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RESENHAS PSICANALISE DA MATERNIDADE: Uma critica de Freud partir da muthor NANCY CHODOROW Rilo de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991 ‘A tradugao ne Brasil do livio The Reproduction of Mothering: psychoanalysis and the sociology of gender, da socidioga 6 psicanalista americana Nancy Chodorow, @, sem davida, muitissimo importante, Mesmio tendo sido publicado em 1979 nos Estados Unidos, 0 livre continua muito atual por tratar da ques- téo do género, cada vez mais pesquisada tanto entre nés do Tercsiro Mundo, quanto nos Estados Unidos. @ demais paises do Primeiro Mundo. A tratiuglio do livto de Chodorow, no ontanto, apresenta uma série de problemas, a comegar pelo PrOprio titulo, © gue seria "a roproduggo da materna. ‘gom: psicandlse » a sociologia do genera” & traduzido como: “psicandlise da matemidade: uma critica de Freud a partir da mulher.” Este titulo & incorreto, por. Gus 0 livro no trata absolutamente da ‘psicandiise da matemidada" (mesmo porque nfo creio quo fosse Possivol fazer uma psicandlise da maternidade), nem fampouco trata apenas de “uma crftica a Freud a par- tir da mulher. Chodorow faz realmente uma critica bastante sovera a Freud, dedicando todo o capitulo 9 @ discussao das tendenciosidades presentes om seu estudo do desenvolvimento feminine e masculino, Porém, ao mesmo tompo, para ela, "as considaragées 8 Freud sobre @ destrutividade psicotégica do casa- mento burgués, a diferenciagdo de género @ as pré- ticas de criagdo das criangas permanecem insuperd. veis" (p.40), come afirma no capitule 3. Nesse mesmo sada peia invastigagao sociol6gica, através do ento- que da tooria das ralagées objetais, que 6 um desen- Yoimento anglo-americano da psicandlise, retaciona. do principalmento & obta de Donald Winnicott, Alice @ Michael Balint @ W. Fairbain, Para Chodorow, cujo lrabatho se define como tendo influéncia tanto de Cad. Pesq., So Paulo, 0.79, p.81-90, nov. 1991 Parsons como de Marx, a psicandlise 8 um compl mento dos métodos das ciéncias socials, que nao se- Tiem suficientes para lidar: com a questo de género. livto, ent, como o titulo em inglés @ indica, trata de entender como se reproduz a maternagom, utilzando um enfoque psicanalitico o sociolégico. An. tos de situar o trabalho da Chodorow dentro da pro- ducao feminista contemporanoa, vou me deter em al- gumas consideragées sobre a tradugdo, visto que ola ‘lustra bem uma série de contradigoes que a tooria feminista tem que entrentar, num mando em que a linguagem se estrutura com base na prépria diferenga de género que estamos tentando explicar. A oditora parece ter consciéncia dessas contrac ‘g8es, pois apresenta uma ‘nota inicia", onde comenta, as “novas palavras" que tiveram que ser criadas, com © progress dos estudos sobre mulher. Menciona ‘especificamente os tormos gender, mothering, father. ing 0 parenting. Porém, nao basta inventar novas pa- lavras: 6 preciso também saber usé-las, 6 isto nao © quo acontece com a tradugdo. Assim, 0 termo gen- der, que se refere as desigualdades, construidas so- cialmente, entre sexos biologicamente diferentes (e & traduzido corretamente por 'génera” em todo o livro), € omitide justamente na tradugao do titulo. O termo, mothering, no titulo, 6 traduzido por maternidade, quando so diz na ‘nota da editora” que sord trad como “maternagéo", 0 que em si j& 6 problemidtico, visto que o termo “maternagem’ ja vem sondo ampl mente usado na produgao brasileira hd alum tompo: Em felagdo a parenting, que 6 um dos termos mais usados por Chodorow, do prinefpio aa fim do I ‘ro, a nota da edotira nos ‘afirma que “6 muito rara- mente empregado ao livia” © que serd traduzido por “cuidados maiernos © paternos". Na maioria das ve- Zes, porém elo aparece como traduzido por “cuidado infanti’, ‘cuidar de criangas" ou, o que 6 pior, “cuida. 0 de flhOs"”. Isto reflete o problema adicional que a rodugae feminista enfrenta ao se expressar numa Iit- gua latina, como 0 portugués, especialmente quando Se esi4 tratando de praticas de criago de criangas. at ee Diferentemente da lingua inglesa, em portuguds a for- ma plural para se referir a géneros diferenies 6 sem- re masculina, No caso do estudo de Chodorow, isto € especialmente problematico, Chodorow esta precisamente procurando enten- der como se reproduz a diferenca entre mulhores © homens em tarmos de suas responeabilidades na or ganizagao dos cuklados as criangas. Sua hipdtese fundamental 6 que tal diforenga se reproduz através da maternagem das mulheres © das relagSes dite. renciadas que estas estabelecem com suas fihas © seus filhos. £, pois, tundamental que se uliizem ter- mos diferentes para so referir ao plural da “fiho" 20 plural de “filha o filho", ou s8 corre o risco de con- tundir 2s pessoas interossadas em conhecor a tooria Da mesma forma, 0 singular child, quo so tofere 2 ctianga que 6 filha de um casal, n&o pode ser tredti- Zido como “filho" se no sabemos 0 sexo desta crian- 2. A mesma colsa se d& em relagao ao tarmo infant, que so refore ao “bebs", Traduzilo por “flho" certa. mento podera causar confuséo. No entanto, de modo geral, 6 © que acontece nesta tradugao, onde se usa “filhos" para se referir &s orancas, “fio” para so re- ferir & crianga do um casal ou 0 beb8, e “fihos ho- Mens” ou “filho homem* ou ainda “rapaz", o “fihas", quando se quor referir diferentemente as criangas. © ue 6 mais interessante 6 quo Chodorow prosta alan $40 nesta diferenclagéo, mesmo quando usa tormos indiferenciados tais como person (pessoa), como mos- tka a expresso a person's early relation to her or his ‘mother (p.78), que se refere a ‘rola inicial da pes. soa com a mae {dela ou dele)” ¢ 6 (mal) traduzida como "uma relagao inicial da pessoa com ela ou cua mae" (p.107). Uma dificuldade rolacionada surge quanto aos ter- mos nurturance ¢ nurturant (respectivamente 0 cuida- do smoroso © a qualidade de quem prové este cui dado). Estes termos sao traduzides respectivamente como “maternalidade” (p.50) e “maternantes" (p.22) ou “‘matermais" (p.266), quando o que Chodorow pretende ¢ procisamente questionar por que as capacidades de 82 Prover este tipo de cuidado tém sido apenas das mies, Foi numa tentativa de entender o desonvolvimen- to dessas capacidades que, em 1974, Chodorow pu- blicou © antigo “Estrutura Familiar © Personalidada Fe- ‘minina’, na coleténea organizada por Michelle Rosal- do @ Louise Lamphére, Woman, Cutture and Society (Stanford University Press, publicado no Brasil om 1979, como Mulher, Cultura e Sociodade, Rio do Ja- neio: Paz e Terra). No mesmo ano, Juliet Mitchell pu- blicou 0 livre Psychoanalysis and Feminism (Now York, Vintage Books} 8, no ano seguinte, Gayle lubin ubliccu o artigo “The Traffic in Women: Notes on the ‘Political Economy’ of Sex, na coletanea organizada por Reyna Reiter, Toward and Antropalogy of Women (New York, Monthly Review Press, 1975). Estes tra- balhos podem ser considerados como iniclando uma corrents de estudes dentro da teoria feminista — 0 1 Hé ouros erros da tradugdo, dos quale destaco-alguns: 4a \dutie Kinship (parantesco) por “cuidado(s) materno(s) @ pa: tems) (p.24-5); nonfeminist theorists (aetusiosas nko fom sistas) por *weéricos ferinistas” (p50); ltarature (iteratura) (por “bibiografa” (0.51, 181 et.); narcissistic (naretsiea/o) por “narcsisicg/” (p.82); expectation (expectativa) por osperan- 2° (p.107): signficance (relevancia, impartincia) por “sign ficagio" (9.135, 147, 207}; eight into what we would othor- wise miss just because itis subte (insight sobre @ que niio sofia notado precisamente porqua ¢ eutl) por “esclarecimonto| do que nos pareca foanle procisamante porque © que falta 6 sui (p.141); male children (ciangas do eoxe mascuino) or “criangas masculnas" (p.144 otc); feminists (As fominis- tas) por "Os teministas® (9.183); femalo analysts {anaistas ‘40 soxa fominino) por “analistas femininas" (p. 184); assume ‘haterosexvally (tomam a heterossexualidade como um dado) or ‘prosumem haterossexvaimente” (9,160); sexual (sexual) or “social” (p.188); incaneistent (noonsistente) por “incons. Cinta" (p.203); stake (interesse) por “sca; resobition frosa* lage) por *solugéo"; continually: (contiwuamente) por “pro: _gressivamento" (9.266) qualtatva (qualtativas) por “quanti. ‘ivas" (p.267); parents (maa © pai) por "parents" (9.270) Firsts review of Mitchel (a rasenha de Michel por Fits) por “primsira reviséo do Mitchell” (p 290). Rosenhas ag chamado feminismo psicaralitico. © artigo de Rubin 6 também considerado por muitas feministas como um marco dentro da produgo te6rica feminista em geral, por sua articulagao do que chama “sistema sexo/gé- ‘noro", que tem como nicleo o sistema de parentesco © a organizagio da familia. Segundo Chodorow, o ar- igo de Rubin serviu como um dos pilares de set livro, juntamente com os estudos sobre a diviséo entre aspectos domésticos © piblicos na organizagso so- ial, que ela desenvolveu com Michello Rosaldo ¢ Sherry Oriner 6 que foram publicados em 1974, na coletanea referida acima. As forinistas psicanatiticas justificam a busca da psicandlise como base de uma teoria teminista pola necessidade de um enfoque que fide com os compo: entes inconscientes fundamentals do género © que ossa explicar por que a opressao das mulheres 6 tao profunda, tao dificil de se entrontar t8o persistent A forma como a psicandlise 6 buscada, porém, difere muito, quer se trate de uma orientagio que segue & tootia’ das relagdes objetais, como a de Chodorow, ou do uma otientagao com base no trabalho de Lacan, como a de Mitchell Chodorow, por um lado, interessa-se em compra- ender “o ou rolacional’, a forma como 0 ego sa cons- ttoi na relagéio com a mae. Sua critica a Freud faz-s0 Precisamente por ele nao ter dado suficlante impor- Jancia aos anos anteriores ao Edipo e as rolages da mae com a crianga. Ela também 0 critica por seu *se- xismo" que, segundo ola, o fez vor a diferenga sexual como tendo valor em si mesma, explicando-a através do complaxo de castragio. Mitchell, por outro lado, critica qualquer posigio que enfatize a relagde mae-crianga © 0 periodo pré edipico. Aiém disso, ela considera 0 complexo de cas- tragzo como 0 concelto principal para a explicagdo de como se constréi a diferenga de género, pois € ele que mantém o vinculo entre © inconsciante © a se- xualidade, Segundo Mitcholl, a diviséo ao nivel da pré- ria sexvaiidade, que representada pelo complexo de castragao, 6 a base da psicandlise e, se 0 fomi- Cad, Pesg. 1.79, nov. 1991 riismo quiset usé-la bem, tem que comecar por aceitar que 0 complexo de castragéo 6 parle das descobertas revoluctonétias da psicandlise. Ao mesmo tempo, so- gunde ela, o feminismo tem que aceitar que a psica- nalise no pode explicar a base deste complexo, ou seja, 0 prvilégio do falo, J& que a psicandlise no asta absolutamento interessada na questéo dos priviligios. ‘Ao contratio de Chodorow, que apresenta um projeto fominista de mudanga social caracterizado pelo provi- mento de cuidados maternos e patemos igualmente compartithado pela mae © pelo pai, Mitchell propée que 0 feminismo assuma 0 projeto psicanalitico que, para ela, se caracteriza pola reconstrugdo do sujeito fem todas as suas divisées, Independentemente das diferengas de enfoque dessas teorias © préticas, hoje, quando o livro de Chodorow 6 traduzido entro nbs, podemos afirmar que 4 lentativa de didlogo com a psicandlise, iniciada pe- las feministas na década de 70, tem sido bem suce- dida, apesar de uma série de resisténcias que per- manecem dos dois lados. J& no tempo de Froud as foministas no podiam ser ignoradas, embora, como ‘nos mostra Chodorow, ela as tenha explicitamente co- locado & margem de sua discusséo sobre sexualidads feminina, 20 afimar, entre outras coisas, que “a exi- gEncia fominista de direitos iguals entre os sexos no ‘hos leva longo” (p.183}. Hoje no apenas a teoria fe- rminista continua a tentar incorporar as explicagsos psicanaliticas, como a teoria psicanalitica nfo pode pormanecer alheia 20s desenvolvimentes do feminis- mo. Assim € que hoje temos obras como o livro pre- miado do Emilce Die Bleichmar, uma psicanalista ar- gentina, que trata do “feminismo espontaneo da histe- fia’, © qual foi publicado em 1985 em Buenos A\res, traduzido no Brasil em 1988 (Porto Alegre: Artes Médicas). © que me parece mais importanta 6 obsevar quo, nesta década que separa a publicagio do livro de Chodorow nos Estados Unidos © no Brasil, os movi- ‘mentos seciais que lutam contra as desigualdades com base em género; raga 0 classe foram se forta- 3 SS lecendo © mostrando a interrolagao entre essas varias formas de dosigualdade. Mudangas muito importantes, tanto nas teonas feministas como. na teoria psicana, Iiica, resuttaram deste proceso. Hoje em dia, as teo- figs foministas esiéo cada voz mais atentas a essas varias formas de desigualdade @ a sua interrelagao, © 8 teoria psicanalltica ja no pode permanocer com © mesmo dosinteresse pela questio dos privilgios, {sto representa um avango em lermos tecricos e pré- ticos, nao importa quao diferentes sejam nossas teo. rias e préticas, Sandra Azeredo ECOLES EN TRANSFORMATION: Zones prioritairos et autres quartiers [EQUIPE DO CRESAS/INRP] Paris: U Hacmattan; INRP, 1963 (Collection CRESAS, 1} ECOLES ET QUARTIERS: des dynamiques éducatives locales G. CHAUVEAU e L. DURO-COURDESSES (orgs,) Paris: L’ Harmattan; INAP, 1989 (Collection CRESAS, 8) Publicados com alguns anos de intervalo, o$ dois li- ios rolatam os resultados de pesquisas realizadas Polas equipes do CRESAS — Centre de Recherche Ge l'Education Spécialisée ot de |'Adaptation Scolaira, instituigao que faz parte do INRP — Institut de Fo: charche Pédagogique, da Franca, junto as exporién las de inovagéo escolar desenvolvidas no ambiio das ZEPs — zonas de educagao prioritérias, ‘AS ZEPs foram institvidas através de varios atos administratvos, a partir de 1961, com a chegada 20 Poder do governo socialista. Estas zonas foram defi. nidas para que nelas so desenvolvessem acoes edu. cativas espociticas como abjetive de combater as de. 84 sigualdades escolares e sociais. Os crtérios para sua escoiha inclufam portanto, tanto caracteristicas s00- lates como sociais © urbanas, presentes nessas Ar as, A filosotla. do ago preconizada aponta para uma atuagao a0 mesmo tempo global, discriminadora e di- namica (CRESAS, 1983, 23-26). A abordagem glo. bal doveria levar em conta 0 fato de que a apren Zagem @ 0 fracasso escolar nfio sao fendmenos res- trilos & escola, mas dependem de um complexe ro- lacionamento de fatores intra ¢ extra-escolares, ou se- ja, era preciso partir de uma posigao de quo os pro- blamas da escola so rosponeabilidade de todos ¢ nde $6 dos profissionais escolares. A nogao da ZEP & também uma nogo cisciminadora, na medida em que se realiza um esforgo seletivo dirigido a determi- nadas areas, Assim, ao lado de medidas gerais para todo o sistema escolar, s&0 colocadas em marcha po- Iticas especificamente voltadas para as ZEPs. O aspecto dinamice define-se pelo fato de a organi do trabalho ser reaizada através de projetos ciabora- dos em cada zona, com a participacso das escolas, dos oducadores que ali trabalham @ de outros alores locais que qusiram colaborar: profissionais do outras areas, pais @ imaos de alunos, assaciagSes comuni- térias, sindicatos etc. Para dar suporte & claboragéo © ao desenvoli- mento dessos projetos, foram formadas "equipas de animagao de zona", também compostas por pessoas com vinculagao institucionat diversificada. Assim, as oscolas oxistentes om cada zona s80 convidadas a apresertar um projeto, que se integrard ‘no projeto mais global de sua ZEP. Pelos relatos con- tidos nos dois livros, percebe-se que, ao mesmo tem- PO que a proposta 6 a filosofia de intervengao foram slaboradas a nivel central, © contedde dos projetos em desenvolvimento varia’ bastante de escola para escola e de ZEP para ZEP. Como a proposta do pro- jato 6 aberta, em muitos casos ole acaba incorporan- do iniciativas locals ov mesmo individuais pré-existen: tes, que buscavam © mesmo objetivo de democrat. Fosenhas

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