You are on page 1of 73
Coleg Faso © Ensino, Ernst Tugendhat Oswaldo Porchat Pereira Renato Janine Ribeiro José Criséstomo de Souza (Org) A Hilesofia ONG (© 2006, ator Unit ua do Comreo, 1964 Cas Postal 580 99700000: Ha ones: (05) 3382-0217 avs (085) 3392-0543, smal edtora@unijtehe.be Hui //www any tee be/editora/ ‘ator Glimar Antonio Bedi ior Adjunt: Joel Corso Capa: Eas Rieardo Sehsler Fesponsaiiade Ruwr Gefen e Admire ton Unju da Universidad weridade Regional dp Norceste ‘do Betado do Ro Grande do Sl nif iui RS Bros) Catatonia a bine Mario Osorio Margues = Unt [A Milosota entre nos / Org Jose Ceisoetomo de Sora. = ul "Ea, Unijut 2005. ~ 100" “cate festa eensina | ISON 5-7420-409-4 1. Flosa 2. Plosofa- Ensine 9 Flosola — coisa Ci 4. Peautan em Plocaia&. Flos Exerc I. ie Cnadstomo de Sousa I Sere ioLas7 Bau — wl ‘ia eEncne consis exlegio vod publegto dete os que emaizem a relagioente 0 exerci flasfico ea avid de ‘csi, Vis diponbiizat so lie er, abaosque corbeam pas “users dacisto em wrno doesatto de freien doensine de Flos, stunts cade vex arelevantes nos debates ats Contdlho Editorial ‘dviana Morar Maura — UBL. ‘oso Roedell- Unio tai Alberta Favero— UPF ‘han Rosa Fonela Sanago ~ Unit Anni Jagui Severino ~ USP Ceo Cano ~ Unio David Kenney ~ Monica State Univerity {hime Jos Rasbee~ PUCPR Toni Pes da Rocha ~ UFSM Seno Augusto San ~ PUCRS Sitio Gallo = Usiamp ‘Stephane Dousler ~ Universidade de Pais VHT Vindelel Carbonara = UCS Wore Omar Kohan = ss Comite Boral Cai Bots Gara — Unit Pal Denise Fraga - Unit Joel Como = Rater Adjunto da iors Unis Dedicatéria CGostaria de lembrar agul o® somes dos professes. ds Uniamp e da USP, a quem devo minha formagso de ‘Pox-Graduagto em florea: Fausto Castiho, Monza (Orland, Brust ‘Torres, Salinas, Paulo Arantes, Caos ‘Alberto, Michel Debrun e Sareos Mer que fl men erientador- Os quatro imta— ‘ompuseram sinha bance de Doutorado, {gato com Carlos Reberto Cire Lama (UFOS). crstetom SUMARIO _spresentagho oe Primetsa Parte 18 [A Plosoia como Cots Cis ‘quam perspectiva hstériea nd 00 ~ José Criséstomode Sout " segunda Parte... pode o Brasit Renunciar a Fulosofar? Renato Janine Ribev0 88 piscuso aos Entudantes sobre a Peequsn em lost 109 ‘Oswaldo Porchat Perea ‘rercetra Parte ee eat Tugendhat: im Fitosofo Anaiteo Interessado em Problemas Humanos wa José Criséstoma de Souza ‘A Filosofia como Exerciclo na Universidade, se 188 Best Tugendnat Sobre os Autores ee APRESENTAGAO ‘os materiais desta publicacdo, distributlos em tr ##- aca tratam do trabalho de flosofia entre nds na wniversiday te brasileira, Tratam de ver como ele anda, como s€ COmPaTS node centro recophecidos como methordto, emu dieses so, entetanto, materials sem maforpretensao do que & de onarbuir para arejar assunto, Nao representam resposint ide autortades, mas simples provocagoes (no bom sendo) 82 ‘exame daquelas questacs. E nto pressupaem mentum snimidade. ‘primeira parte €constitulda pelo texto“ Fost Come coisa Civir, no qual Smprovso wma narratva histéres. com vpouae de eeteléguas, para colocar em perspectiva. a NOSER &=PE vreneia de tra em iosofs.* E para, por meio dla, eabocar vp atternatva (a “osgia cs uc, enretant, de mado a qm exci outros carts © outros mados de coneter 9 sino, 0 texto, divide em 20 parkgrafos result da traneer REET wernt int com ee a me como eg HL, co Hae ajar Rtas Ea ‘s'ge Powe da UPB ‘sto de uma conversa descontraida com estudantes de gradua- ‘to, atendendendo a um pedido deles. Nao obstante seu cariter ‘mprovisado, Ernst Tugendhat conctulu, sobre ee, que “temos pinioes semelhantes a respelto. & Richard Roriy, que “temos Posigoes bem proximas sobre historia ea funcdo socal da Ml. sofa’? ‘A segunda parte do Inro ¢ constituida por dots materia, Um deles, Pode o Brasil Renunciar a Flosofar™, de Renato ‘Janine Ribeiro, fot preparado especialmente para este volume. © outro, de Oswaldo Porchat, ‘Discurso aos Estudantes sobre a Pesqutsa em Fiosofa’ fot apresentada na sesso de abertura dol Encontro de Pesquisa na Graduagio de Filosofia, a USP. em 1998 A tereeira parte do livre, finalmente, & constiuda pela ‘wanserigio de uma fala de Ernst Tugendhat, “A Fosofla como Exerciio na Unlversidade", apresentada por ele. a nosso pedido, 408 estudantes de filosoia da UFBa, em 2001. 0 material ¢ pre. ‘ESS ais Wrst cm ingle 0 Posoa Chi para os cclegs ean: eos que ola e mein me Fegan rs 9 fia oe “EEGs Soe pr tect ran seen oe nies de orf, USP. 1006, Pars ima aplestan Ae heat ee refer, suas tian © sua obra. ver mea tele Samide Bene Seats reece sor eee ok (0 Cottons «Paste da saj,Waldas as Stee ae ee ur Ears Un ae 43 cedio por uma apresentacdo umre sma apresentagio minha, “Emst Tugendhat: anattico intevessado em Problemas Humanos" sobre set tosofo Anatitico in pereurso, suas posigdes ¢ suas publicagtes* José Criséstomo de Souza Tana ree aa aos estates ats a ape tmnt Tae are tof di por MIR) Som gags. De Tugenahat. © ese iirc i ee a doepln ior Unt om 1098 PRIMEIRA PARTE Quand chogut Aleman, nessa tere vex lenbrome de {erconverseto com meus cloyas dei dizeno eles “cho (que vu faze a cola asada. Von esereve Stee isu um prodierm lose. Nao quero mats nerpretar fsa" "Ede, reapondoram es, que no vam nade ‘anormal noqueexestaua dined. Aconace que, ao aprender “float comrigorestitral ex ina sfid wna veda astro na Faraldade de Plosoianada olde istic ‘Rlwoi),etsera algo que eles ndocompreendan. dit “Terdnouma cnurne ergo le fae so, mas 0 mesmo tempo eno una enrme vont!” aoe. elesrespordian: “Patent aga 0 massa que pede acontocer él rn (Féreo Ferraz J. em Contersas com Fbsfos Brass. Nobre Rego (Orgs). SSo Paulo: Editora 84, 2000, p. 277 A FILOSOFIA COMO COISA CIVIL (numa perspectiva histérica ad hoc)! José Cristom de Sousa gu A FILOSOFTA COMO COISA CIVIL, DISCURSO, LOGOS, VERBO ENTRE NOS Para eomevar, quero sugerir que a losofla €antes de tudo Jum discurso entre outros. Em segundo lugar, que se trata de um Aiscurso de algum modo argumentalve, que procura oferecer Iuzdes ¢ desenvolver nogoes. Bm terceto, que esse dscurso apa- emente “tem a vee" com a Cidade, com um certo arranjo © iamento sociais, em termos de convivenela © de realiza hhumanas. Além disso, entendo que seu espirit, de um lado Investigapo, busca e dlscussae: de outro (ou do meso), € sm de invendo © tmaginacao. Vou contrapor isso a uma ovoia‘Ga UFEA em 1809. gi og Imagem da flosofia como “metafisea” “escoastiea” € “yr Mo sola” © a0 que chamaret de exci régime da flosofa. Por fi. ‘depois de desenvolver histortcamente essas nogies € mais ou: tras que thes acompanhem (como “Torma" e “arranjo", quero ‘chegar a0 destino & ao perf da flosoia no Brasil. que € 0 meu principal iteresse aqut,e sobre o que tenho algumas opinibes. Vou lidar desde 0 comeca com a filosofa como cotsa histérica porque é um discurso que encontra af, na histori, a fonte da ‘maior parte de suas representagdes. Ressalvando que nao Sou historlador, nem historador da flosola, esborarel mesma as- ‘sim uma narraiva, com botas de sete leguas, como suporte para tecer opines e promaver nagoes, e oferecer uma aprectagao de seu desenvolvimento (o falta de desenvolvimenta) entre: nos. esses termos, estar! falando dela como atvidade, de forma aAlguma tratando de dizer © que €a flosofla em sua “essénela’ como numa extensa definigao ou conceto, Saber que 1850 seria uma tarefa ingrata, eaela grande Msofo (e ha ainda os méalos eos pequenes), cada corrente Moséfiea, cada periodohis- torico da Mosofia dando Iygar a uma defintgao diferente € até parecendo representar um género diferente. Além disso, cons eras ceros precedentes notérios,poder-se-la esperar que, do fempenho para dizer © que € filosofa,resultasse algo de muito “sublime ou inefvel, a4 de mult téenico ¢ rigoroso, que eu nao “saberia fazer. Ao invés disso, como disse, invocarel alguns ele- Inentos histrieos e, em relagio com eles, algumas representa- {es da Mosofia. Tudo Isso de modo impressionista,colegulal ate algumas vezes brincalbao, pols este texto resulton de uma apresentacio or de tipo tntetramente informal © texto est dividido em trés seqoes: I~ Excurso histrica (69 2-11), 1 Fundo e pert da Mlosoia no Brasi (§§12-23}, I~ A Mlosofa entre nos como “coisa cli (§§ 24-29). Quase todas os pargrafos tm titulos propos, que antecipam o seu conteido, E © letor pode preferir ir mas diretamente a0 ponto (a questao da Alosoa no Bras), comecando pelo 12 6u mesmo pelo 816. EXCURSO HISTORICO $2 A FILOSOFIA COMO DISCURSO HUMANO SECULAR, SEM TRADIGAO E SEM AUTORIDADE Para mim, a flosofa¢ coisa de indviduios humanos como nbs, mesmo que dotados de ceria intligeneia € passados por mutta formagao e exereieo,além de dlspostos a muito trabalho. Sem, entretanto, nenhum acesso especial &verdade, anda que alguns francamente auto-tludidos em sua ambicaa de combet- ‘mento ou pensamento, Mats do que parece, a flosofia coisa de Individuos de alguma forma associados, embora seja verdade ‘que, diferente de outros grandes discursos, no easo da Slosofia trata-se de discursos “assinados", que tem como autor, em cada ‘aso, um sujeto particular real falando, dlgamos, por i mes ‘mo. Para tratar da filoofia em termos assim gerais, © pelo que hos interessa aul, vale recordar ~ do jelto tradicional ~ que ‘essa Mosefta em parte suede, no mundo mediterraneo antigo, o mito © & retigao politesta, grandes discursos encontrados “nas origens”, ao que parece, entre todos 08 povos ¢ eultras. 19 20 Em comparagio com a mitologia a eligi, a flosofia aparece como um discurso meramente humane (apesar de elaborado ot Pielo menos ndo-corriqueito), “desencantado", sem histor deuses ou figuras (embora, acho eu, nao desprovido de imaglna- co © apenas na aparéncia nao envolvendo narrativa). Nesse sentido, pelo menos, a flosofiaserla'sempre “racionalista” ede algum modo separada ou contraposta 8 mera tradieze, erenca e ao habito puro e simples. Como obra de uma outra coisa, da “razao" ela seria sempre. e desde o comeco, um Bselarecimen- o, un Hussntsmo. [Na flosofia temos eno homens de certo mado falando uns com os outros. por st mesmos (ainda que apelando a algo como a ‘azno, com ou sem r matisculo) independentemente de qual- ‘quer experiencia exo acesso no seja em principio dado a outros homens, como seria 0 caso de orieulos, revelagies, éxtases, s0es edestines privieglades femora mutta gente ainda hoje pro- ‘mova grandes e médios Slosofos de sua predllecao a tudo 1550. “Temes, ai um dscurso distintamente secular diferente da erenea religiosa e do misticismo, tanto quanto da conviecio habitual e da tradio sem exame. Livre, portanto. de qualquer dessas duas Autoridades: religia e tradigao. E, mesmo que a flosofia tena por sua vez, procurad sustentar valores e verdades,tralar-s-la, >- de conviegbesracionalmente justified fargumen: tadas, pelo mens), procedend ela antes, {deas,eapas de desafiar, pelo menos em parte, as crengas con igo costumetras, No que Mosofa mostra lis, grande in finacao especulativa, como capacidade para renovar, ampli € ‘um virare revirar de enriquecer os horizontes humanos de entendimento das coisas, §3 A FILOSOFIA COMO COISA GREGA, EUROPEIA, OCIDENTAL ‘Concebida nessa linha, a Mosofia aparece, quanto a er tudao de nascimento ea cartera de identidade, como coisa gre fa, como € grego 0 termo, em sua composicdo © ertagto. No Aigo isso para destacar uma facanha européia (historieamen- {e, alemaes, ranceses ¢ ingeses cultos gostam de pensar nos regos antigos como seus verdadelros pats © pares no passa- 4o), mas antes determinando-a, 8 Hlosofa, como traco de uma, cultura e coisa histortcamente datada, isto 6 coisa contingente «particular, mesmo que de vocagso universal. Nada, portanto, que diga respeito a uma “esséneia humana’, pots afinal os homens mais viveraa ~ sem ela do que com ela, mals homens viveram (em mais culturas e elilzagdes) © v= vveram por mats tempo, embora hoje se possa dizer, creio eu ‘que algo da flosofafex parte da “essencia” do mundo modemo- ‘cidental e se generaiza com ele. Fora isso (e sem querer re saalver aqui um grande problema histrice), para eeito de ndo ‘exagerar demats na propriedade intelectual greeo-earopeia da Invencao da flosofia, isto €, no seu eardter de milagre greg. basta registrar que ela, nto por acaso, despontou (na historia, ‘que escolhemos) nos limites astatieos da mundo grego em for- ‘magao, na encruatthada com 08 mundos egipeo e oriental. Nada Ihe advindo, nesse sentido, ai sim com certera, das latitudes do Norte, no mediterrineas, de onde teriam provindo os proto- sreqns. Para completar esse “teste de DNA", basta lembrar que a 22 ‘Seu primetro representante, Tales dle Mileto, descendia de vio- Jantes € comerciantes fenilos, e, entre o8 Mosofos antigos, go $0 ele Quanto a chamada “hlosofie ortenta”, para nao detxar de ‘meneloné-la, a nogio entraria af melo que por extensio. Trata- ‘se de um (ou mats de um outro grande desenvolvimento de pen- ‘samento, cosa ~ até multo mals - excelente, mas por st um ou ‘ro grande continente mesmo com pontos de contate) uma outra frande (radio, também ongantzada por “escolas” « merecendo ‘anos de estudo ¢ uma comunidade de ctv Et todo caso, pare- ce que essa flosofa oriental (ou 6 que nos chega com ta) 50 se ‘oma coisa mats propriamente cil depais de chegar ao Ociden- ‘ eomo, als, também o Dalal Lama), podendo entio mostrar-se até colsa académiea (inclusive na California © ser posta em di logo com a tradi flosética ocidental. Enfim, para representar "uma flosola ev, como quero aqui, nt creo que sea 0 caso de falar agora das escolas da Persia ou da fia sobre as quals, em {oro caso, ¢ isso € 0 mats decisive, set quase nada, a OS PRIMEIROS FILOSOFOS COMO CONHECEDORES TEORICOS, PRATICOS E POETICOS A, nas orjgens, entendo que os primeiros fsofos, e se revelarem em alguns casos eminentes © provenciais| legisadores, eat, de outros mods, poiios, fram elaboradores, mroncincoen cn 23 dag primeiras © embriondrias teorias gerais sobre (todas) as coisas, desenvalvenda notivets exploragoes logleo-ractonals © cespeculativas, @ exibinds admiraveis pensamentos enigmatl- ‘os ¢ profundamente pocticos, mesmo que afastados da mitol6 ‘ca fabulacao. Também chegando a mostrar um poueo daque: les connecimentos que permitem fazer demonstraghes mate mitieas, previstes eetivas quanto a fendmenos naturais pro mover os chamados negéclos huumanos: conheeimentos clentt- ficos, geométricos, astrondmicos,geograficns. politicos, étics, retorias, médicas, ete, Certamente 1ss0 € dizer multo pouco sobre os primetros Alasoos,e, como de seus discursos nos che- ‘garam apenas fragmentos e de suas blograflas pouca noticia. & mesmo possivel que essa visno,além de tudo, esteja pouco Nel [No mais intel, porem, do que desinteressante, em compara {¢20 com as vsdes sublmes e profundas que deles nos oferece- ‘ram importantes fildsofos contempordneos, igualmente poett- ‘os e enigmaties, tantos séculos depots ~ com os quats, no en tanto, no da para competi De todo mad, et nao dir que era ainda ima impertet- ‘oe um desvie da sua voeacao que a filosofia encontrasse nes ses comecos (pré-socrtcos) expressées nao apenas agradavel «© poderosamente poeticas, mas também misteiosa edeliciosi- mente - para uns, para outzos tritantemente— obscuras ¢ or culares, valorizadas pelos comentarios e interpretagoes imag nnosos de filsofos noss0s contemperaneos. Nem deploraria taxativamente © perf arstocrtico ou sacerdotal ou simples- mente presungoso de alguns desses Mlésofos “dvinos”. fin, on fles teriam sido mesmo personalidades extraordinarias, ‘Tampouco dia que isso € o mals proprio da filosofa, pelo me- ‘os nao da Ka de Mlosofa como coisa clique eu gostaria de ‘romover aqui. Pref entender que @ nocio de que agua to Principto de todas as coisas, com que teria comecade a Mlosofa, ‘além de lafetzar um mito egipeo, tenha antecipado antes algo Go carater proprio da Mlosofa como discurso: cara efitda, as vetes fla dissoWvedora, mas também ~terapéutica’e agrada- vel, favoravel a vida (quando nao congelada), suscetivel ate de formar belos desenhos © mesmo de, como fazem as erlancas, brinear-se eom ela fs A FILOSOFIA COMO ATIVIDADE SUBLIME MUNDANA, OXALA DEMOCRATICA ‘Como disse, esses primetros Mlsofos, que infetzmente ain- ‘da eram chanados de sablos, ja fearam muito lé para tris, e na ‘matoria dos easos nunca saberemos muito bem quer foram © 0 ‘te dlisseram e fzeram. A interpretagao, portanto,é livre, © a ‘unaginagao Mllogico-hermenéutico-histériea ai vai longe ~ algo ‘de muito importante do ponto de vista do desenvolvimento crati- ‘vo das humanidades, da cultura. da vida do espitto.E ert tam. bem que eertidao de nascimento nao é tudo, © nao precisamos {estar presos— pelo menos nao no caso da flosofla a uaa idéla 4 contnuidade fa que nos impeca de nos perguntarmos lie- ‘mente o que. queremos fazer (se queremos fazer alguma coisa) serene 25 com ela, hoje, Aqul ¢ agora, nto me desagrada pensar nesses _founding fathers gsegos como tipos “dines”, pensar no flosoto arquetipico ao lado do her edo santo, como expresso de valor pessoal, exceléncia, estilo © génto ~ uma bela ¢ inspiradora senealogla, sem divida. Isso também pode sofrer uma recupera ‘eo eb fembora passa igualmente dar hugar, de outro kalo, & ‘odo tipo de fantasia tola). Contudo, me alegrarta prineipalmente pensar nos flosofes coms casos, entre outras coisas interes- ‘sidos no conheckmento, na sociedad eer seu propria desenvol- ‘mento pessoal. Ou, pelo menos, pensar neles como gente que no farla stmplesmente “qualquer cots” que ja pode ser mato De qualquer modo, celebrados ou perseguidos por ingeren ia potitca © por Impledade ou treligiosidade, nao pensemos ‘que os lésofes do mundo greg (mesto que nao izessem “qual- quer coisa’) fossem sempre muito simpatieas € democraticos € ‘que 80 par isso tivessem problemas na vida. Waris dele alem de exageradamente aristcriticns,eram - ¢ ni se posleria e perar outra coisa ~ conspiradores, escravistas, machistas, chauvinistas e dados a celebrar regimes nao mult lvres ot Justos (¢, claro, aqui ja nao estou falando mats 96 dos pré- ‘socraticos. Também nao preeisomos exagerar na concepeao da sofia como mae ong, font e fundagno de todas a8 cn as, pelo fato de ~ no comeco, e até mais adiante -, muitas veres, as duas coisas terem andado juntas. Nao ¢ i880, alias, ‘que salvaria a flosofia e daria o seu valor, uma vez que ao mes ‘mo tempo poderla suger que ela ¢ apenas uma ainda-nao-clén- «ia, ost tum certo residuo do desenvolvimento da eine. De fat, (08 fil6sofos podiam estar em muitos eases envolvidos com algo 26 >areedlo com nossas histria natura, astronomia, soctologia ou ‘eonomia, que depots se separaram da Mlsofia, E podemosachar _e ha algo de comur entre oespirito da ilosota eo da elena, ‘01, volando a nossa inguagem, que so discursos alg aparen= {ados. Mas nem toda ciéneta se desenvalva, riem se desenvol- verla depois, junto com a ou methor, como que dentro da. ou de dentro da Mlosofia, Como no caso da ciencta de Eucldes, Arquimedes ou Hipocrates (para fear s6 no mundo grego): como tambem no caso, depois deles, da clencia de Copérnico, de Galleu ou Newton. Mesino assim, podemos imaginar os gr80- filosofes antigos (como Platdo eAristteles. cada tm a ssa ma- reir} como tendo dato uma importante comtributcao so desen- volvimento do que chamamos de “razao", bem como. conseailen- temente, da elaboragdo do conhecimento, da politia, da ree: so éicae da vida da cultura. Sem descurarmos, porém, de que ‘seu pensamento metafisico possa ter também. em vitios mo- ‘mentos, strapathalo bastante o desenvolvimento de uma outa lea de razdo, da ciéneia como a contiecenios hoje, da poliiea de que hoje gostariamos, e de outr $6 A FILOSOFIA ANTIGA ENTRE FISICOS, METAFISICOS E FILOSOFOS PRATICO-MORAIS Em se tratando de ativade Mosofante ligada aos negicios ‘mumanos e associada & vita eta (que vila a ser abragada pe- fos renascentistas e pelos modernos), nenhuma talvez supere a7 ‘empritico-mundanidade a dos sofistas, talvez mundanose pri ticos até demats. Os sofistas estavam entre a prudentia © a scintia, unindo as duas pontas numa certa arte que envolvta cessencialmente a palavra, Era. a losola como diseurso, promo- ‘vendo mais diseurso,eram flsofos de mutta conversa ~ como outros também, que, senda até énimigos dos sofistas, veram que conversar com eles @ sobre eles. Pois 08 sofisias eram Aesafetos dos ssofos metaisicos monoteistas contemplativs, Plato e Arstételes, os quals vieram naturalmente a ser os fa ‘vorlios da Cristandade (medieval e do Ancien Régime, Segundoo primetro, os sofistas eram uns enganadores, com uma relaea0 “superfctal nao #6 com a verdace mi também com sua cliente 1a, pols eram pagos pelo seu trabalho. Mas, diga-se de passa gem, os sofistas, sim, eram mais comumente democraticos © ‘mundanos do que outros flbsofos, exatamente os metafsicos ‘Sua imagem desscreditada por Pato (como charlataes), ter _mo sofstica ft fxado por Aristoteles como pseudoconecimento, [Nao obstante isso, a mim parece haver um grande exagero na tmagem deles camo “plearetas” da Mlosofa, promovida pelos f- Tosofos metafistcos. HA quem antes veja neles os primetros| Imumanistas ¢ professores de edcacao superior do seu tempo, imestres de humantdades e habilidades corratas, pensadores| definitivamente diesstige. Isto &, clterores, desse mundo - € ro de outro, de um mais além qualquer. Politica, administra to, dirett, argumentagao,retoriea, também calcul € astrono mia, eram assuntos desses, digamos, encielopedistas,praticos| até o ponto de~pasmem- fazerem cofsas com as préprias mos, 28 ‘como alguns dos ulensilos de que precisavam, Sua atividade e ‘seu discurso envolvendo sempre, em todo caso, a acetacao de valores como a utildade e o interesse, ¢ (heracliteanamente") ‘uma conetiagao com a fuidez do mundo, para além de formas ‘xas, alm de sua pratica e seu pensamento envolverem o re ‘conhectmento da opiniao ¢ da pereepeao sensivel como base do ‘conhectmento, com os limites das verdades dai decorrentes, [Entendo, por isso, que nao da para acettar sem mals a versta de Platao e de Aristotles, € considerar os soistas como mestres ‘sem interesse para a flosofia, como nao-flosofos, que nada pro- rir, Além de relativistas, alguns sofistas talvez se metessem mesmo, sem muito prepare ou trabalho. a saber demats, coisas ‘demais, como se tss0 fosse fill (0 que especialmente desagra- ava a Patio e Arstoteles). Mas tal nto significa absclatamen- te que nao trouxeram contebuicao prépria ao deseavalvimento 4a Mlosoia, Na verdade, esereveram mutts obras (como a ad iminivel Antiagias, de Protigoras), que infellzmente, em sua ‘quase totalidadte, perderam-se ou foram destrudss. E foram fd- sofds téenicos o suficlente para par problemas e argumentos relevantes, e, assim, como dissemos, foram eapazes de diseutir ‘com os grie-Mlésofos com Fmatsseu. Quanto ao imenso valor estes ultimos, go. de Plato ¢ Arist6tces,tsso esta aqul tac: tamente reconhecido, ¢ nto carece acrescentar nada que 0 Ie: {or} nao saiba, Nao obstante a diferente natureza de suas res Pectivas exposigies, eles s20 ambos autores das obras mals importantes, ricas e completas da Slosofia antiga (riqueza © i sracinecotn com 2 complete na eonstrucio e no desenvolvimenta de nogbes © argumentos, € na posigao de problemas), embora nao devamos negligenciar outros filsofos antigo, como Demecrito e Epicuro (estudados por Marc na sua tese de Doutorade),além, natural- ‘mente, das propriog sofstas. Quanto ao que cham de fsofos pratico-morais (entre 05 quais eu destacaria 08 ceticos plrronicos, chegaremos a eles mats adiante, 2 rnosoria Como coisa ATENIENSE E-DEPOIS TOMANA Ponte eheoncaciy vig pec orime elena tas ‘Que tipo de soctedade ¢ essa. na qual os sofistas s20 poss veise sto também possivels as eseolas de Mlosoa em geral, sua llaboragao, suas discussdes © esses novos conhecedores secu lares? A flosoia (cst) esta entre aristocratas e plebens, entre flosofes fiseos, metafisicn e soistas, entre umm sacerdcioflo- sifco eum professorado mundano. Pode sera ftosofia dos softs ‘as, com interesse, porém, pelo bem da Cidade (se & que os sof {as ndo © tsham), com uma preoeupacio pela virtade © pelo aperfeigoamento pessoal. Mats esprto de andlise e também la bor de fencta,¢ uma idea de investigngo e busea - que, nesee sentido, o cui da flosofla esta no flo. O ambiente octal em que sso tudo ¢ posstveltraz certas caracteristicas e desenvolvmen: os que marcariam exponencialmente o mundo grego (Atenas 4 particular e, depots, Roma e 0 mundo romano, Dizer mas do que Isso ~ mesino dizer $6 Isso ~ € correr sro isos de etnacentrsmo e de “oeldentalisino", de fantasar, ‘eofim, 0 modo histrlco e contingente de ser de wma Sociedade ‘como estando absolutamente seima dos otros. Serla canceber © pensamento © a lberdade como coisa grega e ocdental, © a soctedade grega como mais confrtavel para © homem (o homem como ele deve ser, em todo caso) € mais de acordo com sua na tureza, Todo 0 resto fora disso sera despotismo ox falta de cul ‘ura, inconselénela ou coisa primitiva. Além de etnocentrismo, ssa perspectiva poderia envolver também anacrontsmo, ope- ‘randlo sem pereeber uma projerao, no passado, de trapos valor _zados do mnie modemo, do nosso tipo de soetedade. Lendo-sea sociedade grega antiga em termos contemporanees, al encon- trando o indviduo maderno e arranjos livres © éemocratieos, bem ao nosso gosto hodierno, Em se tratando de fantasia talvez fosse melhor entao maginar a Grécia apenas artistcamente, {e acordo com nossos sonhos, como um mundo belo einsuper- ‘el, tudo © que mais queremos, ou imaginamos que perdemos ppensamento da unidade, nfo disociade da pocsia,lgagae ime- ‘ata coma vida, rellzacao da natureza politica dohomem, vida inarmoniosa ¢ bea, pincaras nao ultrapassaveis do esprto, ou tudo isso junto, De qualquer modo, fora da fantasta evoltando a nossa ques tao sobre as elreunstaneias da flosofa, parece razodvel, para ‘camegar, associnr seu desenvolvimento com outros: da poesia, ‘da literatura, do teatro, historia, cineta, ee. B, depots asso va 1a, a existencia de alguma Mberdade e de alguma idéia de ex- presto pessoal ou de aulorta humana. Estou pensand especal- mente em Atenas (posstvelmente tealizada}, de mod algum em Bsparta. depois de Atenas, no helentsmo e no mundo ro- ‘mano, para onde se desdobraram as influéncias de Socrates, de Plato, de Aristoteles, de Demoerto, de Epleuro, de Zenao de cio, por intermédlio de académicos, peripateleas, estes, plctiros, céticos, ciicos, cirenaicos ~ em desenvolvimento possivelmente menos metafisicos e dogmaticos do que algumas de suas matrizes, Entre eles, merecem destaque os eéticas ¢ 08 sofisins como talvez aqueles que mals tomaram distancia ‘nome da vea comum edo saber comm dos homens ~ com ra ‘eto as ambigdes daquela Mlosofla especulativa, dogmatic, de ststema, “A Gréeta cava... ntroduz as artes no rstico Lécto." 0 fato de Roma nao ter produzido grandes Mosoflas originals (eu dria que, depots de Flathoe Arstoteles, mais do que diel, ss0 ‘era desnecessario) nao me parece signiicar que a Mlosofla nao fencontrasse al vigéncla e até desenvolvimento, mesino que ‘outros prefirim achar que ela af ficou mesmo fot pequena pobre. Alguns potlem dizer que Roma, em comparaglo com Ate nas, nao tinha eabega muito Mlosoliea (embora a tenha to no sentido mais Itera).Parece, porém, que passou bem sem gran- {des Mosof0s préprios muito originals, mas com mestres atenlenses © de outros centros, e com a chamada segunda sofstca. Com seguidores, aplicadores ¢eceticos, com Msofos| o, fazend ilosofa “norma e“aplicada.” Alem de a aa ‘do, em termos de soctedade, © como mundo, Roma era sein \davida bem mator © mais comptes ‘esse sent pelo me hos, mas ¢ claro que também em tantos outros, muito mals “préxima de nds -do que a pequens Polls, Urbtet orb para mim, ©, Mlosofla¢ coisa da Cidade, seu hortzonte é mutto mats oda ‘osmgpots (muito mais kathliks que oda mera pols, embora fesse reconhecmento de Roma nao prevalega hoje em dia nos ‘irculoseruditos dos paises do Allintica Norte, em especial dos protestantes, ge POLIS, COSMOPOLIS E USO ROMANO Da FILOSORLA: “Urranjos Civis™ Enfim, naquele mundo grego, helenista € romano, que ‘nctuia outros centros mediterran0os nao exalamente ociden tals, erelo que podemos imaginar um arranjo da sociedad, cm {ermos de convivéneta,realizasao e inquetacao humanas, mais ‘tre" nem wm “papa”, mas existindo num espago de iterincucto. [Num espagoem que eventuats, digamas, seguidores (quem dera, sempre interloeutores} nao seriam menos suites independen: tes da que o ilésofo com tudo que pode haver dento-platinico nessa representacao da comunidade, ou falta de comuntdade, {6a flosofla. Dito tss0, me parece verdad que a tdéla de partic par dessas conversas € dessa tradicio (a Mlosofa) implica no recurso estudio a textos que a compsem, pelo menos o suelen- te para tomar algumas de stss elas aproprias-se de parte de seu precioso vocabulavio, Pelo menos o suflciente para tomar ‘como referénciaalgumas de suas posicdese formulagoes, © que significa explors ‘com alguma profundidade (n. bs segundo .quilo que intoressar a quem esta estudando, 20 eu tempo, a0 Zeitgeist, as questoes que deva ou quer enfrentar). flnal. era ta:s0, como fa disse, de um precioso vocabulirio, de um imenso arsenal de nogoes ¢ argumentos e de um grande actimulo de perspecvas e horizontes [Embora eu nao esteja dizendo com aso que, quer no campo da politica, da arte, da etencta ou da. vida privada, sla caso dle menosprezar outras referencias, de fora da filosofa, tanto aquelas mais veneravets quanto outras| ‘menos elaboradasl gus Discussao com outros e consigo mesmo, diate {onto com outras razdes, com outros argumentos, com outros pontos de vista, 0 fazer flosofla envolve uma disposicao para tomar a tradigao e dlalogar com ca, disposicio para de alguma forma inseri-se nea (mesmo por contraposigae). Sabendo que ‘a tradigno¢ de varias falas, e que, mesmo a fala flosofiea gene: rieamente tomada nto é “a” fala do mundo, aniquiladora ou syeltadara de outros dscursoseexpress0es, da religao, do senso ‘comum, da arte, da politica, do mito, ete. Sem embargo, por ve ze, predominantemente na sia forma “metafisiea”e de “gran- {de Mlosofa" 8 losofia nos ¢ apresentada como constituida por ‘um “pantea0", uma colegao de pensadores absolutes ciumen- tos, cada um senelo um todo, uma grande monada, urn mundo € ‘um untverso fechado, Como se se ratasse dessa coisa contra ‘itoria de um “miltiplo monoteisma” (mals até que de um -panteao”, com se poderia esperar. pagao epolitesta: em todo ‘caso, uma colegao de seres multo acima dos mortals comuns & ‘ojeto da devacao destes como no hagiolog catdico ou ~ tampouco al mutto civilmente ~ naquele posiuvista comteano, (Ora, parece-me que essa ¢ uma abordagem de espirto escoldatce, e ue nao dé para Mxar-se a. Pelo menos nos nos 09 dias, entendo que a Mlosofia ¢ antes ou é também wma ea Draco mals aberta (sobre politica, étlea, céneia, linguagem, tonica ou cultura, ete}, semelhante ao fazer eotdano da eién- ca, Um trabatho coletiva e uma diseussao pablica, com a ajuda 4e peridicos, artigos, Internet, numa comunidade bacontana, grande, aberta e dWversifioada, em que 0s paritpantes Ieem 38 colsas uns dos outros se referem uns 208 outros ~ € nao por mera troca de amabilidades, mas para desenvolver temas, ar- gumentos e posigoes ¢eselarecer questOes. Al os Mldsafose suas diseussbes pertencem a um certo espaco public (onde entram nto apenas alguns), al interlecuga0 compondo uma comunida- {de aberta de elaboragio e de aprovestamento, mesmo que com Aiferentes graus etipos de participagao, Ora, as macroposigdes ‘lassicas, os grandes sistemas, 08 grandes discuss classics, ‘0 Mldsafos canonicos ou promovidos a tanto, sio as vezes al até certo ponte detxados de lado, mais ao fundo, nao send integral ‘mente omados, a nao ser, claro, quando se trata de fazer histd- ‘Hn da flosotia, comentarios de texto e cursos de formagao. Mul to menos se quer nem se precisa agora de novos Alssofos feanonicas ou canonizavels, nowws Platso, Aristoteles, Descar~ ‘es, Hobbes, Locke, Kant os Hegel. Nem talver se deva tmaginar 6 46 ‘que eles venhiam a acontecer~ tais equals © entronizaveis no unde de hoje ou entre nés. Sem exclutr que, investindo muito ‘Preparo, mutto trabalho ¢ muito tempo, pessoas razoavelmente {alentosas e necessariamente ousadas, ¢ com recursos suficien- ts, consigam produsir verdadeirog “lassicos", mesmo que de ‘novo tipo. para serem talvez ainda Helos aqua 200, 500 e mals ‘anos. Mas esses ser20, por definigho, pouquissimos, De qualquer forma, tratemos agora de nos aproximar mais do Brasil gu © CASO DE PORTUGAL E DO BRASIL, RELATIVA POBREZA FILOSOFICA. MAS E DAL? [to ha flosofo“eanonizado” de lingua portuguesa, com f ‘matdsculo (ntegrante do poderose haglolgo da flesh, pri ‘meira e segunda divsoes, pelo menos). Mas tampouco os hé de Jingua romena ou sueca, nem grande fissofosustraliano, nem. Japonés, nem chinés ~moderno, quero dizer, E por ai jad para centrever que “grande Mlésofo" nto ¢ coisa que aconteca assim {ora de uma certa tradigao, eontexto ou época, fora de um actimulo € até, aparentemente, como J dissemos, de uma ‘entralidade de metropole, Embora talvez devamos, antes de mais, nada parar de representar a filsofia spenas do modo “gro ‘monddleo", como reduzida a um pantedo de fdsofos de sistema ‘cassemethados, radeados por seus sacerdotes/intermediaris, 0 comentadores, seus media. Nestes termos,1o caso braste- ', historicamente, podemos falar em pouea fllosofa, de pais a | perterco, aependentee “atrasado". Caso que imagine mals ou ‘menos préximo da Colombia, ou da Indonesia, ou da Africa do ‘Sul, ou da Argentina, ou da Turquia, ow do México, om das Fiipl- nas, ou até de outro tipo de pais como a Russia, a Suécta ou a Australia, Se pals perfrico nao tem flosola, no nosso caso ‘eriames um pais sem mato “exeedente de pensamento™ (tanto {quanto sem poupance interna sufciente) € até ha pouguissimo tempo também sem universidade. Com pouca energia especulativa © com pouca tradigio de pensamento Mlosdfieo ~ Portugal menos que Espanha e 6 Brasil menos que a América Bspanhola Alguém poderia perguntar, com razio, 0 que temos a ver com essa histéra, quando J4 avangamos tanto (inclusive no estudo da flosofa), nos modernizamos tanto, ¢ tudo hoje tao tobalizado: quando, afinal de contas, somos um pats grande € ‘mesmo um grande pais. Alem do mia, #880 € apenas um dada — no € nada que por si comprometa 0 valor do seu pove, de sua hneranca, sua cultura, suas virtudes, engenho ¢ originalidae, pelo menos para quem leu Gilberto Freyre ou Darey Fabetr. Por fim, como a disse antes, a ilosofia nao nos parece alg assim Wo supremo € absoluto, que corresponda a uma esséncla hi mana e sem a qual 6 homem nao possa viver. to i880, enteetanto, pelo que vimos e ainda nao vimos fag sobre metaisca, escoldstica © ancen régime, entendo {de-um lado, pademes fal 80 em pouca losofia como também em fllosofla pouco civ, ‘no nosso caso, historieamente, ‘que nos chegou de - ou via~ Portugal / Peninsula Ibérica.B, a0 lembrar assim de escoldstica e de regime antigo da Mlosotia, ‘com yespelto a nossa matriz tbériea de pensamento, nao estou sme referindo apenas a uma determinada flosofia, mas a uma, *matrtz" mesmo. Matriz no sentide de “forma” - como fnflxencia mais estrutural ¢ estruturante - de um feo) pensar e (026) {ager ilosofla, na qual podem vir ase conformarem outras flo sofas (que nao aquelearistotlico-tommo) deforma semelhan- te, Ou poem vir a se acomodarem, como em leito de Procusto, flosofias de outra fndote, em grande parte assim tornadas nao muito civi, mas antes escolasticas ¢ doutrinaras, quanto ao fazer, ede “catectemo" ox manal, quanto ao ensinar. Com eft. nna nossa hipdtese, trata-se de matrtz ou forma como modo nao 6 depuro pensar, mas de fazerflosofia, Emodo em boa medida radicado no nosso arranj cultural, socal e histiico,capaz de converter a set pada flosolas que por si correspondertam a formas diferentes (alg talvez pareeldo com o destino do ibera- LUsmo entre nossas elites patrtarcais © escravistas, no séeulo ZIM), Sem exclu que se possa,além disso, falar a em “anda des eletwas", com flosofias de esprit, “no fundo", em alguma ‘medida, semelhante fenfim, um cenério capaz até de, por sobre {9s0, fazer a Mlosofa entre nds repetir-se como farsa, como na ‘maginada “escola teuto-sergipana’) Historicamente, portanto, com essa tradi lostea fraca = mas forma forte~ teriamos: 1) flosofia escolastiea (quanto ao ‘medo), 2 flosofla pouca (quanta ao desenvolvimento), 3) los fia poco efile ancion régime quanto a sua insergae).F, acres ‘cento agora, 4) filosofa “realista dogmatiea”- algo de que no faletexpressamente antes, mas que tem a ver com pouca flo- ofl, com dogmatismo & metafsic, iso é, com Mlsofia nao passada pelo empirisme, pelo eeticismo e pelo eriticismo mo- ‘dernos. Come veremos, porém, se € mesmo preciso declarar iso, nto faco essa emumeracao assumidamente reducionista para esconhecer, de outro lado, as virtudes e potenciaidades de nossa heranga colonial portuguesa e eatdlica, ¢ @ riqueza de ‘expressdes de pensamento de lingua portuguesa, no estrita- ‘mente losfieas, das quals $6 por fgnorancia nao nos orgutha- amos gus ESCOLASTICA, “REALISMO DOGMATICO" E ANCIEN REGISIE DA FILOSOFIA. (NUMA NARRATIVA ASSUMIDAMENTE REDUCIONISTA) Comecemos a esclarecer um pouco essas coisas ~ tnelu- ‘sive parte da nossa hspotese referent a “realismio dogmatlco” ssociado a pouca Mosofa, ou significando wma flsofla pouco ‘moderna e nso muito eh. “Realismo” (xg. das categorias ge- als € dos valores, nao aquele do senso comm que teria a ver ‘com uma marca mals ger do nosso espiito, ou relatva falta Alole~ pois estamos falando de verdacleires idola e habitos de Pensamento. Creio que ndo chega a ser polémico dizer que 0 fristotetico-omismo & uma mate realista e, pelo menos em (do kantlano, dogmatic Junto com metafisiea,comprome: 9 tida com nogtes como essenela e substineia, detxando do outro Jado, em principio, por exemplo, 0 ceticlsmo ¢ 0 critcismo, 0 ‘nominalisio e 0 empirismo, o sdealismo e a hermeneutic. ‘Permanecendo, portanto, com relagao ao que é maderno, bern la tris, sem nenhium tipo de nowum orgarwm (ela ¢justamente 0 vetho), tendo como tnstrumento apenas a léglea formal mais tradicional, nto sendo erica sequer em sentido cartesiano, de ‘uma dhivida metadiea e de um método analitico. Um perf que corresponde, no plane da clgnca, a uma ida de conhecimento ‘nao operacional, sem expertmentalismo nem matematiea, sem ‘Bacon nem Galle, No plano mesmmoda Mlosofa,correspondendo a uma tradigio contemplativa e nao-problematizadora do mes ‘mo conhectmento, ndo-problematizadora das pretensoes de co- ‘nhecimento de tm diseurso ~ do préprio, pelo menos. ‘Temos assim pintado, entao, wim quadro de possivel sobrevida (eu dirt, melusive, “subterranca’) entre nds, do ‘modo de pensamento ndo-modemno por exceléneta (mesmo que {sso no seja sempre, em outros aspectos, um mal). De sua ppermanéneia entre nds, sem multo abalo, na Modernidade, depois do empiriamo © do nominalismo, do epicurismo ¢ ‘atomisme modernos, do ceticsmo, de Descartes, ¢ também ‘de Kant, Com 0 que (eriamos basteamentesaltado por sobre 0 rompimento historico com aquele pensamento nao moderno, ‘encontrando-nos entao, no plano do espirto, na posigzo de as- similar, em desenvolvimentos no-critios, as Alosofas pes teriores, as flosofias erticas © pos-eritias, quigd mas asf losoftas passivels dessa “reducto™ ou que com aquele espirito possam guardaralguma afinidade eletiva. Nao sera es comum, para dar exemplo, a nosso eeletismo/espirituatisma (de Cousin, 2 originalmente escolar e dogmatieo), nosso posttiviemo comteano (com seu forte arquétipo catélico), ¢ a nosso marsismo nacional positivista”¢dogmatioo” tambem, como se tem dito}? A propésito, como a dalétes (alema) nao seria em geral lida aqui em chave pobre, “realista” © “dogmatiea’, dada essa matriz fundante mator e mals origind- ‘a, matrz que pode ainda, por exemplo, evar a propria nogio e critica assumie dominantemente entre nos um sentido Ingenuo € dogmatico, do ponto de vista Mlosotico? Quanto a0 positiieme comteano, janie € ele proprio, em parte e contra- itorlamente, uma filosofia-doutrina, de espirito escolastico, até, literalmente, de catecisma? Note-se, depots disso, que fa temos agut reunidas talvez fs malores influéncias formadoras na experiéneia brasileira de pensamento filoséfico. Infelizmente, no geral, nao 190 elvis, pluralisas e experimentalisias, mas de incinacto doutrindria € passivels de conversdo/degeneragao “escolastica™ Eno es lou aizendo que essas nao possam ser, por outro lado, excelen- les Mosotias, mutto validas e dignas de estudo. Mas estou di ‘endo que posdem ter sido absorvidas em certos "maus” habitos ‘Ue pensamento. que, ademas, certamente penetraram também eas prtcas edscursos fora da flosofiae da academia ~ na dade, na politica, na educacao, ee 3 52 g16 “CATOLICISMO" E “REGIME ANTIGO™ Dal FILOSOFLA, VERSUS “VITA ACTIVA" E “VIDA ORDINARIA” (MAIS ALGUM REDUCIONISMO) ‘Depals disso, poderiamos falar também de “realism” além {de “escolistien”, 01 falar de “ealsmo escolastico”, como parte do ‘proprio espirto do catolicismo mais antintoderno (como faiamn fldsofos tgadas a0 sdealismo alemao).E até lembrar as outras relropolescatsleas alm de Portugal 2 que associamos os des tdnos do nosso Mlosofar, Bem come trazer & meméria a influéneta mais geral do catoletsmo (como malt) na formacan dos nosso qoadros de pensamento (conservadores € revolucionarios, por ‘gual, ena formagao de nossos modes de Mlosofar, e inclusive na _acocao de correntes floséficas europélas mas contemporaneas, Endo estamos formuland aqu, neste caso tampouc, um juizo feral sobre o catollesmo da nossa cultura (ue, na minha opi ‘lio, tem eofsas muito boas, nem muito menos sobre a infuen- ca geral a lgreja Catlica no Brasil em part, hofe em dia. além ‘de culta, mats e melhor do que eli. to obstantets90,falando em catollclsme naquele sent ‘do matrciar’, temos a oportuntdade de compor aqui um quad ‘mais ampla de sobrevida de alge de ancien régime na nossa me {ropolecolonal européiae no nosso préprio pais, tanto na sole ‘ade como ~ et pour emus ~ na vida intelectual. A comecar pela auséncia€ pelo retardamento, pela menor profundidade e rup- tora, das chamadas transformagoes demecraticas, em Portus! ‘e110 Brasil, nao apenas no plano politice como no plano socal {a cultura, no plano da mentalidade e das relagoessociais como lum todo nao 56 no das chamadas relagdes de producto. Asse "espeito aproveto para, entre parénteses, confessar que a idéia {de algo como uma flosofia aneton régime, ou melhor, um fmau) ‘ancien régime da flosofa, me velo primeira na imagem de “Al6- sofos com crladas’, a partir da presenga da figura da criada nao 80 no amblente como também no fmagindrio de importantes ‘Mlosofos curopeus, ainda no século XIX e mesmo no séetlo XX, , mats amplamente, a partie de uma presenca muito subalter- nade Nguras femininas a sua volta, e, for that matter, também 4e figuras masculinas. Tudo isso unto com outros azranjos que ‘considero pouco cvs, entre os qualsincluo, mesme que de modo 'menos eritico, 0 trago “sacerdotal”e “ascttico™—no ser fl6sofo€ no fazer Mlosofla. De sorte que, no falar de “antigo regime”, falta c., na Mlosona, diferentemente de quando falo em eseokistia degradada, nio penso 56 ein Por- tugal ou na Peninsula Iberia, ott no nosso period colont e gimensto cil, hierarqula, ‘monarquico, mas penso J em outras matrizes européias com sobrevida de ancien régime © em autras flosofias, que mio a escoldstica, em muitos casos ainda metafiseas e gra losofias [dogmaticas). De todo modo efechandoo paréntese), no caso do Brasil, até quase o fm do século XIX. podemos falar mesmo, © Jno sentido usual, em ancien négime e em sobrevida de ancien une i com o pals independente): impeto, corea, carte, mo- ja, lgreja, barves, coronelismo, patriateado, servidao, smo, eseassa cidadania, ete. oa ee er Peay sraerracomentn em 55 puna tea € au, depots de frmalenteurapasda | amuencia Werea, eatt-scaistca ancien reine ess | sere pte er pmancin eine temente 0 campo espiitual de um modo geral Isto ¢, também 0 religioso, no inenos relevante para o nesso assunto do que 0 cetrtamente Mlosiico ¢ clentiic, com respeito av desafio do ceogarcada c enfraqueeida, digamos. como espectro (eno intel ‘desenvolvimento da Mlosofla como coisa chil entre nds ~ posto \| ‘amente com um bem), Prinetpalmente quando, contra ou 3p6s } ese anc ge. a propria Mexemidade se ips aqui de mod, ‘igamos, imperfelto e pouco cil, predonnantemente por vins ‘que Mlosofia,religito, orem social regime cultural eontinuam 1 se cruzar nos comecos a Idade Modema e, claro, mestno de- pois, Regsirese, entao, a ausénela, na nossa matriz € na nos- ss formagio (além da relativa ausénela de Renaseimento, de Filosofia Modema e de thamintsmo liberal) de tracos mats nit \ prusslana, pombalina, postivsta comteana e o que mals 9 ‘queia, dexando sempre no ar um espectro de ma Ierargula © tama noctalga “eatlica” de ancin régime. 0.cas0 de lemibrar er passant, por extinpo, do lugar espectal,Ierérqulc, revindl tad pelos rabalhadores do esprito™ entre és, bem como re- | ‘cordar a dissociagao do fazer Moséfico com relagdo & vida 60> mum, a esfera pobllea © & vita activa, No extremo caricatural dos de Reforma protestante ¢, em espectal, do protestantismo real, Portanto, a auseneia também da conguistae da experien- por exemplo, de certa tolerincia e pluralismo nodernos (aqqele desenvolvido om razto dos confites de religao, 20 a “tolerancia mediterranea” a que se refere Camus, que tem mals 4 ver conosco ¢ com a catoetsmr). Ou seja, de modo mats eral temos o nosto j4 meneionado bacharelismo, nossos doutores ¢ noosa vocagao der de “teorcos", de “cléigos"e de “eruditos. ‘nto teria havido al, com mats forea, no préprio campo religios, pr praticamente nada de nto-escolistico nos séculos XVI e XVI, € muito menos antes, Nenhuma daquelas expressoes que, mes- i) so que arte a ellen” “nde mo contraditoriamente, prefiguraram, seja na Italia ou na | rem rn te sn eres oma ete eee i Thor, novamente,escassez delas) no plano estitamente rlilo hows movimentos religiosos reformistas. Aparentemente, ito 1 so, nesse quadro de relativo atraso que se compoe com a Con- i} tra-Reforma, 0 Coneilio de Trento, a Inquisicio, a escolastica © | | «9 monopdiiojesuita da edueagao ~ coisas de que a Peninsula urge nem se adota af ninguém querendo comecar alguma col- ta, em tormos de pensamento, romper com atradigio mats es- ile buscar novos pontos de parti ~ a enenyia aventureira e I Ibérica se fee, mals do que ninguém, reserva ¢ baluarte. Uma I farrojo thercos expressando-se, em vex disso, admiravelmen: | i ceria ausencia de dissenso, mudanca e ruptura, marea aparet ha expulsio dos mouros e nos descobrimentos de além-mar. ‘As implicagies da auséneta da experiencia protestante © do protestantismo radical nao se reduairiam, contudo ao predo- ‘nino absoluto da escoistica. & (quase) auséncta de outras cor rentes de pensamento, de inguietagao nesse campo, como na {cologia, © protestantismo radical, representaria também un certo golpe na hierargula e na dependéncia com relacao & mes- ‘na, bem como uma transfarmacao nos horizontes da vida do ‘eoplrto, Como no caso, que nos interessa aqut, do “ire examne™ das Bserituras (com assisténela pessoal do Espirito Santo), com. relagao ao qualo proprio protestantismo val reewando. £0 que também queremns destacar, como no caso da centralidade da “ida ovdinaria” como valor: Que o mundo, 0 século. a vida ord nia €o fazer a cla asgociado tenham dignidade para oespirito «para seu empenho de conhecimento nao ¢, portanto, nem hhavera de ser, algo posto isoladamente pela nova Idea de clén- cla de Bacon out mesmo de Descartes. Nem s6 pela defesa de Hume dos common affairs ef te, ou. bemantes dela pela censt- sens que acham que pelo uso da razio 1a de Montalane aos h hhabitam um mundo diferente, A esse respetto, uma das defi ‘9c de evil que, na minha oplnino, deverla encontrar algum eco no nosso modo de fazer Mlosofia justamente, com se pode ver no diclonario, “reconhecide para fins da vida ordinaria” ~ além de lberto, et pour cause, da forma escoléstica e de todo trago de ancton régime. “Antes de passar ao ponto seguinte, no entanto, devo det sar elaro que nao sou assim tao cegamente modem, nem mul {to menos “protestante™, nem quero deseonhecer as qualidades do uma cultura e de wma soctabilidade "pré-modernas*e "eats eas". quero reiterar, caso Iss0 seja mesmo necessirio, que toda essa narratia histeria, de um acentuado redontsmo, ‘quer representar apenas um reeurso heuristico, enguanto dest nada a eontrastar ~ ou nao —com o que se segue, Senso rejanos. gus FINALMENTE A MODERNIDADE ENTRE NOs A Virada Técnica ~¢, em Parte, Pluralista~ da Filosofia Salto agora, e Ja era tempo, para um poderoso arango no trabalho da flosofia entre nés. no Br |. prineipalente nas ‘lumas quatro décadas(apesar dessas difculdades enitaces atavicas a que tenho aludtdo), a partir de wm desenvevimento untversitario baseado prineipalmente em Sto Paulo ¢ depois. eu diria, também m9 Rio Grande do Sul (sem querer com isso negara existéncla de trabalhos Mlosoicns de valor, no ss, i ‘os de nota ¢ multorelevantes para nés, anteriores ou exter res a esse desenvolvimento ~ 6 que, a0 eontrisio,fage questo de afimmar). Refiro-me a um grande avanco com retagn aquele ‘modelo/matriz anteriormente descrto, avango felta em nome ta teeniea e do rigor, de um metodo e de espirita de analise, Valloso recurso de formagao € fnalmente algo de “cenifleo” © “ertico™ no nosso espirtoloséflco: um fazer e praticar fascia tentrado no estudo mimuctoso do texto da démarche do soto anonico faquele do “hagllogio, com fmatiseuio), numa mals fue bem-vinda ida as fontes capitals. I8s0 em oposicio au 58 cestudo mats dietante e menos sstemstic, € 2 um ensino mats ‘doutrinario e sem pluralism, pouco laico ou livre Isso tudo, en te, parecendompilicar num corte com as ratzes théricas tradi nals, com seus mdlose representantes, a favor de outras mat ‘es. as mals centralse clssfeas. Ist ¢, a favor de um contato ireto com o trabalho das maximas metrépotes da flosona na ‘Europa. Estou falando,repto, de Mlosofiauniversitirta © desen- volvidaem programas de Pos-Graduaco, pos ea iro cofsa unt versitiria ha Ja alguns séeulos fo que, como vimos, no quer dl zer que fora antes atiidade individual dissociada de qualquer comunidade de elaboraeao academia, eeu, ston, escola Com o avango de que flames, aexpansio do fazer Mlosoha ceutopeu que fincou pe e avultou na histricae gloriosa Univer. sidade de Paris, na Idade Média adiantada, chegou fnalmente ‘dai ao Brasil, tantos séeulos e desenvolvimentos depots, com 0 nosso adensamento rbane moderne eapitalista industrial ¢ pos a intenstfieagao da Smigracao européia nBo-ibérca. O que velo a significar um vinculo regular e institucional (para dar lugar a uma necessaria transferéncia de “teenologla”) com 0 {aver filosofia af onde cla era muito bem-fetta, ou melhor, est ‘dada, Em primetrsstmo ugar a Franca, eatelicae latina eomo és, nossa natural metrépole esprttual, cultural e academica, pilria da grande escolastiene do grande racionalismo moderne, ‘bem com do postivismo, da neo-escolsticae do espiitualisimo dos séculos XIX eXX. Em segundo lugar. depos da Franca, em parte via alguns dos nossos gauichos de ascendencia corres- pondente, a Alemanha. Poi, tratando-se de Mlosofla, a alema ‘tem entre nés um prestigio incontrastavel e muito merectdo, podentdo-se at falar de uma nostalgia dessa Alemanha como patria mals verdadetra(espiritual, digo} da flosofia edo Also. nos tiltimes séculos. Assim, de um modo geal. escola francesa ‘e matrizes de pensamento lems, em ambos os casos magnas ‘metropoles européias da Mlogofla ~ quer dizer. da “losofia con: tinenta", Bxeluida entao, em grande medida, a matre anglo- saxonica (que, sob esse aspecto, deididamente iio ganhou a Grande Guerra), exclusdo nao tanto como pensamento, mas so- bretudo como modo ou estilo de fzerfosota, De qualquer maneira,Mosofa de primeira mio, transplan {ada assim, universtarlamente, como de fata ft, por melo de srandes professores franceses, cla poderta agora flarescer aq ‘no nosso quadro de relativa pobreza, num nivel superior a0 “na tural do nosso solo, context ou trade, Como se vu depois, se ‘nao um projeto de “Brasil Grande’, pelo menos uma insteuratio. ‘Magna flosfica, uma interiorizagao de proeedimentas superto res (medlante vistas e programas de interedmbi, Assoctada a ‘uma especie de eancelamento ou colocacao entre partnteses de ‘outras referéncias. nossas ou no, de nossa realidad (que al- ‘guns de nossos pensadores haviam anteriormente tentado en: ‘entar), Uma cesura que inezmente chegou inclusive a cortar ‘coma propria cultura de lingua portuguesa, como se fosse penoso Dbatermonnos com nossa relativa nao-centralidade, com nosso limites, com nossas coisas, enfim. (Cesura acompanhada tam. bbem de um desinteresse por saber como fazem flsofa outros paises semelhantes ao nosso, sem mutta tradigao ¢ lstro fo silos, algo sobre o que eu pessalmente ten gare curoidad) 59 19 MODERNIDADE, INTERNACIONALIZACAO, FILIAGAO: (© Acesso Direto as Fontes Candnicas ssa virada téenicae académica da flosola de que estou {ratando agora, consumada entre ids, de mado mais conspicuo. ‘de umas quatro éécadas para ct, representa mesmo algo de ex \waordinario para wm pais até pouquissime tempo sem univer sidade. & € de fata, nesse sentido, um autentico “ailagre brast Jeo” (em boa parte simultaneo ao outro, sob mesma ditadura milan, que sucedeu de alguns anos a sua (da universdade) ‘mais que tardia ~ mesmo para a América Latina ~eviagao entre 6s. Consideradas nossas eircunstarclas,é realmente um sal (oe um atatho, que mao seria de estranhar nao signifleasse ‘exalamente um aggiomamento pleno e um ganho Kquido (pots “formas” e “arranjos” pesam sobre os cérebros dos vivo pasar fazer um trabatho de tamana qualidade em tao pouco {empo. Tendo como resultado uma rapida elevagao do nosso ni vel de assimilagao e de elaboracao de matrzes europélas de pensamento, pela metodologia da escola francesa de “Ieitra estrutural” da obra floséfica de dois histofadores franceses da losofa ~ Martial Guéroulte Victor Goldschmidt, para ser mais Dreclso, Parte importante desse esforco émponéo, com mula ropriedade, 6 aprendvado aprofundada de lingua estrangera, ‘sto 6, da lingua de uma importante tradigao lose ocidental «mais espeeficamente, da lingua da obra elassica ou do autor ‘eanonico a ser estudado (pois se trata sempre do estudo de um autor candnico). Eventuatmente © inglés e mesmo o italfano, o ‘mas prineipalmenteo francés e, certamente acima deste, como para tantos fsofosfranceses (tradiclonalstas oa vanguarcir), fcalemdo. Mats do que Isso: aqueleesforgo podend implear num, vinculo estrlto com suas respecivas culturas ¢ historias, pois enfase io seria tanto numa dessas Kinguas enquanto “lingua franeat (como para nds o espanol e para o mundo todo o ings). de acesso a uma bibtiografta mats vasta de comunieagao num cepaco maior de disessdo, “slabalizado™, em congressos e co Aquos internacionais e revistas estrangedeas numerosas. Quan- {oa isso, essalvada a importancta do frances (ent minha op igo, também do espanho, © mundo utimamente Mlosofa ef Josofard cada vex mals em ingles, como Foucault chegou a fazer como Habermas freqientemente faz ‘A énfase estaria antes, entretanto, nao na idela de wma lingua franca, mas naquela, também mutto valida, de um ns trumento para o acesso mais fel 8 fonte, & obra no original ‘dé vatkda mesmo com risco de exageros[¢limitagdes), espe: clalmente quando 0 objetivo nao for fazer apenas exegese de ra da filosofla, Com esses exageros, poderiamos Jnadvertidamente passar, da lingua instrumento, a uma Hngua, sofo? Bem, Sartre fo, além de sil6sof, também um grande es- ctor. Mas um clentista, um pintor. um arquiteto, um serem filfsofos, isso nio parece hoje posivel. A explicacao. naturalmente, esta no tipo de arte em que consiste a losofa, ‘ave & uma atieddade muito diferente. © artista normalmente rato tem de perguntar por razses, nao necessita aclarar concet tos, Com relagto a ciéneia,ereto que o problema ¢ que temas ‘uma difereneiagaa muito forte hoje, da qual ndo podemos mals nos livrar. Nos nao podemos mats querer ser como 0s gregos do {empo de Arstoteles, nem como os modernosdo tempo dle Gallen ou Newton. ‘Minha palestra de omtem teve como tema o que se pode ‘chamar de antropologa Mlosica: a reflexao sobre nos mesmos. Isso creto que ¢ central para a flosofa. Eu Ja afirmel antes que creo que a extrema compartimentalizacao que se est fazendo na filosofia anglo-sauonica me parece errada. Por exemplo, hi hhofe uma disctpina que se chama “Teoria da Ago". Mas teria a agao de quem? Quem esta agindo? A resposta é © homem. E ‘como podemos entender as agies dla homem sem entender are Jago do hoaem consigo mesmo? Entio, reo que io € central para a filesofia, para entendermos assuntas come a moral, @ eo ‘mumieagao, a relagao do homem com a secedade, os problemas centre individuoe socedade. Eu disse quea fosofia trata de acta rar conceitos, mas somente canceios que sejam centrals a nos se entendimento E talver, mesmo dizer 90 ainda seja um pou- 0 insfeente. 0 centro tem que ser 6 que ¢ essenclal para nos 2 entendimento de nds mesmos, eno somente como indidues, ‘senso taéan como seressocias. Eu quero dizer com 80 que, ‘sim, erelo que uma certa compartimentalzacao na filesofia é ‘bea, mas num curricula de flosofiacabe sempre perguntat: por ‘que essa dlscplina e nao outra? Isso deve ser responcdido partin- ‘do de wma pergunta central, e ereto que essa pergunta central tem aver com nossa relacao com nds mesmos. Bu posso dizer uma cotsa mals. Nao sei se & um problema ‘Brasil, mas fot um granle problema no México e especial mente em alguns outros patses hispanices da América: idea 195 156 dese fazer ume flosofa latino-americana. 1850 erelo que & un erro, Acredito, sim, que um Mlisofo deve estar consciente dos problemas da sua época. "da sua época” sempre tem que sign- Acar também de seu pais. Mas a idéla de fazer uma Mlosoia latino-amerieana me parece errada porque se dz: por que deve ‘mos importar a flosofia da Europa ox da América do Norte? Mas a Europa nto se faz uma Mlosofia francesa nem se faz uma flosofia alema - sso seria terrve. Seria seguir 0 nazismo, por cexemplo, com uma reflexaa sobre a Alemanha no sentido do“ser lems". Isso nto € interessante, Crelo que todos somos ho- mens ¢ temos problemas diferentes nos diferentes pases, mas a reflex sobre nds mesmos nao constste em refer sobre n6s como alemes ou n6s coma americanos. Ent, tampouco sobre ‘nds como brasileros, creo eu SOBRE OS AUTORES Ernst Tagenthat, um dos mais destacados Mosofos do nos: 0 tempo, doutorou-se em Mosofla pela Universidade de Freiburg, ensinou em diversas universdades alemas durante a maior parte de sua carreira dacente, ¢, desde 1901, também na Amé: nea Latina e no Brasl. Seus primes trabalhes trataram de ‘Aristeles Husserl ¢ Heidegger, antes que ele passasse ao cam- po da filosofla analiven da lingagem. Nesta linha de investiga- ‘lo dedicou-se sobretudo & moral, em particular a questio de sua fundamentagto numa seciedade secularizada. Ele ¢ auto, centre outros livros, de Ligses Intedutrias @ Fsofta Anattca (dericado a Heidegger, Ligdes sobre Bien, © ro de Manuele Canta (2hlogos sobre moral, para adolescentes) ¢ Propedéutica Légico Semantiea (com Ursula Wol ~ todos dispontves em i sa portuguesa Oswaldo Porchat Perera, um dos mais importantes Mso- fos brasileiros, professor aposentado da Unicamp e da USP (emérto), doutorou-se em Mlosofia por esta altima universia: de, depois de estudos 1a Franca, Mats adiante fez estagios de Pos-Doutorado na Universidade da Callfornia, Berkeley. BUA, © 158 1a London Schoo! of Beonomies and Political Science, na Inga terra, B autor dos livros Ciénciae Dialétien em Arisétles, A Flo- “sare a Visdo Comm do Mundo (com outros autores, e Via Comune Ceticismo, alton de artigos que tratam prinefpalmente ‘0 ceticismo pirinico, posicio losoica que abrago © que tem “desenvolvido como valorizagao da "vida comum"e da “Visto co- mur do mundo”, Empenhou-se, ns atmos anos, mama avalia clo do model de estudar e fazer Mlosofa ainda predominante ro Brasil, que a seu juizo privlegia unilateralmente a historia da flosofia 0 comentario “interno” dos texto dos Mdsofos canonteos?. ‘Renato Janine Revo, professor titular de éticae flosofla politica da USP, fez @ Mestrado a Sorbonne e © Doutorado na USP, ambos sobre Hobbes, dos qualsresultaram os livros A Mar ado eviatie Ao Lettor sem Medo, Publicou ainda entre outros, |A Olina Razto dos Rets: Ensaios de PlosofaPoltea, A Socteda ‘de Contrao Social: 0 Alto Custo da Vida Pala no Bras, A Demo cracia, ARepiblene A Universidade ea Via Atual. Nos seus tabs Thos, pea flosofta politica em relagio com a cultura e a soceda eb letras, associa a democracia ao desejo € a republien & vontade, preacupa-se com as dieuldades da nossa democracia fe diseute a quesiao da universidade e da pesquisa, Renato nine, que fo recentemente professor visitante na Universi dade de Columbia, Nova York, 6 um dos nossos Mldsofos mais conhecidos, publicand regularmente na grande imprensa so bore a cena politica brastltra, ‘José Crisstomo de Souza, professor titular de Hlosola da ‘UFBA, doutorou-se em flosofa politica pela Unicamp e fez Ps Doutorado, em Mlosofla contemporinea, na Universidade da California, Berkeley. Entre outras publieagbes, & autor de A Questao da Indwiduatidade (sobre 0 debate Marx vs, Stes) € Ascenso e Queda do Suleto no Movimento tovem Hegeliana, Org- nizou € introdus volume Piosofia, Racionaldatee Demoera la Os Debates Rorty- Habermas, e integra, entre otras, a cole ‘tanea The New Hegelians:Folies and Philosophy tn the Hegelian ‘School. Ses assuntos de estidoinchiem prineipalmente pés- hhegetianismo, © pragmatismo e a flosofia polities, a partir dos {quatscrata de desenvolver um ponto de vista pratieo-demoeratt- 0, diessetg, em filsofia~na nha do que ele chama de “Bloso- fa ew 159 ONG:

You might also like