao tem o fendmeno adequado nela mesma e em si mesma [an sich und in sich selber}, mas se encontra em oposigo as coisas externas a ela ‘mesma na natureza € em oposi¢Zo aos acontecimentos humanos. Na medida em que entio pressente imediatamente nesta objetividade (Gegenstdindlichkeit] as suas proprias abstragGes [391] ou se forga a adentrar com suas universalidades desti- tufdas de determinagio numa existéncia concreta, ela corrompe e falsifica as for- 20 INTRODUCAO mas que previamente encontrou. Pois s6 pode apreendé-las arbitrariamente e, ao invés de chegar a uma identificago completa, chega apenas a uma ressonan- cia e mesmo ainda a uma concordancia abstrata entre significado e forma, os quais nesta configuracdo recfproca [Jneinanderbildung] nem acabada nem pas- sivel de ser acabada, ao lado de seu parentesco, apresentam igualmente sua ex- terioridade, estranheza e inadequacao reefprocas. Em segundo lugar, a Idéia, segundo o seu conceito, nao se prende & abstragio e & indeterminidade de pensamentos gerais, mas € em si mesma subjetividade livre infinita e apreende em sua efetividade a mesma como espirito. Pois, 0 espirito, enquanto sujeito livre, é determinado em si mesmo € por meio de si mesmo ¢ tem nesta autodetermiuag%o também em seu pré- prio conceito a forma externa adequada a ele, na qual ele pode se unir a si bem como & sua realidade, que Ihe corresponde em si e para si. Nesta unida- de simplesmente adequada do contetido ¢ da Forma fundamenta-se a segun- da Forma de arte, a classica. Entretanto, se a consumago dela precisa se tornar efetiva, o espirito, na medida em que se faz objeto de arte, no tem ainda de ser o espirito s 2 exis- téncia adequada na espiritualidade e interioridade mesma, mas 0 espfrito ainda propriamente particular ¢ por isso atrelado a uma abstragao. O sujeito livre, portanto, que configura a arte classica, aparec sal ¢, por isso, liberado de toda contingéncia e mera particularidade do inte- rior e exterior, mas ao mesmo tempo preenchido apenas por uma universali- dade em si mesma [an sich selbst] particularizada. Pois a forma exterior é em geral, enquanto exterior, forma particular determinada ¢ é cla mesma para mplesmente absoluto, que apenas encontra s como essencialmente univer- a fusdo consumada capaz de expor em si mesma apenas novamente um con- tetido determinado e, portanto, limitado, ao passo que também o espirito em si mesmo particular pode perfeitamente nascer sozinho em um [392| fend- meno externo ¢ se ligar a ele numa unidade insepardvel. Aqui a arte aleangou 0 seu préprio conceito na medida em que permite que a Idéia, enquanto individualidade espiritual, concorde imediatamente de modo tio consumado com sua realidade corporal, que a existéncia exterior niio conserva primeiramente nenhuma autonomia em relago ao significado que deve expressar, ¢ 0 interior, inversamente, mostra-se apenas a si mesmo em sua forma elaborada para a intuigdo ¢ nela se refere afirmativamente a si mesmo. Em terceiro lugar, entretanto, quando a Idéia do belo se apreende a si mes- ma como 0 espitito absoluto e, dessa maneira, como espirito livre para si mesmo, ent&o ela no se encontra mais completamente realizada na exterioridade, na me- dida em que, enquanto espirito, tem a sua verdadeira existéncia apenas em si mes- 2 CURSOS DE ESTETICA ma. Por isso, ela dissolve aquela unio classica da interioridade e do fendmeno exterior e foge dela retornando a si mesma. E isto que fornece o tipo fundamental para a Forma de arte romédntica, para a qual - na medida em que seu Contetido, devido & sua espiritualidade livre, exige mais do que pode oferecer a exposigao no exterior e no corporal ~ a forma se torna uma exterioridade mais indiferente, de maneira que a arte romantica traz. de volta novamente, portanto, a separagdo do contetido e da Forma a partir do lado oposto ao do simbélico. Deste modo, a arte simbélica procura aquela unidade consumada entre 0 significado interior e a forma exterior, que a arte cléssica encontra na exposi- ¢io da individualidade substancial para a intuigio sensfvel e que a arte roman- tica ulrrapassa em sua espiritualidade proeminente. fo [393| Primeira Secdo A FORMA DE ARTE SIMBOLICA Introdugao Do siMBOLO EM GERAL © sfmbolo, no significado que damos aqui & palavra, constitui, segun- do 0 conceito bem como segundo a aparigao [Erscheinung] hist6rica, o inf- cio da arte e, por isso, deve ser considerado como que apenas pré-arte [Vorkunst], a qual pertence principalmente ao Oriente ¢ que somente nos conduz depois de miltiplas transigées, transformagdes e mediagSes para a auténtica efetividade do ideal enquanto a Forma de arte cléssica. Temos de distinguir desde o princfpio o simbolo em sua peculiaridade auténoma, na qual cle fornece o tipo preponderante para a intuigdo artfstica © a exposigao, daquela espécie do simbélico que foi reduzida apenas a uma mera Forma externa, no aut6noma para si mesma. De fato, neste dltimo modo também encontramos inteiramente de novo o simbolo na Forma de arte cléssica e romantica, da mesma maneira que também aspectos singulares no simb6lico podem assumir a forma do ideal cldssico ou apresentar 0 comego da arte romfntica. Tal jogo de ida e volta concerne entéo apenas sempre a configu- rages secundérias e a tragos singulares, sem constituir a alma auténtica ¢ a natureza determinante de obras de arte inteiras. ‘Ao contrério, onde o simbolo se desenvolve de modo auténomo na sua Forma [Form] peculiar, ele tem em geral o carater do sublime, pois de inicio deverd se tornar forma [Gestalf] apenas a Idéia determinada sem medida ¢ nao livre em si mesma e que, por isso, nao é capaz de encontrar nenhuma Forma determinada nos fendmenos concretos que corresponda completamente a esta abstracdo ¢ universalidade. [394] Nesta ndo correspondéncia, contudo, a Idéia sobrepuja sua existéncia exterior, ao invés de nela nascer ou de estar nela com- 2s CURSOS DE ESTETICA pletamente acabada. Este estar mais além da determinidade do fenémeno cons titui 0 cardter geral do sublime. Primeiramente, no que diz. respeito ao aspecto formal, temos de dar agora apenas uma explicagao bastante geral daquilo que é entendido por simbolo. O simbolo em geral é uma existéncia exterior imediatamente presente ou dada para a intuigao, a qual porém nao deve ser tomada do modo como se apresenta de imediato, por causa dela mesma, mas deve ser compreendida num sentido mais amplo e mais universal. Por isso, devem ser distinguidas a seguir duas coisas no simbolo: primeiro o significado e depois a expressdo do signi- ficado. Aquele € uma representagdo ou um objeto, indiferente de qual contet- do, esta € uma existncia sensivel ou uma imagem de qualquer espécie. 1. Inicialmente, 0 simbolo é um signo. Mas na mera designagiio a cone- xdo que possuem o significado ¢ a sua expresso mutuamente apenas uma Jungdo inteiramente arbitréria. Esta expressdo, esta coisa sensfvel ou imagem Se representa entao tampouco a si, de modo que leva diante da representagdo muito mais um contetido estranho a ela, com o qual no precisa estar em ne- nhuma comunidade peculiar. Assim, por exemplo, os sons séo nas Iinguas sig- nos de alguma representagdo, sensagao [Empfindung] etc. Mas a parcela pre- dominante dos sons de uma lingua esté ligada, quanto ao Contetido, as repre- sentagdes por eles expressos de um modo casual, ainda que fosse possivel mostrar por meio de um desenvolvimento histérico que a conexdo origindria era de outra natureza [Beschaffenkeit]; ¢ a diversidade das I{nguas consiste par- ticularmente no fato de que a mesma representagdo € expressa por um soar diverso. Um outro exemplo de tais signos so as cores (les couleurs?) empre- gadas [395| nos emblemas ¢ nas flamulas a fim de indicar a qual nago perten- ce um individuo ou navio. Tal cor no contém em si mesma igualmente ne- nhuma qualidade que fosse"Eomum ao seu significado — a saber, & nagao por meio dela representada. No sentido de uma tal indiferenca do significado e da designagao do mesmo, nao devemos, portanto, tomar o simbolo no que se refere & arte, uma vez que a arte em geral consiste justamente na relagdo, no paren- tesco € no entrelagamento (Jneinander] concreto entre significado ¢ forma. 2. De maneira diversa € com um signo que ha de ser um simbolo. O leo, por exemplo, 6 tomado como um simbolo da coragem, a raposa como simbolo da asticia, 0 cfrculo como simbolo da eternidade, o triangulo como sfmbolo da trindade. Mas o leo, a raposa, possuem eles mesmos por si as pro- Priedades cujo significado devem expressar. Do mesmo modo, 0 cfrculo nao 2. Bm francés no original: “as cores” (N. da T). 6 DO SIMBOLO EM GERAL indica © inacabado ou arbitrariamente limitado de uma linha reta ou de uma outra linha que nao retorna para si mesma, a que corresponde igualmente al- gum intervalo de tempo limitado; ¢ o triangulo possui como um todo 0 mes- mo ntimero de lados e angulos que resultam da Idéia de Deus, quando as de- terminagdes que a religido apreende de Deus séo submetidas ao enumerar. Nestas espécies de sfmbolo, por conseguinte, as existéncias [Existenzen] sens(veis dadas jé tém na sua pr6pria existéncia [Dasein] aquele significado para cuja exposigio e expresso sio empregadas; e o simbolo, tomado neste sentido mais amplo, no € portanto um signo meramente indiferente, mas um signo que na sua exterioridade compreende ao mesmo tempo em si mesmo o contetido da representagdo, que ele, o signo, faz gparecer. Ao mesmo tempo , porém, ele nao deve trazer-se a si mesmo diante da consciéncia enquanto esta coisa singular concreta, mas em si mesmo deve justamente trazer diante da cons- ciéncia aquela qualidade universal do significado. 3. Além disso, hé de se observar, em terceiro lugar, que o simbolo, [396] embora nio possa ser de modo algum adequado ao seu significado, nfio como © signo meramente exterior e formal, ele, inversamente, para permanecer to- davia simbolo, também nao deve se fazer completamente adequado ao signifi- cado. Pois se por um lado o contetido, que é o significado, e a forma, que empregada para a sua designaco, também concordam em uma propriedade, assim, por outro lado, a forma simb6lica contém, todavia, também para si ainda outras determinagSes, completamente independentes daquela qualidade comum que ela uma vez significou; do mesmo modo o contetido nao precisa ser ape- nas um conteiido abstrato, como a forga, a astiicia, mas pode ser um contetido concreto, que por seu lado também pode conter novamente qualidades peculi- ares ~ distintas da primeira propriedade que constitui o significado de seu sfm- bolo ¢ igualmente ainda mais distintas das constituigdes peculiares restantes desta forma. — Assim, 0 leo por exemplo nfo é apenas forte, a raposa apenas astuta, € particularmente Deus tem ainda outras propriedades completamente diferentes daquelas que podem ser apreendidas num nimero, numa figura ma- temética ou numa forma animal. Por isso, 0 contetido permanece também in- diferente frente & forma que o representa; e a determinidade abstrata que cle constitui pode estar presente de igual modo em outras infinitas existéncias ¢ configurages. Um contetido concreto tem igualmente muitas determinagdes nele mesmo, para cuja expresso podem servir outras configuragdes, nas quais reside a mesma determinagio. Vale exatamente o mesmo para a exist¢ncia ex- terior na qual se expressa algum contesido de modo simb6lico. ‘Também ela, enquanto existéncia concreta, tem nela igualmente muito mais determinagdes 7 CURSOS DE ESTETICA das quais ela pode ser simbolo. Assim, o ledo € sem davida o simbolo mais apropriado da forga, bem como também o touro, o chifre, e, inversamente, 0 touro tem novamente varios outros significados simbélicos. Completamente infinita, porém, € a quantidade de configuragdes ¢ formagdes [Gebilden] que foram usadas como simbolos para representar Deus. [397| Daqui se segue que o simbolo permanece essencialmente ambiguo quanto ao seu préprio conceito. a) Em primeiro lugar, a visio de um simbolo conduz em geral imediata- mente A divida se uma forma deve ou ndo ser tomada como simbolo, mesmo quando deixamos de lado a ambigiiidade ulterior no que se refere ao contetido determinado, o qual uma forma deve designar dentre varios significados, para cujo simbolo ela pode ser muitas vezes empregada por meio de conexGes mais longinquas. O que de infcio se nos apresenta é geralmente uma forma, uma imagem, que fomece por si apenas a representagio de uma existéncia imediata. Por exem- plo, um ledo, uma guia, uma cor, representam-se a si mesmos e podem valer suficientemente por si mesmos. Por isso coloca-se a pergunta se um leo, cuja imagem nos foi apresentada, deve expressar e significar apenas a si mesmo ou se deve, além disso, representar e designar ainda outra coisa, o contetido mais abstrato da mera forga ou 0 contetido mais concreto de um heréi ou de uma estago do ano, da agricultura; se tal imagem, como se diz, deve ser tomada propriamente ou ao mesmo tempo e impropriamente ou ainda apenas impro- priamente. ~ Este dltimo caso aparece, por exemplo, nas expressdes simbéli cas da lingua, nas palavras como apreender (begreifen] e concluir [schlieBen] e assim por diante®. Quando elas designam atividades espirituais, temos ime- diatamente diante de nés apenas este seu significado de uma atividade espiri- tual, sem no entanto nos recordarmos a0 mesmo tempo também das agGes sen- siveis de aprender, de concluir. Mas diante da imagem de um ledo no se nos coloca & nossa vista apenas o significado que ele pode ter enquanto simbolo, mas colocam-se também esta forma ¢ existéncia sensiveis elas mesmas. Tal dubiedade, portanto, acaba apenas quando cada um dos dois lados, 0 significado e sua forma, so mencionados explicitamente € ao mesmo tempo é expressa sua relagdo. Mas ento a existéncia concreta representada também no € mais um simbolo no sentido aut8ntico da palavra, porém uma mera imagem, € a relagdo |398] entre imagem e significado recebe a conhecida Forma da com- 3. begreifen sigoif “fechar” (N. da T)) “tomar”, “apreender”, splar"; a0 passo que schliefen significa “conclu”, 28 DO SIMBOLO EM GERAL. paragdo, do simile. No s{mile, a saber, ambas as coisas tém de estar presentes: por um lado, a representaco universal ¢, por outro lado, a sua imagem con- creta. Se, do contrério, a reflexdo nao tiver chegado téo longe a ponto de aprender autonomamente representacdes universais ¢, portanto, de colocé-las também em relevo para si, entio também a forma sensfvel aparentada, na qual um significado mais universal deve encontrar sua expressio, nao é ainda pen- sada como separada deste significado, mas as duas coisas pensadas imediata- mente em uma s6. Isto constitui, como veremos mais tarde, a diferenga entre © simbolo e a comparagiio. Desta maneira exclama, por exemplo, Karl Moor! na presenga do por-do-sol: “Assim morre um heréi!”. Aqui o significado se encontra expressamente separado da exposicZo seasivel e a imagem 6 ao mes- mo tempo acrescentada ao significado. Em outros casos, na verdade, esta se- paragdo ¢ relagio nos s{miles nao é tao claramente ressaltada, mas a conexio permanece mais imediata; tem de se tornar claro entéo a partir de uma outra conexio do discurso, da posigao e de outras circunstancias, que a imagem no 6 suficiente por si mesma, mas que se pensa, com isso, este ou aqucle signi cado determinado, o qual no pode permanecer duvidoso. Por exemplo, quan- do Lutero diz: Ein’ feste Burg ist unser Gott’; ou quando lemos: In den Ocean schifft mit tausend Masten der Jungling, Still auf gerettetem Boot treibt in den Hafen der Greis.* nao h4 nenhuma diivida quanto ao significado de protegio no caso de fortale- Za, quanto a0 significado de mundo de esperangas e planos na imagem do oceano e dos mil mastros, quanto ao significado de fim e de posse limitados, quanto ao significado da pequena mancha segura na imagem do barco, do porto. De 4, Karl Moor € o personagem central do drama Os Bandidos de Schiller. Cf. a reforéncia de Hegel ao personagem (p. 256, vol. 13 da edigéo Sulrkamp; p. 203 da nossa tradugio do primeiro volume) na primeira parte de Cursos de Estética (N. da 7). 5. “Uma fortaleza firme é 0 nosso Dews.” A expressio de Lutero remete 20 salmo 46 de David, por ele mesmo traduizido. Cf. Die Psalmen Davids nach der deutschen Ubersetzung D. Martin Luthers. Berlin und Kéla, Britische und Auslindische Bibelgesellschaft, 1895, p. 35-36. Bach compés, tama obra musical a partir desta expressio (N. da.) 6. “0 jovem navega no oceano com mil mastros/ O velho no barco adentra a salvo silenciosamente @ porto.” Epigrama de Schiller do ano de 1796 intitulado “Erwartung und Erfillung” (Espera e Cumprimento} (N. da 7) CURSOS DE ESTETICA igual modo, quando € dito no Antigo Testamento: “Deus, quebre os seus den- tes na sua boca; Senhor, esmague as presas dos jovens ledes!”” — reconhece-se aqui de imediato que os dentes, a boca, as presas, dos jovens ledes no sio tomados por si mesmos, mas so tomados |399| apenas imagens ¢ intuigdes sen- siveis, as quais devem ser compreendidas inautenticamente ¢ nas quais trata-se apenas do seu significado. Esta dubiedade, porém, se apresenta tanto mais no simbolo enquanto tal quando uma imagem, que tem um significado, € apenas entio denominada prin- cipalmente de simbolo quando este significado, no como na comparagao, € ex- presso por si mesmo ou jé 6, aliés, claro, Certamente dese modo também é re- movida do sfmbolo auténtico a sua ambigtidade, pelo fato de a unio da ima- gem sensfvel com o significado, devido a esta incerteza mesma, se fazer um habito € se tomar algo em maior ou menor grau convencional - como o € inevitavel- mente necessério com respeito aos meros signos ~ ao passo que o sflime se dé apenas como algo encontrado, algo singular, para fins momentaneos, o que é claro por si mesmo, pois ele traz consigo mesmo o seu significado. Mesmo que para aqueles que se encontram no circulo convencional do representar 0 simbo- lo determinado por meio do hébito também seja claro, a coisa se passa, em contrapartida, de modo totalmente diferente com todos os restantes que no se encontram no mesmo cfrculo ou para os quais o mesmo é algo do passado. A eles & dada de inicio apenas a exposigio sensivel imediata, e sempre permanece- Ihes duvidoso se devem se satisfazer com aquilo que est4 A sua frente ou se com isso sfio remetidos ainda a outras representagées e pensamentos. Quando, por exemplo, vemos em uma igreja cristo tridngulo em algum lugar destacado da parede, reconhecemos de imediato que aqui no se pensa na intui¢ao sensfvel desta figura enquanto mero,triangulo, mas que se trata de um significado dele. Num outro local, em contrapartida, é igualmente claro para nés que a mesma figura nao deve ser tomada como simbolo ou signo da trindade. Porém, outros povos nao cristdos que desconhecem este hébito ou conhecimento, ficardo hesi- tantes neste ponto, € nés mesmos nfo podemos determinar |400| em todos os momentos, com certeza idéntica, se um tridngulo deve ser tomado como trian- gulo auténtico ou simbolicamente. b) Em vista desta inseguranga, nao se trata porventura de meros casos isolados, nos quais ela se apresenta, mas de Ambitos artisticos inteiramente extensos, do conteddo de uma matéria enorme que esta diante de nés: do con- tetido de quase a totalidade da arte oriental. Por isso, ndo nos sentimos de fato 7. A expressio remete ao salmo 3 de David, cf. tradugio de Lutero, op. cit., p4 (N. da T). 30 DO SIMBOLO EM GERAL seguros no mundo das formas ¢ configuragdes da antiga Pérsia, da fndia, do Egito, quando o adentramos pela primeira vez; sentimos [fishlen} que transita- mos por tarefas; essas configurag6es nem nos agradam por si mesmas, nem nos divertem e satisfazem segundo sua intuigdo imediata, mas nos exortam por elas mesmas a buscar além delas seu significado, o qual € ainda algo mais amplo e mais profundo do que estas imagens. Em outras produgdes, ao contrério, vé- se j4 num primeiro exame que devem ser um mero jogo com imagens ¢ estra- nhas jungdes casuais, como, por exemplo, em contos infantis. Pois criangas contentam-se com tal superficialidade de imagens, com o seu ocioso jogo des- provido de espirito ¢ com a composigio vacilante delas. Mas, ainda que na sua infancia, os povos exigiam um Conteiido mgfs essencial, ¢ este encontra- mos de fato também nas formas artisticas dos indianos e dos egfpcios, embora 86 esteja indicada a explicagdo nas configuragdes enigméticas dos mesmos grande dificuldade tenha sido colocada no caminho do deciframento. O quan- to, nesta inadequaco entre o significado e a expresso artistica imediata, deve ser atribufdo a escassez. da arte, & impureza e & falta de Idéias da fantasia mesma, © quanto em contrapartida se mostra assim porque a configurago mais pura € correta ndo seria capaz de expressar por si mesma o significado mais profun- do, ¢ 0 elemento fantastico e grotesco também tenha sido feito justamente em vista de uma representagdo de maior alcance — tudo isso é 0 que justamente pode de inicio surgir como duvidoso, numa amplitude muito abrangente. |401| Mesmo nos mbitos cléssicos da arte apresenta-se ainda vez por outra uma semelhante incerteza, embora o clissico da arte consista em nfo ser simbélico segundo a sua natureza, mas completamente nitido ¢ claro em si mesmo. O ideal classico é, a saber, claro por apreender 0 verdadeiro contetido da arte, ou seja, a subjetividade substancial, e, desse modo, por encontrar também a verdadeira forma, que em si mesma [an sich selbst] nfo expressa nada mais a nao ser aquele contedido auténtico, de modo que, por conseguinte, o sentido, o significado, no é outro sendo aquele que se encontra efetivamente na forma exterior, na medida em que os dois lados se correspondem de modo consumado; enquanto no simbélico, no simile etc. a imagem representa sempre ainda alguma outra coisa do que apenas 0 significado, para o qual fornece a imagem. Mas também a arte cléssica tem ainda um lado de ambigtidade, na medida em que se mostra incerto nas configuragdes mitolégicas dos antigos se devemos permanecer diante das formas externas enquanto tais e admird-las apenas como um gracioso jogo de uma fantasia feliz, porque a mitologia seria em geral apenas uma ocio- sa invengdo de fabulas, ou se temos de perguntar ainda por um outro sig- 3 CURSOS DE ESTETICA nificado mais profundo. Esta dltima exigéncia pode nos fazer pensar prin- cipalmente onde o conteddo dessas fabulas se refere a vida e & obra do divino mesmo, enquanto as hist6rias que nos so relatadas deveriam ser vistas entéo apenas como simplesmente indignas do absoluto e, portanto, meramente como invengo inadequada, despropositada. Por exemplo, quando lemos ou simplesmente ouvimos falar dos doze trabalhos de Hércules, que Zeus expulsou Hefesto do Olimpo para a ilha de Lemnos, que por isso Vulcano se tornou coxo, acreditamos escutar nada mais do que uma ima- gem fabulosa da fantasia. De igual modo, as varias aventuras amorosas de Jupiter podem nos parecer imaginagGes meramente arbitrérias. Mas, inver- samente, por tais histérias serem contadas justamente acerca da mais alta divindade, torna-se igualmente de novo crivel que se encontra escondido nelas ainda um outro significado mais amplo |402| do que o imediatamente dado pelo mito. Por isso, nesta relagao fizeram-se valer principalmente duas representa- ges opostas. Uma toma a mitologia por histérias meramente exteriores, as quais seriam indignas se comparadas com Deus, mesmo que também pudes- sem ser, consideradas por si mesmas, graciosas, adordveis ¢ interessantes, ou mesmo de grande beleza, mas no deveriam dar motivo para uma explicagao ulterior de significados mais profundos. A mitologia hé de ser considerada, portanto, como meramente histérica ~ segundo a forma na qual ela se encon- tra disponivel —, na medida em que ela se mostra, por um lado, segundo seu aspecto artistico, como suficiente para si nas suas configuragdes, imagens, deuses € nas aces e acontecimentos deles, pois inclusive em si mesma jé fornece a explicagao por meio do ressaltamento dos significados; por outro lado, na me- dida em que, segundo seu surgimento histérico, se formou a partir de infcios de locais, bem como a parti da arbitrariedade dos sacerdotes, artistas e poe- tas, de acontecimentos hist6ricos, de lendas e tradicdes estranhas. O outro ponto de vista, ao contrério, no pretende satisfazer por meio da mera exterioridade das formas ¢ narrativas (Erzdhlungen] mitol6gicas, mas insiste no fato de que nelas reside um sentido universal profundo, cujo reconhecimento, no seu ocul- tamento, é a tarefa auténtica da mitologia enquanto considerago cientffica dos mitos. A mitologia tem de ser apreendida, portanto, simbolicamente, Pois sim- bélico significa aqui apenas que os mitos encerram em si mesmos, enquanto ctiagdes do espfrito — por mais bizarras, engragadas, grotescas etc, que tam- bém possam parecer, por mais que muito possa ser misturado com arbitrarie- dades exteriores contingentes da fantasia ~ ainda assim significados, ou seja, pensamentos universais sobre a natureza do Deus, filosofemas. 2 areca ana DO SIMBOLO EM GERAL Neste sentido, particularmente Creuzer recomegou recentemente a discu- tir em sua obra Simbélica® as representagdes mitol6gicas |403| dos povos an- tigos, nfo segundo a maneira convencional, de modo externo ¢ prosaico, ou mesmo segundo o seu valor artistico, mas procurou nelas uma racionalidade interior dos significados. Ele se deixou guiar pelo pressuposto de que os mi- tos ¢ as hist6rias Jendérias tiveram sua origem no espfrito humano, o qual cer- tamente foi capaz. de se entreter com as suas representagSes dos deuses; com 0 interesse pela religido, porém, acedeu a um ambito mais elevado, onde a ra- 280 se torna inventora de formas, mesmo que ainda permanega presa a defici- éncia de ndo poder expor de inicio o seu interior de modo adequado. Esta hipétese € verdadeira em si ¢ para si: a religifo engontra sua fonte no espfrito, © qual procura a sua verdade, a pressente e « traz para a sua consciéncia em alguma forma que tenha um parentesco mais estreito ou mais amplo com este Contetido da verdade. Mas quando a racionalidade inventa as formas, entfio se coloca também a necessidade de reconhecer racionalidade. Somente este re- conhecimento é verdadeiramente digno do homem. Quem o deixa de lado, néo ‘obtém nada mais do que uma massa de conhecimentos exteriores. Se, ao con- trério, cavamos atrés da verdade interior das representacdes mitolégicas, en- to podemos justificar as diversas mitologias sem no entanto perder de vista 0 outro lado, ou seja, a casualidade e a arbitrariedade da imaginagao, a localida- de ¢ assim por diante. Mas € um empreendimento nobre justificar 0 homem por meio de suas imagens ¢ formas espirituais, mais nobre do que 0 mero co- lecionar de exterioridades hist6ricas. Houve certamente quem se langou contra Creuzer com a objegdo de que ele, 2 maneira dos neoplaténicos, somente pro- jetou tais significados mais distantes nos mitos ¢ de que procurou neles pensa- ‘mentos sobre os quais nfo s6 nfo foi evidenciado historicamente que eles efe- tivamente estiveram nos mitos, mas sobre os quais pode ser inclusive provado historicamente que, para encontré-los, € necessério primeiramente introduzi- los nos mitos. Pois 0 povo, os poetas os sacerdotes |404| — embora por outro lado por mais que se fale novamente da enorme sabedoria secreta dos sacerdo- tes — no teriam sabido nada sobre tais pensamentos, os quais seriam inade- quados a toda a cultura [Bildung] de seu tempo. No que se refere a este tlti- mo ponto, tem-se toda razio. De fato, os povos, os poetas ¢ os sacerdotes nao estiveram de posse, nesta Forma da universalidade, dos pensamentos univer- sais, 0s quais estiio na base de suas representacdes mitolégicas, como se pri- 8. Friedrich Creuzer, Simbolismo e Mitologia dos Povos Antigos, particularmente dos Gregos. 4 vol. (1810-1812). B rete CURSOS DE ESTETICA 65 tivessem encoberto intencionalmente na forma simbélica, Mas Creuzer também nio afirma isto. Embora os antigos no pensassem naquilo que perce- bemos agora em sua mitologia, daf nfo se segue de modo algum que suas re- Presentacdes nao fossem em si simbolos ¢ que, portanto, tém de ser tomadas desse modo, na medida em que os povos, na época em que poetizavam seus mitos, viviam em estados eles mesmos posticos e, portanto, tornavam consci- ente o que Ihes era mais interior [Innerstes] e mais profundo [Tiefstes] nfo na Forma do pensamento, mas em formas da fantasia, sem separar as representa- Ses universais abstratas das imagens concretas. Em esséncia temos de reter ¢ de supor que este seja efetivamente 0 caso, mesmo que também seja possfvel conceder que em tais modos simbélicos de explicagao muitas vezes também possam se insinuar combinagées meramente artisticas, chistosas, como na pré- tica da etimologia. c) Mas por mais que possamos concordar com o ponto de vista de que a mitologia, com suas hist6rias de deuses e suas configuragées detalhadas de uma fantasia cada vez mais poética, encerra em si mesma um Contetido racional e representagGes religiosas profundas, no tocante 4 Forma de arte simb6lica ainda resta a questo se entio toda mitologia ¢ arte deve ser apre- endida simbolicamente; como afirmava, por exemplo, Friedrich von Schlegel, de que em cada exposigao artistica hé de se procurar uma alego- tia? O simbélico ou alegérico é entéo entendido de maneira que a cada obra de arte e a cada forma mitoldgica serve de base um pensamento uni- versal, o qual |405| entéo para si, ressaltado em sua universalidade, deve fornecer a explicagao do que de fato significa uma tal obra, tal representa- ao. Recentemente, este modo de tratamento tornou-se igualmente muito comum. Assim, por exemplo, procurou-se explicar nas recentes edigdes de Dante, onde sem diivida Zparecem miiltiplas alegorias, cada canto comple- tamente de modo alegérico, ¢ também as edigdes de Heyne"? de poetas antigos procuram esclarecer nas notas o sentido universal de cada metéfora por meio de determinagées abstratas do entendimento. Pois particularmen- te 0 entendimento se apressa na dire¢o do simbolo e da alegoria, na me- dida em que separa imagem ¢ significado e com isso destréi a Forma de arte, na qual nfo se trata desta explicagao simbélica, que apenas quer ex- trair 0 universal enquanto tal. 9. “Toda beleza € alegoria®, In: Schlegel, F'; Conversa sobre a Poesia. Tradugto de Victor P. Stirnimann, Sio Paulo, lluminuras, 1994, p.58. Hegel faz. uma nova referéacia a este tema @ seguir, na pégina 123. (N. da 7) 10. Christian Gottlob Heyne, 1729-1812, fil6logo clissico. ” DO SIMBOLO EM GERAL. Tal extensio do simbélico para todos os Ambitos da mitologia ¢ da arte ndo € de modo algum aquilo que temos aqui diante dos nossos olhos na con- sideragdo da Forma de arte simbélica. Pois 0 nosso esforgo nfo consiste em verificar em que medida formas artisticas, neste sentido da palavra, poderiam ser interpretadas simbolica ou alegoricamente, mas temos de perguntar, inver- samente, em que medida o simbélico h4 de ser creditado & Forma de arte. Nés queremos estabelecer a relacio artistica do significado com a sua forma na me- dida em que a mesma € simbélica, 2 diferenca de outros modos de exposicao, principalmente os modos de exposigo clssico e romantico. Nossa tarefa deve consistir, portanto, em delimitar expressamente o cfrculo do que deve ser ex- posto em si mesmo como simbolo auténtico e, portgnto, considerado como sim- bélico, ao invés de abarcar aquela expansio co simbélico para a totalidade do Ambito artistico, Neste sentido jé foi indicada acima a divisio do ideal artisti- co nas Formas do simbiélico, do classico e do romantico. [406] O simbélico, conforme o nosso sentido da palavra, ao invés de cons- tituir representagdes indeterminadamente universais ¢ abstratas, termina ime- diatamente onde a individualidade livre constitui 0 Contetido e a Forma da exposigao. Pois o sujeito € 0 significativo por si mesmo e 0 que se explica a si mesmo. O que ele sente, pensa, faz, realiza, suas propriedades, ages, seu carter, sio ele mesmo; e todo o cfreulo de seu aparecer [Erscheinen] espiri- tual e sensivel nfo possui outro significado que 0 sujeito, o qual em sua ex- pansio ¢ desdobramento traz apenas a si mesmo, enquanto soberano, para a intuig&io por meio da totalidade de sua objetividade. Significado ¢ exposigao sensfvel, interior ¢ exterior, coisa e imagem, no séo entéo mais diferenciados um do outro e no se dio como meramente aparentados, tal como no simb6- ico auténtico, mas como um todo no qual o fendmeno nao tem nenhuma ou- tra esséncia e a esséncia nfo tem mais nenhum outro fendmeno fora ou ao lado de si mesmo. O que se manifesta ¢ 0 que se manifestou foram clevados [aufgehoben] & unidade concreta. Neste sentido, os deuses gregos, na medida em que a arte grega os apresenta enquanto individuos livres, em si mesmos encerrados de modo autOnomo, nao devem ser tomados simbolicamente, mas siio suficientes por si mesmos. Para a arte, as ages de Zeus, de Apolo, de Atena, pertencem justamente apenas a estes individuos ¢ devem expor nada mais do que seu poder e paixdo. Caso seja abstrafdo de tais sujeitos livres em si mesmos um conceito universal como seu significado ¢ colocado ao lado do particular como explicagao de todo o fendmeno individual, entéo ndo é leva- do em consideragdo ¢ € destrufdo 0 que nessas formas € adequado 2 arte. Por isso, os artistas também nao puderam simpatizar com tal modo simbélico de 35 CURSOS DE ESTETICA interpretar todas as obras de arte ¢ suas figuras mitol6gicas. Pois 0 que ainda resta como alusdo efetivamente simbélica ou como alegoria na espécie de ex- posigdo artfstica anteriormente mencionada, refere-se a coisas secundérias ¢ 6 ‘entdo também rebaixado expressamente a um mero atributo ¢ signo, |407| como, por exemplo, a dguia est ao lado de Zeus ¢ 0 boi acompanha o evangelista Lucas, ao passo que os eg{pcios tinham em Apis a intuigo mesma do divino. © ponto dificil nesta aparigdo adequada & arte da subjetividade livre re- side, porém, em distinguir se o que representado como sujeito tem também individualidade e subjetividade efetivas ou se carrega em si apenas a aparén- cia vazia das mesmas enquanto mera personificagao. Neste dltimo caso, a per- sonalidade nao é nada mais do que uma Forma [Form] superficial que nao ex- pressa 0 seu proprio interior nas agGes particulares e na forma (Gestal!] cor- poral e, com isso, nfo penetra na exterioridade inteira de sua aparigao como sendo a sua pr6pria aparigdo, mas tem para a realidade exterior, enquanto seu significado, ainda um outro interior, o qual ndo é esta personalidade e subje- tividade mesma. Isso constitui o ponto de vista principal no que se refere & delimitagao da arte simbélica. Nosso interesse, portanto, na consideragdo do simbélico, esta em reco- nhecer 0 curso interior da génese da arte, na medida em que o mesmo se dei- xa deduzir do conceito do ideal que se desenvolve para a verdadeira arte, e, com isso, em reconhecer a sequiéncia de est4gios do simb6lico como os estégi- os para a verdadeira arte. Por mais estreita que seja a conexo entre religigo arte, nio devemos, no entanto, tomar os s{mbolos mesmos e a religido enquanto abrangéncia das representagdes simb6licas ou imagéticas no sentido mais am- plo da palavra, mas considerar nelas apenas aquilo segundo o qual pertencem @ arte enquanto tal. Quant® ao lado religioso, devernos deixé-lo a critério da hist6ria da mitologia. 36 DIVISAO Sobretudo os pontos limites devem ser fixados para uma diviséo mais preci- sa da Forma de arte simbélica, no interior dos quais se move o desenvolvimento. |408| Como jé foi dito, este Ambito inteiro forma em geral, em primeiro lugar, @ pré-arte, na medida em que inicialmente temos diante de nés apenas significados abstratos, ainda nao essencialmente individualizados em si mes- mos [an sich selbst], cuja configuragio imediatamente ligada a eles é tanto adequada quanto inadequada. O primeiro ambito limite é, portanto, o traba- Ihar-se-a-si-mesmo-para-fora [Sichhervorarbeiten] da intuigo e exposigao ar- tfsticas em geral; 0 limite oposto, entretanto, nos é fornecido pela arte autén- tica, para a qual se eleva o simbélico enquanto para a sua verdade. Se quisermos falar de modo subjetivo do surgimento inicial da arte sim- Délica, entéo podemos nos lembrar daquele ditado segundo 0 qual a intuico artistica, em geral como a intuigo religiosa — ou antes ambas em uma ~ e inclusive a investigaco cientifica, tiveram infcio com a admiragio"'. O ho- mem que ainda nao se admira por nada, vive ainda no embotamento e na apati ‘A ele nada interessa e nada € para ele, pois ele ainda no se separou e se liber- tou por si mesmo dos objetos ¢ de sua existéncia singular imediata. Mas por outro lado, aquele que nao se admira mais por nada, considera a exterioridade inteira como algo do qual se assenhorou ~ seja no modo abstratamente racio- nal de um esclarecimento universal humano, seja na consciéncia nobre ¢ mais profunda da liberdade e universalidade espiritual absoluta ~ e por conseguinte transformou os objetos ¢ sua existéncia em intelecgao espiritual autoconsciente. 11. ditado remete a Aristételes, Metafisica, A. 2. 982b (N. da T) 7 (CURSOS DE ESTETICA A admiragio, ao contrério, vem & luz apenas onde o ser humano, arrancado da mais imediata ¢ primeira conexdo com a natureza e da relagdo proxima e meramente prética do desejo, se afasta espiritualmente da natureza e de sua prépria existéncia singular e, entdo, procura e vé nas coisas um universal, algo que é em si mesmo e permanente. Apenas ento chamam-lhe a ateng&o os objetos da natureza, eles so um outro que de fato deve ser para ele e onde ansia re- encontrar-se a si mesmo, os pensamentos, a razo. Pois 0 |409| pressentimento de algo mais elevado ¢ a consciéncia da exterioridade ainda se encontram inseparados, ¢ mesmo assim existe ao mesmo tempo uma contradig&o entre as coisas naturais ¢ o espfrito, na qual os objetos se mostram de igual maneira atrativos repulsivos e cujo sentimento [Gefiihl], no {mpeto de remover a contradi¢ao, gera justamente a admiragao. © préximo produto deste estado consiste, pois, no fato de que o homem, por um lado, contrapde a si mesmo a natureza ¢ a objetividade em geral como fundamento ¢ as venera como poder, por outro lado, entretanto, satisfaz igual- mente a necessidade de fazer para si exterior o sentimento de algo mais eleva- do, essencial, universal, e de intuf-lo objetivamente. Nesta unio esté dado de imediato que 0s objetos singulares da natureza — e especialmente os elementa- res: 0 mar, 0s rios, as montanhas, os corpos celestes — no podem ser tomados em sua imediatez isolada, mas, elevados & representagio, obtém a Forma da existéncia universal, que é em si e para si, para a representagio. A arte comega quando cla novamente capta, segundo sua universalidade € seu ser em si essencial, estas representagdes em uma imagem para a intui¢ao em vista da consciéncia imediata e as exterioriza para o espfrito na Forma objetual da imagem. A veneragdo imediata das coisas da natureza, 0 culto & natureza ¢ a0 fetiche, ndo,sfo, portanto, ainda nenhuma arte. Segundo 0 lado objetivo, o inicio da arte se encontra na mais estreita conexdo com a religio. As primeiras obras de arte so de espécie mitolégica. Na religiao € o absoluto em geral que se leva A consciéncia, mesmo que tam- bém segundo suas determinacdes mais abstratas e mais pobres. A préxima ex- plicagdo, pois, que esta af para 0 absoluto, so os fendmenos da natureza, em cuja existéncia 0 homem presente o absoluto e, por conseguinte, 0 torna intufvel a sina Forma dos objetos da natureza, Neste aspirar a arte encontra sua primeira origem. [410] No entanto, também nesta relago ela surgiré pri- meiro onde 0 ser humano no apenas avista imediatamente 0 absoluto nos objetos efetivamente existentes e se satisfaz com este modo da realidade do divino, mas onde a consciéncia produz a partir dela mesma a apreensio do que para ela € 0 absoluto na Forma do que € exterior em si mesmo [an sich 8 pivisio selbst}, bern como produz. a partir de si mesma 0 objetivo [das Objektive] desta jungdo mais adequada ou mais inadequada. Pois & arte pertence um Contetido substancial apreendido pelo espirito, Conteddo que certamente aparece exter- namente, mas numa exterioridade que no esté apenas imediatamente dada, a qual é contudo primeiramente produzida por meio do espirito como uma exis- téncia que compreende e expressa aquele contetido. Entretanto, a primeira in- térprete que forma com maior preciso as representagSes religiosas € a arte somente, pois a considerago prosaica do mundo objetual se faz valer primei- ramente quando 0 homem em si mesmo, enquanto autoconsciéncia espiritual, se libertou da imediatez e se contrapde a ela nesta liberdade, na qual ele aco- Ihe racionalmente a objetividade como uma meragexterioridade. Esta separa- Ho, contudo, é sempre apenas um estégio mais tardio. O primeiro saber do verdadeiro, ao contrério, revela-se como um estado intermedirio entre a mera submersio destituida de espirito na natureza ¢ a espiritualidade completamen- te liberta da natureza. Este estado intermediério, no qual o espirito coloca di- ante dos olhos suas representagées, portanto, apenas na forma [Gestalt] de coisas da natureza, pois ele ainda nfo alcangou uma Forma [Form] mais elevada, mas todavia se esforga nesta unio em tornar ambos os lados adequados um a0 ou- tro, € em geral o ponto de vista da poesia e da arte frente ao entendimento prosaico. Por isso, a consciéncia completamente prosaica também aparece pri- meiramente onde o principio da liberdade espiritual subjetiva alcanga a efeti- vidade em sua Forma abstrata ¢ verdadeiramente concreta, no mundo romano ¢ entiio mais tarde no mundo cristo moderna. Em segundo lugar, o ponto final ao quel aspira a Forma de arte simbé- lica e com cuja consecugio ela se dissolve enquanto simbélica, J411| € a arte cléssica. Esta, embora trabalhe 0 verdadeiro fendmeno da arte, no pode ser a primeira Forma de arte; ela conserva os diversos estigios de mediagao e de passagem do simbélico como o seu pressuposto. Pois o seu Contetido adequa- do é a individualidade espiritual, a qual apenas pode entrar na consciéncia depois de miltiplas passagens ¢ mediagées, enquanto conteddo e Forma do absoluto € do verdadeiro. 0 inicio é constitufdo sempre pelo abstrato e pelo indetermi- nado segundo o seu significado; a individualidade espiritual, contudo, tem de ser essencialmente concreta em si ¢ para si mesma. Ela € 0 conceito que se determina a partir de si mesmo na sua efetividade adequada, conceito que s6 pode ser apreendido depois de ter pressuposto os aspectos abstratos, dos quais, 6 0 mediador, na sua formago unilateral. Tendo isto ocorrido, entéo ele aca- ba ao mesmo tempo com aquelas abstragGes por meio de seu préprio surgi mento enquanto totalidade. Este € 0 caso na arte clissica. Bla p6e termo as 39 (CURSOS DE ESTETICA meras pré-tentativas simbolizantes ¢ sublimes da arte, pois a subjetividade espiritual tem a sua (e certamente adequada) forma igualmente em si mesma lan sich selberl, assim como 0 conceito, que se determina a si mesmo, gera para si a existéncia particular adequada a ele a partir de si mesmo. Quando tiver sido encontrado para a arte este contetido verdadeiro e, com isso, a ver- dadeira forma, entio imediatamente chega ao fim a procura e a aspira¢io por ambos, onde justamente se encontra a deficiéncia do simbélico. No interior destes pontos limites, se perguntarmos por um principio mais preciso de divisao para a arte simbélica, entio ela é em geral, na medida em que se embate primeiramente com os significados auténticos ¢ seu modo de configurago correspondente, uma luta entre 0 contetido, que ainda resiste & verdadeira arte, ¢ a Forma do contetido tampouco homogénea. Pois ambos os aspectos, embora unidos na identidade, no coincidem nem entre si nem com © verdadeiro conceito da arte e, por conseguinte, aspiram igualmente sair no- vamente desta associacio deficiente. Com vistas a isso, a arte simbdlica intei ra pode ser [412| apreendida como uma disputa constante entre a adequagio do significado e da forma, e os diversos estégios no so diferentes espécies do simbélico, mas estégios ¢ modos de uma ¢ mesma contradigao. Inicialmente, contudo, esta luta 6 dada apenas primeiramente em si, ou seja, a inadequagio dos aspectos unidos ¢ forgados a uma unido ainda nao chegou a ser para a consciéneia artistica mesma, pois ela nem conhece 0 sig- nificado que apreende para si segundo sua natureza universal, nem sabe apre- ender de modo auténomo a forma real em sua existéncia acabada e, por con- seguinte, ao invés de colocar perante os olhos a diferenca de ambos, parte da identidade imediata dos mesmos. O inicio forma, portanto, a unidade ainda no separada — nesta jungg contraditéria efervescente e enigmética — do Con- tetido da arte e de sua tentativa de expresso simbélica: o simbolismo auténti- co, inconsciente, originério, cujas configuragdes ainda ndo foram estabelecidas [gesetzt] como simbolos. O fim, ao contrério, 6 0 desaparecimento ¢ dissolver-se do simbélico, na medida em que a luta até 0 momento existente em si chegou agora A conscién- cia artfstica e o simbolizar torna-se, portanto, uma separagdo consciente do significado claro para si mesmo e da sua imagem sensivel, aparentada com o seu significado, mas que permanece nesta separaglo a0 mesmo tempo uma relagao expressa, a qual, 20 invés de aparecer como identidade imediata, ape- nas se faz valer enquanto uma mera comparagao de ambos, na qual surge de igual modo a diferenciagao anteriormente nao sabida. - Este é 0 cfrculo do simbolo sabido [gewuften] enquanto simbolo: o significado conhecido e re- “0 pivisio presentado para si segundo sua universalidade, cujo aparecer [Erscheinen] concreto € reduzido expressamente a uma mera imagem e com a qual é com- parado para fins de intuitibilidade artfstica Entre aquele inicio e este fim, est4 no centro a arte sublime. Nela se se- para primeiramente o significado enquanto a universalidade espiritual, que € para si, da |413| existéncia concreta e dé 2 conhecer a mesma como o seu negativo, como 0 seu exterior € como 0 que Ihe serve, que ele, a fim de se expressar nela, no pode deixar permanecer de modo auténomo, mas tem de colocé-la como o deficiente em si mesmo € como 0 que deve ser suprimido em si mesmo, embora ele tenha para a sua expresso nada mais do que justa- mente esta exterioridade e nulidade que the é contgfria. Por isso, 0 brilho desta sublimidade do significado precede, segundo o conceito, a comparagaio autén- tica, pois a singularidade concreta dos fenémenos naturais e de outro tipo pre- cisa ser manuseada em primeiro lugar negativamente e precisa ser empregada apenas para o enfeite ¢ 0 adoro para o poder inalcangével do significado ab- soluto, antes que se possam produzir aquela separacio expressa e aquela com- paragio seletiva dos fenémenos aparentados e mesmo assim diferentes do sig- nificado, cuja imagem devem fornecer. Estes trés est4gios principais indicados dividem-se em si mesmos mais precisamente do modo que se segue. 1. O Simpotismo INCONSCIENTE A. O primeiro estégio nao deve ser ele mesmo nem denominado propri- amente de simbélico nem ser inclufdo propriamente na arte. Antes, ele abre caminho para ambos. Ele é a unidade imediata substancial do absoluto, en- quanto significado espiritual, com a existéncia sensfvel nao separada do signi- ficado numa forma natural. B. O segundo estégio constitui a passagem para o auténtico simbolo, na medida em que esta primeira unidade comesa a se dissolver ¢ entéo, por um lado, os significados universais se ressaltam por si mesmos por sobre os fend- menos singulares da natureza, por outro lado, contudo, nesta universalidade representada eles devem vir perante a consciéncia igualmente na Forma de ob- jetos concretos da natureza, Nesta préxima aspiragao dupla de espiritualizar 0 natural ¢ de sensibilizar o espiritual, mostra-se, neste estdgio de sua diferenga, © fantéstico ¢ a confusdo inteiros, toda a efervescéncia ¢ a vacilante mescla selvagem |414| da arte simbélica, a qual certamente pressente a inadequagao 4a CURSOS DE ESTETICA do seu formar ¢ configurar, mas s6 pode remové-la por nada mais a nao ser a desfiguragao das formas para uma imensiddo de um sublime meramente quan- titativo. Neste estégio vivemnos, portanto, em um mundo repleto de puras in- vengses poéticas, de coisas incriveis ¢ de milagres, sem encontrar contudo obras de arte de auténtica beleza. C. Por meio desta luta entre os significados ¢ a sua exposig&o sensivel atingimos, em terceiro lugar, 0 ponto de vista do simbolo auténtico, a partir do qual é formada inicialmente também a obra de arte simbélica segundo 0 seu caréter completo. As Formas [Formen] ¢ as formas [Gestalten] nao sao mais aqui as sensivelmente dadas, as quais — como no primeiro estégio — co- incidem de imediato com 0 absoluto enquanto a sua existéncia, sem ser pro- duzidas pela arte, ou — como no segundo estégio — sdo capazes apenas de su- perar sua diferenga frente A universalidade dos significados por meio da am- pliagdo exagerada dos objetos particulares da natureza e por meio dos aconte- cimentos pelo viés da fantasia; mas o que agora é levado & intuigo como forma simbélica € uma configuragio gerada pela arte, a qual por um lado deve re- Presentar a si mesma na sua peculiaridade, por outro lado, porém, deve mani- festar ndo apenas este objeto singularizado, mas um significado universal ul- terior a ser ligado a esta configuragdo a ser reconhecido nela, de modo que estas formas permanecem af como tarefas, as quais estabelecem a exigéncia de ser decifrado o interior que nelas foi introduzido. Sobre estas Formas mais determinadas do simbolo ainda originario, no geral podemos antecipar que elas tem origem na concepgao de mundo (Weltanschauung} religiosa de povos inteiros, motivo pelo qual queremos trazer em recordagfo, sob este aspecto, também o histérico. A separagao, contudo, nao deve ser realizada com total rigor, j4 que se misturam os modos singulares de apreensao ¢ & configuracéo conforme a espécic |415| das For- mas de arte em geral, de modo que reencontramos aquela Forma, a qual consideramos como tipo fundamental para a concep¢o de mundo de um Povo, também em povos mais antigos ou mais recentes, embora subordina- da ¢ isolada. De modo essencial, contudo, temos de procurar as intuigdes as provas mais concretas para o primeiro estagio na religiio dos parses an- tigos"*, para o segundo estégio na fndia, para o terceiro est4gio no Egito. 12, Os temos parsischen, parser, que traduzimos por “parsc” se aplcam a0 zoroastrismo das popu lagoes emigradas para a India apés a islamizagfo das regidesiranianas. Mas Hegel os estende para 0 zoroastrismo enquanto tl. A palavra parsi provém em todos os casos do persa pdrst: “aquele que provém do Pars/Fars” (N. da) a bivisio 2. O Simuotismo po SuBLIME Finalmente, por meio do decurso indicado, o significado, que até 0 mo- mento foi obscurecido em maior ou menor grau por sua forma sensfvel parti- cular, alcanga a sua liberdade e, por conseguinte, se torna para si consciente em sua clareza. Desse modo é dissolvida a relagdo autenticamente simbélica e, uma vez que o significado absoluto é apreendido como a substéncia universal que penetra no mundo fenoménico inteiro, surge agora a arte da substanciali- dade — como simbolismo do sublime ~ no lugat das alusées, das desfiguragdes € dos enigmas meramente simb6lico-fantésticos. A esse respeito devem ser diferenciados prigcipalmente dois pontos de vista, 0s quais encontram o seu fundamento na relagdo diferenciada da subs- tancia, enquanto o absoluto e o divino, com a finitude do fendmeno. Esta re- lago pode ser, a saber, dupla, positiva e negativa, embora nas duas Formas — J que é sempre a substancia universal que hi de surgir - deve vir & intuigéo nas coisas sua alma universal e sua posicao em relagdo a esta substincia ¢ nao a sua forma e o seu significado particulares. A. Esta relagdo é apreendida no primeiro estégio de tal modo que a subs- tAncia, enquanto o todo e o uno libertado de cada particularidade, é imanente aos fenémenos determinados enquanto alma que os produz ¢ os vivifica, € intufda nesta imanéncia como afirmativa de modo presente, |416| e € apreen- dida ¢ exposta pelo sujeito que renuncia a si mesmo por meio da submersiio amorosa nesta essencialidade que reside em todas as coisas. E isto que fornece a arte do pantefsmo sublime, tal como o reencontraremos, segundo seus inici- os, ja na india, depois no maometanismo e sua arte da mistica, desenvolvido até o seu esplendor méximo, assim como por fim de modo subjetivo mais profundo em alguns fendmenos da mistica crista B. A relagao negativa do sublime auténtico, ao contrério, devemos pro- curar na poesia hebraica, nesta poesia do glorioso que s6 sabe celebrar ¢ enaltecer o senhor desprovido de imagem [bildlosen] do céu e da terra, pelo fato de que ela emprega a criago inteira dele somente como acidente de seu poder, como mensageiro de sua gléria, como o louvor ¢ o adorno de sua grandiosidade, ¢ neste culto coloca como negative o magnifico mesmo, pois ndo esté cm condigao de encontrar nenhuma expresso adequada e afirmativa- mente suficiente para _o poder ¢ 0 dominio do Excelso ¢ alcanga uma satisfa- 40 positiva apenas por meio do cardter servil da criatura, a qual se torna ade- quada a si mesma € ao seu significado apenas no sentimento [Gefiihl] © no ser posto [Gesetzsein] da indignidade. “a CURSOS DE ESTETICA 3. O SimpotisMo ConscieNTE DA Forma [Form] DE ARTE COMPARATIVA Por meio desta autonomizagao do significado sabido para si em sua sim- plicidade j4 se cumpriu em si a separacdo do mesmo do fendmeno posto contra ele enquanto ao mesmo tempo inadequado. Se a forma ¢ o signi do devem todavia ser levados, dentro desta separacao efetiva, & relagdo de um parentesco interior, do modo que exige a arte simbélica, entdo esta rela- ¢H0 no esté nem imediatamente no significado nem na forma, mas em um terceiro elemento subjetivo, 0 qual encontra, segundo a intuigo subjetiva, aspectos de semelhanga em ambos e, nesta confianga, |417| torna intuivel explica o significado para si mesmo claro por meio da imagem singular apa- rentada. Mas ento a imagem, ao invés de ser a tinica expressiio como foi até agora, & apenas um mero enfeite e, por meio disso, produz-se uma relagio que nao corresponde ao conceito do belo, na medida em que imagem ¢ significado se contrapdem um ao outro, ao invés de serem elaborados um a partir do outro, tal como ainda era 0 caso no simbélico auténtico, ainda que apenas de modo incompleto. Obras de arte que fazem desta Forma seu fundamento permane- cem, portanto, uma espécie subordinada, ¢ 0 seu contetido no pode ser 0 absoluto mesmo, mas algum outro estado ou incidente limitado, donde serem as Formas que aqui se situam, pois, empregadas em grande parte apenas oca- sionalmente como aeréscimos. Todavia também neste capitulo devemos diferenciar com maior precisao trés estégios principais. . A. Ao primeiro estégio pertence 0 modo de exposigao da fabula, da pa- rabola e do apélogo, nos guais ainda nio esté posta expressamente a separa- ¢do entre forma e significado, que caracteriza este Ambito inteiro, e 0 lado subjetivo da comparagao ainda nao foi ressaltado, donde permanece predomi- nante também a exposigao do fendmeno singular concreto, a partir do qual deve ser explicado o significado universal. B. No segundo estgio, ao contrério, o significado universal alcanga por si o domfnio sobre a forma esclarecedora, que s6 pode se dar ainda enquanto mero atributo ou imagem arbitrariamente escolhida. Estao inclufdos aqui a alegoria, a metéfora, o s{mile. C. Finalmente, o terceiro estagio faz surgir completamente a decomposi- ¢o inteira dos lados até 0 momento no s{mbolo ou imediatamente unidos — desconsiderando sua relativa estranheza ~ ou ainda assim relacionados em sua separacao autonomizadora. A forma artistica aparece completamente exterior a“ pvisio ao contetido sabido por si, segundo sua universalidade prosaica, como no po- ema diddtico, a0 passo que no outro |418| lado 0 que ¢ exterior para si, se- gundo sua mera exterioridade, € apreendido ¢ exposto na assim chamada poe- sia descritiva. Mas com isso a jungao e a relagdo simb6lica desapareceram c temos de nos haver com uma unio ulterior, verdadeiramente correspondente 20 conceito da arte, entre a Forma € o conteiido. |418| Primeiro Capitulo O SIMBOLISMO INCONSCIENTE Se nos aproximarmos agora, com vistas A consideraco mais detida, dos estégios de desenvolvimento particulares do simbélico, entdo teremos de co- mecar pelo inicio da arte, que se depreende da Idéia da arte mesma. Como vimos, este inicio € a Forma de arte simbélica na sua forma ainda imediata, ainda nao sabida ¢ posta como mera imagem e simile- 0 simbolismo inconsci ente. Mas antes mesmo que ele possa alcangar, em si mesmo [an sich selbst] ou para a nossa consideracdo, seu carater propriamente simbélico, deverao ser levados em conta primeiramente ainda outros pressupostos determinados por meio do conceito do simbélico mesmo. ponto de partida mais preciso pode ser determinado do modo que se segue. Por um lado, o simbolo tem como seu fundamento a uniéio imediata do significado universal e, por isso, espiritual com a forma sensfvel igualmente adequada ¢ inadequada, cuja incongruéncia, contudo, ainda nao chegou & cons- ciéncia. Por outro lado, a jungao j4 deverd ter sido configurada por meio da fantasia ¢ da arte ¢ nao tomada apenas como uma mera efetividade divina ime- diatamente dada, Pois 0 simb6lico surge para a arte primeiramente com a se- paracdo de um significado universal da presenca imediata da natureza, em cuja existéncia 0 absoluto, contudo, é intufdo pela fantasia como efetivamente pre- sente [préisent] [419] primeiro pressuposto € para 0 vir-a-ser do simbélico, portanto, justamente aquela unidade imediata do absoluto com a existéncia dele no mundo que aparece, unidade que nao € produzida por meio da arte, mas que é encon- trada sem ela nos objetos naturais € nas atividades humanas. a CURSOS DE ESTETICA A. A Unibabe IMEDIATA DO SIGNIFICADO E DA Forma [GesracT] Nesta identidade imediata intuida do divino, que € levado a consciéncia como uno com a sua existéncia na natureza e no homem, nem a natureza, como ela 6, € tomada enquanto tal, nem 0 absoluto é arrancado por si dela ¢ eman- cipado, de modo que nao se pode falar propriamente de uma diferenga entre 0 interior © 0 exterior, entre o significado e a forma, pois o interior ainda néo se desprendeu para si, enquanto significado, de sua efetividade imediata no dado. Se falamos aqui, portanto, de significado, isto é entéo a nossa reflexao, a qual resulta para nés da necessidade de observar a Forma em geral, que 0 espiritual e interior obtém como intuigdo, como algo exterior, por meio do qual queremos, a fim de poder compreendé-lo, olhar no interior, na alma ¢ no significado. Por conseguinte, temos de diferenciar essencialmente nestas in- tuigées gerais se perante os olhos daqueles povos, que as captaram inicialmen- te, 0 interior se apresentava ele mesmo como interior ¢ significado ou se nds reconhecemos af apenas um significado que aleanga a sua expresso externa na intuigao. Nesta primeira unidade, portanto, no se encontra tal diferenga entre a alma € 0 corpo, entre 0 conceito ¢ a realidade; o corporal e sensivel, o natural e huma- no, nio so apenas uma expressio de um significado a ser diferenciado também deles; 0 que aparece, porém, é ele mesmo apreendido como a efetividade e pre- senga imediatas do absoluto, o qual no [6] nem para si, nem alcanga ainda uma outra existéncia auténoma, |420] mas possui apenas a presenga imediata de um objeto, o qual é 0 Deus ou 0 divino. Por exemplo, no culto ao Lama, este homem singular, efetivo, 6 sabido e venerado de modo imediato enquanto deus, tal como nas outras religides naturais so intuidos como existéncias divinas imediatas ¢ so considerados sagrados o sol, as montanhas, os rios, a lua, certos animais como 0 touro, 0 macaco ¢ assim por diante. Algo semelhante, embora de modo aprofun- dado, mostra-se também ainda em muitas relagdes na intuigio cristé. Segundo a doutrina catdlica, por exemplo, o po bento € o corpo efetivo, 0 vinho é o sangue efetivo de Deus, ¢ Cristo esté imediatamente presente nele, ¢ mesmo segundo a crenga luterana 0 pio e o vinho transformam-se no corpo e sangue efetivos por meio do gozo da crenga, Nesta identidade mistica no esté contido nada mera- mente simbélico, 0 que surge somente na doutrina reformada pelo fato de que aqui € tomado 0 espiritual separado para si do sensfvel e o exterior entzio como uma mera indicagao de um significado diferenciado do mesmo. Também nas ima- gens milagrosas de Maria atua a forga do divino enquanto imediatamente presente nelas ¢ nao apenas enquanto indicado simbolicamente por meio das imagens. “6 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE ‘Mas, de modo mais radical e mais amplo, encontramos a intuigao daquela unidade inteiramente imediata na vida ¢ na religidio do antigo povo Zenda", cujas representages e instituigdes foram conservadas para a posteridade no Zenda-Avesta* 1. A Religiio de Zoroastro De fato, a religido de Zoroastro'® considera como o absoluto a luz em sua existéncia natural, 0 sol, os corpos celestes € 0 fogo em seu brilhar e fla- mejar, sem separar este divino para si da luz, enquanto uma mera expresso retrato ou imagem sensivel [Sinnbilde]. O divino, 0 significado, nao esté se- parado da sua existéncia, das luzes'®. |421| Pois mesmo que a luz também seja tomada igualmente no sentido do bem, do justo e, por isso, do que é rico em béngaos, do que conserva, do que propaga a vida, isso nao vale, todavia, como mera imagem do bem, mas o bem é ele mesmo luz. De igual modo é com a contraparte da luz, 0 escuro ¢ as trevas, enquanto o impuro, o prejudicial, 0 ruim, o destruidor, o etal Esta intuigo se particulariza e se articula mais precisamente do modo que se segue. a) Com efeito, em primeiro lugar, 0 divino € personificado enquanto a pureza em si mesma da luz e enquanto as trevas e a impureza opostas a cla ¢ é denominado entéo de Ormuz e Ahriman'”; mas esta personificacao permane- ce inteiramente superficial. Ormuz nao é um sujeito livre em si mesmo, des- tituido de sensibilidade, como 0 Deus dos judeus ou verdadeiramente espiritu- al e pessoal como 0 Deus cristo, o qual é representado como espfrito pessoal 13. Zenda significa o povo persa (N. da T). 14, Zenda-Avesta é wma antiga designago, usual na época de Hegel, do Avesta, livro que reine 0 Conjunto dos textos sagrados zoroatristas conservados. Este livro € empregado, por exemplo, por Abraham Hyacinthe Anquetil du Perron (1731-1805), sSbio francés, cuja tradugio aparece ‘em 1771 com o titulo: “Zend-Avesta, Ouvrage de Zoroastte, contenant les 1dées théologiques, physiques et morales de ce Iégislateur, les cerémonies du culte religieux quril a établi et plusiers traits importants relativs & Y'ancienne historie des Perses”, Hegel certamente conhecia esta obra por meio da Simbilica de Creuzer, onde é citada a tradugio alema de J. F. Kleuker. Schelling também se apéia largamente neste texto em sua Filosofia da Mitologia (N. da T.). 15, Zoroastro (forma helenizada do persa Zaratustra, que significa: “aquele que possui a velha cha: ma”); profeta da religito mazda e autor de uma parte do Avesta; ele teria vivido em torno do ano 1000 d. C., talvez na Corasmia, regido da Asia centra: (N. da T.) 16. Lichter; 0 culto a Zoroastro faz um uso polimarfo do fogo. Os templos sto as “casas do foge (N. da 7), 17. Hegel se refere aqui a uma versio relativamente tardia da religito persa ~ século V a. C. ~ quan- do a adoragdo monotefsta de Ahura Mazd8 dé espago para uma representagio dualista, onde se confrontam Ormuz, 0 espirito bom, ¢ Ahriman, 0 espirito mau (N. da T.). o CURSOS DE ESTETICA efetivamente autoconsciente; Ormuz, porém, por mais que ele seja também denominado de rei, de grande espirito, de juiz ¢ assim por diante, permanece no entanto nio separado da existéncia sensfvel enquanto luz ¢ luzes. Ele é apenas este universal de todas as existéncias particulares, nas quais é efetiva a luz ¢, com isso, 0 divino e o puro, sem que no entanto ele se retraia autonomamente em si mesmo de todo o existente, enquanto universalidade espiritual ¢ ser-para- si [Fiirsichsein] delas. Ele permanece nas particularidades e singularidades existentes como o género nas espécies ¢ nos indiv{duos. Enquanto este univer- sal, ele obtém, com efeito, a vantagem sobre todos os particulares ¢ € 0 pri- meio, 0 superior, o rei dourado dos reis, o mais puro, o melhor, mas ele tem sua existéncia apenas em todo o luminoso e puro, como Ahriman tem sua exist@ncia em toda a treva, o mal, a perniciosidade e a doenga. b) Por isso, esta intuigdo se expande imediatamente para a representagio mais ampla de um reino das luzes e das trevas e da luta entre as mesmas. No reino de Ormuz so inicialmente os Amschaspands'®, enquanto as sete princi- pais luzes do céu, que gozam |422| de veneracao divina, pois so as existénci- as essenciais particulares da luz e, portanto, constituem, enquanto um grande € puro povo do céu, a existéncia do divino mesmo. Cada Amschaspand, aos quais pertence também Ormuz, tem seus dias de presidéncia, de bengio e de er. A seguir se situam abaixo, mais particularizados, os Izeds" eos Ferwers”, os quais certamente sao personificados como Ormuz mesmo, mas sem uma configurago humana mais precisa para a intuigao, de modo que nem a subjetividade espiritual nem a corporal, mas a existéncia enquanto luz, es- plendor, brilho, luzir, irradiar, permanecem o essencial para a intuigao. - De igual modo, também as coisas naturais singulares so consideradas uma exis- téncia de Ormuz, as quais nao existem elas mesmas exteriormente enquanto luzes e corpos luminosos: os animais, as plantas, bem como as configuragées do mundo humano segundo sua espiritualidade e sua corporalidade, as agdes os estados singulares, a totalidade da vida do Estado, o rei rodeado por sete grandes, a divisio dos estamentos, das cidades, das comarcas com os seus che- fes, que como os melhores e os mais puros devem dar exemplo e protegio, bem- 18, Muitas vezes comparados aos “arcanjos” cristios, os Amschaspands (em francés Amesha Spentas) So 0 sétuplo desenvolvimento de Ormuz, seus atributos personificados e seus modos de exis- tencia (N. da T.), 19, Os Izeds so os demBnios presentes em todos os elementos da natureza (N. da T) 20. Ferwers (termo alemio), Fravartis(termo francés), ou fravasis, ou mesmo feruers so translite- rages. Em sua origem, o Ferwers é 2 alma deificads, o espitito dos ancestrais ¢ dos homens que se mostram particularmente piedosos. Progressivamente cle se torna um génio protetor assimildvel 08 anjos guardidos e, por fim, o arquétipo espiritual das criaturas (N. da T.). 0 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE em geral a totalidade da efetividade. Pois tuco 0 que traz em si mesmo ¢ pro: paga prosperidade, vida e sustento, € uma existéncia da luz ¢ da pureza e, com isso, uma existéncia de Ormuz; cada verdade, bondade, amor, justiga, benevo- lencia singulares, tudo o que é vivo singularmente, benfazejo, protetor, € con- siderado por Zoroastro como luminoso e divino em si mesmo. O reino de Ormuz € 0 efetivamente puro e 0 luminoso dados, e nisso ndo hé nenhuma diferenga entre fenémenos naturais e espirituai diato em Ormuz mesmo luz e bondade, a qualidade espiritual e sensivel. Para Zoroastro, portanto, 0 britho de uma criatura é o teor [Inbegriffl do espirito, da forca ¢ dos estimulos vitais de toda espécie, na medida em que eles se des- tinam para a conservagao e para o afastamento pesitivos de tudo o que é mal tal como coincidem de ime- ¢ prejudicial em si mesmo. O que € 0 real € 0 bom nos animais, nos homens ¢ nas plantas é luz, ¢ segundo a medida e a constituigao [423] desta luminosidade determina-se 0 maior ou menor brilho de todos os objetos. A mesma articulagio e hierarquizagio ocorre também no reino de Ahriman, embora nesta regido chegam & efetividade e a0 dominio o espiri- tualmente ruim e o mal natural e, em geral, o que destréi ¢ 0 negativo ati- vo. Mas 0 poder de Ahriman nao deve se expandir e a finalidade do mundo inteiro consiste, portanto, em aniquilar, em despedagar, o reino de Ahriman para que em tudo apenas Ormuz esteja vivo, presente e dominante. ¢) A totalidade da vida humana é consagrada a esta Gnica finalidade. A tarefa de cada individuo singular consiste em nada mais sendo na propria pu- rificagdo espiritual e corporal, bem como na ampliagdo desta bencao e no com- bate a Ahriman e sua existéncia nos estados ¢ atividades humanos e naturais. O dever supremo, mais sagrado, 6, portanto, enaltecer Ormuz em 6 amar, venerar, tudo 0 que adveio desta luz e que é puro em si mesmo € orar por ele. Ormuz € 0 inicio e o fim de toda veneragao. Diante de todas as coi- sas, por conseguinte, o parse tem de invocar Ormuz em pensamentos € pala- vras. Depois de louvar aquilo que foi preenchido de luz. por todo o mundo da pureza, ele tem de se voltar, a seguir, na oraco, para as coisas particulares segundo o grau de sua grandeza, de sua dignidade e de sua completude; pois, diz 0 parse, na medida em que elas s4o boas ¢ puras [lauter], Ormuz esta nelas € as ama como os seus filhos puros [reinen], dos quais se alegra como no co- meco dos seres, j4 que tudo brotou dele de modo novo e puro. Assim, a ora- cao se dirige primeiramente aos Amschaspands, enquanto cépias [Abdriicke] mais préximas de Ormuz, enquanto os primeiros e os mais brilhantes, os quais circundam o seu trono € promovem o seu dominio. A oragdo a estes espfritos celestes relaciona-se exatamente com as suas propriedades e as suas ocupagdes 1a criagio, si CURSOS DE ESTETICA ¢, na medida em que eles so corpos celestes, com o perfodo de seu aparecer (Erscheinens}. O sol € chamado durante o dia, ¢ |424| sempre de modo diver- so na medida em que ele sobe ao céu, paira no céu do meio-dia ou desapare- ce. De manha até o meio-dia, o parse suplica particularmente a Ormuz para que este queira elevar o seu brilho, mas de noite ora para que 0 sol complete © curso de sua vida gragas a Ormuz ¢ a todos os Izeds, com vistas & protegio da sua vida. Mas principalmente venerado 6 Mitra*, que, enquanto fertilizador da terra, dos desertos, jorra sobre a natureza inteira 0 bélsamo nutriente, ¢ € 0 autor da paz enquanto lutador poderoso contra todos os devas® da contenda, da guerra, da desordem ¢ da destruigdo. Mais adiante, o parse ressalta nas suas adoragdes inteiramente monétonas igualmente os ideais, o que é mais puro e mais verdadeiro nos homens, os Ferwers enquanto espiritos humanos puros, seja em qual parte da terra eles vivem ou tenham vivido. Particularmente é orado ao espfrito puro de Zoroastro, a seguir, porém, oram para os governantes dos estamentos, das cidades, das comarcas, e 65 espiritas de todos os homens jé s4o agora considerados como precisamente unidos, enquanto segmentos na sociedade viva da luz, a qual um dia deve tor- nar-se ainda mais una em Gorotman* . Finalmente, também os animais, as mon- tanhas, as drvores, nao so esquecidos, mas so invocados com vistas a Ormuz; © seu bem, 0 servigo, que eles prestam aos homens, é louvado e particularmente € venerado o primeiro € 0 mais excelso de sua espécie como uma exi Ormuz. Além dessa adoragio, 0 Zenda-Avesta requer um exercicio pratico do bem e da purificagao do pensamento, da palavra e do ato. O parse deve ser como a luz na totalidade da sua postura como homem exterior e interior, do mesmo modo como vivem e agem Ormuz, os Amschaspands, os Izeds, Zoroastro e to- dos os homens bons. Pois estes vivem e viviam na luz, e todos os seus atos sio luz; por i seu exemplo. Quanto mais 0 homem expressar na sua vida e nas suas realiza gGes pureza de luz ¢ bondade, tanto mais préximos a ele estardo os espiritos celestes. Assim como os Izeds consagram, vivificam, tornam frutifero e amigé- vel tudo com benevoléncia [Wohltdtigkeit], |425| também ele procura purificar € enobrecer a natureza, expandir a tudo luz de vida e fertilidade alegre. Neste ‘encia de ‘0 cada um deve ter diante dos olhos o seu modelo e deve seguir 0 21. Mitra é a divindade mais conhecida do panteio persa por causa da popularidade do mitraismo ‘no mundo romano. Ele € o deus que controla a ordem césmica, vela pelo equiltbrio natural pela justiga, e combate Ahriman. Embora de origem autenticamente persa, ele no possui ne- ‘nhuma relagdo clara com o zoroastrismo que ele integra no Avesta (N. da 7.) 22, Os devas sio os dembnios, os coortes de Ahriman (N. da T). 23. Goroiman € 0 paraiso dos zoroatristas (N. da T.). 32 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE sentido, ele alimenta os famintos, cuida dos doent« alivio da bebida, ao peregrino teto e refigio, & terra ele d4 sementes puras, excava canais Iimpidos, planta drvores no deserto, promove onde pode o crescimento, providencia a nutrigdo e fertilizagdo ao que é vivo, para 0 puro brilho do fogo, remove os animais mortos ¢ impuros, celebra casamentos, ¢ ela mesma, a sagra- da Sapandomad, o Ized da terra, alegra-se com isso ¢ administra os estragos que os devas e os darwands esto entretidos em preparar. dento ele oferece 0 5. 20 s 2. Tipo Nao Simbélico da Religido de Zoroastro O que denominamos de simbélico, ainda nio esté, de modo algum, dado nestas intuig existente [Daseiende] e, por outro lado, tem o significado do bem, do que & plenamente abengoado, do que conserva, de maneira que poderia se dizer que a existéncia [Existenz] efetiva da luz 6 uma mera imagem aparentada para este significado universal que perpassa a natureza e 0 mundo dos homens. Mas, s fundamentais. Por um lado, a luz é certamente o naturalmente com respeito & intuigio dos parses mesmos, a separaco entre a existéncia e o seu significado é falsa, pois para ela a luz, enquanto luz, é justamente o bem © € compreendida de modo que esteja presente ¢ atue, enquanto luz, em tudo que € particularmente bom, vivo, positivo. O universal e 0 divino se fazem presentes certamente por meio das diferengas da efetividade mundana particu- lar, mas nesta sua existéncia particularizada ¢ isolada, a unidade substancial indiferenciada do significado e da forma, permanece todavia subsistindo, ¢ a diferenciagio desta unidade concerne nao a diferenga entre o significado en- quanto significado e sua manifestacdo, mas apenas & diferenciagdo dos objetos existentes, como por exemplo dos astros, das plantas, dos modos de pensar das agdes humanas, nos |426| quais 0 divino, enquanto luz ou treva, € intuido como presente. Nas representacGes ulteriores sem divida se avanca para alguns infcios simbélicos, os quais no entanto nao fornecem o tipo auténtico de todo o modo de intuir, mas apenas podem valer enquanto realizagdes isoladas. Assim, por exemplo, Ormuz fala certa vez sobre 0 seu preferido, 0 Dschemschid™ : “O divino Ferwer Dschemschid, 0 filho de Vivenghams, foi grande na minha presenga. Sua mo recebeu de mim um punhal, cujo fio € cujo punho eram 24. Dschemschid € o grande her6i da mitologia iraniana. Chamade também Yima, é um rei mitico ccujo império se estende a0 mundo inteiro e que reina 1.800 anos em favor da vida ¢ da multi- plicagdo das criaturas (N. da T.) 2 ‘CURSOS DE ESTETICA ouro. A seguir, Dschemschid recebeu trezentas partes da terra. Ele fendeu 0 reino da terra com a sua lamina de ouro, com o seu punhal, e disse: Que se alegre Sapandomad. Ele proferiu a palavra sagrada com oragdio ao manso ani- mal, ao selvagem e aos homens. Assim, a sua travessia foi sorte e bengdo para estes paises, e conflufram em grande quantidade animais doméstico: animais do campo e homens.” Aqui o punhal e a parti¢lo da terra sio uma imagem, cujo significado pode ser tomado como sendo a agricultura. A agri- cultura ainda nao é uma atividade espiritual para si, de igual modo nio € algo puramente natural, mas um trabalho universal dos homens oriundo de reflexio, de entendimento ¢ de experiéncia, o qual se estende a todos os Ambitos de sua vida. Mas que aquela partigao da terra por meio do punhal deva indicar a agricultura, no foi dito expressamente na representagdo do cortejo de Dschemschid, e nfio é mencionado, em associagao a esta particZo, nenhuma fecundagio quaisquer frutos silvestres; na medida em que, entre- tanto, nesta atividade singular ao mesmo tempo parece se encontrar mais do que este deambular e revolver singulares do solo, é de se procurar nisso algo indicado simbolicamente. De modo semelhante ocorre com as representagdes mais precisas, tal como elas aparecem particularmente na formagio tardia do culto a Mitra, onde Mitra é exposto quando, jovem, em caverna crepuscular, ergue a cabega do touro em diregio ao alto e Ihe insere um punhal [427] no pescogo, enquanto uma serpente lambe o sangue e um escorpiaio réi sua genitélia. Tem-se explicado esta exposigao simbélica ora astronomicamente, ora de outro modo. Contudo, pode-se tomar de modo mais universal e mais profundo 0 touro como o prinefpio natural em geral, sobre 0 qual vence o homem, o espiritual, embora possam entrar em jogo relagdes astrondmicas. Mas que esteja contida af uma tal conversio, como aquela vit6ria do espirito sobre a natureza, a isso também alude 0 nome de Mitra, o intermedidrio, particularmente em tempos mais tardios, quando a elevago acima da natu- reza jG tinha se tornado uma necessidade dos povos. ‘Mas sfmbolos semelhantes manifestam-se, como j4 foi dito, apenas aces- soriamente na intuigdo dos antigos parses e nio constituem o principio condu- tor para todo o modo de intuigao. Ainda menos é 0 culto, 0 qual prescreve 0 Zenda-Avesta, de espécie sim- bélica. Nao encontramos aqui algo como dangas simbélicas, as quais devem festejar ou imitar 0 curso restrito dos astros, menos ainda outras atividades, as quais valem apenas como uma imagem alusiva para representagdes universais; mas todas as ages realizadas pelos parses por dever religioso sio ocupagdes que se dirigem para a propagacdo efetiva da purificagao no interior e no exte- * 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE rior e aparecem como uma realizagZo conforme a fins da finalidade universal de efetivar o poder de Ormuz em todos os homens ¢ objetos naturais, — por- tanto uma finalidade que nfo é apenas indicada nesta agZo mesma, mas que é inteiramente alcangada 3. Concepgao e Exposi¢do Nao Artisticas da Religiéo de Zoroastro Do mesmo modo que em toda esta intuigdo estd ausente o tipo do sim- bélico, também Ihe falta o caréter do propramente |428| artfstico. No geral, entretanto, pode-se denominar o seu modo de representagao de poético, pois os objetos naturais singulares, assim como os modos singulares de pensar dos homens, os estados, os atos ¢ as atividades, sfo tomados em sua auséncia ime- diata de significado e, desse modo, casual e prosaica, mas intufdos segundo sua natureza essencial & luz do absoluto enquanto a luz; e, inversamente, a essencialidade universal da efetividade concreta natural e humana também no € apreendida em sua universalidade destitufda de existéncia ¢ forma, mas esta universalidade e aquele singular sdo representados © expressos como 0 uno imediato. Uma tal intuigdo pode valer como bela, ampla e grande, e, em contraste com imagens de este puro ¢ universal em si mesmo, é sem diivida adequada ao bem € ao verdadeiro. A poesia permanece ni niio conduz 2 arte ¢ a obras de arte. Pois nem o bem ¢ 0 divino estio deter- minados em si mesmos, nem a forma [Gestalt] ¢ a Forma [Form] deste con- tetido so gerados a partir do espfrito; mas, como j4 vimos, 0 existente mes- ‘mo, 0 sol, 0s astros, as plantas efetivas e os animais, os homens, 0 fogo existente, so apreendidos enquanto a forma do absoluto ja adequada em sua imediatez. A exposigao sensivel nao é corfigurada, formada ¢ inventada a partir do espirito, como exige a arte, mas encontrada e expressa imediata- mente na existéncia exterior como a expressiio adequada. Na verdade, 0 sin- gular é fixado também pela representago segundo 0 outro lado independen- te de sua realidade, como por exemplo nos Izeds e nos Ferwers, nos génios de homens singulares; mas a invengo poética nesta separagdo que se inicia da espécie a mais fraca, pois a diferenga permanece inteiramente formal, de modo que o génio, Ferwer, Ized, nao alcanga e n&o deve alcangar nenhuma olos ruins e sem sentido, a luz, enquanto 0, contudo, inteiramente no universal é configuragio peculiar, mas em parte tem ‘nteiramente 0 mesmo contetido, em parte tem também apenas a mera Forma para si vazia da subjetividade, a qual |429| ja possui o individuo existente. A fantasia ndo produz nem um 55 (CURSOS DE ESTETICA outro significado mais profundo, nem a Forma auténoma de uma individu- alidade mais rica em si mesma. E se, no entanto, também vemos reunidas, mais adiante, as existéncias particulares em representagdes ¢ géneros univer- sais, aos quais, enquanto o que € adequado ao géncro, é dada uma existéncia real por meio da representacio, ento este elevar da multiplicidade a uma unidade abrangente, essencial, enquanto embrido c fundamento para as sin- gularidades da mesma espécie e género, € apenas novamente, em um sentido mais indeterminado, uma atividade da fantasia e nfo € nenhuma obra pré- pria da poesia e da arte. Assim, por exemplo, o fogo sagrado de Behram” 6 0 fogo essencial, ¢ entre as Aguas encontra-se igualmente uma gua de todas as Aguas. Hom* ¢ tida como a primeira, a mais pura, a mais forte dentre todas as drvores, a arvore origindria, na qual a seiva da vida corre plena de imortalidade. Entre as montanhas, Albordsch”, a montanha sagrada, € re- presentada como o primeiro embrido de toda a terra, o qual se acha no bri- Iho da luz, a partir do qual partem os benfeitores dos homens, aqueles que tinham o conhecimento da luz, ¢ sobre o qual descansam o sol, a lua e as. estrelas. Mas, no todo, 0 universal é intufdo em unidade imediata com a efe- tividade existente das coisas particulares, e apenas vez, ou outra representa- Ges universais sao tornadas sensiveis por meio de imagens particulares. De modo mais prosaico ainda, 0 culto tem como finalidade a realizagio efetiva 0 dominio de Ormuz em todas as coisas e exige apenas esta adequa- ¢4o e pureza de cada objeto, sem configurar a partir dat mesmo apenas uma obra de arte como que existente em uma vitalidade imediata, tal como a sabi- am representar [darzustellen] na Grécia os esgrimistas, os lutadores etc. em sua corporeidade elaborada. Segundo todos estes aspectos e relagées, a primeira unidade da universa- lidade espiritual e da realidade sensfvel constitui apenas a base do simbélico na arte, sem no entanto jé ser ela mesma propriamente simbélica e |430| sem produzir obras de arte. A fim de chegar a este préximo objetivo, é necessétio, Portanto, o prosseguir da primeira unidade hd pouco considerada para a dife- renga ¢ para a luta entre o significado e a sua forma. 25. Atar Behram significa “fogo da vitéria", Dentre os fogos louvadas ¢ adorados nos templos, ele 0 mais sagrado (N. da T). 26, Segundo a lenda, Hom é uma rvore sobre cujos galhos se encontra uma planta mara\ que descende do céu, cujo sumo provoca a iavencibilidade (N. da) 27. Albordsch (monte Hara) & qualificado no Avesta como a primeira montanha do mi ado (N. da T). 56 (0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE B. O Stwsouismo FanrAstico Se, ao contrério, a consciéncia sai para fora da identidade imediatamente intufda do absoluto e da sua existéncia percebida exteriormente, entdo esté dian- te de nés, como determinagio essencial, a separagdo dos lados unidos até agora, a luta entre significado e forma, a qual impele de imediato para a tentativa de sanar novamente a ruptura de modo completamente fantéstico por meio da con- figuragdo recfproca [Ineinanderbildung] do que se encontra separado. Apenas com esta tentativa nasce a autéatica necessidade da arte. Pois se a representagio fixa para si o seu contetido, 0 qual no é mais intufdo imedi- atamente na realidade dada, mas se encontra desprendido desta existéncia, entio, desse modo, é colocada ao espirito a tarefa de configurar de modo renovado, ricamente em fantasia, as representagdes universais produzidas a partir do es- pitito para a intuigfo e para a percepcio e, nesta atividade, produzir configu- aco nos encontramos, esta tarefa s6 pode ser solucionada simbolicamente, pode entéio parecer que jé estamos no terreno do que é autenticamente simbélico. Contu- do, este ndo € 0 caso. © que encontramos em seguida so as configuragdes de uma fantasia efer- vescente, a qual, na inquietude de seu ato de fantasiar, designa apenas 0 cami- nho que pode conduzir para o auténtico ponte central da arte simbélica. No pri- meiro surgimento, a saber, da diferenga e da relagdo entre o significado e a Forma de exposigao, ambos, 0 separar bem como o ligar, so ainda de espécie confusa. Esta confustio torna-se necessétia pelo fato de que cada um dos [431] lados di- ferenciados ainda nfo se desenvolveu numa totalidade, a qual carrega em si mesma © momento que constitui a determinacdo fundamental do outro lado, por onde podem realizar-se principalmente a unidade e a reconciliagdo verdadeiramente adequadas. O espirito, segundo sua totalidade, determina, por exemplo, a partir de si mesmo 0 lado da aparigo exterior igualmente, como a apari¢io em si mesma total ¢ adequada é para si apenas a existéncia exterior do espiritual. Nesta pri meira separaco entre os significados apreencidos pelo espirito e o mundo dado dos fendmenos, contudo, os significados ndo so aqueles da espiritualidade con- creta, mas sio abstragbes, e a sua expresso é o que igualmente ndo é espi- artisticas. Uma vez que na primeira esfera, no interior da qual ainda ritualizado [Unbegeistete] e, desse modo, 0 que é apenas abstratamente exterior ¢ sensivel. O {mpeto da diferenciagio e da unido é, portanto, um delitio que vagueia imediatamente, de modo indeterminado e desmedido, das singularida- des sensiveis para os significados mais universais e que apenas sabe encontrar, para o que é apreendido interiormente na consciéncia, a Forma simplesmente 7 CURSOS DE ESTETICA oposta de configuragées sensiveis. E esta contradigao que deve unificar verda- deiramente os elementos opostos uns aos outros; todavia, impelido apenas de um lado para o outro lado oposto e deste enviado novamente de volta para 0 primeiro lado, apenas langa-se sem repouso de um lado para 0 outro, ¢ cré ja ter encontrado a trangililidade na oscilaglo de um lado para 0 outro e no efer- vescer deste almejar pela solugdo. Ao invés da satisfago auténtica, portanto, € apresentada justamente apenas a contradigdo mesma como a verdadeira unio ¢, por conseguinte, a unidade a mais incompleta como 0 que corresponde propri- amente & arte. Nao podemos, por conseguinte, procurar a verdadeira beleza neste campo de turva confusio. Pois no rapido e infatigavel salto de um extremo ao outro encontramos, de um lado, no sensfvel, tomado tanto segundo a sua singu- laridade quanto segundo a sua aparigio clementar, a amplitude e o poder de sig- nificados universais enlagados de modo inteiramente inadequado e, de outro lado, encontramos 0 mais universal {das Allgemeinste], quando se toma 0 mesmo como ponto de partida, empurrado descaradamente na espécie inversa |432| a0 centro da presenga a mais sensfvel; e também vém A consciéncia o sentimento [Gefiihl] desta inadequacao, de modo que a fantasia s6 sabe se salvar por meio de desfi- guragdes, na medida em que ela expulsa as formas particulares para além da sua particularidade firmemente delimitada, as expande, as altera no indeterminado, as intensifica no desmedido e as despedaca e, com isso, no almejar por reconci- liagio, traz & luz de modo mais forte o oposto em sua auséncia de reconciliagao. Estas primeiras tentativas, ainda as mais selvagens, da fantasia e da arte encontramos principalmente nos antigos indianos. A sua principal caréncia, adequada ao conceito deste estégio, consiste em que ela nao esté em condi- oes de aprender nem os significados por si em sua clareza nem a efetivi- dade dada em sua forma e significagdo peculiares. Por isso, os indianos se mostraram também incapazes para uma concepgio hist6rica das pes acontecimentos, pois & consideragao histérica pertence a sobriedade de cap- tar ¢ de compreender 0 ocorrido para si em sua forma efetiva e em suas mediagées, fundamentos, fins e causas empfricas. Esta ponderacdo prosaica resiste a0 seu impeto de reduzir toda e qualquer coisa ao pura e simples- mente absoluto e divino e em ter diante de si no mais comum e no mais sensfvel uma presenga ¢ uma efetividade dos deuses criadas pela fantasia. Em sua confusio entre 0 infinito € 0 absoluto misturados um ao outro, eles adentram, na medida em que a ordem, o entendimento ¢ a firmeza da cons- cigncia cotidiana e da prosa permanecem inteiramente desconsiderados, com toda a plenitude ¢ com toda a enorme ousadia igualmente em um palavr6rio monstruoso do fantéstico, o qual transborda do mais interior e do mais pro- oas e dos 38 (0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE fundo para a presenca mais comum, a fim de inverter e de desfigurar imed atamente um extremo no outro. Devemos percorrer aqui, para os traces mais determinados desta em- briaguez, deste enlouquecer e deste ser louco continuados, |433] ndo as re- presentag6es religiosas enquanto tais, mas apenas os momentos principais se- gundo os quais este modo de intuigio pertence & arte. Estes pontos princi pais so os seguintes. 1. A concepgao indiana de Brama ‘Um dos extremos da consciéncia indiana é a consciéncia do absoluto como © que é simplesmente universal em si mesmo, o indiferencidvel e, desse modo, © completamente indeterminado. Esta abstracZo extrema, na medida em que no tem nem um contetido particular, nem é sepresentada como personalidade concreta, nfo se oferece segundo nenhum aspecto como uma matéria a qual a intuig&o pudesse dar forma de algum modo. Pois Brama®’, enquanto este divi- no o mais elevado, & subtrafdo totalmente dos sentidos [Sinnen] e da percep- cdo, e nao € nem ao menos um objeto para o pensamento. Pois 20 pensamento pertence a autoconsciéncia, a qual coloca a si um objeto para encontrar-se nele. Toda compreensao j4 € uma identificagio do eu e do objeto, uma reconci gio do que é separado fora desta compreensio; o que eu nao compreendo, nao reconheco, permanece para mim algo estranho ¢ outro. Mas a espécie indiana da unido do si-mesmo [Se/bst] humano com Brama nfo é nada senao a sempre crescente elevacio a esta abstragdo a mais extrema mesma, na qual deve ter sucumbido no s6 0 contetido concreto inteito, mas também a auto-conscién- cia, antes que o homem fosse capaz de aleangi-la, O indiano no conhece, por- tanto, nenhuma reconciliagdo e nenhuma identidade com Brama no sentido de que o espirito humano se torna consciente desta unidade, mas a unidade con- siste para ele justamente no fato de que desaparece totalmente a consciéncia € a autoconsciéncia e, desse modo, todo 0 conteddo do mundo e todo o Conted- do da prépria personalidade. O esvaziamento € aniquilagao até o embotamento 28. Brama & 0 principio divino absoluto na religido hitdufsta, constituindo toda a realidade, de modo exclusiva ¢ tinico, face A manifestaglo ilusdria. A palavra Brafiman & a forma nevira do ‘masculino Bralund, deus que representa a personificacio. Hegel também se refere ao Brama e a0 Mahabarata em sua resenha de 1827 da obra de Wilhelm von Humboldt sobre © mesmo objet. CE. Uber die unter dem Namen Bhagavad-Gita bekanite Episode des Mahabharata. Von Wilhelm von Humboldt, no volume 11 das obras de Hegel dedicado aos escritos da época berlinense, ed. Suhrkamp, p.131-204 (N. da T). 9 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE rado como deus em sua vida [Lebendigheit] ¢ presenga imediata. O mesmo tam- bém encontramos no Lamafsmo, onde também um homem singular desfruta, en- quanto o Deus presente, da adoragiio suprema. Na India, contudo, esta venera- go ndo é prestada exclusivamente a um tinico, mas cada bramane™ vale desde sempre, por meio do nascimento, na sua casta, como Brama e j4 realizou de modo natural através do espirito o renascimento que identifica os homens com Deus por meio do nascimento sensfvel, de modo que, portanto, o topo do mais divino mesmo recai imediatamente de volta na efetividade sensivel inteiramente ordindria da existéncia. Pois, embora a obrigagdo a mais sagrada para os bramanes constitua a leitura dos Vedas ¢ alcangar, por meio disso, a intelecgio na profun- didade da divindade [Gortheit], este dever pode de igual modo, sem retirar dos brimanes sua divinidade (Géttlichkeit], ocorrer satisfatoriamente com a maior falta de espirito. De modo semelhante, uma des relagGes mais universais que os indianos expdem € a gerago, o nascimento, tal como os gregos indicam o Eros como o deus mais antigo. Esta geragdo, a atividade divina, é entiio tomada por sua vez em miiltiplas exposigdes de modo inteiramente sens{vel, os érgios genitais masculinos ¢ femininos sfio considerados como os mais sagrados. De igual modo, o divino, embora adentre na efetividade também para si em sua divinidade, 6 atraido para dentro do cotidiano de modo completamente trivial. Assim, por exemplo, conta-se no inicio do Ramayana como Brama” veio a0 encontro de Valmiki, 0 cantor mitico do Ramayana. Valmiki o recebe inteira- Ihe [436] uma cadeira, traz-Ihe dgua e frutas, Brama efetivamente se senta e convida seu anfitrigio @ fazer 0 mesmo; assim eles permanecem sentados por longo tempo até que finalmente Brama ordena que Valmiki componha 0 Ramayana. Isto no € ainda de igual modo uma concepgdo propriamente simbélica, pois, embora as formas sejam tomadas a partir do existente e aplicadas a sig- nificados mais universais, como exige o simbolo, ainda assim falta aqui o outro mente conforme 0 modo indiano costumeiro, cumprimenta-o, oferec lado, a saber, que as existéncias particulares no sdo efetivamente os signifi- cados absolutos para a intuigdo, mas devem epenas indicar os mesmos. Para a fantasia indiana, 0 macaco, a vaca, 0 bramane singular etc. nao sio um sim- bolo aparentado do divino, mas sio considerados e expostos, enquanto o divi- no mesmo, como uma existéncia adequada a ele. 30. Membro da casta sacerdotal, primeira das castas indianss (N. da T.) 31. Brahma é 0 primeiro devs do Trimurti hinds (compreendendo Brahma, Vixnu e Shiva). Ele € 0 criador do mundo ¢ representa, entre as trés tendéncias fundamentais, o estado da vigilia: é denominado o ser imenso e simboliza o equilfbrio entre a concentragao € a dispersio, a corde. nagio dos contrérios. Brahma & a personificagao do Brahman ~ 0 absoluto (N. da 7.) 61 CURSOS DE ESTETICA Mas € nisto que se encontra a contradigdo que impele a arte indiana para um segundo modo de concepgao. Pois por um lado o simplesmente su- pra-sensfvel, 0 absoluto enquanto tal, € 0 significado tal e qual, captado en- quanto o verdadeiramente divifio, por outro lado as singularidades da efeti- vidade concreta (sio] vistas de imediato pela fantasia também em sua exis- téncia sensivel enquanto fendmenos divinos. Em parte elas devem certamen- te expressar apenas lados particulares do absoluto, mas entdo também o sin- gular imediato, o qual € exposto como existéncia adequada desta universali- dade determinada, é ainda apenas simplesmente inadequado a este seu con tetido e se encontra com ele numa contradigio tanto mais acirrada quanto 0 significado aqui j4 € apreendido em sua universalidade ¢ mesmo assim posto de modo imediato expressamente pela fantasia, enquanto em identidade com © que € o mais sensivel e singular. b) A primeira solugo desta discérdia [Zwiespalt] 6 procurada pela arte in- diana, como ja foi indicado acima, na desmedida (Maflosigkeit] de suas confi- guragées. As formas singulares, para poderem aleangar a universalidade mesma enquanto formas sensfveis, so selvagemente |437| desfiguradas no que é colos- sal, grotesco. Pois a forma singular, que no deve expressar a si mesma e o sig- nificado que Ihe € peculiar enquanto fenémeno particular, mas um significado universal que se encontra fora dela, ndo satisfaz a intuigo até que ela seja arras- tada para fora de si mesma sem objetivo e sem medida em diregao ao assombro- so. Aqui, pois, € particularmente o exagero mais dispendioso da grandeza, na forma espacial bem como na incomensurabilidade temporal, e a multiplicagao de uma tinica e mesma determinidade, a multiplicidade de cabecas, a quantidade dos bragos etc., por meio do que é almejada a obtengao da amplidio ¢ da uni- versalidade dos significados. O ovo, por exemplo, encerra o passaro, Es téncia singular é agora ampliada para a representago incomensurdvel de um ovo césmico como encapsulamento da vida universal de todas as coisas, no qual Brama, 0 Deus gerador, passa um ano de Criagdo sem qualquer ato, até que se despedacem por meio dos seus meros pensamentos as metades do ovo. Afora objetos naturais, também individuos e acontecimentos humanos so elevados igual- mente ao significado de um fazer divino efetivo, de tal modo que nem o divino para si nem 0 humano podem ser apreendidos, mas ambos aparecem constante- mente confundidos um com o outro. Aqui se situam particularmente as encarnag&es dos deuses, principalmente de Vixnu™, o deus conservador, cujos efeitos forne- exis- 32. Protetor dos mundos, Vixnu vela por sua conservagio. Existem dez avatdras ou “descendentes” de Vixnu (N. da 7), 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE cem um contetido principal para as grandes poesias épicas. A divindade penetra nestas encarnagées imediatamente no fendmeno mundano. Deste modo, Rama é por exemplo a sétima encamagio de Vixnu (Ramatschandra). Segundo neces: dades singulares, agdes, estados, formas e modos de se comportar, nestes poemas mostra-se que seu contetido foi tomado em pa:te de acontecimentos efetivos, de feitos de reis mais antigos, os quais possufam a forga de fundar novos estados da ordem e da legalidade e, por isso, estamos em meio ao humano no solo firme da efetividade. Mas, inversamente, tudo estd entio [438] novamente ampliado, ex- pandido ao nebuloso, langado 20 universal, de modo que se perde novamente o solo hé pouco conquistado € nfo se sabe onde se est. De modo semelhante tam- bém se dé no Sakuntala!. No inicio temos ciante, de nés 0 mais delicado ¢ 0 mais vaporoso mundo de amor, no qual tudo se passa de modo humano confor- me seu andamento adequado, mas entiio somos repentinamente deslocados de toda esta efetividade concreta ¢ elevados as nuvens, ao céu de Indra, onde tudo est modificado e ampliado, para fora de seu circulo determinado, para significados universais da vida natural na relagdo com os brimanes € com 0 poder sobre os deuses naturais, o qual € concedido aos homens mediante rigorosas expiagées. ‘Também este modo de exposigdo no deve ser denominado propriamente de simbélico. Pois 0 simbolo auténtico deixa a forma determinada, que cle emprega, subsistir em sua determinidade do modo que é, pois nao quer intuir nisso a existéncia imediata do significado, segundo sua universalidade, mas ape- nas aponta para o significado nas qualidades aparentadas do objeto. A arte indi- ana, porém, embora separe universalidade e existéncia singular, requer apesar disso ainda a unidade imediata de ambas, produzida pela fantasia, e deve, por isso, retirar 0 existente [Daseiende] de sua limitagdo e aumenté-lo mesmo de modo sensivel para o indeterminado ¢ em geral transformé-lo e deformé-lo, Neste diluir-se da determinidade ¢ na confuso, que tem origem no fato de que sem- pre € introduzido 0 mais alto Contetido nas coisas, nos fendmenos, nos aconte- cimentos € nos atos, os quais nem possuem em si mesmos, na sua limitagio, em sie para si o poder de tal contetido, nem sao capazes de express4-lo, pode-se por isso procurar antes uma ressondncia do sublime enquanto o autenticamente simbélico. De fato, no sublime, como ainda veremos mais tarde, o fendmeno 33. Abhij‘aana ‘Sakuntala, drama em sete atos do poeta indiano Kalidasa (séeulos 1V-V a. C.), que Goethe apreciava particularmente, J. G. Herder também escreveu sobre esta obra. Sakuntala € a mie de Bharata, legendirio soberano da {ndia (N. ca T) 34. Indra € 0 cchuvosas. Indra significa litera leus de mil olhos”. Ble preside os céus inferiores, langa o raio e comanda as nuvens rente “o potente” (N. da). 6 CURSOS DE ESTETICA finito expressa o absoluto, o qual ele deve trazer para a intuigGo |439| apenas de modo que se mostre no fendmeno mesmo que ele nfo pode alcangar 0 conteé- do. Assim, por exemplo, se dé com a eternidade. A sua representago se torna sublime quando deve ser dita de modo temporal, na medida em que cada nime- ro maior ainda nao ser nunca suficiente, devendo ser sempre aumentado, sem chegar ao fim. Como se diz de Deus: “Mil anos so para Vs um dia." Neste © em semelhante modo, a arte indiana contém muito do que comega a dar este tom do sublime. Contudo, a grande diferenga para com o sublime auténtico consiste no fato de que a fantasia indiana nao realiza nestas configuragdes selva- gens a posigiio negativa [Negativserzen] dos fendmenos, os quais ela mostra, mas acredita ter apagado e feito desaparecer a diferenga ¢ a contradigio entre 0 ab- soluto e a sua configurago exatamente por meio daquela desmedida ¢ auséncia de limite. ~ Assim como nio podemos deixé-la valer neste exagero como auten- ticamente simbélica e sublime, tampouco ela é autenticamente bela. Pois ela nos 44, principalmente na descrigo do humano enquanto tal, muito do que é doce € suave, muitas imagens amigéveis e sentimentos ternos, as descrigdes naturais as mais espléndidas ¢ as feigGes as mais encantadoras, infantis, do amor ¢ da inocéncia candida, de igual modo coisas grandiosas ¢ nobres; mas no que con- cere aos . inversamente, 0 espiritual per- manece todavia sempre de novo inteiramente sensfvel, o trivial se encontra a0 lado do grandioso, a determinidade esta destrufda, o sublime € mera auséncia de limites, e 0 que diz respeito ao mito continua, em grande parte, apenas até o fantasismo do dom de configurar destituido de entendimento de uma imagina- Ho sem repouso, que procura algo por todos os lados. c) Finalmente, 0 modo 0 mais puro da exposigo que encontramos neste estigio € a personificagao e, em geral, a figura humana [menschliche Gestalt]. Na medida em que, entretanto, o significado nao deve ser aqui ainda apreendi- do como subjetividade espiritual livre, mas contém ou alguma determinidade abs- acolhida em sua universalidade, ou o meramente natural, por exemplo, a vida dos rios, das montanhas, das estrelas, do sol, [440] entio ele deverd ser usado propriamente sob a dignidade da forma humana, enquanto expressdo para esta espécie de contetido. Pois segundo a sua verdadeira determinagio, 0 corpo hu- mano, bem como a Forma das atividades e dos acontecimentos humanos, ex- pressam apenas 0 Contetido concreto interior do espirito, 0 qual esté nesta rea- lidade junto a si mesmo e no tém nisso apenas um simbolo ou signo exterior. significados fundamentais universai wats 35, "Pois mil anos sio diante de teus olhos/ como um dia que acabou de transcorrer/ como montar guarda ‘numa noite” (salmo 90 de David, v. 4, segundo a tradugéo de Lutero, op. cit. p.70) (N. da T). on 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE De um lado, consegiientemente, por causa da abstragdo do significado, a personificagio permanece neste estigio igualmente ainda superficial, quando © significado — para a exposigao do qual ela é chamada ~ deve pertencer tanto a0 espiritual quanto ao natural, ¢ ela ainda necessita, para o processo de intui- cdo mais preciso, de outras configuragées diversas com as quais ela se mistura e, desse modo, é tornada ela mesma impura. Por outro lado, a subjetividade sua forma ndo so aqui o designante, mas suas exteriorizagdes, atos etc., pois no fazer e no agir se encontra primeiramente a particularizagdo mais determi- nada, a qual pode ser posta em relago com o contetido determinado dos sig- nificados universais. Mas entdo surge novamente a deficiéncia de que nao é o sujeito, mas apenas a exteriorizagio do mesmo 0 significative, bem como a confusiio de que os acontecimentos e os atos obtém de algures seu conteédo & seu significado, ao invés de ser a realidade e a existéncia que se efetiva do sujeito. Uma série de tais ages pode entao t2r em si mesma uma seqiiéncia ¢ uma coeréncia, que resulta do conteddo para o qual serve de expresso uma tal série; mas esta coeréncia é igualmente interrompida e, em parte, suprimida laufgehoben] de novo pelo personificar e pelo humanizar, pois o subjetivar, inversamente, também conduz para a arbitrariedade do fazer e das exterioriza- goes, de modo que se misturam tanto mais de modo variegado ¢ sem regras, portanto, o significativo ¢ 0 destituido de significado quanto menos a fantasia € capaz de trazer os seus significados e as suas formas a uma |441| conexio fundamental e firme. — Mas se 0 apenas natural é tomado como o tinico con- tetido, entdo o natural nao é, por seu lado, digno de trazer a forma humana e esta, enquanto adequada apenas & expresso espiritual, 6, por seu lado, inca- paz de expor 0 meramente natural. Em todas estas relagdes, essa personificacao ndo pode ser verdadeira, pois a verdade na arte exige, como a verdade em geral, a concordancia do interior e do exterior, do conceito e da realidade. Na verdade, a mitologia grega per- sonifica também o Pontos**, Skamandros*”, ela tem seus deuses fluviais, nin- fas™, driades, e torna em geral diversamente a natureza em conteddo de seus deuses humanos. Entretanto, ela ndo deixa a personificago meramente formal 36, Pontos & 0 nome geogrifico que designa © mar negro ¢ a personificaggo masculina do mar, sendo filho da Terra e do Eter (N. da T) 37. Skamandros (hoje Mendera), rio da Tricia € deus deste mesmo rio (N. da T), 38. As ninfas sio as fihas de Gaia, ou de modo mais geral de Zeus, divindades menores que povoam com graga ¢ juventude as aguas, as montanhas, os prados, as florestas, etc. correspondendo respectivamente a estes lugares: as Naiades habitam as fontes, as Nereidas o mar calmo, as Oreades as montanhas, as Driades e as Hamadriades as drvores, etc. (N. da T). 65 CURSOS DE ESTETICA € superficial, mas forma disso individuos, nos quais o mero significado natu- ral retrocede ¢ 0 humano, ao contrério, que acolheu em si mesmo tal conted- do natural, torna-se o evidente. Mas a arte indiana permanece estacionada na mistura grotesca entre 0 natural eo humano, de modo que nenhum lado ad- quire seu direito e ambos se deformam mutuamente. Em geral, estas personificagdes também ndo so ainda propriamente sim- bélicas, pois ndo se encontram, devido & sua superficialidade formal [formellen], em nenhuma relago essencial e parentesco estreito com 0 Contetido mais de- terminado que deveriam expressar simbolicamente. Mas ao mesmo tempo, com respeito as outras configuragdes e atributos particulares, com as quais tais personificagdes aparecem misturadas ¢ as quais devem expressar as qualidades mais determinadas atribufdas aos deuses, comega a aspire simbélicas, para as quais a personificagio permanece entdo apenas a Forma 10 por exposigées universal aglutinadora. No que concerne as intuigdes mais principais, as quais cabem aqui, deve ser mencionado antes de mais nada o Trimurti, ou seja, a |442| divindade triforme [dreigestaltigen]. A ele pertence em primeiro lugar Brama, a ativida- de produtora, geradora, 0 criador do mundo, senhor dos deuses e assim por diante. Por um lado, ele € diferenciado de Braman (enquanto neutro), do ser mais clevado, ¢ € 0 seu primogénito, por outro lado, entretanto, ele novamen- te coincide com esta divindade abstrata, como em geral nos indianos as dife- rengas no tém capacidade de se manter fixas em seus limites, mas em parte so apagadas, em parte misturadas uma A outra. A forma mais precisa, porém, possui muito de simbélico: ele é figurado [abbilden] com quatro cabecas ¢ quatro mos, com cetro, anel e assim por diante; a sua cor é o vermelho, 0 que indica o sol, j4 que estes deuses sempre trazem em si mesmos ao mesmo. tempo significados naturais universais, que so personificados neles. O segun- do deus do Trimurti é Vixnu, o deus conservador, o terceiro Shiva, o destrui- dor. Os simbolos para estes deuses sdo incontéveis. Pois na universalidade de seus significados eles compreendem em si mesmos infinitamente muitos efei- tos singulares, em parte referentes a fendmenos naturais' particulares — princi- palmente elementares, como por exemplo Vixnu tem a qualidade do fogo (Lé- xico de Wilson, s. v. 2) -, em parte também fendmenos espirituai entio fermenta sempre de modo variegado entre si e muitas vezes revela a in- tuigdo as formas as mais repugnantes . 0 que 39. Horace Hayman Wilson, Dictionary in Sanserit and English, Kalkutta 1819. 6 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE Neste Deus triforme mostra-se de imediato, do modo o mais claro, que aqui a forma espiritual ndo pode surgir ainda em sua verdade, pois o espiritu- al no constitui 0 significado autenticamente preponderante. Espirito mesmo seria esta trindade de deuses se o terceiro deus fosse uma unidade concreta € um retorno para si a partir da diferenciago ¢ duplicacio. Pois segundo a ver- dadeira representago, deus € espirito enquanto esta diferenga e unidade ativas absolutas, que constituem em geral o conceito do |443| espfrito. Mas no Trimurti 0 terceiro deus nao é por assim dizer a totalidade concreta, porém ele mesmo apenas um lado em vista dos outros dois e, portanto, igualmente uma abstra- do, nenhum retorno em si mesmo, mas apenas uma passagem para um outro, uma transformagdo, geracao e destruic¢ao. Devemos, pois, ter muita cautela quando queremos reencontrar nestes primeiros pressentimentos da razao jé a mais alta verdade e queremos reconhecer j4 a trindade crista nesta ressonan- cia, a qual segundo o ritmo contém sem divida a trindade, esta que constitui uma representagdo fundamental do cristianismo. A partir de Braman e Trimurti, a fantasia indiana segue fantasticamen- te ainda adiante até um nimero incomensurdvel de deuses os mais multifor- mes. Pois aqueles significados universais que sio apreendidos enquanto 0 es- sencialmente divino podem ser reencontrados em milhares e milhares de apa- rigdes [Erscheinungen], as quais so personificadas ¢ simbolizadas elas mes- s ¢ na imprecisdo e inconstancia confusa da fantasia colocam ‘0s maiores impedimentos para uma clara compreensdo, fantasia que em suas invengées nao trata nada segundo sua prdpria natureza ¢ que desloca tudo todos de seus lugares, Para estes deuses subordinados, no topo dos quais se encontra Indra, 0 ar € 0 céu, fornecem o conteiido mais preciso especialmente as forcas da natureza em geral, os astros, 0s rios, as montanhas, nos diversos momentos de seu atuar, de sua modificagdo, de sua influéncia abengoadora ou prejudicial, conservadora ou destrutiva. Mas um dos objetos principais da fantasia e da arte indianas é 0 nasci- mento dos deuses e de todas as coisas, a teogonia e a cosmogonia, Pois esta fantasia € em geral compreendida no processo constante de introduzir 0 que é © mais ausente de sensibilidade no centro do fendmeno exterior, bem como, mas como det inversamente, de apagar 0 mais natural e 0 mais sensivel novamente por meio da abstragdo a mais extrema, De modo semelhante, 0 nascimento dos deuses exposto desde a [44d] divindade suprema, ¢ 0 efeito e a existéncia de Brama, Vixnu, Shiva, sio expostos nas coisas particulares, nas montanhas, nas dguas, 40. A repetigo esté presente no original (N. da T) oO CuRsos DE ESTETICA nos eventos humanos. emelhante contetido pode, entio, por um lado, obter para si uma forma divina particular, mas por outro lado estes deuses nova- mente sao absorvidos nos significados universais dos deuses supremos. Tais teogonias ¢ cosmogonias existem em grande nimero ¢ em infinita variedade. Se € dito, portanto: assim os indianos representaram a criagio do mundo, o surgimento de todas as coisas, entdo isto pode valer sempre apenas para uma seita ou para uma obra determinada, pois em outro lugar 0 mesmo é encontra- do novamente sempre de outro modo. A fantasia deste povo é inesgotével em suas imagens ¢ forma Uma representagao principal, a qual permeia as histérias de nascimen- to, €, a0 invés da representac#o de uma criagdo espiritual, 0 processo da in- tuigdo [Veranschaulichung] que sempre se repete da geracdo natural. Quan- do se esté familiarizado com estes modos de intuigao, ento se tem a chave para varias representagdes [Darstellungen] que confundem completamente 0 nosso sentimento [Gefiihl] de vergonha, na medida em que a auséncia de ver- gonha € impelida ao extremo ¢ sua sensibilidade atinge 0 inacreditével. O famoso conhecido episddio do Ramayana, a descida de Ganga, oferece um exemplo brilhante deste modo de concepgao. Ele contado quando Rama casualmente chega ao Ganges*'. O invernal e gélido Himavan*, o principe das montanhas, tinha gerado duas filhas com a esbelta Mena, Ganga, a mais velha, ¢ a bela Uma", a mais nova. Os deuses, em particular Indra, interce- deram junto ao pai para que Ihes enviassem Ganga de modo que pudesse ser iniciada nos rituais sagrados, e como Himavan se mostra condescendente aos seus pedidos, Ganga ascende até os deuses bem-aventurados. Entao prosse- gue a histéria ulterior de Uma, a qual, depois de ter realizado varios atos maravilhosos de humildade c de peniténcia, desposa Rudra“, ou seja, Shiva. Deste casamento nascem |445| montanhas selvagens ¢ infecundas. Durante cem anos Shiva esteve enlagado em matrimdnio com Uma, sem interrupgbes, de modo que os deuses, assustados com o poder gerador de Shiva e cheios de medo pelos filhos por nascer, pedem-lIhe que volte a sua forga para a terra. © tradutor inglés nao quis transcrever literalmente esta passagem, pois cla ultrapassa demasiadamente qualquer recato ou vergonha, Entéio Shiva tam- bém dé ouvidos aos pedidos dos deuses, deixa de prosseguir a geragio para no destruir universo e arremessa a sua semente sobre a terra; atravessada 41. © Ganges como entidade mitolégica (N. da T), 42. O monte nevado (N. da 7.) 43, Uma, chamada também “a paz da noite", € uma das companheitas de Shiva (N. da T), 44. Rudra, o destruidor, € um dos nomes de Shiva (N. da T). 68 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE pelo fogo, surge disso a montanha branca, a qual separa a India da Tartéria. Mas Uma se encoleriza e se enfurece por isso, ¢ amaldigoa todos os esposos. Em parte, estas sio imagens horriveis ¢ grotescas que repugnam nossa fan- tasia e a todo entendimento, de modo que, ao invés de representar [darstellen] efetivamente tudo 0 que deveria ser entendido por elas, apenas permite uma percepcao. Schlegel nao traduziu esta parte do episédio, mas apenas conta como Ganga novamente desceu para a terra. Isto ocorreu da seguinte manei- ra, Um antepassado de Rama, Sagar, teve um filho malvado, mas da segun- da esposa 60.000 filhos, que vieram em uma cabaga para o mundo, porém foram nutridos em jarros com manteiga clacificada até se tornarem homens fortes. Um dia, entio, Sagar quis sacrificar um cavalo, mas Vixnu 0 arreba- tou sob a forma de uma serpente. Entio Sagar enviou os 60.000 filhos. O alento de Vixnu, quando estes se aproximaram depois de muitas dificuldades € muita procura, os queima, reduzindo-os a cinzas. Depois de longa espera, finalmente um neto de Sagar, Ansuman, o radiante, filho de Asamandsha, parte para reencontrar os seus 60.000 tios ¢ 0 cavalo dé sacrificio. Ele efe- tivamente encontra 0 cavalo, Shiva e 0 monte de cinzas; mas o rei péssaro Garuda Ihe profetiza que enquanto o rio do sagrado Ganga nao descer do céu para o monte de cinzas, os seus parentes nfo retornariam novamente & vida. Entdo 0 bravo Ansuman submeteu-se durante 32.000 anos as penitén- cias as mais rigorosas no cume do Himavan. Em vao. [446] Nem as suas préprias mortificagdes, nem as de 30.000 anos de seu filho Dwilipa ajudam © minimo. Apenas 0 filho de Dwilipa, o magnifico Bhagiratha, consegue sair bem sucedido na grande obra depois de outros mil anos de peniténcia Entio 0 Ganga precipita-se; para que ele nao destroce a terra, Shiva mantém agora a sua cabega debaixo dele, de modo que a gua se espalhe ni dos seus cabelos. Entio novamente séo necessérias novas peniténcias de Bhagiratha, a fim de liberar o Ganga destes carac6is para que possa correr adiante. Finalmente ele verte em seis rios, 0 sétimo Bhagirata conduz depois de dificuldades atrozes até os 60.000, os quais sobem ao céu, enquanto Bhagirata mesmo governa o seu povo em paz ainda por muito tempo. Outras teogonias, por exemplo, as escandinavas e as gregas, de espécie semelhante & teogonia indiana, Em todas elas, a categoria principal & a geragio e 0 ser-gerado, mas nenhuma se lanca para cé e para 14 de modo tao selvagem, e em suas configuragdes em grande parte com tal arbitrariedade ¢ inadequacdo de inventividade. A teogonia de Hesfodo € particularmente mais transparente € mais determinada, de modo que sempre se sabe onde se esta ¢ se reconhece claramente o significado, jé que ele ressalta ¢ apresenta mais cla- s caracdis do também 6 CURSOS DE ESTETICA ramente 0 fato de que a forma e o exterior nela apenas aparecem exteriormen- te. Ela comega com 0 Caos, 0 Erebo**, o Eros, a Gaia; Gaia produz Urano de si mesma e gera nto com ele as montanhas, 0 Pontos e assim por diante, também Cronos € os Ciclopes, Centimanos, mas os quais Urano logo apés 0 seu nascimento confina no Tértaro, Gaia induz Cronos a castrar Urano; 0 que ocorte; a terra recebe o sangue e daf crescem as erfnias € os gigantes; 0 mar reeebe 0 membro e da espuma do mar se eleva Citéria. Tudo isto € mantido de modo mais claro e mais coeso ¢ também nao permanece preso ao circulo dos meros deuses da natureza |447| 3. Intuigdo da Purificagao e da Expiagiio Caso procuremos agora por um ponto de transi¢o para o sfmbolo autén- tico, entdo podemos encontré-lo igualmente na fantasia indiana ja segundo seus primérdios. Quo ativa a fantasia indiana também possa ser para elevar o fe- nOmeno sensfvel a uma multiplicidade de deuses, a qual nenhum outro povo pode apresentar na mesma desmedida ¢ alterabilidade, por outro lado, toda- via, em diversas intuigGes ¢ narrativas ela sempre novamente tem presente aquela abstraciio do deus supremo, em comparagio com 0 qual o particular, o sens{- vel eo que se manifesta [erscheinende] so apreendidos como nao divinos, inadequados e, portanto, como algo que precisa ser posto de modo negativo suprimido (aufgehoben]. Pois justamente esta mudanga de um lado para 0 outro constitui, como jé foi dito logo no inicio, o tipo peculiar e a auséncia de re- conciliagdo desassossegada da intuigo indiana. Por isso, sua arte também nao se cansou de configurar de.modos os mais miltiplos a desisténcia de si do sen- sivel ¢ a forga da abstragao e submersio interior. Aqui se situam as represen- tages [Darstellungen] das expiagdes demoradas e das observagdes profundas, das quais nao s6 0s poemas épicos mais antigos, o Ramayana ¢ 0 Mahabharata, apresentam as provas mais importantes, mas também muitas outras obras de arte poéticas. Tais expiagdes, na verdade, so empreendidas muitas vezes por ambigio ou pelo menos para fins determinados que nao devem conduzir 2 tiltima e mais elevada uniaio com Braman e ao matar do terreno e do finito — como, por exemplo, a finalidade de alcancar 0 poder de um Bramane etc.; a0 ‘mesmo tempo, entretanto, a intuigio reside sempre no fato de que a expiagio 45. Erebo € 0 filho do Caos € 0 irmfo e esposo da Noite; ele personifica as trevas infernais. Gaia é 4 terra, mie de Urano, o c&u (N. da T), 7 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE © a perseveranga da meditago que sempre mais se afasta de tudo o que é de- terminado ¢ finito elevam acima do nascimento em um determinado estado, bem como acima da violéncia do que é apenas natural e dos |448| deuses da natureza. Motivo pelo qual particularmente o principe dos deuses Indra se op6e as expiagGes rigorosas ¢ tenta dissuadi-las ou, quando nenhuma dissuaséo dé resultado, apela aos deuses do alto a auxiliarem-no, pois sendo todo o céu cai ria em confusao. Na representaco [Darstellung] de tais expiagdes ¢ de suas espécies, esté- gios e graus diversos, a arte indiana € quase tio inventiva como em suas milti- plas divindades e exerce a ocupagio de tal invengdo com grande seriedade. Isto constitui © ponto a partir do qual podemor continuar olhando em torno, C. O SimaoLismo Aurénrico Tanto para a arte simbélica quanto para a arte bela € necessério que 0 significado, que elas empreendem configurar, nfo apenas, como é 0 caso no indiano, saia da primeira unidade imediata para sua existéncia exterior, que se encontra ainda anterior a toda separagio e diferenciagdo, mas que o significa- do torne-se para si livre da forma sens{vel imediata. Esta libertagao sé pode acontecer enquanto o sensivel ¢ o natural forem apreendidos e intufdos em si mesmos como negatives, como 0 que deve ser suprimido [Aufzuhebende] e 0 que foi suprimido [Aufgehobene]. No entanto, mais adiante € necessério que a negatividade, que alcanga o fendmeno enquanto o passageiro ¢ 0 suprimir-se [Sichaufheben] do natural, seja acolhida ¢ configurada como o significado absolut das coisas em geral, como momento do divino. - Com isso entretanto jé abandonamos a arte indi ana. Pois € certo que & fantasia indiana nao falta a intuigdo do negativo; Shiva € tanto o destruidor quanto 0 gerador, Indra morre, ¢ também o tempo aniqui- lador personificado em Kala, o terrivel colosso, destréi a totalidade do reino mundano e todos os deuses, inclusive o Trimurti, 0 qual igualmente se dilui em Braman — do mesmo modo que o individuo deixa desaparecer a si € 2 to- talidade do seu saber e querer em sua identificag4o com 0 Deus supremo. |449| Mas nestas intuigdes o negativo é em parte apenas um transformar e alterar, em parte apenas a abstragdo que abandona o determinado, a fim de entrar na universalidade indeterminada e, desse modo, vazia e a mais destituida de Con- teiido. Para o Deus supremo, a substancia do divino, ao contrério, permanece inalteradamente uma e a mesma na troca das formas, na transigdo, no progres- n CURSOS DE ESTETICA so para a multiplicidade dos deuses e para a nova supressao [Wiederaufhebung] dos mesmos. Ela no é este Deus Gnico que tem em si mesmo, enquanto este iinico, 0 negative como a sua propria determinidade, pertencente necessaria- mente ao scu conceito. De modo semelhante, na intuigdo parse o que traz deterioragao ¢ prejuizo esté em Ahriman, fora de Ormuz, e produz com isso apenas uma oposigdo ¢ luta que ndo pertencem ao Deus tinico, a Ormuz, como um momento atribufdo a cle nele mesmo. O préximo passo que temos de realizar agora consiste por isso no fato de que, por um lado, o negativo é fixado para si, por meio da consciéncia, como 0 absoluto, por outro lado € visto apenas como um momento do divino, como um momento, porém, que nao apenas se langa fora do absoluto verda~ deiro em um outro deus, mas é atribuido a0 absoluto de modo que o Deus verdadeiro aparece como o vir-a-ser negativo de si mesmo e, desse modo, tem © negative como a sua determinagdo imanente nele mesmo. Por meio desta representago ulterior, 0 absoluto se torna pela primeira ‘vez. concreto em si mesmo como determinidade de si em si mesmo e, com isso, uma unidade em si mesma, cujos momentos surgem para a intuigZo como as determinagées diferenciadas de um e mesmo Deus. Pois trata-se aqui principal- mente da necessidade de determinidade do significado absoluto em si mesmo, de sua satisfagdo préxima. Os significados anteriores permaneceram, devido & sua abstragao, o simplesmente indeterminado e, por isso, destit ou, quando progrediam inversamente para a determinidade, |450} coincidiram ime- diatamente com a existéncia natural ou entraram em uma luta do configurar que no conduziu a nenhum repouso e reconciliagao. Esta dupla deficiéncia é agora remediada segundo 0 curso interior do pensamento, bem como segundo o de- curso exterior das intuigdes_ dos povos, da seguinte maneira: Primeiro estabelece-se um vinculo mais preciso entre o interior € 0 ex- terior, uma vez que cada determinagao do absoluto em si mesma j4 é um comeco do sair para a exteriorizacao. Pois cada determinar é diferenciar em si mesmo; mas 0 exterior enquanto tal é sempre determinado e diferenciado €, portanto, est disponfvel um aspecto segundo o qual o exterior se mostra mais correspondente ao significado do que nos estagios considerados até agora. Contudo, a primeira determinidade e negago em si mesma do abso- luto nao pode ser a autodeterminagao livre do espfrito enquanto espfrito, mas ela mesma pode ser apenas a negacdo imediata. A negacio imediata e por isso natural, em seu modo o mais abrangente, € a morte. O absoluto por- tanto apreendido agora de tal modo que deveré entrar neste negativo como numa determinagao que pertence ao seu proprio conceito e deverd trilhar 0 ido de forma n 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE caminho do definhamento e da morte. Por isso vernos na consciéneia dos povos © enaltecimento da morte ¢ da dor inicialmente como a morte do sensivel que definha; 2 morte do natural é sabida como um elo necessério na vida do absoluto. Mas 0 absoluto, por um lado, a fim de passar por este momento da morte, deve surgir ¢ ter uma existéncia, enquanto, por outro lado, nao per- manece preso ao aniquilamento da motte, e sim se produz a partir disso de modo elevado para a unidade positiva em si mesma. A morte, portanto, 6 tomada aqui como o significado inteiro, mas apenas como um aspecto dele e, na verdade, 0 absoluto é apreendido por meio deste processo do negativo como uma supressio [Aufheben] de sua existéncia imediata, como uma tran- sitoriedade e algo passageiro; inversamente, poré-, também como um retor- no em si mesmo, como uma ressurrcigdo um ser-em-si-eterno-e-divino. |451| Pois a morte tem um significado duplo: uma vez é o préprio perecer imedi- ato do natural, outra vez é a morte do que é apenas natural ¢ com isso 0 nascimento de algo mais elevado, do espiritual, no qual se extingue 0 mero natural de modo que o espfrito tem em si mesmo [an sich selbst} este mo- mento como pertencente & sua esséncia. Mas, por isso, em segundo lugar, a forma natural nfo pode mais ser apre- endida em sua imediatez e existéncia sens{vel de modo que ela coincida com © significado nela observado [erschauten|, pcis 0 significado do exterior mes- mo consiste em morrer em sua existéncia real e em suprimir-se [aufheben] Em terceiro lugar, de igual modo é s com a forma e a fermentagao da fantasia, a qual produziu o fantastico na In- dia, Certamente, também agora o significado ainda spensa a mera luta do significado & sabido em sua uni- dade pura com ele mesmo, libertado da realidade dada, enquanto significado em sua clareza completamente purificada, de modo que ele pudesse se opor & sua forma intufvel. Mas, inversamente, enquanto esta imagem animal singular ou esta personificagao, acontecimento, ago humanos, também a forma singu- lar no deve trazer para a intui¢o uma existéncia [Existenz] imediatamente adequada do absoluto. Esta identidade ruim, a esta altura, j4 foi transposta, enquanto aquela libertagao perfeita ainda nao foi alcancada. No lugar de am- bos coloca-se a aquela espécie de exposicao que j4 denominamos anteriormen- te como a autenticamente simbélica. Por um lado, agora ela pode se destacar, pois 0 interior e 0 que é apreendido enquanto significado nao apenas mais vém € vo como no indiano, para cima e para baixo, ora submergem imediatamen- te na exterioridade, ora retiram-se dela para a solidao da abstragio, mas co- megam a se fixar para si contra a mera realidade natural. Por outro lado, ago- ra. simbolo deve alcangar a configurago. Pois embora o |452| significado, n (CURSOS DE ESTETICA que se situa aqui completamente, tenha para o scu contetido o momento da negatividade do natural, o verdadeiramente interior comega todavia a se reti- rar primeiramente do natural ¢ est, por isso, ele mesmo ainda enredado no modo de aparigao [Erscheinung sweise] exterior, de modo que ele nao pode se fazer jé vir consciéncia para si mesmo sem a forma externa em sua univer- salidade clara A espécie de configuragao corresponde ao conceito daquilo que em geral constitui 0 significado fundamental no simb6lico, de modo que as Formas natu- ais determinadas ¢ as agdes humanas em sua peculiaridade isolada nao devem nem significar ou expor apenas a si mesmas, nem devem trazer para a conscién- cia 0 que é nelas divino intufvel imediato enquanto presente. A sua existéncia determinada deve ter na sua forma particular apenas qualidades que aludem a tum significado mais abrangente aparentado com elas. Por isso, exatamente aquela dialética universal da vida forma [bilder] o surgimento, o crescimento, 0 declinio € 0 regresso a partir da morte ¢ também nesta relagio forma [bilder] 0 conteédo adequado para a Forma [Form] autenticamente simbélica, pois em quase todos 08 mbitos da vida natural e espiritual encontram-se fendmenos que tém este Processo como fundamento de sua existéncia e, por isso, podem ser usados para o tornar intufvel [Veranschaulichung] de tais significados e para a sua indica- gio. Pois de fato entre ambos os lados tem lugar um parentesco efetivo. Assim as plantas nascem de sua semente, germinam, crescem, florescem, vingam fru- tos, 0 fruto deteriora e outra vez traz novas sementes. De modo semelhante, 0 sol esté mais baixo no inverno, subindo alto na primavera até que alcance o zénite no vero, langando entéo a sua maior bengao ou praticando a sua corruptibilida- de, mas entéo novamente decai. Também as diversas idades, a infancia, a juven- tude, a idade adulta e a velhice expdem o mesmo processo universal. Mas par- ticularmente surgem aqui ainda localidades especificas para uma particulariza- ao mais precisa, |453| como, por exemplo, o Nilo. Na medida em que o mero fantéstico foi colocado de lado por meio destes tracos mais fundamentais do parentesco ¢ da correspondéncia mais préxima do significado com sua expres- sio, ocorre uma escolha cuidadosa das formas simbolizadoras no que concerne 8 sua adequagio ou inadequagdo, e aquela vertigem intermindvel acalma-se em uma reflexdo mais racional. Veros, portanto, retornar uma unidade mais reconciliadora, tal como a encontramos no primeiro estégio, entretanto com a diferenca de que a identi- dade do significado com a sua existéncia real néo € mais nenhuma unificagio imediata, mas uma unificagio produzida (hergestellt] a partir da diferenga e, Por isso, nao encontrada, mas produzida (produzierte] a partir do espirito. O ” 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE interior em geral comega aqui a prosperar até a autonomia, ¢ a tornar-se cons- ciente de si mesmo, € procura 0 seu par no natural, 0 qual tem por seu lado um par igual na vida ¢ no destino do espiritual. A partir deste impeto (Drang] que um lado quer reconhecer no outro e quer trazer diante da intuigao e da imaginagao pela forma exterior o interior e por meio do interior o significado das formas exteriores na jungo de ambos, resulta aqui o impulso [ truoso para a arte simbélica. Apenas onde o interior torna-se livre ¢ ainda ieb] mons- conserva o impulso de se fazer representar em forma real, conforme aquilo que € segundo a sua esséncia, ¢ de ter perante si esta representago mesma enquanto uma obra também exterior, apenas af comega o auténtico impulso da arte, principalmente da arte plastica. Apenas por meio disso est presente pre~ viamente a necessidade de fornecer ao interior, a partir da atividade espiritual uma aparigdo [Erscheinung] nao apenas encontrada diane dele, mas de igual modo inventada a partir do espfrito. A fantasia faz para si entdo uma segunda forma, a qual nfo vale para ela mesma enquanto finalidade, mas que é usada apenas para 0 tornar intuivel [Veranschaulichung] de um significado que Ihe é aparentado ¢, portanto, 6 dependente deste. Esta relago poderia ser pensada como se |454| 0 significado fosse aquilo de que parte a consciéncia e como se, depois disso, ela procurasse ao seu redor as formas aparentadas para a expressiio de suas representagdes. Mas este néo € 0 caminho da arte autenticamente simbélica. Pois a sua peculiaridade consiste no fato de que ela ainda nao penetra em sie para si na apreensio dos significados, independentemente de qualquer exterioridade. Inversamen- te, ela retira o seu ponto de partida do que esta presente e da existéncia con creta dele na natureza e no espitito ¢ em seguida expande os mesmos para a universalidade dos significados, cujo conteiido contém por sua parte igual- mente em si mesmo uma tal existéncia real, embora também apenas de modo mais limitado e meramente aproximado. Mas, ao mesmo tempo, ela sé se apodera destes objetos para criar a partir deles fantasticamente uma forma, a qual nesta realidade singular torna aquela universalidade intufvel e represen- tativa para a consciéncia. Enquanto simbdlicas, as configuragGes artisticas no tém, portanto, ainda a Forma verdadeiramente adequada ao espirito, pois 0 espirito aqui nao é ainda para si em si mesmo claro e, dese modo, livre; mas elas so pelo menos configuragdes que em si mesmas mostram imedia- lamente nao serem escolhidas apenas para se exporem a si mesmas sozinhas, mas que querem indicar significados que residem mais profundamente e que so mais abrangentes. O meramente natural ¢ sensfvel representa a si mes- mo, a obra de arte simb6lica, a0 contrério, mesmo querendo trazer perante 1s CURSOS DE ESTETICA os olhos fendmenos naturais ou formas humanas, aponta imediatamente a partir de si para um outro, que todavia tem de ter um parentesco interna- mente fundamentado com as configuragdes exibidas ¢ uma referenciabilidade essencial com clas. A conexdo entre a forma concreta e seu significado uni- versal pode ser diversa, ora mais exterior e, desse modo, menos clara, ora também mais fundamental, quando a universalidade a ser simbolizada cons- titui de fato o essencial do fendmeno concreto; por meio de que, entio, a compreensibilidade do simbolo é em muito facilitada. A expressiio mais abstrata é, com relagio a isso, 0 niimero, [455] 0 qual 86 deve ser empregado, entretanto, para uma alusio mais clara no caso do sig- nificado mesmo ter em si mesmo uma determinacao numérica. Os niimeros sete e doze, por exemplo, ocorrem com frequéncia na arquitetura egipcia, pois sete € 0 ntimero dos planetas, doze o nimero das luas ou de pés que a gua do Nilo tem de subir para ser fecunda, Tal némero é entdo visto como divino, na medida em que ele é uma determinagio numérica nas grandes relagées cle- mentares, as quais so adoradas como as poténcias de toda a vida natural. Doze degraus, sete colunas, so, desse modo, simbélicos. Semelhante simbolismo dos miimeros se estende ele mesmo ainda para mitologias mais adiantadas. Os doze trabalhos de Hércules parecem, por exemplo, derivar dos doze meses do ano, uma vez que Hércules surge, por um lado, certamente como o heréi_ de modo individualizado completamente humano, mas, por outro lado, também traz. em si mesmo ainda um significado natural simbolizado e é ele mesmo uma perso- nificagdo do curso solar. Mais concretas ainda sdo a seguir entio as figuragdes simbélicas espaci- ais: percursos labirinticos enquanto simbolo do curso circular dos planetas, bem como dangas tém em seus entrelagamentos 0 sentido mais oculto de imitar sim- bolicamente 0 movimento dos grandes corpos elementares. Mais adiante, as formas animais fornecem entio os simbolos, mas de modo mais completo a forma corpérea humana, a qual aparece aqui trabalhada jé de em modo mais elevado e mais adequado, uma vez que 0 espirito neste esti geral j4 comega a se configurar a partir do mero natural para uma existéncia que Ihe seja mais auténoma. Isto constitui 0 conceito universal do simbolo auténtico e a necessidade da arte para a exposigio do mesmo. A fim de tratar das intuigdes mais concre- tas deste estagio, nesta descida do espirito em si mesmo temos de sair do ori- ente € nos voltar mais para oeste. Enquanto um simbolo universal, que caracteriza este ponto de vista, |456| podemos colocar no topo a imagem da fénix, que se queima a si mesma, mas 76 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE ressuscita rejuvenescida da morte nas chamas e das cinzas. Herédoto relata (II, 73)* ter visto em retratos este pAssaro pelo menos no Egito, ¢ de fato os egip- cios fornecem o centro para a Forma de arte simbélica. Mas antes que avan- cemos para uma consideragaio mais detalhada, podemos mencionar ainda al- guns outros mitos, os quais formam a transigfo para aquele simbolismo clabo- rado completamente segundo todos os lados. Estes so os mitos de Adénis*”, da sua morte, do lamento de Afrodite por ele, os funerais etc., — intuigdes que tém como sua morada a regio costeira da Siria. O culto de Cibele junto aos Frigios tem o mesmo significado, 0 qual ainda ecoa nos mitos de Castor ¢ Pélux, Ceres Prosérpina’* Enquanto significado, aquele momento ja mencionado do negativo, da morte do natural, é aqui particularmente fundamentado, retirado ¢ tornado intufvel para si absolutamente no divino. Por isso temos os funcrais da morte do deus, 05 lamentos incessantes da perda, a qual também & novamente resti- tufda pelo reencontro, pelo ressurgimento, pela renovacio, de modo que po- dem se seguir também festas de alegria. Este significado universal tem entio novamente o seu sentido natural mais determinado. O sol perde no inverno a sua forga, mas na primavera ele a ganha, e com ela a natureza ganha de novo seu rejuvenescimento, morre ¢ renasce. Aqui, 0 divino personificado enquanto acontecimento humano encontra, portanto, seu significado na vida natural, que por outro lado é de novo simbolo para a essencialidade do negativo em geral, tanto no espiritual quanto no natural Mas, o exemplo completo para a elaboragao da arte simbdlica, tanto segundo 0 seu conteddo peculiar quanto segundo a sua Forma, devemos pro- curar no Egito. O Egito € a terra do simbolo que se coloca a tarefa espiri- tual |457| do autodeciframento do espfrito, sem no entanto chegar efetiva- mente a0 deciframento. Os problemas permanecem nio solucionados ¢ a solugdo que nds podemos dar consiste também em apenas aprender os enig- mas da arte egipcia e suas obras simb6licas enquanto este problema nao de- cifrado pelos préprios egipcios. Pelo fato de que o espirito aqui procura ainda a si, na exterioridade, do qual logo em seguida anseia sair, ¢ por extenuar- 46, Histérias, Il, 73. A refertneia é correta, mas Herédoto relata aqui uma Ienda completamente diferente desta do passaro que renasce das cinzas (N. da T.). 47. Ad6nis é recolhido por sua beleza por Afrodite, que o disputa apés sua morte com Prosérpina © ‘a quem deve cedé-lo periodicamente. Este duelo ¢ a [esta do reencontro tem sua representagio simbélica na festa de Ad6nis (N. da T.) 48. Castor é 0 irmio mortal de Pélux. Ele € morto por causa de uma querela, ¢ scu irmio the dé uma parte de sua imortalidade. © mesmo principio de altenncia governa 0 mito de Prosérpina, que passa 0 inverno no Hades e volta para a terra na primavera, para a mde Ceres (N. da T.) 7 (CURSOS DE ESTETICA se asi em incansAvel dinamismo, a fim de produzir para si, a partir de si mesmo, a sua esséncia por meio dos fendmenos da natureza, bem como pro- duzir estes por meio da forma do espitito para a intuigdo, ao invés de pro- duzi-los para 0 pensamento, os egipcios so, dentre os povos que vimos até agora, 0 auténtico povo da arte. Mas suas obras permanecem repletas de mistério e mudas, sem sonoridade ¢ im6veis, pois aqui o espirito mesmo ainda no encontrou verdadeiramente a sua propria vida interior ¢ ainda nao sabe falar a lingua clara e Iimpida do espirito. O Egito caracteriza-se pelo impul- 80 insatisfeito e pelo {mpeto de trazer a si, por meio da arte, para a intuigo, de modo to silencioso, esta luta mesma, de dar forma ao interior e de se tornar consciente do seu interior bem como do interior em geral apenas por meio de formas exteriores aparentadas. © povo desta terra maravilhosa no era apenas um povo agricola, mas um povo construtor, que remexeu 0 solo em todos os lados, cavou canais € lagos e, guiado pelo instinto da arte, co locou & luz do sol nao apenas as construges mais extraordindrias, mas ela- borou com intensidade construgdes incomensurdveis no interior da terra, in- clusive nas maiores dimensées. Construir tais monumentos, como jé relata Herédoto, era a atividade principal do povo e um ato principal dos princi- pes. As construgGes dos indianos so, na verdade, também colossais, mas no as encontramos em nenhum lugar nesta multiplicidade infinita como no Egito. |458| 1. Intuigdo e exposigao egipcias do morto; piramides No que diz respeito & intuigo artistica egépeia, segundo seus aspectos particulares, encontramos aqui pela primeira vez o interior em contraposi¢ao a imediatez da existéncia, fixado para si, e na verdade o interior enquanto 0 negativo da vitalidade, enquanto a morte; no como a negaco abstrata do mal, do que é deturpador, como Ahriman em contraposicao a Ormuz, mas na for- ma concreta mesma a) O indiano se eleva apenas até 0 mais vazio € com isso igualmente até a abstragdo negativa contra todo o concreto. Um tal vir-a-ser do Braman dos indianos nao existe no Egito, mas o invisivel tem nele um significado mais pleno; a morte ganha o contetido do vivo mesmo. Arrancada da existéncia imediata, a morte mantém na sua despedida da vida ainda seu relacionamento com 0 vivo e é tornada auténoma e conservada nesta forma concreta. E sabi- do que os egipcios embalsamavam (Herédoto, II, 86-90) ¢ adoravam gatos, s, agores, ichneumonfdeos" , ursos, lobos (Herédoto, II, 67), mas sobretu- 7% 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE do pessoas mortas. A honra do morto no é para eles o sepultamento, mas a conservagdo perene como cadaver. b) Mas os egipcios, além disso, no ficam presos a esta duragiio do mor- to imediata e mesmo até natural. O naturalmente conservado é também na re- presenta¢ao apreendido como duradouro. Herddoto diz que os egipcios foram os primeiros a ensinar que a alma do homem é imortal. Portanto, é neles que surge pela primeira vez, deste modo elevado, a solugao do natural ¢ do espi- ritual, na medida em que o ndo apenas natural obtém para si uma autonomia. A imortalidade da alma esté bastante préxima da liberdade do espirito, na medida em que 0 eu se apreende como retirado da naturalidade da existéncia [Dasein] ¢ repousando sobre si; mas este saber 4e si € 0 princfpio |459| da liberdade. Contudo nio se pode dizer que os egipcios penetraram completa mente no conceito do espfrito livre, e nio devemos pensar nesta crenga dos egipcios segundo o nosso modo de aprender a imortalidade da alma; mas eles jf tinham a intuigGo para aprender tanto ex:ernamente quanto na sua repre- sentago 0 que se despede da vida segundo a sua existéncia [Existenz], ¢ rea- lizaram com isso a transi¢do da consciéncia para a sua libertagdo, embora eles 86 tenham chegado até o limiar do reino da liberdade. ~ Esta intuigio se am- plia neles, em contraposigo ao presente da e“etividade imediata, até um reino auténomo dos defuntos. Neste Estado do invisivel é mantido um tribunal dos mortos, presidido por Osiris como Amentes®. O mesmo entio est presente novamente também na efetividade imediata, na medida em que também entre ‘os homens era instaurado um tribunal sobre os mortos e apés 0 falecimento de um rei, por exemplo, cada um podia apresentar suas queixas. ¢) Se nos perguntarmos, a seguir, sobre uma forma artistica simbélica para esta representaco, entSo devemos procurd-la nas configuragdes princi- pais da arte de construi! egfpcia. Temos aqui uma arquitetura dupla diante de nés, uma sobreterrestre, outra subterrnea: labirintos sob 0 solo, magnifi- cas e amplas escavagées, corredores longos meia hora de percurso, aposentos recobertos com hieréglifos, tudo trabalhado com rigor; ento sobre isso edifi- cadas aquelas construgées surpreendentes, dentre as quais se encontram prin- cipalmente as pirdmides. Durante varios séculos tentou-se estabecer miltiplas 49, Familia de insetos parasitas (N.da T). 50. Amentes nfo é na realidade um epfteto de Osiris, mas 0 nome da morada subterranea que ele governa. Certas tradigdes gregas, legitimadas por Plstarco, assimilam Osiris a Plutdo ¢ Isis a Perséfone, j6 outras, onde se encontra a ressoniincis de Herédoto, os idemtificam respectiva- mente com Dioniso ¢ Deméter, duas divindades apresentadas por vezes como reinando no Hades (N. da T.) SI. Baukunst literalmente: “arguitetura” (N. da T), ~ CURSOS DE ESTETICA hipoteses sobre a destinagao ¢ o significado das piramides, mas agora se mos- tra indiscutivel que sio envolturas para os timulos dos reis ou dos animais sagrados, por exemplo, do Apis® ou dos gatos, de {bis ¢ assim por diante. Deste modo, as piramides representam aos nossos olhos a simples imagem da arte simbélica mesma; elas so enormes cristais que abrigam em si mesmos um interior ¢ 0 cercam enquanto uma forma externa produzida pela arte, don- de resulta que clas estejam |460| presentes para este interior, despedido da mera naturalidade, ¢ apenas em relagao com ele. Mas este reino da morte e do invi- sivel, 0 qual constitui aqui o significado, tem apenas 0 iénico lado e, na ver- dade, formal, 0 qual pertence ao Contetido verdadeiro da arte, ou seja, o de estar subtraido da existéncia imediata. E assim ele é inicialmente apenas 0 Hades, ainda nfo é uma vitalidade, a qual, mesmo quando subtrafda do sensf- vel enquanto tal, é todavia de mesma e é, com isso, um espfrito mais livre e mais vivo em si mesmo. - Por isso, a forma (Gestalf] permanece para um tal interior uma Forma [Form] e sual modo, ao mesmo tempo, existente em si invélucro igualmente ainda completamente exteriores ao contetido determina- do do mesmo. As pirdmides so um tal envolvimento exterior onde repousa escondido um interior. 2. Culto aos animais e mdscaras de animais Na medida em que o interior deve ser intufdo em geral como algo pre- sente externamente, os egipcios se voltaram para 0 lado oposto, para a adora- cdo de uma existéncia divina nos animais vivos, como no touro, nos gatos € em muitos outros animais. O vivo est mais elevado do que o exterior inorga- nico, pois o organismo vivo tem um interior, para o qual aponta sua forma exterior, mas que permanece um interior e com isso repleto de mistério. As- sim, 0 culto aos animais deve ser compreendido aqui como a intuigao de um interior misterioso, que é enquanto vida uma forga mais elevada sobre o mero exterior. Para nés evidentemente € sempre repulsivo ver animais, ces € gatos tomados como sagrados, ao invés do verdadeiramente espiritual. — Esta adora- Go, considerada por si, no tem nada de simbélico, pois nisso o animal efe- tivo vivo, o Apis por exemplo, foi venerado ele mesmo como existéncia de 52. Apis € 0 boi sagrado dos egipcios, consagrado a Osiris. Ele € por vezes considerado como a Pe imagem corporal de Osiris mesmo (N. da 7) ey 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE Deus. Mas os egipcios empregaram a forma animal também simbolicamente. Ento ela no vale mais para si, mas esté rebaixada a expressar algo mais universal. Este 6 0 caso, de modo mais ingénuo, |461| nas méscaras de an mais, que se mostram particularmente nas figuragdes [Darstellungen] do em- balsamento, em cuja atividade as pessoas que cortam o cadaver, retiram as entranhas, so retratadas com méscaras de animais. Aqui se mostra imediata- mente que tal cabega de animal nao deve indicar a si mesma, mas um signifi- cado diferenciado, mais universal, dela. Mais além a forma animal é empre- gada misturada com a humana; encontramos figuras humanas com cabecas de edo, que so tomadas como formas da Minerva*, também ocorrem cabegas de gavido, ¢ nas cabegas de Amon* permaneceram os chifres. Relagdes sim- bélicas nao devem ser aqui ignoradas. Num sentido semelhante, a escrita hie- roglifica dos egipcios é também em grande parte simbélica, na medida em que ela ou procura dar a conhecer os significados por meio da reprodugio de ob- jetos efetivos, que ndo expdem a si mesmos, mas uma universalidade aparen- tada a ela, ou, de modo ainda mais freqiiente, no assim denominado elemento fonético desta escrita ela indica as letras singulares por meio do desenho de um objeto, cuja letra inicial, em relagio 4 lfagua, tem o mesmo som, o qual deve ser expresso.%* 3. Simbolismo completo: Memnonas, Isis e Osiris, Esfinge Em geral, no Egito quase toda forma é simbolo e hieréglifo, nao signi- ficando a si mesma, mas apontando para um outro, com o qual tem parentes- co € portanto referencialidade. Os simbolos auténticos, todavia, so produzi- dos apenas completamente quando esta relacio é mais fundamental e de espé- ‘53. A protetora de Sais, a deusa Neith, estado por vezes representado com uma coruja ¢ uma Tanga, Em Plutarco e Herédoto ela € assimilada a Atena (N. da T) 54, Amon (para os egipt6logos) ou Ammon, transliteragdo grega do nome do deus egipcio Amour, Hegel se refere todavia a Herédoto (Il, 43), reportando a uma lenda sobre Amon (=Zeus) € Héracies: Héracles queria a todo custo ver Zeus, mas este se recusava. Finalmente Zeus se mostra 4 Héracles disfargado de carneiro. “Disso vem, conclui Herédoto, que os Eglpcios dio a Zeus uuma cabega de carneiro” (N. da 7). 55. O deciframento dos hieréglifos, estudados durante todo o século XVIII, tinha como objeto ~ antes dos trabalhos decisivos, mas confidenciais, de Champollion entre 1804 ¢ 1826 ~ uma publicagio anterior a um ano a expedig#o ao Egito: Georg Zotga (-735-1809), De origine et usu obelisearum Mas parece que Hegel chegou a conhecer a Lettre & M. Dacier relative @ Walphaber des higroglyphes phdnetiques publicada por Champollion em 1822, bem zomo seu Prévis du systéme hiérogyphique (1824) (N. da T), al CURSOS DE ESTETICA cie mais profunda. Eu quero fazer, a seguir, nesta relagiio, mengiio de modo breve apenas a intuigdes bastante recorrentes. a) Assim como, por um lado, a supersti¢ao egipcia pressente na forma animal uma interioridade secreta, encontramos, |462| por outro lado, a forma humana exposta de modo que ela tem o interior da subjetividade ainda fora dela e, portanto, no é capaz de se desdobrar para a beleza livre. Sao particu- larmente notaveis aquelas Memnonas colossais, as quais, repousando em si mesmas, iméveis, os bragos cerrados sobre 0 corpo, os pés juntos uns aos outros, rijas, tesas e sem vida, colocadas contra 0 sol para esperar dele um facho de luz. que os tocasse, animasse e fizesse vibrar. Herédoto diz pelo menos que as Memnonas emitem um som ao nascer do sol. A critica mais elevada, na ver- dade, colocou isto em diivida, mas o fato de vibrar foi recentemente de novo confirmado pelos franceses ¢ ingleses, ¢ se 0 som nao é produzido por outros dispositivos, entdo ele pode ser explicado pelo fato de que, existindo minerais que estalam na Agua, 0 som daquelas imagens de pedra provém do sereno e do frio matinal e dos raios de sol que a seguir recaem sobre eles, na medida em que so produzidas com isso pequenas rachaduras que novamente desaparecem. ado de que eles Mas enquanto simbolo deve ser dado a esses colossos o sign nao tm a alma espiritual livre em si mesmos e por isso necessitam para a vivificagdo da luz do exterior, que primeiramente pode fazer sair deles 0 som da alma, ao invés de poderem tomé-la do interior, o qual carrega em si mes- mo proporgdo e beleza. A voz humana, ao contrario, soa a partir do préprio sentimento e do préprio espirito sem impulso externo, assim como a altura da arte em geral consiste em deixar o interior se configurar a partir de si mesmo. Mas o interior da forma humana é ainda mudo no Egito e em sua animagio é considerado apenas 0 momento natural. b) Um modo de representag&o simbélico ulterior € Isis®* ¢ Osiris*”. Osiris 6 gerado, parido e assassinado por Tifon’*, mas Isis procura os membros es- palhados, os encontra, recothe e enterra. Esta hist6ria do Deus tem inicialmente meros significados naturais como 0 seu contetido. Por um lado, Osiris € 0 sol € a sua hist6ria um |463| sfmbolo para o decurso do ano, por outro lado ele 56. Isis, esposa de Osiris, mle de Horus. Apés a morte de Osiris, Isis toma o luto e parte 3 procura de seu corpo, que foi desmembrado por Tifon. Ela 0 reconstitui ¢ amortalha. Apds a vit6ria de Horus sobre Tifon, ela se une a Osiris no Hades (N. da 7.) 57. Osiris, esposo de Isis, da qual ele também é algo como o irmdo, segundo certas genealogias. Osiris 6 um deus-rei civilizador que se concilia a favor dos povos gragas a0 canto e a misica (N, da T.). 58. Tifon: equivalente habitual na Grécia do deus ep(pcio Seth. Inimigo de Isis, ele tenta usurpar o poder pds a morte de Osiris, de quem desmembra o corpo. Por fim & vencido por Horus (N. da T), 2 (0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE significa 0 subir e descer das aguas do Nilo, que deve trazer fertilidade para todo 0 Egito. Pois no Egito falta constantemente ao longo de anos chuva, € primeiramente 0 Nilo irriga a terra por meio de suas enchentes. No perfodo do inverno ele desce até 0 fundo do seu leito, mas logo a partir (Herddoto, Il, 19) do solsticio ele comega a se avolumar ao longo de cem dias, transborda as margens e flui terra adentro. Finalmente a 4gua seca novamente por meio da insolagdo e dos ventos quentes do deserto ¢ retorna ao fluxo no seu leito. Entéo as lavouras séo cultivadas com pouco esforgo, a vegetagdo a mais abundante avanga, tudo germina e amadurece. O sol ¢ ¢ Nilo, 0 seu enfraquecimento ¢ fortalecimento so as poténcias naturais do solo egipcio, as quais os egipcios tornam intufvel [veranschaulichen] para si simbolicamente na histéria huma- namente configurada de Isis Osiris. Pois aqui tarfibém ainda tem lugar a ex- posi¢do simbélica do zodfaco, 0 qual esté em relagdo com 0 curso do ano as- sim como o ntimero dos doze deuses com os meses. Mas, inversamente, Osiris significa também novamente 0 humano mesmo; ele é venerado como o funda- dor da agricultura, da divistio da lavoura, da propriedade, das leis, ¢ a sua ve- neragdo se refere portanto igualmente a atividades espirituais humanas, as quais estiio na mais estreita associagio com o ético ¢ o juridico. De igual maneira ele € 0 juiz dos mortos e ganha por meio disso um significado que se separa completamente da mera vida natural, significado no qual 0 simbélico comega a terminar, j4 que aqui o interior e o espiritual tornam-se eles mesmos 0 con- teiido da forma humana que com isso comega a expor o seu préprio interior. Mas este processo espiritual toma para si, para o seu Contetido, igualmente de novo a vida natural exterior ¢ 0 torna conhecivel de modo exterior: nos tem- plos, por exemplo, no niimero de escadas, degraus, andares, colunas, nos labi- rintos, na diversidade dos corredores, das situosidades ¢ das camaras. Osiris 6, deste modo, tanto a vida natural quanto |464| a espiritual nos diversos mo- mentos de seu proceso e de suas transformagSes, em parte as formas simb6- licas tornam-se simbolos dos elementos naturais, em parte os estados naturais, mesmos so apenas novamente simbolos das atividades espirituais e de sua mu- danga, Por isso, a forma humana também no permanece aqui nenhuma mera personificag&o, pois aqui o natural, embora por um lado aparega como o sig- nificado auténtico, por outro lado torna-se novamente ele mesmo apenas sim- bolo do espirito e deve em geral ser subordinado neste circulo, onde o interi- or se impele para fora da intuigdo natural. Entretanto, a Forma corpérea hu- 59. Herédoto menciona que os egipcios tinham doze deuses, ¢ que provavelmente os gregos os tomaram deles (N. da 7). CURSOS DE ESTETICA mana alcanga certamente uma formagdo completamente diferente ¢ j4 mostra com isso a aspiracao de descer no interior e espiritual; mas este esforgo alcan- ga 0 seu alvo. a liberdade do espiritual em si mesmo, de inicio apenas de modo insuficiente. As formas permanecem colossais, graves, petrificadas; pernas sem liberdade e clareza alegre, bragos ¢ cabeca bem juntos a0 corpo restante e fir- memente unidos sem graciosidade « movimento vivo. A arte de ter libertado os bragos © os pés € de ter dado movimento ao corpo é atribuida primeira- mente a Dédalos Por meio daquele simbolismo reciproco, 0 simbolo no Egito é entiio ao mesmo tempo um todo de simbolos, de modo que, o que uma vez surge como significado, também é usado novamente como simbolo de um Ambito aparen- tado, Esta jungao de miltiplos sentidos do simbélico, que entrelaga mutua- mente 0 significado e a forma, indica de fato 0 diverso ou faz alusao a ele, aproximando-se j4 por meio disso da subjetividade interior, a qual sozinha pode se voltar para muitas diregées, constitui a vantagem destas configuracées, em- bora a explicaciio das mesmas, por motivo da multiplicidade de sentidos, seja evidentemente dificultada, Tal significado, em cujo deciframento se vai hoje em dia freqlentemen- te longe demais, pois de fato quase todas as formas se apresentam imediata- mente como simbolos, poderia também — do |465| mesmo modo que procura- mos explicé-lo para nés mesmos ~ ter sido, enquanto significado, claro e com- preensfvel para a intuigo egfpcia mesma. Mas os simbolos egipcios contém, como vimos no comego, muitas coisas implicitamente, mas nao explicitamen- te, So trabalhos empreendidos na tentativa de esclarecerem-se a si mesmos, gue permanecem porém parados na luta pelo que é em si ¢ para si claro, Neste sentido vemos nas obras de arte egipcias que clas contém enigmas, dos quais, em parte nfo é alcangado’ deciframento correto, nflo apenas por nés, mas 0 mais das vezes por aqueles que se impuseram a tarefa de decifré-lo c) As obras da arte egfpcia em seu simbolismo misterioso so, por isso, enigmas, 0 enigma objetivo mesmo. Podemos designar a esfinge como o sfm- bolo para este auténtico significado do espfrito egipcio. Ela € 0 simbolo, por assim dizer, do simbolismo mesmo. No Egito sio encontradas formas de es- finge em incontavel quantidade, centenas delas erigidas em seqiiéncias, da rocha mais dura, polida, recoberta de hierdglifos; no Cairo em tamanho tio colossal que as unhas de ledo sozinhas tem a altura de um homem. Sio corpos animais 60. Dédatos, dentre outras compe aT). cias que Ihe atribui a mitologia, também possui a da estatusria (N. a 0 SIMBOLISMO INCONSCIENTE deitados nos quais se eleva a parte superior do corpo humano, de quando em quando hé uma cabega de cameiro, mas na maior parte das vezes uma cabega feminina.*' Da indistinta forga e vigor do animalesco quer aflorar o espirito humano, sem chegar & exposigio acabada de sua propria liberdade e de sua forma mével, jé que tem de permanecer ainda misturado ¢ associado ao outro de si mesmo. Este impeto pela espiritualidade autoconsciente que no se apre- ende a partir de si na realidade adequada a ela somente, mas se intui apenas no que Ihe € andlogo e que se leva & consciéncia no que Ihe € do mesmo modo estranho, é em geral 0 simbolismo que neste pice se torna enigma E neste sentido que a esfinge surge no mito grego, que de novo pode- mos interpretar simbolicamente, como o monstr9 que propée o enigma. A esfinge |466| colocava a conhecida pergunta enigmitica: quem é que de manha anda sobre quatro pernas, de tarde sobre duas ¢ de noite sobre trés? Edipo encontrou a simples palavra decifradora, que é o homem, ¢ a esfinge caiu do penhasco. O deciframento do simbolo est no significado existente-em-si-e- para-si, no espirito, tal como a famosa inscrigdo grega interpela ao homem: Conhega-te a ti mesmo! A luz, da consciéncia é a clareza, a qual deixa ilumi nar de modo claro seu contetido concreto por meio da forma adequada que pertence a ele mesmo e que expde em sua existéncia somente a si mesma. 61. Na verdade, 2 esfinge esfinge grega (N. da T). fpeia possui no mais das veres uma cabega masculina, & dife as Segundo Capitulo O SIMBOLISMO DO SUBLIME, A clareza desprovida de enigmas do espfrito que se forma adequadamen- te a partir de si mesmo, clareza que é 0 objetivo da arte simbélica, s6 pode ser alcangada quando inicialmente o significado para si, separado da totalida- de do mundo fenoménico, entra na consciéncia. Pois na unidade imediatamente intufda de ambos residiu a auséncia de arte dos antigos parses; a contradigao entre a separagiio ¢ a jungio imediata exigida produziu todavia o simbolismo fantéstico dos indianos, enquanto também no Egito faltava ainda a livre cog- noscibilidade do interior significativo em si e para si, libertada do fenoménico, e ela forneceu a base para 0 carter enigmitico e obscuro do simbélico. ‘A primeira purificagao profunda e separacdo expressa do ser-emn-si-e-para- si do presente sensivel, ou seja, da singularidade empfrica do exterior, devem ser procuradas no sublime, 0 qual eleva 0 absoluto acima de qualquer existén- cia imediata e com isso consolida a libertagio inicialmente abstrata, a qual € pelo menos a base do espiritual. Pois enquanto {467| espiritualidade concreta 0 significado assim elevado ainda nao é apreendido, mas ele é, porém, rado como o interior que existe em si mesmo € repousa em si mesmo, 0 qual é incapaz. segundo a sua natureza de encontrar sua verdadeira expressao em fendmenos finitos. Kant diferenciou de modo muito intesessante 0 sublime € 0 belo, eo que na primeira parte da Critica do Juizo, a partir do § 20, € exposto a esse respeito, conserva sempre ainda o seu interesse, apesar de toda prolixidade e da redugo, posta & base, de todas as determinages ao subjetivo, as faculda- des do animo, da imaginaco, da razo e assim por diante. Esta redugdo deve conside- 7 CURSOS DE ESTETICA ser reconhecida como correta, segundo o seu principio universal, na rela¢ao de que o sublime - como Kant se expressa — ndo esta contido em nenhuma coisa da natureza, mas apenas no nosso animo, na medida em que nos torna- mos conscientes de sermos superiores natureza em nés e, desse modo, tam- bém a natureza fora de nds. Neste sentido, Kant considera que “o autentic mente sublime n&o pode estar contido em nenhuma Forma sensivel, mas diz respeito apenas as idéias da razo, as quais, embora niio seja poss{vel nenhu- ma exposi¢ao adequada a elas, justamente por meio dessa inadequagao que pode ser exposta sensivelmente, so colocadas em movimento ¢ evocadas ao Animo” (Critica do Jutzo, 3* Edigdo, p. 77 [8 23}). O sublime em geral ¢ a tentativa de expressar 0 infinito sem encontrar no Ambito dos fendmenos um objeto que se mostre pertinente para esta exposigdo. O infinito, justamente por ter sido retirado do complexo total da objetividade para si como signi- ficado invisivel e ausente de forma ¢ ter-se tornado interior, permanece se- gundo sua infinitude indizfvel e acima de toda expresso sublime por meio do finito. O préximo contetido, pois, alcangado aqui pelo significado, consiste no fato de que o significado, frente & totalidade dos fendmenos, € 0 uno em si mesmo substancial, 0 qual é ele mesmo, enquanto pensamento puro, apenas para os pensamentos puros. Por isso, [468] esta substincia agora para de poder ter sua configuragdo em uma exterioridade, e nesta medida desaparece o caré. ter autenticamente simbélico. Mas se isso que &€ em si mesmo uno deve ser lo diante da intuigdo, entio tal coisa é apenas possfvel pelo fato de que isso, enquanto substdncia, também é apreendido como o poder criador de to- das as coisas, nas quais depois tem a sua revelagao ¢ aparigao [Erscheinung] ¢ assim uma relagio positiva com elas. Mas ao mesmo tempo sua determinagio € igualmente aquela de que seja expresso que a substincia se eleva sobre os fenémenos singulares enquanto tais, bem como sobre o seu conjunto, pelo qual, pois, no decurso mais conseqitente a relagio [Beziehung] positiva se transfor- ma na relaco [Verhdilinis] negativa, para que seja putificada pelo que aparece enquanto por um particular e, por isso, também nao adequado & substancia e desaparecendo nela. Este configurar, que é destrufdo ele mesmo novamente por aquilo que exibe, de modo que a exibigo do contetido se mostra ao mesmo tempo como uma supressio [Aufheben] do exibir, é 0 sublime, o qual portanto nao pode- mos, como faz Kant, introduzir no mero subjetivo do animo e de suas idéias da razo, mas que temos de aprender como fundamentado na tnica substan- cia absoluta enquanto no contetido a ser exposto. trazi as 0 SIMBOLISMO DO SUBLIME A divisdo, pois, da Forma de arte do sublime pode ser tomada igual- mente da dupla relago hd pouco indicada da substancia enquanto significado com o mundo que aparece. O elemento comum nesta relago por um lado positiva e por outro lado negativa reside no fato de que a substancia é elevada sobre 0 fendmeno singu- lar, no qual ela deve aleangar a exposigo, embora ela sé possa em geral ser expressa em relagdo com o que aparece [Erscheinende}, j& que ela, enquanto substncia ¢ essencialidade [Wesenheit], & em si mesma sem forma ¢ inacessf- vel para a intuigo concreta, |469| Como o primeiro modo afirmativo de apreensio podemos designar ‘a arte panteista, tal como ela ocorre em parte na india e em parte na liberda- de e mfstica tardias dos poetas maometanos persas ¢ como se reencontra com interioridade [Innigkeit] mais aprofundada do pensamento e do 4nimo também no ocidente cristo. Segundo a determinagdo universal, a substancia é intufda neste estdgio como imanente em todos os seus acidentes criados, os quais por isso ainda nao foram rebaixados como servidores ¢ como mero adorno para a glorificagio do absoluto, mas se mantém afirmativos por meio da substincia que reside no seu interior, embora deva ser representado e elevado em todo o singular apenas 0 uno € 0 divino, donde também o poeta, 0 qual vé e admira em tudo este uno ¢ assim como as coisas, também submerge a si mesmo nesta intuico, esté em condigdo de conservar uma relago positiva com a substdncia, com a qual ele liga tudo. O segundo elogio negative do poder e da magnificéncia do Deus tinico encontramos como o sublime auténtico da poesia hebraica. Ele supera a ima- néncia positiva do absoluto nos fendmenos criados ¢ coloca, por um lado, a substancia sinica para si mesma como o senhor do mundo, diante de quem se apresenta a coletividade das criaturas e que, levada & relag’o com Deus, é posta como o que é em si mesmo impotente e desvanecente. Caso 0 poder e a sabe- doria do uno deva vir & exposi¢ao por meio da finitude das coisas naturais e dos destinos humanos, entdo no encontramos agora mais nenhum desfigurar indiano para a ndo-forma [Ungestalr] do desmedido, mas 0 sublime de Deus & aproximado da intuigdo pelo fato de que aquilo que esta af é exposto com todo © seu brilho, o seu esplendor e a sua magnificéncia apenas como um acidente servil e uma aparéncia passageira em comparagio com a esséncia e a firmeza de Deus. 9 CURSOS DE ESTETICA [470] A. O PantEismo pa ARTE Com a palavra pantefsmo se esté de imediato exposto atualmente aos mal- entendidos mais grosseiros. Pois de um lado, “tudo” significa em nosso senti- do moderno; tudo e¢ cada coisa [alles und jedes] em sua singularidade total- mente empfrica; esta lata, por exemplo, segundo todas as suas propriedades, desta cor, de tal © tal tamanho, assim formada, assim pesada ete., ou aquela casa, livro, besta, aquela mesa, cadeira, forno, rastro de nuvem etc. Quando alguns tedlogos atuais afirmam da filosofia que ela torna tudo Deus, entio, tomado no sentido da palavra h4 pouco mencionado, este fato [Faktum], que € imputado a filosofia, € com isso também a acusagao, que é levantada contra ela, so totalmente falsos. Uma tal representagdo do pantefsmo s6 pode surgir em cabegas insensatas ¢ nao é encontrada nem em alguma religido, nem mes- mo nos iroqueses e esquimés, nem em alguma filosofia. O “tudo” naquilo que foi denominado de pantefsmo nao 6, portanto, este ou aquele individuo singu- lar, mas muito mais 0 tudo [das Alles] no sentido do todo [All], ou seja, no sentido deste um substancial, que certamente é imanente nas singularidades, porém com abstragio da singularidade e de sua realidade empirica, de modo que a alma universal ou, expressado de modo popular, 0 verdadeiro e o excelente, os quais também tém uma presenga neste individuo singular. Isto constitui o significado auténtico do pantefsmo, ¢ apenas sob este sig- nificado temos de falar dele aqui. Ele pertence sobretudo ao Oriente, que apre- ende 0 pensamento de uma unidade absoluta do divino ¢ de todas as coisas enquanto nesta unidade. Como unidade e todo [All], 0 divino apenas pode vir perante a consciéncia por meio do redesaparecimento das singularidades enu- meradas, nas quais 6 pronunciado como presente. Por um lado, portanto, 0 divino é representado aqui como imanente nos mais diversos objetos, ¢ mais precisamente, na verdade, como |471| 0 mais proeminente e mais destacado dentre e nas diversas existéncias; mas, por outro lado, na medida em que 0 Um [Eine] € isto aquilo e de novo outro e se langa a tudo ao seu redor, surgem justamente por meio disso as singularidades e particularidades como suprimidas [aufgehobene] e desaparecentes; pois cada singular nao é este Um, mas o Um é 0 conjunto destas singularidades, as quais emergem para a intui- cao na coletividade. Pois, se o Um é, por exemplo, a vida, entio é de novo a morte — € com isso justamente no apenas vida -, de modo que, por conse- guinte, a vida ou o sol, 0 mar, nfo constituem como vida, mar ou sol o divino ¢ Um. Ao mesmo tempo, porém, 0 acidental no é ainda aqui colocado ex- ressaltado € se tem em vista nfo o indivfduo singular enquanto tal, mas %0 (© SIMBOLISMO DO SUBLIME pressamente como negativo e servil, como no sublime auténtico, mas ao con- trério, a substancia, j4 que ela é em todo particular este Um, torna-se em si um particular e acidental; inversamente, con:udo, este singular — ja que sem: pre se modifica ¢ a fantasia nao limita a substancia a uma existéncia determi nada, mas ultrapassa cada determinidade e a deixa para trds, para avangar para uma outra ~ torna-se com isso, por seu lado, 0 acidental, sobre 0 qual esta substanci Tal modo de intuigio também s6 pode, portanto, ser expresso artistica- nica € elevada e por meio disso é sublime. mente por meio da arte da poesia e ndo pelas artes plisticas, as quais trazem perante os olhos apenas enquanto dados ¢ persistentes 0 determinado e o sin gular, que também devem abdicar de si contra a s=bstancia dada em existénci- as semelhantes. Onde 0 pantefsmo € puro ndo hé nenhuma arte plastica para 0 modo de exposigiio do mesmo. J. Poesia indiana Como primeiro exemplo de tal poesia pantefsta podemos novamente evocar a poesia indiana, a qual, por sua vez, também configurou brilhantemente este as- pecto, ao lado de seu fantasismo [Phantastik] |472| Como vimos, os indianos tem por suprema divindade a mais abstrata universalidade e unidade, que logo progride para os deuses determinados, para © Trimurti, Indra etc., mas que nao retém o determinado, e sim deixa que re- trocedam de igual modo os deuses inferiores para os superiores, bem como es- tes para Braman, Nisso jd se mostra que este universal constitui a base tinica de tudo 0 que permanece idéntico a si; quando sem dtivida os indianos mostram em sua poesia a dupla aspiragao de exagerar com a existéncia singular para que ela jé surja adequada ao significado universal em sua sensibilidade ou, inversa- mente, de abandonar frente & sinica abstragdo, toda determinidade de modo to- talmente negativo, entéo ocorre, por outro lado, também com eles o modo de exposigao mais puro do pantefsmo hé pouco indicado, o qual ressalta a imanén cia do divino no singular dado para a intuicfo e que para ela desaparece. Pode- rfamos, na verdade, querer reencontrar mais neste modo de concepgio uma se- melhanga com aquela unidade imediata do puro pensamento e do sensfvel que encontramos nos parses; mas nos parses 0 uno e o excelente, tomados para si, siio eles mesmos um natural, a luz; para os indianos, ao contrario, o uno, Braman, € apenas 0 uno sem forma, que primeiramente transformado na multiplicidade infinita dos fendmenos mundanos conduz ao modo de exposigao pantefsta. 9 CURSOS DE ESTETICA Assim se diz por exemplo de Krishna (Bhagavagita®, Lect. VII, SI. 4 ss.): “Terra, 4gua e vento, ar e fogo, o espfrito, entendimento e a egoidade so as oito partes de minha forga essencial; mas reconhega vocé um outro em mim, um ser mais elevado que vivifica 0 que é terreno e sustenta 0 mundo: nele todos os seres tém origem; entdo saiba vocé que eu sou a ori- gem de todo este universo e também da destruigdo; além de mim nao hé um mais elevado, a mim est ligado este todo como est4o as pérolas no cordao, eu sou o sabor no liquido, eu estou no brilho do sol ¢ da lua, |473] sou a palavra mfstica nas sagradas escrituras, a virilidade no vardo, 0 puro odor na terra, 0 brilho nas chamas, em todos os seres a vida, a contempla- ¢4o nos penitentes, nos vivos a forga da vida, nos sabios a sabedoria, no que brilha o brilho; quais naturezas sejam verdadeiras, sejam aparentes ou tenebrosas, so a partir de mim, no estou cu nelas, mas elas em mim. Por meio da ilusdo destas trés propriedades todo o mundo se encontra fascina- do e me desconhece, eu que sou imutavel; mas também a ilusdo divina, 0 Maia, € minha ilusdo, dificil de ser transposta; contudo, aqueles que me seguem transpdem a ilusdo.” Aqui uma tal unidade substancial € expressa de modo 0 mais impressionante, tanto no que concerne a imanéncia do que est presente quanto também no que se refere ao ultrapassamento para além do singular. De modo semelhante, Krishna diz de si mesmo ser ele em todas as exis- téncias diferenciadas sempre o mais excelso (Lect. VII, SI. 21): “Dentre as estrelas sou o sol radiante, dentre os signos lunares a lua, dentre os livros sa- grados 0 livro dos hinos, dentre os sentidos o interior, Meru®* entre os cumes das montanhas, dentre os animais o leio, dentre as letras sou a vogal A, den- tre as estagdes do ano a primavera florescente,” etc. Esta enumeragio, porém, do mais excelso, bem como a mera troca das formas, nas quais apenas sempre de novo deverd ser trazida para a intuigio uma e a mesma coisa, seja qual reinado da fantasia também parega inicial- mente poder se desdobrar nisso, permanecem contudo, devido a essa igualda- de do contetido, sumamente monétonas ¢ de todo varias ¢ entediantes. 62. 0 Bhagavad-Gita, ou “canto do senhor bem-aventurado”, é um poema especulativo inserido no Maliabharata, onde & exposto ao principe Arjuna (0 “branco” ou o “brilhante”) o ensinamento especulativo e mistico de Vixnu, que assumiu a forma de Krishna. Este € sem divida 0 texto mais importante do hindufsmo. A sigla “s1” significa na citagio “slokas", unidade métrica indiana, espécie de distico (N. da T). 63. Meru, Sumeru ou Sineru: montanha mitica da {ndia védica, mais ou menos identificada a0 Tibet, centro do wniverso (N. da T.), 2 0 SIMBOLISMO DO SUBLIME 2. Poesia maometana* De modo mais elevado e subjetivamente mais livre, em segundo lu- gar, 0 panteismo oriental no maometanismo foi desenvolvido particularmente pelos persas. 474] Aqui surge, principalmente por parte do sujeito que poetiza, uma relagio peculiar. a) Quando o poeta, a saber, anseia por ver e efetivamente em tudo, entio ele em contrapartida também renuncia ao seu préprio si-mes- ‘mo [Selbst], mas apreende igualmente a imanéncia do divino em seu interior ampliado ¢ liberado desse modo e com isso eresce zara ele aquela serena inte- rioridade [Jnnigkeit], aquela sorte livre, aquela beatitude voluptuosa que & propria ao oriental, o qual durante o desligamento da prépria particularidade mergulha no eterno € no absoluto ¢ em tudo reconhece € sente a imagem ¢ a presenca do divino, Um tal penetrar-a-si-mesmo [Sichdurchdringen] pelo di- vino e pela vida embebida em béngdos beira a mfstica. Sobretudo deverd ser cnaltecido nesta relagio Dschelad ed-Din Rumi, do qual Rakkert nos forne- ceu as mais belas provas, em sua admirdvel violéncia sobre a expresso, que @ 0 divino Ihe permite jogar 0 mais artistica e 0 mais livremente com palavras e rimas, como fazem os persas igualmente. O amor a Deus, com quem o homem iden- tifica o seu si-mesmo [Selbst] por meio da entrega a mais ilimitada e a quem, © uno, vé em todos os espagos do mundo, relaciona tudo com ele, reconduz tudo a el , constitui aqui 0 ponto central que se expande ao mais distante em todos os lados e regiées. b) Se, além disso, no sublime auténtico, como logo vai se mostrar, os melhores objetos e as configuragdes magnificas sio usados apenas como um mero adorno de Deus e servem para a anunciagao do esplendor © para o enaltecimento do tnico, na medida em que eles sfo somente colocados diante dos nossos olhos para celebré-lo como senhor de todas as criaturas, entZo, a0 contrdrio, no panteismo a imanéncia do divino nos objetos eleva a existéncia mundana, natural e humana mesma para a gléria prépria, mais auténoma. A vida propria [Selbsileben| do espiritual nos fendmenos naturais ¢ nas relagdes humanas vivifica |475| e espiritualiza estes neles mesmos e fundamenta por sua vez uma relago peculiar do sentimento subjetivo e da alma do poeta com 64. O termo Mohammedanisch corresponde 20 uso anti ca de Hegel da cultura mugulmana (N. da T.) 65. Jalal ALDin Rumi (1207-1273), poeta mistico persa, furdador do ritual da danga dos Mevlevis (N. aT), 20 conhecimento que se possuia na épo- 93 cursos DE esrética 08 objetos que ele canta. Preenchido por esta gléria animada [beseelten, 0 ani- mo € em si mesmo silencioso, independente, livre, auténomo, amplo ¢ gran- de; € nesta identidade afirmativa consigo imagina [imaginiert] e vive em igual unidade quieta na alma das coisas e se confunde com os objetos da natureza e com seu esplendor, com a amada, com a doagio, em geral com tudo que seja digno de louvor e amor, para uma interioridade [Innigkeit] a mais espiritual e alegre. A interioridade [Jnnigkeit] ocidental, romantica, do animo mostra certa- mente um semelhante acostumar-se [Sicheinleben], mas no todo, particularmen- te no norte, é mais infeliz, menos livre e nostélgica ou permanece, aliés, mais subjetivamente encerrada em si mesma e se torna, com isso egofsta e sentimen- tal. Tal interioridade [{nnigkeit] oprimida, turva € expressa particularmente nas cangOes populares de povos barbaros. A livre interioridade [Jnnigheit} feliz, ao contrario, é prépria aos orientais, particularmente aos persas maometanos, que entregam aberta e alegremente todo o seu eu si-mesmo [Selbst] tanto a Deus quanto também a tudo que € digno de louvor, mas que nesta entrega alcangam justamente a livre substancialidade, a qual também sabem preservar no que se refere ao mundo circundante. Assim vemos no fogo da paixdo a beatitude ¢ a paresia mais expansiva do sentimento, através do qual ressoa na riqueza inesgo- tavel das imagens brilhantes e esplendorosas 0 constante tom da alegria, da be- Ieza ¢ da felicidade. Quando o oriental sofre e é infeliz, ele toma isso como a sentenga imutével do destino © permanece nisso seguro em si mesmo, sem opressividade, sentimentalismo ou melancolia aborrecida. Nas poesias de Hafis encontramos protestos ¢ lamentos suficient ‘obre a amada, a doacio (a entre- ga) etc., mas também na dor ele permanece tao despreocupado quanto na felici- dade. Assim, por exemplo, ele diz. certa vez: |476 |Aus Dank, weil dich die Gegenwart Des Freunds erhellt, Verbrenn der Kerze gleich im Weh Und sei vergniigt 7 66. Chams al-Din Muhammad Hafiz. (1320-1389) ¢ o maior poeta persa. Sua obr vel no inicio do séeulo XIX pelas tradugdes de Hammer-Purgstall, influenciow muito Goethe em particular 0 Diva ocidental-oriental (N. da T), 67. “Por gratiddo, pois a presenga/ Do amigo te ilumina/ Queime a vela como na dor/ E se dé por satisfeito.” (N. da T.) o# O SIMBOLISMO DO SUBLIME A vela ensina a rir e a chorar, ri com brilho alegre por meio da chama quando a0 mesmo tempo derrete em ldgrimas quentes; no seu arder, a vela ex pande o brilho alegre. Este é também o cardter universal de toda esta poesia. A fim de apresentar algumas imagens mais especificas, os persas se ocu- pam frequentemente de flores e pedras preciosas, sobretudo da rosa ¢ do rou- xinol. E muito comum entre eles expor 0 rouxinol como noivo da rosa. Esta animagio da rosa e do amor do rouxinol aparece com freqiiéncia, por exem- plo, em Hafis. “Em agradecimento, oh rosa, por vocé ser a sultanesa da bele- za”, diz ele, “conceda a graga de no ser soberba diante do amor do rouxi- nol.” Ele mesmo fala do rouxinol de seu préprio Animo. Se, do contrario, nbs falamos em nossas poesias de rosas, rouxindis, vinho, entio isto ocorre num sentido intciramente outro, mais prosaic; a rosa nos serve como enfeite: “coroado de rosas” etc., ou escutamos o rouxinol ¢ inspirémo-nos nele; bebe- mos do vinho e 0 chamamos de quebra-lamentos. Nos persas a rosa nfio é uma imagem ou mero enfeite, nenhum sfmbolo, mas ela mesma aparece ao pocta como animada, como noiva enamorada ¢ ele se aprofunda com o seu espirito na alma da rosa. O mesmo cardter de um panteismo brilhante é mostrado também ainda pelas poesias persas mais recentes. O senhor von Hammer®®, por exemplo, deu notfcia de um poema que teria sido enviado pelo X4 ao imperador Francisco no ano de 1819, entre outros presentes. Ele contém em 33.000 disticos os atos do Xé, 0 qual deu ao poeta da corte o seu préprio nome particular. |477| c) Também Goethe, em oposigaio aos seus poemas obscuros de ju- ventude © ao seu sentimento concentrado foi tomado em idade avangada”® por esta serenidade ampla, despreocupada, e ainda como idoso, envolto na brisa do oriente, se voltou cheio de beatitude incomensurvel, no ardor poético do sangue, para esta liberdade do sentimento [Gefiihl], a qual nao perde, mesmo na polémica, a mais bela imperturbabilidade. Os cantos do seu Divan Ociden- tal-Oriental nfo sio nem brincadeiras nem arteirices sociais sem significado, mas produzidos por um tal sentimento livre, entregue. Ele mesmo os chama em um canto para § uleika: 68. Hegel evoca principalmente aqui a abundante produyio anacreOntica do fim do século XVII Gileim, Weisse, Hagedorn ctc.), mas pode também estar pensando em poemas mais contempo- rineos como os de Heinrich Heine, ou de Platen, bem como de certos romanticos (N. da 69. Joseph von Hammer-Purgstall, 1774-1856, orientalista 70. Em 1814 Goethe estava trabalhando em suas memérias (contava com 65 anos) ¢ descobre as tradugdes de Hafis publicadas pelo orientalista vienexse von Hammer. Disso resulta, assim que ele se reencontra com Mariane Jung, 0 eélebre Div oridental-oriental, que foi mal recebido por seus amigos contemporrineos, & excessio de Hezel precisamente (N. da 95 CURSOS DE ESTETICA Dichtrische Perlen, Die mir deiner Leidenschaft Gewaltige Brandung Warf an des Lebens Verddeten Strand aus. Mit spitzen Fingern Zierlich gelesen, Durchreiht mit juwelenem Goldschmuck,” aceite-as, pede ele para a amada, Nimm sie an deinen Hals, ‘An deinen Busen! Die regentropfen Allahs, Gereift in bescheidender Muschel.”” Para tais poesias necessitou-se de um sentido expandido para a maior am- plitude, em todas as tempestades certo de si mesmo, de uma profundidade e juventude do animo e Einer Welt von Lebenstrieben, Dic in ihrer Fulle Drang Abneten schon Bulbuls Lieben, Seeleregenden Gesang.” _|478| 3. A mistica evista A unidade pantefsta, pois, ressaltada em relagao ao sujeito, que se sente nesta unidade com Deus e sente Deus como esta presenga na consciéncia sub- 11, "Pérolas poéticas/ Que a sua paixio/ Ondas impetuosas/ Langou na praia/ Deserta da vide. Com dedes sutis! Delicadamenteescolhidas,/ Enfileiradas por! Adorno dourad 72. *Coloqueas no tev pescogo Nos teus scosi/ As gotas de chuva de Ald Maturadss em mo desta concha.” Estes Gos trechos constituem a parte final de um poema do lvro “Suleika Nam ‘Buch Suleika", cujo verso inicial son: "Die schon geschriebenen” [Escritas belamente}.O "Lic ‘ro 4 Suleika” é 0 & de wma série de 12 livos que compdem justamente o Divan Ovidental- Oriental (N, da 7), 73. *De um mondo de impulsos de vida/ Que pressentiam em sua plenitude/ A dnsia de amor de Bulbul Canto que reza a alma”, Estes versos compSem a 3 estrofe do poems intitulado "A Suleika® (An Suleka) do livro “Timar Nameb. Buch des Timur’, justamente o 7 livro do Divan (WaT) 0 SIMBOLISMO DO SUBLIME jetiva, resulta em geral na mistica, tal como ela veio a se constituir neste modo mais subjetivo também no interior do cristianismo. Como exemplo, quero men- cionar apenas Angelus Silesius™, 0 qual expressou com a maior auddcia e profundidade da intuigdo ¢ do sentimento, numa forga mistica maravilhosa da exposigio, a existéncia substancial de Deus nas coisas e a unido do, si-mesmo [Selbst] com Deus e de Deus com a subjetividade humana. O pantefsmo ori- ental auténtico, ao contrério, ressalta apenas a intui¢Zo da substancia tinica em todos os fendmenos ¢ a entrega do sujeito, o qual alcanga com isso a suprema expansio da consciéncia, bem como por meio da libertagdo total do finito a beatitude do nascimento em tudo o que € glorioso e melhor. B. A Arte po SUBLIME Mas a Gnica substancia, que é apreendida como o auténtico significado de todo o universo, é apenas ento verdadeiramente posta como substéincia quando ela é em si mesma tomada de volta de sua presenga e efetividade na alternancia dos fendmenos como pura interioridade e poder substancial e com isso & auto- ada frente & finitude. Apenas por meio desta intuigao da esséncia de Deus enquanto do que é pura e simplesmente espiritual e sem imagem [Bildlosen], em oposi¢do a0 mundano € ao natural, o espiritual desprendcu-se completamen- te da sensibilidade ¢ da naturalidade e é liberado da existéncia no finito. Inver- samente, entretanto, a substincia absoluta permanece relacionada ao mundo que aparece, a partir do qual ela est refletida em si mesma. Esta relago alcan agora 0 lado negativo indicado acima, de que o |479] ambito inteiro do mundo, nio obstante a plenitude, a forga e a magnificéncia de seus fendmenos, é posto expressamente em relago & substéncia apenas como 0 em si mesmo negativo, criado por Deus, submetido ao seu poder e servindo-o. 0 mundo, por conse- guinte, é visto certamente como uma revelagdo de Deus, e ele mesmo € a bon- nomiz 74. Angelus Silesius é o pscud6nimo de Johannes Scheffler (1624-1677), disefpulo de misticas, poeta médico da corte, convertide mais tarde ao catolicismo, entrando a seguir na ordem franciscana, figura mitica para um grande nimero de poetas e fl6sofos posteriores. Sua principal obra poética € Der Cherubinische Wandersmann oder Geistreiche Sinn- und SchluBreime (O peregrino Guerubinico ou rimas ricas de espirito), reeditado em 1675, aumentado por um livro VI menos inspirado, sobressaindo no género do epigrama silesiano, praticado por outros poetas barrocos, notadamente Czepko. Comparou-se sua obra aos Pensées [Pensamentos] de Pascal. Scheffler es ea intitulada Heilige Seelenlust oder Geisiliche Hirten-Lieder der in ihren Jesu verliebien Psyche [Prazer sagrado da alma ou cangées pastorais da psiqu® enamorada em Nosso Senhor Jesus], onde ele coloca a poética pastoral a servigo do poema religioso, sob o fundo da leitura mistica do Cantico dos ednticas (N. da.) 7 CURSOS DE ESTETICA dade, 0 criado, que nao tem qualquer direito de ser ¢ de relacionar-se a si mes- mo, todavia de liberar-se para si mesmo e dar subsi subsistir do finito € destitufdo de substincia e, comparado com Deus, a criatura éncia a ele; entretanto, 0 € 0 que desaparece ¢ 0 que € impotente, de modo que na bondade do criador tem de se dar a conhecer ao mesmo tempo a sua justiga, a qual leva & aparigio [Erscheinung} efetiva no negativo em si também a auséncia de poder do mesmo ¢, desse modo, a substancia como o que é sozinho poderoso. Esta relagtio, quan- do torna valida a arte como a relagao fundamental de seu contetido, bem como de sua Forma, fornece a Forma de arte do sublime auténtico. A beleza do ideal © 0 sublime devem ser certamente diferenciados. Pois no ideal, 0 interior per- passa a realidade exterior cujo interior ele é, de tal modo que ambos os lados aparecem como adequados um ao outro e, por isso, aparecem justamente como interpenetrados um no outro. No sublime, ao contrério, a existéncia exterior, na qual a substdncia é conduzida 2 intuigio, é rebaixada diante da substancia, na medida em que este rebaixamento e servilidade é a nica espécie por meio da qual 0 Deus tinico para si destitufdo de forma e expressdvel por nada de mun- dano ¢ finito, segundo a sua esséncia positiva, pode ser tornado intuitive [veranschaulicht]. O sublime pressupde o significado em uma autonomia, dian- te da qual 0 exterior deve aparecer apenas como subordinado, na medida em que 0 interior nao aparece nele, mas o ultrapassa de tal modo que nada mais a nio ser esse estar-para-fora ¢ sair-para-fora vém a exposi¢o. No simbolo, a forma era a questo principal. Ela devia ter um significado, sem contudo ser capaz. de express4-lo completamente. A este simbolo ¢ ao scu contetido nao claro |480) se contrapée agora o significado enquanto tal ¢ a sua compreensio clara, ¢ a obra de arte se torna a efusio da esséncia pura como efusao do significado de todas as coisas, mas da esséncia que pde ela mesma a inadequagao da forma c do sig- nificado, que estava dada em si no simbolo, enquanto o significado do Deus que se eleva no mundo acima de todo o mundano e, por isso, torna-se sublime na obra de arte que nio deve expressar nada mais a nao ser este significado em si € para si claro. Se se pode, portanto, chamar em geral jé a arte simbélica de a arte sagrada, na medida em que ela toma para si 0 divino como Contetido de suas produg6es, entdo a arte do sublime deve ser denominada de arte sagrada enquanto tal, a arte exclusivamente sagrada, pois cla dé apenas a Deus a honra © contetido € aqui no todo, segundo o seu significado fundamental, mais limitado do que no simbolo auténtico, qual permanece preso no almejar pelo espiritual e tem em suas relagGes alternantes um desdobramento amplo da trans- formagao do espiritual na imagem da natureza ¢ do natural nas ressondncias do espirito. 98 0 SIMBOLISMO DO SUBLIME Esta espécie do sublime em sua primeira determinago originéria encon- tramos nomeadamente na intui¢o judaica e em sua poesia sagrada. Pois a arte plastica néo pode surgir aqui, onde ¢ impossivel propor uma imagem qual- quer suficiente de Deus, mas apenas a poesia da representagio, a qual se exte- rioriza por meio da palavra. Numa consideragfio mais precisa deste estégio ressaltam-se os seguintes pontos de vista universais. 1. Deus como 0 criador eo senhor do mundo ‘A poesia tem em Deus, enquanto senhor do mundo que Ihe serve, o seu contetido mais universal, ndo encarnado no exterior, mas retirado para si des- de a existéncia mundana para a unidade sol:téria. Aquilo que no simbolismo auténtico ainda estava em unidade {Eins}, decompde-se |481| aqui, portanto, nos dois lados do ser-para-si [Fiirsichsein] abstrato de Deus ¢ da existéncia conereta do mundo. a) Deus mesmo, como este ser-para-si (Fiirsichsein] puro da Gnica subs- tncia, é em si mesmo sem forma e, tomado nesta abstragao, no pode ser aproximado da intuigdo. O que a fantasia neste estagio, por conseguinte, pode apreender, nao é 0 conteddo divino segundo a sua essencialidade pura, j4 que ‘0 mesmo profbe que seja exposto pela arte em uma forma adequada a ele. O Unico conteddo que resta, portanto, € a relagdo de Deus com o mundo por ele criado. b) Deus é 0 criador do universo. Esta é a expresso mais pura do subli- me mesmo. Pela primeira vez desaparecem agora as representagées da gera- gdo [Zeugen] ¢ do mero surgimento natural das coisas a partir de Deus ¢ dio lugar ao pensamento da criagdo [Schaffen] a partir do poder e da atividade espitituais. “Deus disse: - Faca-se a luz! E houve luz””, jd foi citado por Longino como um exemplo sem divida concludente do sublime. O senhor, a substincia nica, prossegue na verdade até a exteriorizag&o, mas a espécie da produgio [Hervorbringung] € a exteriorizagio etérica a mais pura, inclusive incorp6rea: a palavra, a exteriorizago do pensamento como do poder ideal, com cuja ordem [Befehl] da existéncia também o existente € posto de imedi- ato efetivamente em obediéncia muda. 75. Do sublime, 1X, 10 de Longino citando © Génesis, 1: 3. Cf. na tradugao brasileira de Jaime Bruna, A Poética cldssiea, Sao Paulo, Cultrix, 1992, p.80 (N. da 7). 9

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